O ataque ao direito trabalhista do seguro-desemprego atende, simultaneamente, às exigências de enxugamento dos gastos públicos e à necessidade de disciplinamento de uma camada potencialmente rebelde da classe trabalhadora. Por Passa Palavra
O Passa Palavra, desde 2009, tem analisado a luta contra a austeridade na Europa. Algumas lições do processo europeu nos parecem claras. Primeiro, a expansão de pautas nacionalistas nos meios de esquerda, que atribuem os cortes ao imperialismo ou aos capitalistas internacionais. Com essa postura a esquerda incentiva as divisões internas à classe trabalhadora. Esse risco parece ainda maior em uma esquerda nacionalista como a brasileira, na qual se confunde o combate ao imperialismo com o combate ao capitalismo. O segundo ponto importante do cenário europeu mais recente é perceber que, mesmo nos locais em que os trabalhadores realizaram manifestações de rua massivas e mobilizações sindicais expressivas, os capitalistas impuseram derrotas significativas para a classe, frustrando a expectativa daqueles que consideram as crises cíclicas de produção um momento pré-revolucionário.
Esse acúmulo de debates ganha especial relevância para a conjuntura brasileira atual. Apesar de toda insistência dos brasileiros de acharem-se separados e diferentes do mundo, a chegada dos cortes no orçamento e a implementação das políticas de austeridade nos forçam a perceber o Brasil como parte do mundo. Entretanto, o cenário desenhado para estas medidas contingenciais no Brasil é distinto do europeu, tanto pela existência de grandes movimentos sociais estruturados, quanto pela dinâmica local do capitalismo, que vinha se destacando pelo desenvolvimento dos seus mecanismos de exploração da mais-valia relativa, ou seja, a retomada do processo de acumulação mediante concessões políticas e econômicas aos trabalhadores.
I
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, concluiu no dia 27 de fevereiro a primeira rodada de cortes de gastos, redução de subsídios e elevação das receitas estatais. O pacote de ajustes fiscais chegou a R$ 111 bilhões, e visa garantir a meta de superávit primário de 1,2% do PIB brasileiro. Dentre outras reduções de menor montante, o ajuste fiscal foi obtido por meio de: 1) corte de gastos no montante de R$ 57,5 bilhões; 2) redução de despesas obrigatórias (seguro-desemprego, abono salarial, pensão por morte) no valor de R$ 18 bilhões; e 3) aumento da arrecadação, com elevação da Cide (Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, um imposto de natureza extrafiscal, cuja principal incidência é no setor de combustíveis), do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras de Crédito, Câmbio e Seguros), do PIS/Cofins sobre importados (Programas de Integração Social e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) e do IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados) de cosméticos, chegando à cifra de mais R$ 20,6 bilhões de reais em economia para o Estado brasileiro.
Os cortes atingiram em cheio os setores sociais, e até mesmo o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi “bloqueado” para uma “reanálise geral dos restos a pagar não processados e das obras não iniciadas”, devendo sofrer um corte de R$ 19,45 bilhões (dos R$ 64,98 bilhões previstos). Além disso, a recolha de impostos em indústria e comércio passará de 1% para 2,5%; e no setor de serviços e construção civil, de 2% para 4,5%. Até mesmo o “Reintegra” (Regime Especial de Reintegração de Valores Tributários para as Empresas Exportadoras), que até o momento devolvia às empresas exportadoras 3% do valor exportado, foi chamado por Levy de “instrumento um pouco rudimentar” e passará a reembolsar apenas 1% em 2015, prevendo-se que volte aos 3% apenas em 2018. Em crítica às medidas anticíclicas do primeiro mandato de Dilma, Levy qualificou as políticas de desoneração da folha de pagamentos como “medida grosseira”, afirmando que “essa brincadeira custa R$ 25 bilhões ao ano e vários estudos mostram que não tem criado e nem protegido empregos. Estudos mostram que cada emprego, e são geralmente salários baixos, custa ao governo entre R$ 80 mil e R$ 100 mil por ano. Não vale a pena. É uma questão de eficiência do gasto público”.
Vale frisar que na guia dos R$ 57 bilhões em cortes de gastos do novo mandato, todos os Ministérios da área social foram atingidos, numa média de 20,3% de redução dos investimentos. O Ministério da Educação, por exemplo, perderá R$ 14,5 bilhões, o que representa nada mais nada menos que 31,1% de corte de verbas. O Ministério da Saúde perderá 6,7% de sua verba prevista, enquanto o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, responsável pelo Programa Bolsa-Família, 9,4%, ou 3,1 bilhões de reais. Já o Ministério das Cidades, responsável pelo Programa Minha Casa Minha Vida, perderá R$ 7,3 bilhões, um corte de 28%. O corte pode significar problemas na promessa, feita em campanha, de entregar de 3 milhões de moradias na terceira fase do Programa. O Ministério da Defesa sofrerá, igualmente, um corte de 32,6%. O Ministério que sofrerá maior percentual de corte será o das Comunicações, com 71,8%; e o único Ministério a ser contemplado com aumento será o de Turismo, com acréscimo de 13,3% .
Esse é o quadro geral do Ajuste Fiscal proposto pelo novo governo Dilma. No entanto, atritos entre governo e Congresso levaram a problemas nos trâmites legais das medidas provisórias que amparam as medidas. No dia 04 de março o Presidente do Senado, Renan Calheiros, barrou a Medida Provisória (MP) 669 (que aumenta os impostos sobre folha de pagamentos) comprometendo R$ 24 bi dos R$ 111 bi previstos. O argumento é que esse tipo de medida deve ser resultado de uma ampla negociação política e não de uma MP que chega ao Senado sem qualquer acordo prévio. Em resposta imediata, Dilma encaminhou um PL (Projeto de Lei) em regime de urgência, com o mesmo texto da MP devolvida. A resposta rápida, entretanto, de nada adiantou, posto que não cabia ao Presidente do Senado devolver a MP, que por isso segue valendo, e de todo modo Dilma não poderia enviar um PL com o mesmo texto de uma MP em vigor.
Para a análise que estamos propondo, o essencial diz respeito às MPs 664 (que instituiu novas regras para pensão por morte e auxílio doença) e 665 (que mudou as regras do seguro-desemprego e abono salarial). Ambas seguem valendo e o Presidente do Senado lamentou “não ter tido a oportunidade de barrá-las a tempo” tal como fez, ou tentou fazer, com a MP 669. Renan ainda pretende revogar as MPs 664 e 665, impondo que venham novamente para apreciação do Congresso, na forma de PL (Projeto de Lei). Ao falar do comprometimento dos R$ 111 bi de ajuste fiscal, em decorrência da posição de recusa do Senado, o Ministro das Relações Institucionais Pepe Vargas disse que a compensação dos R$ 24 bi comprometidos pelo Congresso poderá vir na forma de mais cortes nas despesas orçamentárias, ou seja, ultrapassando a cifra que já está em R$ 57,5 bi em cortes nos gastos discricionários (não-obrigatórios, que se referem a custeio e investimento) do orçamentos dos ministérios.
Aqui nos debruçaremos sobre uma das primeiras medidas de austeridade anunciadas pelo novo governo de Dilma: o corte de direitos trabalhistas, especificamente do seguro-desemprego. Apesar de uma retórica nacionalista que responsabiliza a crise internacional causada por especuladores, tais cortes estão de fato diretamente associados à interrupção do ciclo de crescimento anterior, que permitiu uma expansão dos gastos públicos com medidas neodesenvolvimentistas, por um lado, e aumento dos gastos sociais, por outro.
Os gestores do atual governo, advindos em grande parte das mobilizações da classe trabalhadora, timidamente procuraram justificar o corte dizendo que não se tratava de um ataque aos direitos dos trabalhadores, mas de um aperfeiçoamento de seu funcionamento. Em contrapartida, a reação da extrema-esquerda foi histérica: produziram inúmeras imagens com as declarações da então candidata declarando que não mexeria em direitos trabalhistas, pretendendo demonstrar o quanto foram traídos os eleitores e sublinhar o caráter burguês do governo do Partido dos Trabalhadores. Impressionante é a esquerda tratar como uma grande novidade os candidatos uma vez chegados ao poder traírem seus programas, ou ainda acreditar candidamente que isso varie para candidatos das diferentes colorações políticas. Tal reação impotente termina por evidenciar a continuidade do controle exercido pelo Partido dos Trabalhadores em boa parte da classe trabalhadora organizada; ao invés dos sindicatos e movimentos chamarem manifestações públicas contra a medida, por exemplo, limitaram-se a redigir notas de repúdio, organizar uma ou outra ação simbólica ou exigir reuniões, alegando que não ser possível realizar ações que desestabilizem o governo e fortalecessem a direita. Mas para além da insuficiente explicação que foca na cooptação de lideranças, cabe perguntar o porquê dessas tímidas mobilizações. Seriam as bases desses sindicatos e movimentos afetadas diretamente por essa política?
II
Diferentemente de casos como o do programa de austeridade em Portugal, aqui não se optou – neste primeiro momento – pela redução direta do poder de compra da classe trabalhadora, com o corte de salários e o fechamento de postos de trabalho. Embora alguns setores da indústria tenham anunciado a demissão de trabalhadores e as taxas de desemprego tenham subido no mês de janeiro, o Brasil continua com um dos menores índices de desemprego da história. Entretanto, a medida anunciada pelo Governo Federal tem por objetivo diminuir os gastos justamente com os que estão provisoriamente sem emprego. Atualmente o trabalhador que está há, pelo menos, seis meses trabalhando formalmente, caso seja demitido poderá recorrer ao seguro desemprego. A nova política estabelece que o trabalhador, ou trabalhadora, só poderá recorrer pela primeira vez a esse direito após 18 meses de contrato de trabalho, pela segunda vez após 12 meses e pela terceira em diante após 6 meses. Se as taxas de desemprego continuam baixas, cabe perguntar: qual a relevância do seguro-desemprego em um dos momentos com menor desemprego da história? Como esse corte poderá afetar as relações de trabalho no Brasil? Qual o estrato da classe trabalhadora que será prejudicado com essa medida?
Em relação ao volume de gastos economizado nesse corte, convém levar em conta que a expansão do mercado formal possibilitou a um maior número de pessoas recorrer ao seguro-desemprego. Se antes o jovem trabalhador iniciava sua carreira em empregos informais, sem carteira assinada e com baixos salários, agora ele pode se inserir em trabalhos precários e com baixos salários, mas com carteira assinada, o que lhe dá acesso aos direitos trabalhistas, dentre os quais o seguro-desemprego. As previsões do Ministério da Fazenda indicam que o corte deverá atingir o montante de R$ 18 bilhões, afetando 80% dos benefícios recebidos pelos jovens trabalhadores. Parece-nos claro que essa política está voltada para um setor específico da classe trabalhadora, que foi considerado o elo mais fraco a ser atacado com vistas ao ajuste fiscal em curso: os jovens assalariados.
Ocorre que esse setor não está organicamente inserido nas organizações de luta de trabalhadores; é composto por pessoas que não trabalham em categorias com sindicatos fortes e estruturados, por isso têm poucas estruturas de resistência coletiva. Respondendo à pergunta do parágrafo anterior, as pessoas afetadas por essa medida tendem a ser as alocadas no setor de serviços, que trabalham nos telemarketings, como atendentes de lojas, nas recepções, em serviços de limpeza; são, portanto, um setor com menor qualificação profissional e pior remunerado. A baixa remuneração e a dinâmica intensa de trabalho nesses setores têm como um de seus resultados a alta rotatividade entre trabalhadores e empresas, e é esta rotatividade (e seus custos no plano do seguro-desemprego) que o governo tinha em mente ao instituir a MP 665. Por não exigirem um alto grau de conhecimento especializado, há uma grande quantidade de força de trabalho disponível para o setor, o que permite uma rápida reposição dos trabalhadores.
Cumpre então analisar a maneira que este setor utiliza o seguro-desemprego. Podemos encará-lo como uma maneira de quebrar o disciplinamento da força de trabalho. No cálculo mental feito para decidir se vale a pena, ou não, se esforçar para se manter num dado emprego, o trabalhador leva em conta a possibilidade de recorrer a tal benefício. A possibilidade de passar alguns meses recebendo sem trabalhar influencia diretamente o quanto alguém está disposto a aguentar a pressão, se sujeitar às humilhações, aceitar o assédio moral, cumprir a longa jornada de trabalho, respeitar as metas etc. Pensa-se: “já estou aqui há tantos meses, saindo daqui fico tantos meses no seguro”. Quando a resposta do trabalhador é “vale mais a pena manter-me no seguro-desemprego por um tempo” começam as ações que diminuem a produtividade: deixa de se sujeitar aos ataques dos chefes, faz pequenas sabotagens, não cumpre as metas, responde aos gritos do gerente, deixa de fazer horas extras, entre outras. O seguro-desemprego funciona, assim, como um mecanismo que permite a resistência individual ao processo de exploração, como uma forma de escapar do regramento e um meio de indisciplina. Aqueles que recorrem a isso o fazem muitas vezes, pois a diferença entre o salário e o seguro não é alta a ponto de valer a pena se manter em uma rotina estafante, e estes empregos de baixa remuneração são encontrados em abundância.
III
Por que este setor foi escolhido para ser o primeiro atacado pelas políticas do governo? Estaria a resposta na força política deste setor? À primeira vista, estes jovens fazem parte de um setor desmobilizado, pelo menos do ponto de vista das organizações clássicas. Afinal, não estão envolvidos em organizações sindicais, cada vez menos se envolvem em lutas estudantis. Entretanto, desenvolvem cotidianamente uma resistência aos mecanismos de exploração do trabalho, como já discutimos acima.
Essa resistência individual tem um impacto negativo para os capitalistas, uma vez que diminui consideravelmente a produtividade. O corte decretado pela Presidência funcionaria então como uma medida de disciplinamento da força de trabalho, de redução da capacidade de resistência individual dos trabalhadores, visando, portanto, o incremento da produtividade. O desafio específico em relação a essa medida de austeridade seria o de como tornar coletiva essa resistência individual – ou, em outras palavras, como avançar nessa luta já travada cotidianamente pela classe. De nada adianta tentar demonstrar por denúncias que o partido no poder “traiu os interesses da classe” e que não é uma alternativa eleitoral.
Ao mesmo tempo, não se pode perder de vista a disposição de luta coletiva já demonstrada por esse setor. Afinal, foram os jovens trabalhadores urbanos os principais participantes das mobilizações de junho de 2013, iniciadas pela redução das tarifas do transporte coletivo – uma demanda material que afetava os diferentes setores da classe.
Em geral, setores mais organizados demonstram maior capacidade de exercer pressões sobre governos e patrões e, por isso, tendem a ser incluídos em mecanismos de exploração mais sofisticados, de modo a reforçar as estruturas de controle. Sendo assim, tendo este setor jovem estado no centro da onda de lutas mais relevante de nossa história recente, era de se esperar que fosse incorporado por alguma nova política pública, aberto um novo ciclo de concessões, isto sim, e não penalizado pela contenção de gastos. Como entender esta aparente contradição?
Embora Junho tenha demonstrado uma forte capacidade de atuação coletiva pelos interesses de classe, não se pode dizer que tamanha mobilização deste setor tenha conseguido consolidar, na sequência das agitações de rua, meios organizativos próprios e politicamente significativos. E talvez aqui resida a chave para entender o aparente disparate governativo. É de supor que esta parcela da juventude recém-ingressada no mercado de trabalho, com alto grau de precarização, esteja sendo reprimida antes mesmo que possa fundar bases organizativas próprias e à altura da combatividade que se expressou nas revoltas de rua de 2013. Melhor dizendo: medidas de controle podem estar sendo antecipadas antes mesmo que alguma organização oriunda deste setor desponte no cenário político e, com algum protagonismo, consiga se autonomizar do bloco petista. Com isso, não queremos dizer que não existam organizações ou esforços nesse sentido. Mas não se pode ignorar que o existente ainda está tudo muito disperso, localista, grupuscular, amiguista, e incapaz de promover formas de ação unitária que superem a fragmentação.
Os caminhos para essa autonomização ainda não estão dados. É possível que surjam, tanto num sentido anticapitalista, com a construção de novas práticas e movimentos de trabalhadores, quanto – em uma hipótese mais distante – na forma de uma alternativa de competição com o bloco petista, na disputa pelos lugares principais na gestão do capitalismo. Outra possibilidade, muito alardeada pelo campo governista, e não rara em situações de crise, seria o desenvolvimento de uma mobilização conservadora ou reacionária, com o acirramento das divisões internas da classe.
O ataque do governo ao direito trabalhista do seguro-desemprego atende, portanto, simultaneamente às exigências de enxugamento dos gastos públicos e à necessidade de disciplinamento dessas camadas de trabalhadores jovens. Se Junho fez soar o alarme para o quão sensível e perigosa era esta parcela jovem da classe trabalhadora, o rescaldo das agitações revelou-a também como o elo politicamente mais fraco. Conjugados, estes fatores fazem deste segmento o alvo mais adequado sobre o qual incidir o peso da política de austeridade à brasileira; algo que se sustenta não só pelas dificuldades que essas frações de classe encontram para resistir aos ataques como ainda se legitima pela ideologia do trabalho e do empreendedorismo, sendo o próprio seguro-desemprego visto como um anacrônico “presente” estatal aos “preguiçosos”. Sem a opção de jogar tudo para o alto a cada 6 meses, as camadas desse “precariado” serão mais pressionadas a se manter em empregos desagradáveis, o que pode gerar tanto protestos mais incisivos e reações violentas (seja no plano da organização de classe ou individual) quanto resignação e acomodações à ordem.
Alguns elementos dispersos parecem entrar em constelação. O “pacote de maldades” parece responder tanto à necessidade de ajuste fiscal quanto à necessidade de “domesticar” este setor “selvagem”, de forma semelhante ao uso da crise da dívida e da ascensão inflacionária dos anos 1980 no Brasil para tentar “domesticar” os trabalhadores de então. Ao mesmo tempo, o campo governista consolida a formação de uma “Frente de Esquerda” – que pretende colocar o PT simultaneamente como situação e oposição, e tem entre seus principais entusiastas o ex-presidente Lula. Tal Frente almeja ampliar o diálogo entre governo e base social, dialogando especialmente com os principais movimentos sociais e sindicais do que se pode chamar de campo democrático-popular. Pereceria então haver um antagonismo entre a composição da Frente de Esquerda e as políticas de austeridade, até porque o PT certamente buscará capitanear os setores diretamente atingidos pelas políticas de austeridade para uma agenda de mobilizações integrada aos interesses e às dinâmicas governativas, de forma a não permitir que a rebeldia contra o governo Dilma resulte num vácuo organizativo a ser aproveitado pela extrema-esquerda e voltado contra o próprio PT.
A nosso ver a Frente de Esquerda e as medidas de austeridade são as duas faces do modo como os gestores petistas buscam manejar o leque de contradições em torno de sua permanência no poder. São faces da mesma moeda, executadas por cada “lado” do PT, dentro da farsa do atrito interno: Lula e Dilma, trabalhadores e capital. Não poderíamos esperar que os gestores levassem a cabo as políticas de austeridade de tom neoliberal deixando munição e um espaço a ser aproveitado pela extrema-esquerda, voltando-se as contradições contra o próprio governo e os interesses do capital no Brasil. Para o PT seria preferível não atingir os direitos trabalhistas, mas não se trata de opção política e sim de determinações econômicas oriundas dos interesses capitalistas no Brasil, bem como da necessidade de disciplinamento de uma camada potencialmente rebelde da classe trabalhadora. Não se pode esquecer, portanto, que para se manter no poder o PT precisa não apenas manejar as pressões da extrema-esquerda como ainda as que vem da extrema-direita, as quais impõem que os lucros do capital transnacional sejam garantidos e advogam contra o governo paternalista e “comunista” (sic) do PT. Face ao modo como os gestores petistas manejam as contradições específicas do domínio capitalista no Brasil, a extrema-esquerda precisa formular seu pensamento estratégico tendo em vista as determinações políticas e econômicas em curso.
Sem dúvida o corte no seguro-desemprego tende a aumentar a subordinação nos locais de trabalho de um proletariado jovem, pouco qualificado e mal remunerado. Os trabalhadores de call centers, pelo perfil jovem e pelas terríveis condições de trabalho que em geral enfrentam, vem à mente.
Ouvi de um dirigente sindical da categoria, salvo engano em 2013, que numa empresa da região de Belo Horizonte eram contratadas 100 pessoas por dia, apenas para manter o quantidade de empregados, tamanha a rotatividade. Segundo o mesmo dirigente grande parte não aguenta ficar muito tempo. Ficam até um ano, saem. Mas grande parte acaba voltando depois de um tempo, afinal as opções são escassas.
É sabido que com 4 meses de trabalho muitos já começam a ter problemas de saúde devido ao trabalho.
Os cortes no seguro-desemprego tendem a piorar as condições de trabalho, uma vez que esses jovens em primeiro emprego terão por mais tempo nenhuma outra opção além de das condições impostas pela empresa. Por outro lado, a médio ou longo prazo isso significa que a saída individual do seguro-desemprego para esses será mais limitada, e para escapar das condições de trabalho poderá ter mais espaço a tendência a ações coletivas para transformar essas condições. Mas para isso evidentemente será necessário militância.
E a questão é que parece que as grandes empresas de call center estão muito seguras da incapacidade de lutas coletivas de seus empregados, uma vez que projetam e constroem seus locais de produção para abrigar uma concentração de trabalhadores dignas de tempos fordistas, com milhares de trabalhadores, do tamanho de shopping centers. Vendo de longe, tamanha concentração e condições de trabalho indignas parece algo explosivo. Irá explodir? Há esquerda hoje em dia que efetivamente milite para isso nesses locais de trabalho?
Quanto ao controle sobre essa fração do proletariado que tais medidas de corte representariam, creio que elas iriam nesse mesmo sentido. Os gestores sentem segurança de que nos locais de trabalho não haverá lutas coletivas, mas sabem que essa fração da classe trabalhadora é capaz de desenvolver lutas perturbadoras fora dos locais de trabalho, no tempo em que ela não é controlada através do trabalho, como nas lutas por redução de tarifa de transporte.
O trabalho assim é visto como forma de controle político-social. Meio de subordinar. E tem sido assim, até que a realidade lhes diga que não é mais.
Caros,
A quem o artigo se refere quando diz “extrema-esquerda”?
EXTREMA ESQUERDA tupiniquim (sinopse)
tardobolches: psolpstupco&stalinomaoguevaristas(3ºperiodistas).
tardoanarcas: farjunipa&monturo libertário (blackbloc incluso).
Giancarlo,
A grosso modo parece se entender extrema-esquerda como as correntes de oposição a esquerda governamental, pelo menos no caso do Brasil.
O meu questionamento foi no sentido de buscar um esclarecimento para um conceito importante no texto e que no meu entender se mostrou muito abstrato. Há dentro deste “balaio de gatos” da “extrema-esquerda” organizações com estratégias diferentes, o que determina a sua tática para o momento e a forma de intervir no debate relatado no texto. P.e.: Uma coisa é a cítica do PSOL, cujo conteúdo é “O PT governa mal, traiu os trabalhadores. A solução: vote 50!”. Outra é a proposta de outras organizações anarquistas ou bolcheviques revolucionárias que defendem que a transformação virá da revolução (não das urnas), e fazem a crítica ao PT no sentido em que este partido ainda possui influência nas massas, principalmente nos sindicatos. Fato que as massas ainda não superaram a sua experiência com o reformismo do PT, daí a importância de acelerar este processo com a crítica e a caracterização do governo como burguês. Pode parecer óbvio para militantes revolucionários, mas esta simples caracterização para as massas é um enorme avanço…
“Se as taxas de desemprego continuam baixas, cabe perguntar: qual a relevância do seguro-desemprego em um dos momentos com menor desemprego da história? Como esse corte poderá afetar as relações de trabalho no Brasil? Qual o estrato da classe trabalhadora que será prejudicado com essa medida?”
Não seria uma medida a ter efeitos a médio e longo prazo, de quem sabe que possivelmente virá uma maré de desemprego em breve?
Concordo com você, Giancarlo. O PSOL, por exemplo, no seu espaço eleitoral mal fala de greves e de organização dos trabalhadores. Ao se referir ao PT fala em inépcia, em vinculação a “interesses do capital financeiro”, sem dar nome aos bois com medo de espantar parte do eleitorado.
Oras, se vão se candidatar ao governo que ao menos usem o espaço público que assim obtêm para dizer as coisas como elas são, e não com eufemismos na esperança de conseguir uma base eleitoral nas classes médias.
Não se trata nem de dizer que o governo é burguês, coisa que está estampada na cara de cada político com mandato nesse país. É convocar a organização dos próprios trabalhadores em defesa de seus interesses. Mas parece que o que o PSOL quer
vender é um atalho para esse contexto por meio da urna…
mas “extrema-esquerda” não é um conceito abstrato. Ao menos não mais abstrato que centro-esquerda, direita conservadora, etc. Creio ser um conceito que cabe para o contexto brasileiro, onde a oposição de esquerda ao governo petista é minoritária mas em geral participa do mesmo tipo de ações e resistências, constroem nas mesmas centrais sindicais, nas mesmas frentes de massas, junto com os mesmos movimentos sociais.
Após uma leitura rápida. Um comentário rapido.Parabéns ao PP por um artgo com um olhar amplo para o horizonte grande. Fugindo um pouco do olhar do umbi-ghetismo que anda muito por aqui.
Creio que a analise é bem contundente ao centrar-se neste setor de classe, precario tanto em termos de inserção econômica como politica. A questão que fica (ao menos que me ponho) é como traduzir esta critica em palavra de ordem e ação politica mais ampla, com entrada real no mundo social… Digo isto pois ao observarmos o desenrolar da dita crise brasileira vemos que tanto a esquerda governista e a extrema-esquerda se aproximam cada vez mais numa (pequena) politica de salva-guarda de alguns indicadores macro-econômicos (como a taxa de desemprego, a balança comercial superavitária e o controle inflacionario) aliado a uma retórica trabalhista anti-elite. Parece-me ser esta ultima a justificativa final para a defesa do governo realizada por varios grupos de extrema-esquerda frente ao avanço dos descontentamentos generalizados, por eles tido como fruto do “avanço da direita” (que não por acaso ancora-se na critica moralizante à corrupção endêmica, portanto existente). E não penso apenas em grupos centrados no setor da classe menos precarizado como PSTU, PCO, PCB; mas sim daqueles que centram suas ações justamente junto a este “precariado”, como MTST. Em resumo, como se posicionar (para além da analise critica) frente a esta possivel crise de hegemonia do PT (em virtude de uma mudança na morfologia da classe trabalhadora) num quadro de agravamento (internacional) da crise e pos junho?
P.S.: Peço desculpas mas não sei mais escrever sem o uso dos parênteses…
Concordando com o sentido geral do texto, me chama a atenção o fato de não se considerar outra característica do segmento da classe trabalhadora envolvido em empregos precários: são na maioria mulheres. Basta pensar no setor já comentado do telemarketing.. Isso sem dúvida coloca desafios específicos ‘a organização desse setor, que precisamos pensar. Vejam quem são as pessoas mobilizadas por movimentos como o MTST, a presença marcante de mulheres, nem sempre jovens. Ou explicitamos mais essa característica, refletimos sobre suas consequencias ou estaremos ainda mais despreparados para contribuir na organização desse setor de classe.
Concordo na íntegra que o ataque ao direito trabalhista do seguro desemprego atende às exigências de enxugamento dos gastos públicos, mas fico na dúvida quanto ao disciplinamento de uma camada potencialmente rebelde da classe trabalhadora.
Este disciplinamento é muito anterior ao seguro desemprego e remete, por mais contraditório que possa parecer, ao governo de Getúlio Vargas, posto que a carteira assinada, ao garantir direitos trabalhistas, garantia também ao empregador muitas informações a respeito do trabalhador que iriam influir decisivamente em sua contratação, dentre as quais, o tempo de serviço dele na última empresa. Quem é trabalhador sabe o que significa “carteira suja”… Não é à toa que boa parte das empresas contam com o setor de “recursos humanos” (e quando não têm, contratam uma empresa terceira para isso), que parece estar mais apto a enganar o trabalhador do que ser enganado por ele…
Por isso que o intuito da limitação ao seguro desemprego pareça ser menos disciplinar o possível trabalhador rebelde (até porque a rotatividade dos postos de trabalho é um
princípio dentro do capitalismo, não só para manter baixo os salários como, e talvez principalmente, dificultar os laços de união entre os trabalhadores, inclusive nas empresas de alta rotatividade, pois mesmo quando o trabalhador é nelas readmitido, estes laços – assim como o salário- continuam enfraquecidos) e mais atender as exigências de contenção de gastos públicos.
Até mesmo uma eventual queda na produtividade do trabalhador, seja ela por rebeldia ou doença, possivelmente está prevista nos custos das empresas, pois o capital equivale o humano com o maquinário (que também se deprecia), os seja, são meros recursos (por isso departamento de recursos humanos). Assim, penso ser difícil que o intuito desta austeridade seja segurar o trabalhador no seu local de emprego.
Em minha opinião o intuito da limitação ao seguro-desemprego é algo mais simples e perverso: simplesmente deixar à míngua o trabalhador desempregado, bem ao gosto da extrema direita.