Como se posicionar neste novo momento no qual as revoltas não são provocadas por nossas organizações e nossas pautas estão bem longe de aparecerem nos cartazes? Por Passa Palavra
No dia 15 de março ocorreram manifestações de protesto organizadas pela direita contra a corrupção, o governo Dilma e o PT. A despeito dos números superestimados dos cálculos da grande mídia e da Polícia Militar, pode-se estimar que cerca de um milhão de pessoas participaram dos atos em diversas cidades do país, a maioria na capital paulista. Como já era esperado, os protestos tematizaram o impeachment de Dilma, com posicionamentos que oscilavam desde mais verbas para saúde e educação até o pedido de intervenção militar; mas sobretudo ouviu-se o grito “contra a corrupção”, com foco no escândalo midiático da vez. É a segunda vez que volta a ter expressividade e a ganhar os holofotes o sentimento político que deu as caras no dia 20 de junho em 2013 (que na época chamamos de “Revolta dos Coxinhas”). Buscando dar uma resposta antecipada aos protestos marcados para o dia 15 de março, as organizações do campo governista chamaram manifestações “pró-Dilma” para o dia 13 do mesmo mês, as quais não tiveram a mesma expressividade numérica dos atos do dia 15 e, pelo contrário, acabaram por jogar ainda mais lenha na fogueira que queima a si própria.
Mesmo aqueles que viam com indiferença toda essa movimentação política “bipolar” não puderam passar incólumes aos debates que tiveram lugar nos dias que antecederam os atos, em especial, mas não só, porque a grande mídia deu muita atenção para os protestos, inclusive publicando convocatórias e fartas denúncias contra o governo, oferecendo motivações para a participação massiva no ato do dia 15. Até mesmo o futebol não ficou indiferente à movimentação: o jogo entre Palmeiras e XV de Piracicaba, marcado para as 16h, foi antecipado para a parte da manhã, de modo a não atrapalhar as manifestações, seja com respeito ao deslocamento do contingente policial, seja com respeito a evitar uma divisão prejudicial à bilheteria e ao número de manifestantes. O que representam essas mobilizações, onde elas podem dar, e como a extrema-esquerda deve se posicionar frente a elas? A resposta não é simples. Na verdade, o espetáculo nos parecia um surreal flagrante delito:
O cenário é esquizofrênico: um governo reconhecido como esquerda que vem aplicando políticas de direita, atacando os trabalhadores e favorecendo os capitalistas. Então a extrema-direita acusa o governo de comunista, e consegue que a mobilização que convocou se nutra com a insatisfação dos trabalhadores. Em resposta, as organizações de esquerda chamam um ato para defender o governo.
Um dos temas que perpassa o debate é a questão da não aceitação dos resultados das últimas eleições presidenciais, o que leva a ala governista a acusar que está em marcha no Brasil um ilegítimo “terceiro turno”. E, de fato, o cenário tem algo de semelhante à corrida presidencial, pois move todo o debate político para uma polarização teatral, entre duas facções políticas dos capitalistas, distraindo o centro do debate do âmbito do conflito de classes. Vale lembrar que desde a reeleição o governo Dilma iniciou uma bateria de medidas de austeridade que até agora não teve que se enfrentar com protestos da parte da classe trabalhadora. É ela a grande prejudicada pelas medidas de ajuste fiscal que resultaram em perdas expressivas de direitos trabalhistas e cortes de verbas para educação, saúde etc., numa média de mais de 20% de redução orçamentária nas principais áreas sociais. Nesse sentido, por mais que a ala governista se mostre histérica e temerosa do avanço político da extrema-direita, o fato é que toda essa polarização termina por garantir aos capitalistas que o governo implemente as medidas de austeridade sem grande resistência, uma vez que tira delas o foco e desvia a discussão política, restringindo-a ao campo amorfo de debates em torno do tema da corrupção e de quem administrará a máquina estatal de gestão de conflitos sociais e alocação de recursos do fundo público.
Ademais, com tal deslocamento do debate se mina o desenvolvimento do movimento social novo e rebelde pós-junho de 2013, pois golpeia a constituição de um sentido comum das lutas da classe trabalhadora pela ampliação de direitos e permanência daqueles direitos historicamente conquistados. Não são coincidência os ataques à extrema-esquerda na semana anterior ao ato, por exemplo a nova tentativa de prisão de Cesare Battisti e a implementação de uma nova lei prevendo penas mais duras contra Black Blocs.
Enquanto isso, por parte do campo governista, a tática não guarda grandes diferenças daquela usada em 2013 e nas últimas eleições, bem como na constituição da Frente de Esquerda no imediato pós-eleições. No manejamento das contradições do capitalismo no Brasil e de uma governança que se vê tendo que enfrentar fortes oposições de direita e de esquerda, o PT evoca o golpismo e conservadorismo da extrema-direita como um modo de reforçar a si mesmo enquanto “mal menor” e assim legitimar o ataque a todo e qualquer movimento que o critique “pela esquerda”, conseguindo com isso implementar as políticas ao agrado da direita. Os alardes sobre um perigo de golpe militar contra o governo petista servem de munição, portanto, para o apassivamento das organizações de esquerda que queiram pressionar o governo a atender a demandas mais à esquerda, como por exemplo, reforma agrária e urbana, valorização salarial etc.
De todo modo, a composição da Frente de Esquerda por si só já mostrou que o PT não confia apenas na tática da hegemonia pelo medo de algo pior e sinalizou na prática sua intenção de estreitar sua ligação com a base social do campo democrático-popular, ao mesmo tempo em que o próprio governo Dilma estreita as negociações com a direita e atende às suas principais demandas estratégicas no plano econômico. Não é outro o motivo de termos a articulação permanente e umbilical entre o PT e as principais centrais sindicais na negociação prévia dos ajustes salariais para os próximos anos, além de termos uma composição ministerial no novo governo Dilma que tanto incorpora representantes do agronegócio quanto do MST, e tanto políticas de crescimento econômico que atendem aos interesses das empreiteiras/construtoras, quanto negociações próximas com o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) e inclusive uma linha voltada para essas demandas, no Minha Casa Minha Vida – Entidades. É assim que o PT amplia o leque da democracia capitalista no Brasil, amplia suas negociações buscando mostrar para o capital que o projeto democrático-popular ainda é a melhor alternativa para o asseguramento do pacto social capaz de preservar os interesses do capital no Brasil.
Entretanto, o central aqui é o processo de assimilação dos órgãos da classe trabalhadora. O PT no Brasil e o ANC (African National Congress) na África do Sul tem sido os dois únicos partidos governamentais no mundo que a ter um leque político completo, indo desde a direita até às franjas da extrema-esquerda. No caso do Brasil, um governo com um ministro da Fazenda que aplica a política proposta pela oposição é apoiado pela central sindical CUT, que depende do mesmo governo e se mostra plenamente integrada à lógica capitalista, não apenas pelo apassivamento e perda de combatividade em face do governo e dos patrões, mas ainda pela contribuição econômica por meio da capitalização dos fundos de pensão. Um governo com uma ministra da Agricultura que se converteu numa verdadeira grife da agroindústria inclui igualmente Patrus Ananias como ministro do Desenvolvimento Agrário com a tarefa de fazer o diálogo com o MST, o que garante ao governo o contato estreito com lados extremos de um espectro de interesses cada vez menos antagônicos. Mas isso já é de conhecimento de todos. O que continua obscuro para a grande maioria é que, enquanto Dilma vai aplicando um programa econômico conotado com a direita, Lula vai preparando à esquerda a sua próxima reeleição. Práticas que fazem parte do mesmo projeto e, portanto, são realizadas de forma articulada, se passam para a grande maioria, inclusive para setores da extrema-esquerda, como contraditórias. Entretanto, essa articulação entre práticas contraditórias, essa subjugação de diferentes anseios ao mesmo projeto, nos parece a democracia capitalista na sua modalidade mais perfeita e eficiente.
Se levarmos em consideração que as jornadas de junho de 2013 representaram sinais de esgotamento da capacidade do PT de apassivar a classe trabalhadora pela via da estratégia democrático-popular, e somarmos isso ao baixo desempenho econômico dos últimos meses, talvez tenhamos os ingredientes para compreendermos tanto a insatisfação por parte dos gestores capitalistas com o governo do PT, quanto a tentativa ainda incipiente de articulação de órgãos e modos de luta autônomos frente ao petismo. Além disso, é essa correlação de forças que explica a recente articulação das organizações do campo democrático-popular na formação da Frente de Esquerda que visa estreitar os laços com a base social que se mostrava rebelde e potencialmente prejudicial aos interesses capitalistas e do governo. O objetivo, é claro, é manter os movimentos sociais na rédea curta, o que atende tanto aos interesses de estabilidade política do regime (o que, no limite, é o que mantém o PT no poder) quanto aos interesses de continuidade no poder nas próximas eleições. A Frente de Esquerda nasce, portanto, com os olhares voltados para 2018.
No que diz respeito aos protestos convocados pela extrema-direita, há o grande risco: que um setor importante de trabalhadores, que estão indignados com a piora das condições de trabalho e de vida, e que logo em breve poderia desencadear processos de luta contra as medidas de austeridade e contra o ataque do governo aos direitos trabalhistas, encontrem nas mobilizações promovidas pela direita uma possibilidade de expressar sua insatisfação, acabando por engrossar as fileiras dos setores conservadores e nutrindo o desenvolvimento de uma força política de cariz fascista que pede intervenção militar e o retorno da ditadura.
Apesar das interpretações da extrema-esquerda em suas vertentes mais ou menos trotskistas atestarem que haveria no cenário político brasileiro um “problema de direção”, defendendo que uma organização assuma para si a tarefa de canalizar a insatisfação da classe trabalhadora num sentido anticapitalista, a nosso ver a questão não é tão simples: indo além do que vimos ocorrer em junho de 2013, quando a direita buscou capitalizar o sentido da revolta, as manifestações do dia 15 foram diretamente convocadas por ela, forçando o PT a colocar toda a sua base na rua. Os acontecimentos da última semana mostraram que a mobilização dos setores governistas encontrou-se com o seu limite, o que já havia sido comprovado no ato convocado pelas centrais sindicais após as jornadas de junho de 2013. Por outro lado, a experimentação de setores conservadores aos atos de massa ainda não se expressou em toda a sua potencialidade e é difícil prever qual caminho seguirá, se é que continuará caminhando, entretanto não se pode ignorar a força desta mobilização.
Frente a essa movimentação, a extrema-esquerda se mostrou até agora indiferente, inerte e atônita. Em parte, isso se deve a quase dois anos de exaustivos enfrentamentos contra todas as esferas de governos, chegando à reversão da principal vitória das revoltas de 2013 com o refluxo das mobilizações contra aumentos das tarifas de transporte em janeiro; sem falar nas eternas lutas fratricidas entre as organizações, quando não internamente entre os militantes. Ainda, parte da extrema-esquerda continua cedendo às chantagens de setores atrelados ao petismo que nos acusam de fazermos o jogo da direita ao criticarmos o governo. O medo de um “mal pior” continua assombrando. É um problema que a cada dia atormenta menos, ainda mais que há uma debandada de setores progressistas dos trabalhadores da base petista, mas ainda paralisa setores consideráveis.
Por último, e mais importante, a estratégia de “lutar por mais direitos”, encampada pelos movimentos sociais de modo geral, já não vêm atendendo aos anseios do momento. Diferente de junho de 2013, quando a revolta foi provocada pelas condições do transporte público, e por isso a pauta principal pôde por um período ser centrada no aumento das tarifas e ter o MPL enquanto vanguarda, a mobilização que vem se desenvolvendo não é construída pelos movimentos sociais, não centra suas reivindicações em direitos, nem busca estrategicamente expor os limites do Estado para nos garantir suas exigências. A luta contra a corrupção é um vazio politico que pode ser preenchido pelas mais diferentes propostas, desde a Reforma Política, passando pelo impeachment da presidente, e podendo até extrapolar para o questionamento radical das instituições do atual estágio da democracia capitalista, mas dificilmente será ocupado pelas bandeiras “específicas” dos movimentos sociais. O fato é que a bipolarização entre coxinhas e governistas, o que caracteriza o prolongamento eleitoral, anula a extrema-esquerda ainda pequena e agora desgastada.
Mas é então que surgem as questões: face à expressividade dos atos da direita, chamados em pouco tempo via grande mídia e meios de comunicação de massa, qual lugar – ou melhor, qual tempo? – resta a uma estratégia de construção organizativa lenta e a longo prazo, pela via do trabalho de base, de “formiguinha”? Como agir neste momento no qual as revoltas não são provocadas por nossas organizações e nossas pautas estão bem longe de aparecerem nos cartazes? A posição do “nem um, nem outro” não acaba por ser pessoalmente cômoda e politicamente inócua, ainda mais considerando que são pouquíssimas as iniciativas de trabalho de base em que a extrema-esquerda está envolvida? Num contexto em que a organização das mobilizações de massa são estranhas à gente, como se inserir ou provocar manifestações e criar vínculos entre os trabalhadores? Seremos capazes de existir e apresentar uma alternativa neste momento?
Finalmente uma análise da paralisia da dita “extrema-esquerda”. Encastelados não poderão ajudar. Que saiam pras quebradas, pras bases. Que construam junto à classe uma alternativa. O falatório dos falantes por vezes e muitas vezes esfola paciências da luta em transe. A classe não precisa de playboys (ricos ou médios) pra cagar as regras do caminho, ou cagar no caminho. Falador na quebrada passa mal e talvez por isso ninguém viu. Tamos carentes dos camaradas junto e misturados, dos mais esquerdas do momento com o pé na trilha pra trocar aquelas idéias e no fervor do cotidiano, mais os estudos conjuntos, sangrar a análise necessária pra além das belezuras dos bons textos da internet. Sem desconsiderar a importância dos bons e imprescindíveis textos, mas este campo tá bem preenchido e parece que sempre tem mais vaga ou candidato ao gabinete. No máximo uma ou duas passeatas e dá-lhe texto. Eita que essa esquerda classe média enche o saco e nessa postura produz velozmente uma fissura com a classe. Se é extrema esquerda tá carecendo da postura extremada, a língua sem osso já foi decifrada e blábláblá não tá grudando. Vamo chegar junto ou passa a palavra, por que a acidez da análise tem sido ótimo projeto de ruptura entre os nossos. Seria bom mesmo saber se extrema esquerda significa luta radical conexa e inseparável de análise radical ou se limita-se a crítica feroz e disputa cerebral. O baguio tá feio, cadê os manos e as minas inteligentes de esquerda, cola nos movimentos uns meses, todo humildades, todo gratidão, escreve um montão e depois área. Um mestradinho, um, tecêcê e falação na oreia, vorta pro quartinho quente no centro com internet. Aí o povão fica refém das merda alternativas das centrais pq ficá parado é poste ou é extremado correndo atrás do rabo. Precisamos ladrilhar chão conjuntamente e romper definitivo com a divisão intelectual paralizante do trabalho de base na esquerda.
Se a esquerda radical é marginalizada no atual contexto, que fazer?
Talvez um recuo estratégico para a defesa da “república democrática” contra os golpismos e fascismos (que existem e se espalham feito um câncer), enquanto é feito um trabalho de base no sentido de fomentar a auto-organização dos trabalhadores?
Eu estou confuso, sinceramente.
Vejo um governo que foi eleito com um discurso de esquerda aplicando uma política de direita. E ao mesmo tempo sendo pressionado por um extremismo de direita cada vez mais ensandecido.
Desconfio que a solução, para o próprio governo, fosse responder à mobilização da ultra-direita com reformas pró-trabalho, ainda que fossem barradas pelo Congresso Nacional.
No entanto, tenho nenhuma esperança nisso. E não é só pela incapacidade crônica de auto-avaliação de um governo que julga estar sempre certo e saber de tudo. É também pelos inegáveis compromissos dos seus membros com interesses capitalistas nacionais e internacionais, mediados pelo financiamento de campanha e composições congressuais.
Um golpe de Estado é o pior cenário possível, de consequências imprevisíveis, jogando o país num completo caos político e econômico (na medida em que certamente radicalizará a atual “austeridade” comandada por Dilma/Levy, ao mesmo tempo em que poria fim a 30 anos de eleições diretas).
Penso que existem movimentações nesse sentido, mas que a ideia é cozinhar em fogo lento, para comer o PT vivo e impor o retorno triunfal de uma mistura de neopentecostalismo dos anos 2000 com “reformas do Estado” dos anos 1990, o que, de certa forma, já está em curso, mas sem mostrar ainda toda a sua face horrenda.
A situação está crítica, perdemos uma batalha, mas a guerra prossegue.
CAJUÍNA & CASUÍSTICA (ou perguntar não ofende…)
Turva ou cristalina, lágrima ou suor?
Como saber de cór a côr da coragem para seguir caminhando sobre o fio da navalha no pão de açúcar de cada dia?
O ativismo pequeno burguês e o arrivismo pequeno burguês não seriam, apenas e tão somente, duas janofaces da mesma moeda na mesmice do troca troca da sobrevivência mercantil espetacular?
Dando uma de louco: a esquerda radical não está marginalizada no atual contexto. Desde junho mostrou que está se rearticulando, por fora do buraco negro a que chamamos campo democrático-popular, e mostrou que tem grande capacidade de mobilização popular, não obstante ainda sejamos gatos pingados na organização disso tudo.
Matheus cogita “um recuo estratégico para a defesa da “república democrática” contra os golpismos e fascismos (que existem e se espalham feito um câncer)” como pano de fundo para que possamos fazer nossa função genética: o tal “trabalho de base no sentido de fomentar a auto-organização dos trabalhadores”. Esse medo é justamente o que os governistas e o capital querem, além de ser a ideologia que ainda mantém gente minimamente crítica dentro da órbita petista. É nesse medo da coisa piorar que deixamos de tensionar e pressionar por melhorias, mas primeiro, uma ditadura militar não seria pior para nosso trabalho do que o atual contexto, em que há ditadura militar em todas as periferias e estado de exceção para todas as lutas mais radicais, anticapitalistas. Esse democracia perfeita, que o texto fala, é o pior cenário possível pra nós. Anticapitalistas afinados com o petismo, construindo a frente de esquerda. Isso é o pior cenário possível. CUT, MST e MTST assimilados pelo campo democrático-popular. Pior impossível. Extrema esquerda confusa e cogitando “recuo estratégico” para defender a legalidade dessa democracia restrita, autocracia velada, fascismo sorridente (como disse o ulisses)… pior impossível. Na ditadura ao menos se vê o inimigo mais facilmente, ao invés de ele estar a nosso lado e segurando nossa mão. O extremismo de direita ganhou expressividade política, mas isso era previsível, porque junho tensionou pela primeira vez na história desse país o caráter passivo da classe trabalhadora na conformação das mudanças históricas. Sempre os de cima abraçaram tais mudanças e as consolidaram como se não fossem conquista dos trabahadores e sim presentes do poderosos. Da abolição da escravatura até o passe estudantil do Haddad. O capital arquitetou muito bem a coisa toda: haveria insatisfação popular com as medidas de austeridade, isso era um dado a priori. A questão era direcionar a insatisfação, e com a sombra de junho, tratava-se e trata-se de dirigir a coisa à direita: nada que grande mídia e insentivo financeiro às franjas mais reacionárias da sociedade (igrejas etc) não resolva. Um milhão de direitosos no dia 15, a maioria em sua primeira manifestação. Estavam sendo dirigidos, ora. Se não houvesse manifestação de extrema-direita a insatisfação popular poderia estar sendo direcionada contra o governo num sentido à esquerda, ou seja, cobrando reformas pró classe trabalhadora. É justamente isso que se visa evitar. Não vai haver golpe, gente. A configuração institucional atual é a melhor possível para o capitalismo, e pro PT se manter enquanto o Partido capaz de segurar as massas, e é por isso que ele está no poder, ele precisa estar recebendo pancada, ora. Se ele não estivesse sendo atacado pela extrema-direita quem iria acreditar que se trata de um governo de direita? Só assim ele regurgita seu caráter “de esquerda”, que inexiste desde as eleições em que o Collor venceu. O golpe de Estado jogaria o país num completo caos político e econômico, não porque radicalizaria a atual austeridade do PT, mas porque um golpe daria força política pro campo democrático-popular, que se apresentaria como alternativa. Com tudo isso não estou negando que existam alguns interesses de detalhe que configuram conflitos entre gestores petistas e gestores do PSDB etc., provavelmente correspondentes a interesses mais ou menos divergentes entre esta ou aquela franja do capital. Penso que a extrema-esquerda está encurralada, mas que isso é ótimo. Quem sabe assim, tendo competição e pressão política vindo tanto da antiga esquerda e sua Frente de Esquerda quanto da direita mais extremada, ela não supere alguns dos problemas internos que vem corroendo ela ao longo dos anos. Se não superar o que teremos será uma democracia em que o ruim compete com o pior, ou seja, em que o democratico-popular (modernizador do Capitalismo brasileiro) compete com os evangélicos, coronelistas etc. Aí talvez estaremos nós lá, lutando pra que em vez de forca a pena para homossexualismo seja apenas pena perpétua. Pois é assim, reduzindo a pauta pra patamares anteriores (que impoem luta pela manutenção do que já não estava bom) e corroendo as formas de organização mais horizontais, que a direita cresce.
Só uma breve observação ao comentário de Matheus, quando diz que Dilma é um “governo que foi eleito com um discurso de esquerda aplicando uma política de direita”. Nada disso! Dilma foi eleita com um discurso de direita, ela não firmou nenhum grande compromisso sequer “progressista”, como poderíamos dizer a respeito a do PT em eleições passadas. Isso é auto-engano dos movimentos sociais que se apressaram a apoiá-la nas eleições e agora falam e estelionato eleitoral.
Abraços
Olá. Queria comentar não tanto o texto, mas algo que me chamou a atenção logo que li o primeiro comentário, escrito pelo Luciano.
A reflexão crítica, principalmente quando escrita, parece estar virando tabu, “coisa feia”, na esquerda. Como se qualquer esforço intelectual de análise e elaboração for algo em si elitista, descolado da militância real na base e, no limite, um atraso para a luta. Não sei se o autor do comentário se referia a este artigo propriamente ou a outros, mas é assim que me soa ler “que a acidez da análise tem sido ótimo projeto de ruptura entre os nossos”.
Se de pouco vale textos sem prática, pouco se avança na prática se não se tenta elaborá-la, levantar problemas, etc. Por isso interessante a iniciativa de canais como este, que combinam notícias de lutas de base e reflexões estratégicas.
O cenário é mesmo desnorteante e a sensação, de impotência. Mas penso que essa mobilização toda, ainda que reacionária e convocada pelas grandes redes de televisão, não é simplesmente negativa. Ela agita a discussão política, e acaba abrindo um contexto com potenciais pra avançarmos em alguns sentidos.
Dou um exemplo bem pequeno, de um bairro sem histórico de movimento onde estamos travando há quase um ano, com dificuldades, uma luta por melhorias – por assim dizer, uma luta “econômica”. Na semana do dia 15 de março, o tema não ia passar batido. Após uma reunião, um morador puxa a conversa: “E aí, que vocês acham desses protestos pelo impeachment? Sei não…”. Pela primeira vez, chegamos de forma qualificada à discussão da luta, também por assim dizer, “política”. E a conversa se encerrou com a conclusão de que, se um vizinho fosse presidente, “todo mundo, do lixeiro ao médico, ia ganhar o mesmo salário de 5 mil”. Um socialista…
A questão é a capacidade da extrema-esquerda de ir além de situações pequenas como esse, ou de conseguir integrar as experiências pequenas de modo a construir algo grande.
O grande problema de grande parte da esquerda brasileira, sobretudo daquela que constitui de uma forma ou de outra a base dos governos petistas, é pensar estes governos como um prosseguimento da luta da esquerda dos anos 1960 contra o imperialismo e o latifúndio, e a atuação da direita contemporânea como um prosseguimento da atuação da direita dos anos 1960. Isso é facilmente verificável quando nos deparamos com uma esquerda atônita diante da composição ministerial do atual governo: a presidente Dilma nomeou pessoas vinculadas ao latifúndio e celebradas pelo capital estrangeiro. Que horror! Acontece que nas décadas que se seguiram ao golpe militar tanto o capitalismo quanto o sistema político e também a própria direita mudaram de forma. A classe trabalhadora cresceu em número; grande parte do contingente populacional disperso pelo campo concentrou-se nos centros urbanos; o Brasil industrializou-se e integrou-se como nunca antes, e esta integração avançou também a nível internacional; surgiram organizações de massa da classe trabalhadora, que conquistaram e consolidaram espaço em negociações entre trabalhadores e patrões nos âmbitos público e privado; os bens de consumo popularizaram-se entre os trabalhadores e suas condições de vida melhoraram consideravelmente, e isto deu-se em grande parte com o auxílio de programas de distribuição de renda do Estado; novas formas de administração e contenção dos conflitos sociais passaram a vigorar, portanto; novas tecnologias alteraram não apenas a dinâmica do processo produtivo como também a vigilância sobre quem produz, e não apenas durante as horas de trabalho mas vinte e quatro horas por dia e em qualquer lugar; as classes dominantes brasileiras, bem articuladas com as estrangeiras, tornaram-se capazes de fazer prosseguir a política econômica do seu agrado, mantendo no Executivo este ou aquele partido político; os gestores procedentes da esquerda, juntamente com aqueles procedentes da direita, consolidaram-se no comando conjunto daquela política econômica como nunca se viu; e, controlando tanto a massa de manobra da direita (a tal extrema-direita) quanto a massa de manobra da esquerda (o campo dos governismos aberto e velado), tais gestores tornaram-se capazes de dirigir as massas populares dentro de limites bem estabelecidos, voltando os setores populares uns contra os outros e fazendo dos manifestantes nas ruas uma extensão do aparelho de repressão e vigilância do Estado; tudo dentro da legalidade: a própria extrema-direita é amplamente legalista, de um modo que encontra um paralelo interessante na extrema-esquerda, quando esta recusa-se a sair às ruas para combater o petismo com medo de um novo golpe. É bem conhecida a tese de que a maior parte dos militares brasileiros abandonaram o legalismo em 1964 somente quando as mobilizações populares desdobraram-se em insubordinação no interior dos quartéis (basta ler as principais referências historiográficas do assunto), sendo que aí confluíram os militares de alta patente já habituados à conspiração e os demais oficiais. Que perspectiva temos, portanto, de um golpe militar para o Brasil? É mais provável que o governo federal faça uso legal das forças armadas para a contenção de distúrbios em situações e momentos específicos, como aliás tem ocorrido. Enfim… a classe trabalhadora brasileira é hoje citadina e cosmopolita à sua maneira, participando com maior ou menor intensidade da sociedade de consumo, e isto ao mesmo tempo em que é submetida à mais completa ditadura empresarial em plena democracia capitalista. Ela não tem diante de si um projeto de transformação social à esquerda bem esboçado. Ela não tem diante de si uma utopia capaz de lhe abrir novos horizontes. Ela tem diante de si pequenos embriões de lutas autônomas que podem dar lugar a um tal projeto e a uma tal utopia. Mesmo assim ela se movimenta em meio a um cenário de confusão e de carência de referências, e defrontando-se com um totalitarismo empresarial que, jogando a esquerda nos braços às vezes acolhedores do Estado, mantém intactas as relações de exploração e de dominação política no âmbito da propriedade privada. Enquanto a esquerda não se familiarizar com essa nova realidade ela continuará a se imaginar como se vivesse às vésperas de um golpe militar, ou como se os coxinhas fossem muito facilmente começar a atacar a militância de extrema-esquerda sob a vista conivente das autoridades. Ora, não é necessário! As próprias polícias estaduais (civis e militares) já cumprem essa missão ao lado da Polícia Federal, de modo que a extrema-direita resume-se a pedir maior rigor do Estado no trato com os “baderneiros” e no combate à corrupção. Não, não estamos às vésperas de uma intervenção militar contra a esquerda, e muito menos às vésperas de uma facistização à direita, pela simples razão de que é o atual governo “de esquerda”, na verdade uma nova direita, a mais competente da atualidade, que tem reprimido até agora com grande sucesso os setores mais combativos da esquerda. Ou superamos os fantasmas do passado ou seremos esmagados pelos nossos inimigos bem vivos do presente.
O posicionamento que exprimimos em junho de 2013 parece mais atual do que nunca:
http://humanaesfera.blogspot.com.br/2013/06/os-interesses-que-estao-em-jogo-nos.html
“Os interesses que estão em jogo nos protestos das últimas semanas:
1) Classe dominante: dividida entre esquerda do capital e direita do capital, busca polarizar os protestos em torno de temas (por ex., “Estado versus mercado”, “empreendedorismo” vs “benefícios sociais” pelo estado, frente única antifascista vs fascismo) necessariamente espetaculares, isto é, que escamoteiam, como era de se esperar, o cotidiano da escravidão do salário (inclusive as forças repressivas altamente mortíferas que garantem a continuidade dessa escravidão) da quase totalidade da população.
2) Proletariado: embora os protestos tenham se iniciado com um objetivo que tem imediato interesse para os proletários (preço dos transportes), e embora tenham sido vitoriosos a esse respeito (reversão dos preços), o proletariado continua privado de meios de vida (pelo aparato repressivo, o Estado), rastejando por empregos, acuado nas empresas, submetido aos patrões, e inconsciente de sua própria força colossal e internacionalista. Sem sua luta (a luta de classes), todo protesto é necessariamente “revolta dos coxinhas”, mesmo que desfilem trabalhadores cansados e mal vestidos nas passarelas do espetáculo. Enquanto o proletariado não surgir como classe, os manifestantes serão necessariamente joguetes das polarizações espetaculares dadas pela esquerda do capital e pela direita do capital.
3) Classe média: capitalistas e proletários são todos “classe média” (média alta alta, média alta média, média média média, média média baixa, média baixa baixa….), que é a identidade individual que o capital fornece e que é necessária para o bom andamento do capital, assim como a “nacionalidade”. A “classe média” compra e oferece mercadorias “voluntariamente”, em “pé de igualdade”, mesmo que se submeta à venda da própria carne e pensamento humanos no mercado de trabalho. Ou seja, a classe média não existe exceto na imaginação. Um possível resultado da repressão brutal nas manifestações é a constatação por muitos mauricinhos, almofadinhas, coxinhas, de que a classe média não existe de fato, já que essa repressão pode frustrar a ilusão de que existe o “brasileiro” defendido incondicionalmente pela polícia (e, mais ridículo, pelo idolatrado BOPE). Mas não tenhamos ilusões, pois a classe dominante (esquerda e direita) sabe que não pode se sustentar sem insuflar na população divisões que se apoiam na união da fantasiosa “classe média” (“gente do bem”) com a repressão contra algum bode expiatório, tanto à esquerda e à direita.
Humanaesfera 23/06/2013″
Talvez o que eu escreva possa parecer mais do mesmo, mas parece que o pensamento social brasileiro se perdeu tanto em meio a um cego eurocentrismo nas nossas referências e princípios de luta, principalmente a esse campo democratico-popular que como o colega de cima colocou como um “buraco”….
Mas uma coisa que senti falta foi a análise de como a esquerda e a chamada “extrema esquerda” trabalha sua própria comunicação, sua mídia… enfim… Ainda ela é refém sobre o que os grandes veículos de comunicação pautam e quando assumirá isso e pensará em alguma alternativa?
Vale lembrar e contribuir ao debate que como colocado sobre os ministérios da agricultura-desenvolvimento agrario e cidades estão disputados tanto por uma ala conservadora como também com integrantes de movimentos sociais, no campo da comunicação há também a uma composição parecida.
Menos lido que citado – ultimamente, aliás, muito pouco – Gramsci, aggiornando Maquiavel, teria afirmado que poder = hegemonia + ditadura.
A vitória na guerra de posições, mediante a conquista da sociedade civil (hegemonia: proletariado dirige o bloco popular), seria uma indispensável precondição à tomada do estado (ditadura: proletariado expropria e subjuga a burguesia).
O mais é(?) Carlos Nelson Coutinho…
mais um elemento na troca de favores entre governo e movs sociais:
http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/03/1604659-haddad-sanciona-projeto-que-inclui-alimento-organico-na-merenda-escola.shtml
pelo conteúdo e pelo timming fica bem explícita a compra do apoio “antigolpista”.
Não entendi essa parte:
Entretanto, o central aqui é o processo de assimilação dos órgãos da classe trabalhadora. O PT no Brasil e o ANC (African National Congress) na África do Sul tem sido os dois únicos partidos governamentais no mundo que a ter um leque político completo, indo desde a direita até às franjas da extrema-esquerda.
Que extrema-esquerda? Com algum esforço da pra achar a esquerda no PT – no governo é bem mais difícil, talvez no terceiro escalão – mas a que se referem quando dizem extrema-esquerda?
Abras!
estive viajando no começo desse ano e então posso ta falando merda por estar fora do dia a dia das lutas de 2015, mas o meu sonho seria conciliar o trabalho de formiguinha proposto na provocação do último parágrafo com um FORA TODOS no presente momento, afinal se é uma merda o fortalecimento dos que tão querendo derrubar por outro lado seria lindo a dilma cair (e motivos não faltam, não só corrupção – mas se fosse só por ela já seria suficiente pq ela é incontestavelmente absurda e gigantesca, com mídia corporativa botando pilha ou não).
último, juro:
mas matheus, a defesa de uma “república democrática” pode permitir tanta corrupção? não acho que impeachmant seja golpismo, ta dentro das regras do jogo “democrático” que de democrático não tem nada, obvio. dilma e lula já fizeram muito pior que collor, e naquele momento tbm havia uma porrada de interesses nada de esquerda em sua queda, e mesmo assim ninguém considera golpismo. se a saída fosse dar esse passo atrás que vc diz, ainda assim não vejo como ele se conjugaria com defender a permanência da dilma. pra mim sua queda não é “o pior cenário possível”, tbm n acho que melhoraria mta coisa. mas confesso que eu ficaria feliz, pelo menos é um inimigo a menos, é gente que tentou a matar a gente na rua se fudendo, não tem como não sorrir. sou são paulino, é tipo uma final corinthians e palmeiras, não fico feliz com a vitória de nenhum mas me consolo com a derrota de qq um.
o FORA TODOS foi a consigna que unificou boa parte dos argentinos no 2001. Resolveu alguma coisa? Não. Entregou o país nas mãos de um presidente eleito com 20% dos votos e que em 10 anos foi capaz de cooptar uma enorme fração dos movimentos de massas que surgiram na época da crise. A força da negativa entrega o poder nas mãos dos que estão mais organizados. Enquanto não houver poder popular paralelo, fora todos será a consigna de se entregar o poder a qualquer outra força que trairá a expressão radical, para não dizer entregar nas mãos da direita (o que é mais provável no caso brasileiro atual). É legitimar o próximo da fila e seu discurso que virá pronto para incorporar os setores das massas que mais estiverem propensos a aceitar bonificações econômicas e que menos organizados estarão para resistir à cooptação.
agora, sobre o impeachment, é interessante a nova “narrativa” petista. Será que até o final do ano teremos algum jornalista/historiador revisionista que tente mostrar que o Brasil já sofreu um golpe de Estado durante a Nova República?
Em 2013 lado B Mauro Iasi travou um interessante diálogo quântico-zemeckiano com ulisses e a cajuína tropicalista revivida em palavras passantes. Transcrito abaixo para o desfrute dos pacientes, curiosos e carentes (Bedürfnis ou Notwendigkeit?) de programas mais atraentes, tal bate-papo pós-einsteiniano vem a calhar àqueles que em quinze coçaram a cabeça (e seguem coçando…)
(p.s: para fins acadêmicos vale pontuar que o pecebista e sua dor que deveras sente, incrédulo da face pragmática da mecânica do físico mostrador de língua, ou do poder de nostradamos (outra vez falo nele..) pensava então estar diante do túmulo prestando homenagem crítica póstuma – ledo engano – a um dos principais formuladores do programa democrático-popular, ou seja, amante da literatura resolveu ver em cores vívidas o livro primeiro da comédia onde poucos riem…
(lo saben? bueno, lo hacen…)
Passando então a palavra, com ou sem aspas e sem link, pra não render clics pros porcos drummondianos só no nome:
“A luta pela eliminação do ‘prussianismo’ confunde-se com uma profunda renovação democrática do conjunto da vida brasileira. Essa renovação aparece, portanto, não apenas como alternativa histórica à ‘via prussina’, como modo de realizar em condições novas as tarefas que a ausência de uma revolução democrático-burguesa deixou abertas em nosso pais, mas também – e precisamente por isso – como processo de criação dos pressupostos necessários para um avanço no Brasil no rumo do socialismo”
(Carlos Nelson Coutinho, A democracia como valor universal, 1979)
O que tornaria possível este cenário é que na crise da ditadura e no processo de desenvolvimento capitalista que ela propiciou, teriam se gestado as condições que tornariam possível o desenvolvimento de uma “sociedade civil” no Brasil, de um lado pela emergência de sujeitos coletivos de um novo tipo e suas formas de organização próprias (comissões de fábrica, associações de moradores, CEBs, movimento de mulheres, a questão ecológica, etc.) e, de outro, o fortalecimento de aparelhos privados de hegemonia que expressariam esta sociedade civil (OAB, CNBB, ABI, etc.). Tal processo cobrava e gerava as condições para uma “socialização da política” que poderia levar a superação da “via prussiana”.
O eixo central deste desenvolvimento seria o da democratização, primeiro pela conquista da democracia (negação da ditadura), depois por seu aprofundamento e consolidação e, finalmente, pela sua transformação substantiva (a passagem de uma democracia burguesa para uma democracia proletária).
Mais recentemente, o autor avaliando o desenvolvimento do cenário político brasileiro conclui que:
“Malgrado todos seus limites, a transição revelou, em seu ponto de chegada, um dado novo e extremamente significativo: o fato de que o Brasil, após 20 anos de ditadura, havia se tornado definitivamente uma sociedade ‘ocidental’ no sentido gramsciano do termo”.
(Contra a corrente)
O paradoxo é que o processo de democratização e do acúmulo de forças pretendido se verificou, mas o resultado foi muito diferente do esperado. De certa maneira este desfecho diverso das intenções anunciadas se explica pelo fato que a modernização (ou ocidentalização, se preferirem) que levou à socialização da política foi, de certa forma, visto de maneira unilateral, isto é, como se beneficiasse apenas a perspectiva dos trabalhadores contra o Estado Burguês e sua ordem. Perde-se de vista que a alternância da forma de domínio da burguesia, da ditadura à democracia, representava de igual maneira uma necessidade para a ordem capitalista. A socialização da política se dá no interior da luta de classes. Se é verdade que na perspectiva dos trabalhadores, pelo menos no interior da formulação estratégica que se tornou determinante – a estratégia democrática popular –, se tratava de acumular forças para realizar a passagem da democracia consolidada para sua substantivação, na perspectiva burguesa tratava-se de superar seu problema de hegemonia, isto é, legitimar sua ordem societária para além dos restritos limites das classes e frações de classe que dela se beneficiam.
Como o próprio Coutinho gostava de dizer, na luta de classes não há empate. Se os interesses burgueses prevalecem é sinal que os proletários foram derrotados e vice e versa. O que vemos é que a ordem burguesa se mantém sob a forma instável daquilo que Florestan Fernandes denominou de “democracia de cooptação”, tornada possível pelo governo de pacto social protagonizado pelo PT. Ora, neste cenário, a forma democrática deixa de ser patamar para o projeto transformador e vira um dos elementos de perpetuação da ordem do capital.
O dilema é que, pensam alguns, a forma democrática ainda é um patamar que nos interessa. Como afirmávamos, então, ainda que não possamos ir além no sentido de sua substantivação, é um bom lugar para esperarmos tempos melhores para seguir na luta pelo socialismo. Infelizmente as coisas não são bem assim.
Para a burguesia, nos alertava Coutinho em seu livro Contra a corrente, não é mais possível manter inalterada a forma que lhe foi tão útil da ditadura descarada de classe a serviço do capital monopolista, ou seja, uma “dominação sem hegemonia”, mas também a forma de controle pelo alto das massas trabalhadores para sustentar um desenvolvimento capitalista que lhes exclui dos benefícios, como no caso do populismo, também não e mais possível. Isto leva Coutinho a uma visão um tanto otimista. A ordem burguesa teria que combinar sua dominação com formas de direção hegemônica que lograsse consolidar “razoável grau de consenso por parte dos governados”.
Digo otimista pelo fato de que fosse esse o caso, o impulso do processo de democratização teria como se manter e a perspectiva de um “reformismo revolucionário” como ele defendia poderia ainda se manter como estratégia. A tensão neste quadro se daria em outro ponto. Para manter esta combinação entre domínio e direção hegemônica, o poder burguês teria que ceder em direitos e demandas vindas da parte mais organizada da classe trabalhadora e dos setores médios, alem, é claro, das demandas da burguesia monopolista, formando desta forma a base do consentimento. O caráter dependente da economia e a síntese com o arcaísmo oligárquico (por exemplo com a estrutura agrária e o fisiologismo estatal das elites), no entanto, impediria o atendimento das demandas da maioria da população, principalmente os setores mais pauperizados e desorganizados.
Esta constatação é profundamente coerente por parte de Coutinho e se relaciona com a própria concepção que organiza seu pensamento sobre sociedade civil nos termos de Gramsci, mas igualmente na sua fonte hegeliana (a sociedade civil como mediação entre os indivíduos singulares e o momento genérico do Estado por meios de corporações e grupos particulares). Em poucas palavras, quem está organizado pela mediação particular de seus aparatos privados de hegemonia interfere na política de Estado, quem não está ficaria fora.
O problema não está na coerência teórica, mas na relação com o devir do real: não foi o que aconteceu. Nos termos da democracia de cooptação, a focalização das políticas sociais miraram os desorganizados e em situação de miserabilidade ao mesmo tempo em que garantiram os patamares de acumulação de capitais para o capital imperialista. E para isso teve de atacar direitos e represar demandas dos setores organizados dos trabalhadores e das camadas médias. O único meio de realizar isso é pelo transformismo do PT e o apassivamento da classe trabalhadora, principalmente no seu setor mais organizado e decisivo para o funcionamento da economia capitalista. Isso se dá pela precária garantia de emprego (com as flexibilizações impostas) e pelo acesso ao consumo via certo grau de controle da inflação combinado com a facilitação do crédito.
Ora, quanto mais a democracia de cooptação se efetiva pela inserção passiva e subordinada via acesso à sociedade de consumo via crédito ou bolsas, mais a democracia se distancia de sua substancialização e nem mesmo paralisa no seu momento de consolidação institucional, política e jurídica. De fato, neste cenário ela é constrangida a recuar até mesmo nos elementos de conquista na luta contra a ditadura. A combinação entre a dominação e formas de direção hegemônica exigem uma “democracia forte” no sentido de ter os elementos de controle e garantia da ordem. Destrói-se o mito do auto aperfeiçoamento da democracia na direção única da socialização da política na perspectiva da revolução: seu aperfeiçoamento pode, e de fato assim se deu, ser garantia de continuidade da ordem do capital e não caminho de sua superação.
é lucas, o fora todos argentino foi isso TAMBÉM, foi o nascimento do kirchnerismo, os k não eram nada antes disso e só se consolidaram, com seu discurso mais à esquerda e suas práticas picaretas, porque todos os outros foram caindo. ok. mas não foi SÓ isso não hein, o fora todos consolidou os piqueteiros, colocou os desempregados na cena política e tirou parte da poeira do movimento sindical mafioso argentino, gerou uma porrada de assembleias e articulações autônomas, nos bairros tbm tinha os comedores, as feiras de trocas, uma caralhada de coisa mto foda. eu não vejo na história recente sulamericana um momento onde a autonomia esteve mais forte numa escala tão grande, vc vê? talvez no equador pré correa, mas ali tenho a impressão que o rolê sempre foi mais voltado pra substituir o mando estatal. concordo com vc que um fora todos aqui é loucura pela ausência de força e organização popular, por isso eu falei q é meu sonho só, mas “resolveu” não me parece um bom índice pra medir um momento histórico, pq senão aí não temos nada praticamente né, o que já resolveu algo? pra mim o fora todos argentino foi foda e resolveu um monte de coisas. por um tempo. várias se reverteram, algumas certamente ainda não.
Enquanto a “esquerda” governista (PT, PCdoB e Cia) luta para se preservar no poder e para continuar a ser reconhecida como liderança de esquerda, e a extrema-esquerda divide-se entre a esquerda-aspirante-ao-governismo-e-governista-de-vez-em-quando (PSOL, PSTU, PCB e Cia) e a esquerda autônoma-ou-combativa-mas-nem-tanto (todos os críticos do governismo à esquerda), esta última incapaz de iniciativa própria, dependendo sempre da iniciativa dos poderes “público” e privado para se movimentar ou para manter-se numa passividade fratricida, com disputas intermináveis em torno de quem será o “protagonista” da luta autônoma/combativa e com aspirantes ao “protagonismo” que só sabem dialogar com o próprio umbigo ou com aqueles que partem do mesmo “lugar de fala”, como se o “autonomismo” e o anti-governismo fossem compostos por celebridades concorrendo pelos holofotes (e será que não são?), a direita e a extrema-direita avançam e tornam-se capazes de cooptar cada vez mais os trabalhadores pela direita, voltando-os contra si mesmos, ao mesmo tempo em que a “esquerda” governista trata de cooptá-los, chantageando-os (emocionalmente ou não), pelo lado esquerdo. Mais e mais, o governismo petista se fortalece, pois se mantém como referência única e/ou hegemônica à esquerda, liderando o campo do chamado “progressismo”. A direita e a extrema-direita avançam e dividem os trabalhadores entre um “progressismo” petista e um reacionarismo (ou “conservadorismo” ou “liberalismo” etc.) vinculado ao grupo PSDB, DEM e Cia. O governismo “de esquerda”, embora esteja sofrendo duros golpes, mantém-se com força enquanto referência de esquerda, porque, perdendo progressivamente o status de situação hegemônica e inconteste, desloca-se também progressivamente para uma oposição supostamente de esquerda ou “progressista”: perde o equilíbrio de um lado, compensando-o em outro. A leitura desta entrevista (aqui: http://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/abrimos-caminho-para-diminuir-os-direitos-de-todos-os-adolescentes/ar-AAagS36?ocid=mailsignoutmd) e desta reportagem (aqui: http://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/ccj-aprova-pec-que-reduz-maioridade-penal-de-18-para-16-anos/ar-AAahjyU?ocid=mailsignoutmd), bem como dos comentários que lhes seguem, é elucidativa do que estou afirmando.
júlio, acho importante separar o que é resultado da luta auto-organizada dos trabalhadores no âmbito econômico e o que são as linhas políticas e suas consignas. Os piqueteros, bem como as assembleias, se organizaram para poder comer, não para chutar a classe política do poder. De fato, não se propuseram a tal coisa e nem se prepararam seriamente para isso. Não digo que o 2001 não deixou saldo organizativo, embora bem escasso, mas a consigna do que se vayan todos não foi o responsável pelo saldo, e sua limitação abriu o espaço para um novo ciclo de cooptação. Acredito que insistir nessa linha hoje, não superar essa limitação, é abrir caminho para coisas piores.
fagner, para fazer um contra-ponto, parece haver indícios de uma corrosão da base governista nos trabalhadores (cut) e um maior volume (ao menos em impacto social) de greves, o que indicaria um certo acúmulo de mobilização que está para ser disputado. Sabemos que o trabalhador brasileiro médio não tem preferência política/partidária acentuada, está em plena disputa e as últimas notícias apontam para um tendência crítica ao governo e disposição para os conflitos. A extrema-esquerda tem que garantir que a onda conservadora não transborde no setor sindical como alternativa ao governo; embora acho que isso é um pouco difícil no contexto brasileiro atual.
http://www.correiodopovo.com.br/Noticias/552452/Cpers-aprova-desfiliacao-da-CUT-e-garante-greve-se-salarios-forem-parcelados
Verbas da publicidade estatal irão para mais veículos, afirma Dilma
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/214283-verbas-da-publicidade-estatal-irao-para-mais-veiculos-afirma-dilma.shtml
El Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN) cuestionó a quienes ante “la catástrofe” y “la tormenta” que “vienen”, siguen “recurriendo a los mismos métodos de lucha: a las marchas, reales o virtuales, con elecciones, con encuestas, con mítines”.
http://www.jornada.unam.mx/ultimas/2015/04/02/cuestiona-ezln-metodos-de-lucha-ante-201ccatastrofe201d-que-se-avecina-1320.html