Após a relativa calmaria prolongada por uma década de hegemonia lulista, a dimensão do conflito, político e de ideias, deve retornar à arena da política institucional brasileira. Por Alexander Englander
De modo inusitado, o novo autoritarismo brasileiro tem um caráter parlamentar. A demofobia e a repressão vivenciadas nas ruas, em 2013, parecem ter chegado ao interior do que deveria ser a “Casa do Povo”. Eduardo Cunha está radicalizando, no Congresso Nacional, a política neoliberal de fortalecimento do caráter policial e repressivo do Estado associada à defesa intransigente dos interesses do capital oligopolista.
Para implementar essa agenda radical, Cunha está mudando o padrão de “governabilidade do Congresso”, o presidencialismo de coalizão perde o domínio para o parlamentarismo de exceção. Enquanto o primeiro é baseado na formação de uma ampla coligação fisiológica de apoio ao governo em troca de cargos e de vetos a pautas progressistas, o segundo é caracterizado por um fisiologismo interno ao parlamento, no qual a política de chantagens é acionada com a intenção de derrotar não apenas as posições do governo, mas a “cultura de direitos” instituída pela constituição de 1988. Nos dois casos mais emblemáticos de atuação do Estado de exceção parlamentar de Eduardo Cunha a agenda oligopolista e militarista esteve presente. No primeiro, a PEC que torna constitucional o financiamento privado de campanha, legalizando a “compra” (ou o “aluguel”) de políticos por grandes empresários. No segundo, a PEC da redução da maioridade penal, que desresponsabiliza o Estado do cumprimento de suas funções sociais e faz da juventude negra, pobre e periférica – grupo que reúne as maiores vítimas da violência no país – inimiga pública dos agentes de repressão policial. Nas votações das duas PECs, para conseguir a vitória de seus aliados, Cunha descumpriu acordos e desrespeitou o regimento interno da Câmara, recorreu a votações do mesmo projeto, com pequenas alterações, em menos de 24 horas e chantageou deputados, convencendo-os a mudarem os seus votos em menos de um dia.
Por isso podemos dizer que Cunha leva as práticas do Estado de exceção empresarial e militarista do neoliberalismo para o interior da Câmara dos Deputados, inviabilizando a governabilidade do presidencialismo de coalizão e instaurando – na prática – um parlamentarismo de exceção. Mesmo que com poder limitado – pois não conta com forte apoio no Senado e pode ter suas vitórias dirimidas pelo Supremo Tribunal Federal –, para derrotar a nova hegemonia e a nova governabilidade do conservadorismo neoliberal da chamada “House of Cunha” será necessária a formação de um novo bloco progressista na sociedade brasileira, a princípio sem a centralidade de nenhum partido e com penetração em diferentes setores e frações de classes sociais. Para ser exitoso este novo modo de fazer política não deve ter como horizonte o retorno aos padrões tradicionais de conciliação, próprios ao presidencialismo de coalizão, mas a construção de formas mais participativas de governabilidade, na quais o elemento agonístico do espectro político não seja suprimido por acordos conjunturais e grandes coalizões fisiológicas. Após a relativa calmaria prolongada por uma década de hegemonia lulista, a dimensão do conflito, político e de ideias, deve retornar à arena da política institucional brasileira.
Imagem de Joseph Mallord William Turner
* Alexander Englander é doutorando em sociologia no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da UERJ (IESP-UERJ).
Esse texto, ou é ingênuo, ou pretende defender o modo de atuação do governo e dos parlamentares governistas, em oposição ao modo de atuação da oposição de direita.
Em primeiro lugar, parte-se do pressuposto equivocado de que o Parlamento é algo oposto ao autoritarismo, que o Parlamento é supostamente a “Casa do Povo” e, portanto, defensor das liberdades democráticas, além de contrário à repressão, quando, na verdade, na maior parte das vezes, é o Parlamento que estabelece quando a repressão é legítima num quadro de liberdades democráticas.
Além do mais, o autor escandaliza-se diante do fato de os parlamentares recorrerem a práticas de bastidores desonestas, quando, na verdade, isso não é uma exceção, mas a regra. As práticas de bastidores desonestas fazem parte da própria definição da atuação parlamentar. É só parar e observar o que acontece por aí, pelo Brasil afora, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais.
Ora, é desses locais, onde se dão as práticas mais abjetas, que vem a maior parte dos parlamentares conservadores que dominam atualmente o Congresso: a chamada “bancada BBB (Boi, Bíblia e Bala)”. Aliás, nas assembleias legislativas e nas câmaras municipais, não atuam de modo tão diferente os parlamentares da base do governo.
De fato, tais práticas sempre se fizeram presentes no próprio Congresso, não só no Brasil, mas no mundo. E dizer que os parlamentares defendem os interesses dos oligopólios também não é muita novidade. Deve ser por isso que Marx e Engels definiram o parlamento, em 1848, e olha que estamos em 2015, como sendo “apenas uma comissão que administra os negócios comunitários de toda a classe burguesa” (aqui: https://www.marxists.org/portugues/marx/1848/ManifestoDoPartidoComunista/index.htm). O PT fez isso muito bem também, quando dominava o Congresso, junto ao PMDB. Por que a surpresa, portanto?
E mais: se convivemos hoje com uma agenda liberal ou neoliberal, não é de surpreender que o Estado se desobrigue de suas responsabilidades sociais. Isso é o que se passa, não apenas no Brasil, mas no mundo.
O problema é que os brasileiros só sabem olhar para o próprio umbigo, sobretudo a esquerda, cujo pensamento se prende sempre na especificidade brasileira. Mas as classes exploradoras comportam-se segundo uma agenda internacional mais ou menos homogênea, enquanto que a esquerda fica buscando as especificidades da situação nacional.
CONJUNTURALITE AGUDA & LONGA MARCHA ATRAVÉS DAS INSTITUIÇÕES (*): Desfaçatez da pseudocrítica apologética do atual estado
de coisas.
(*) para Pablo McCartney.
Fagner e Ulisses, o texto não é ingênuo, ele aponta para uma mudança na práxis das elites políticas e econômicas no interior do centro de poder parlamentar. E muito menos busca defender os parlamentares governistas, que se acomodaram a uma política de conciliação que empaca a agenda progressista. A justificação governista para a política de conciliação era estar distribuindo renda e aprofundando o desenvolvimento da sociedade. Mas em um contexto de crise, mesmo esse (frágil) argumento é desestabilizado. O que estamos vendo – no momento – é uma crise da cultura mínima de direitos instituída pela Constituição de 1988 e, antes dela, pela CLT. E veja bem, não estou fazendo a apologia dessa cultura de direitos, que com muita dificuldade constitucionalizou padrões mínimos de civilidade “burguesa” e de “bem-estar”. O que faço é apontar que mesmo essa cultura de direitos (que só é efetivada na prática a partir de lutas políticas concretas) está ameaçada pelo parlamentarismo de exceção. É por isso, e não apenas pelo baixo nível das chantagens de Eduardo Cunha, que há um avanço do Estado de exceção em nosso autoritarismo parlamentar, em relação à anterior governabilidade do presidencialismo de coalizão. O parlamentarismo de exceção tem sido a nova forma assumida pela política neoconservadora e neoliberal no Brasil, mas ela só pode ganhar forma porque a hegemonia lulista perdeu a sua força e o seu conteúdo: em contexto de crise internacional do capital não é possível agradar todas as classes sociais. E o governo tem feito a opção de prejudicar a classe trabalhadora e a classe média, com a adoção de políticas ortodoxas convenientes ao capitalismo financeiro.
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A questão da forma da governabilidade é muito complexa. Você cita Marx, em 1848, mas não recorre às mediações necessárias para aplicá-lo ao século XXI. Marx sempre esteve preocupado em unir teoria e prática e, através do método dialético, pensar as mediações. É isso o que pretendo fazer ao diferenciar presidencialismo de coalizão, parlamentarismo de exceção e democracia participativa. O que quis dizer no texto é que, a esquerda no Brasil (Marx sempre fez a análise de conjuntura de contextos nacionais) – com o parlamento dominado pelos neoconservadores e os neoliberais – não pode aguardar que a economia melhore e que a hegemonia governista seja restabelecida, mas deve praticar a cidadania ativa e a combatividade pela base. De modo amplo, dialogando com diversos setores da sociedade e formando um novo bloco progressista independente do governo. É uma proposta de oposição combativa. Se a esquerda ficar fechada em si mesma, nesta conjuntura, perderá na certa, e possivelmente de lavada.
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A cidadania ativa e a combatividade pela base não implicam no estabelecimento de um governo de minoria, extraparlamentar, mas a mudança da correlação de forças na sociedade e um novo assenso popular. Eu sei como é difícil, para quem vem do pensamento marxista, considerar a democracia como um valor, mas mesmo para quem não faz este reconhecimento (como me parece ser o caso de vocês, certo?), é importante constatar que defender um governo de minorias, neste momento, é entregar a bandeira da legalidade para a direita, que prepara um “golpe branco” e a instauração de uma ditadura de classe com discurso e aparência de democracia. A astúcia e os jogos de linguagem da direita podem constituir uma hegemonia conservadora de longo prazo no Brasil. Não se trata de fazer um elogio da hegemonia lulista, ninguém de esquerda estava satisfeito com ela. Do mais, ela definha moribunda. O que precisamos é buscar formas renovadas de fazer política, capazes de impedir o avanço dos neoconservadores e dos neoliberais. Não é hora para ilusões conciliadoras. Muito menos para o sectarismo. Não queremos a frente proposta pelo “Grupo Brasil”, que ainda sonha em ressuscitar o lulismo, mas precisamos do esforço para a aglomeração da esquerda e das forças progressistas.
Alexandre, creio que para nós, marxistas, democracia é um conceito grande e importante demais para caber no formato da democracia liberal, que parece ser o horizonte do setor hegemônico atual da esquerda brasileira.
A principal estratégia retórica destes setores, no qual você se encaixa, é a negação silenciosa do classismo, que foi a própria origem do Partido dos Trabalhadores.
Oras, quais são os “setores progressistas” brasileiros? Queria ver alguém que os reivindica fazer uma análise séria e profunda destes setores. Não o fazem porque ficará escancarado o seu caráter burguês, masculino, branco, heterossexual, etc, etc. As organizações de caráter mais “popular” que compõe a base do petismo são justamente aquelas que mais profundamente se fusionaram com o lulismo e com as práticas governistas.
Qualquer esquerda que queira ser consequente com uma construção “dos trabalhadores” deve evitar o roteiro da cooptação e da conciliação, especialmente num momento como este quando as pequenas forças combativas que restaram do período lulopetista devem se recompor e amadurecer. Se estas forças crescerem tendo por base um movimento que tenha como liderança os setores burgueses que são hoje a vanguarda do “progressismo” brasileiro, estaremos recriando a história do PT começando já da época em que o partido abraçou o fisiologismo como método de chegar ao poder.
Lucas, em um mundo no qual as instituições democráticas estão cada vez mais aparelhadas por grandes corporações, é necessário fazer a crítica do atrelamento da política institucional com grandes interesses privados. No Brasil esse problema não é de hoje, saímos da hegemonia do clientelismo coronelista e localista para a hegemonia do lobby corporativo nacional e globalizado (o Congresso é organizado por bancadas). Não foi assim em todos os países do mundo, o império do privado é uma característica do capitalismo dependente e periférico, com peculiaridades acentuadas no caso brasileiro.
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Essa crítica ao aparelhamento corporativo pode ser feita de dois modos: 1) pelo movimento contrário ao financiamento empresarial e ao financiamento privado de campanhas eleitorais; 2) pela mudança na correlação de forças na sociedade, que permitam a realização de políticas que promovam a desmercantilização das relações sociais. Esta última mudança social permite aprofundar a democracia, mesmo no nível institucional, mas é difícil falar da forma que essas transformações assumiriam, assim, de modo puramente especulativo. De modo sintético e sucinto esses dois pontos estão presentes em meu texto (que busca mais contribuir para o debate apresentando o novo modus operandi do conservadorismo neoliberal no parlamento).
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É complicado falar em cooptação, parece que só nós, que estamos à esquerda do PT, sabemos a “verdade” e temos acesso ao universal hegeliano. Tem uma arrogância nessa postura política (e teórica) que deve ser combatida. Estar à esquerda dos sindicatos e movimentos sociais que apóiam (ou apoiaram) o lulismo não deve nos autorizar a pensá-los em chave totalmente negativa. Eles devem ter os seus motivos para terem assumido sua adesão (relativa) ao governo. Podemos não concordar e criticar, mas não desqualificar. Nessa nova conjuntura eles podem ser aliados importantes na luta contra o avanço neoliberal e neoconservador. A esquerda precisa dialogar, se o sectarismo for maior do que as urgências históricas provavelmente nós vamos perder para quem está à direita do lulismo, e provavelmente perderemos de lavada. Isso é luta de classes e como em toda luta, às vezes é importante somar forças e saber quando e como essas forças podem ser somadas.
Lucas, pensar em termos classistas requer justamente centrar a análise nas relações sociais que fundamentam a sociedade, passando por cima da origem social, do sexo, da cor de pele, da preferência sexual etc. de cada indivíduo. Se você quer criticar o conceito de “forças progressistas” em termos marxistas, apontar a origem social, o sexo, a cor de pele, a preferência sexual etc. dos componentes dos ditos “setores progressistas” vai na contramão da intenção inicial (além do mais, parece que, para o Alexander, pelo menos no seu penúltimo comentário, “forças progressistas” e conciliação de classes não são a mesma coisa). Enquanto o programa democrático-popular do PT acabava e acaba criando condições para a conciliação de classes no quadro das ditas “forças progressistas” (no sentido utilizado pelo PT e pelos governistas), a esquerda centrada na temática dos privilégios e das opressões acaba criando uma identidade, geralmente associada às periferias, que impede qualquer cooperação crescente de uma quantidade crescente de trabalhadores em torno de um programa classista. Da mesma forma que são contrarrevolucionárias as reformas possíveis nos marcos do programa democrático-popular do PT, contrarrevolucionárias no sentido de frearem as lutas dos trabalhadores, é também contrarrevolucionária a crítica a esta ou àquela força política porque os seus componentes são de origens burguesas, ou brancos, ou homens, ou heterossexuais etc. Ora, se o mesmo critério for aplicado em toda parte, serão ditadas restrições à participação de pessoas de origens burguesas, do sexo masculino, brancas, heterossexuais etc. também nos movimentos autônomos dos trabalhadores, justamente aqueles movimentos que necessitam do maior número de apoiadores e participantes possível, porque a presença dessas pessoas supostamente confere a qualquer luta política um caráter contrarrevolucionário. E, por outro lado, as pessoas de origens sociais proletárias, e particularmente as mulheres negras e lésbicas, supostamente darão um caráter revolucionário a qualquer força política pelo simples fato de a comporem (e, sobretudo, se a dirigirem). O que sucede é que, atualmente, as organizações que mais precisam de militantes são aquelas que mais se preocupam em filtrar quem pode ou não militar, e até quem pode ou não falar etc., ao invés de se preocuparem com o tipo de relação social que se desenvolve no decorrer da luta. Se um indivíduo de origens burguesas se integra às lutas dos trabalhadores e participa de relações sociais coletivistas e igualitárias gestadas na luta, a sua presença é mais do que bem-vinda. O importante é perceber como as organizações dos trabalhadores foram desenvolvendo relações sociais completamente diferentes, primeiro sustentando a ascensão política da burocracia petista (e dos movimentos e partidos aliados ao PT) e depois sendo sustentadas e fortemente controladas por essa burocracia (e pelas burocracias aliadas) no poder; e tentar entender como isso viabilizou a governabilidade do partido, sobretudo durante os dois primeiros mandatos presidenciais do PT, ao passo que, agora, nos governos Dilma, as coisas estão muito mais complicadas para a manutenção da governabilidade; e tentar, por fim, traçar o que se deve fazer para superar tais entraves e retomar as lutas autônomas dos trabalhadores. Por fim, Alexander, a democracia a ser defendida atualmente, para mim, é a democracia desenvolvida nas lutas dos trabalhadores, tanto contra as burocracias de esquerda quanto contra as demais forças políticas capitalistas. O Estado capitalista, quanto mais aberto às demandas dos trabalhadores, quanto mais flexível, quanto menos autocrático, só serve para garantir que o poder empresarial (tanto privado quanto público) seja cada vez mais totalitário. Nesse sentido, tudo o que se concebe, hoje, como conquistas dos trabalhadores institucionalizadas pelo Estado (conquistas democráticas) são, na verdade, derrotas dos trabalhadores, resultantes da assimilação das demandas dos trabalhadores pelo capitalismo e da destruição dos movimentos e dos militantes que mais radicalmente subverteram, na luta, a disciplina capitalista. Muitas vezes, tais concessões do Estado são melhores do que nada, mas é preciso ter sempre em mente que se trata de concessões resultantes de derrotas. O parlamento não nos serve, o Estado não nos serve. Temos de derrubar o Estado e, para isso, precisamos desenvolver a democracia onde nos convém: nas lutas dos trabalhadores. Se o que você quer dizer com “forças progressistas” são todas as pessoas que defendem as lutas autônomas dos trabalhadores e se opõem à conciliação de classes, então concordo com você. Se, no entanto, é aquilo que os petistas geralmente chamam de “forças progressistas” (uma grande quantidade de movimentos e organizações cooptadas e burocratizadas, associadas ainda a partidos e políticos conservadores, ditos “aliados”, e ao poder empresarial), não há com o que concordar. E mais: essa crítica ao privatismo resultante das políticas neoliberais pode acabar nos levando a pensar o Estado como uma instituição neutra e como o “mal menor” frente às grandes corporações. O Estado, antes mesmo dos governos de orientação neoliberal, já adotava um modelo de gestão empresarial quase idêntico aos das grandes corporações nas empresas estatais, por exemplo. E, querendo ou não, as grandes corporações influem no Estado e se integram muito bem com os gestores do Estado: isso é inevitável no capitalismo e acontecia também em épocas de predomínio da intervenção estatal na economia. Não se trata de opor Estado a grandes corporações; trata-se de opor a classe trabalhadora a ambos.
Fagner, não uso “forças progressistas” como os majoritários do PT ou o PC do B usam. Eles mobilizam esse termo para pensar em uma política de conciliação e submissão ao capital. O que eu estou propondo é uma frente combativa que assuma a luta contra a exploração capitalista e as diferentes formas de opressão (de gênero, de “raça”, de etnia e outras). Concordo contigo que precisamos fazer a crítica do Estado capitalista e da burocratização de sindicatos e movimentos. Mas discordo quando você propõe que essa crítica implica na fuga da luta democrática e parlamentar e no rompimento do diálogo (mesmo que conflituoso) com sindicatos e movimentos progressistas que optaram por uma postura mais moderada ao longo da hegemonia lulista.
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A conquista de direitos não pode ser pensada como derrota, mas como expressão da luta de classes em nível institucional, que tem implicação direta no cotidiano da classe trabalhadora e das ditas “minorias”. É uma luta fundamental e que não pode ser dispensada. A luta democrática institucional deve estar mais articulada com as lutas democráticas de base e desta própria interação podem surgir inovações democráticas. A meu ver ganhamos mais com uma relação dialética do que com a separação desses dois níveis de luta. E, importante, os movimentos devem sempre defender a sua autonomia (ainda que sempre relativa, pois em algum momento vão querer institucionalizar as suas demandas) em relação ao Estado. Seja em um Estado capitalista ou com uma nova hegemonia socialista. Talvez os movimentos sociais da Bolívia sejam um bom exemplo do que eu estou querendo dizer. Mais ainda queremos mais do que isso, certamente…
Fagner, entendo a crítica ao multiculturalismo nas lutas da classe, o que eu quis indicar com meu comentário é que por trás desse fetichismo com as “forças progressistas” o que encontramos é que sua verdadeira força é quase puramente burguesa.
E chamo atenção para isso para desmascarar o discurso de uma esquerda crítica ao petismo que no entanto não se propõe a construir forças alternativas, apenas segue uma lógica de grande aparatos hegemônicos, tentando pintá-los de cor de rosa, de negro, de feminino, quando a bem da verdade é que as vanguardas do “progressismo” estão a milhas de distância de terem estes componentes em suas organizações. Ou seja, não se trata nem de fazer a crítica ideológica de sua opção pela conciliação, mas sim de mostrar que as organizações que encampam essa estratégia nem sequer parecem preocupar-se em conquistar forças com caráter verdadeiramente popular e plural, preferem depender de lideranças puramente burguesas.
Temos então duas frações do que está à esquerda do PT, uma que tenta criar forças desde baixo e crê na importância de se construir com independência dos grandes aparatos e da burguesia, inclusive por saber que essa relação é hoje em dia extremamente desigual; e a outra que busca loucamente vincular-se com setores burgueses que estão mais organizados e que se impõe como vanguarda. É insano achar que dessa relação poderá surgir qualquer “assenso popular” que tenha uma pauta autêntica e que não seja a expressão dos interesses dos setores aliados que dominam a correlação de forças interna dessa suposta aliança progressista.
Isso para mim apenas mostra a atual miséria estratégia da esquerda popular brasileira, que já foi vanguarda na época da criação do PT.