Por Coletivo Loukanikos
Antes de tudo, é preciso dizer que estamos em acordo com um recente comunicado de Anarquistas Ensinam e o de Alternative Libertaire, publicados no momento em que escrevemos este texto, o qual vai no mesmo sentido.
A fazenda eletrônica criada por Mark Zuckerberg já tem várias cabeças que por lá publicam informações e as debatem. Por ser bem habitada por trabalhadores, não é incompreensível que por lá se veicule a propaganda e opiniões de setores da esquerda. É preocupante, porém, pelo fato de que outros espaços propícios ao debate ― sejam na própria internet, com sua facilidade, ou mesmo os cara-a-cara ― estejam sendo constantemente substituídos pela fazenda, que tem políticas corporativas quase discretas de censura, seleção algorítmica de conteúdo e, obviamente, sendo um fácil e organizado catálogo para espiões de agências de repressão. O fato de nos mantermos sempre presos entre as cercas de Zuckerberg é algo que mereceria nossa atenção, mas é um assunto para outro debate. Por agora, trataremos de preocupações que se dão ainda no espaço da fazenda.
É preocupante a reação de muitos indivíduos de esquerda nos contextos de tragédias, como a de ontem em Paris. Ao reagirem à explícita hipocrisia e seletividade da imprensa capitalista (a brasileira em destaque) e à importância que essa dá a uma tragédia em um país como a França, em detrimento de outras tragédias em países mais pobres, certos indivíduos de esquerda tentam medir quais dores são maiores e, assim, também estabelecem uma seletividade ao elencar quais tragédias devem ser mais relevantes. O pior de tudo: relativizam ou simplesmente alegam insensibilidade e ausência de empatia a vítimas de atentados na Europa, dizendo que há atentados piores e que não recebem o espaço devido na imprensa capitalista.
Quando do atentado ao Charlie Hebdo, a onda era menosprezar o acontecimento, pois o Estado brasileiro mata jovens negros todos os dias na periferia. Ou porque também houve atentados do Boko Haram na Nigéria, e do Al-Shabaab na Universidade de Garissa, no Quênia, os quais ganharam menos atenção da imprensa corporativa e menos (ou nenhuma) lágrima dos chefes de Estado que, hipocritamente, étaient Charlie. Aliás, diziam alguns colegas de esquerda que seletivamente se guiavam em uma senda identitária que o Charlie Hebdo “teve o que procurou”, por sempre ofender a religião alheia — que por ser alheia, e de muitos imigrantes pobres, é mais sagrada para alguns colegas que o cristianismo ou o judaísmo. Já agora, menosprezam os atentados em Paris porque, além de se matar muitos jovens negros nas periferias brasileiras, houve a tragédia causada pela Vale-Samarco em Minas Gerais que, apesar da cobertura da imprensa capitalista, esta hesita e faz malabarismos retóricos para não dizer o que é óbvio e tem de ser dito: a culpa é da empresa e dos agentes públicos que a beneficiam.
Ainda no menosprezo, esses certos indivíduos de esquerda pioram as coisas quando insistem na ideia do “teve o que procurou”. Ora, estão errando o alvo, pois atingem os que já sangram no chão parisiense. Quem “procurou” foi o Estado [1], o qual não foi atingido. Não eram as vítimas dos atentados que promoviam a guerra no Oriente Médio, nem que fechavam fronteiras ou deitavam imigrantes aos guetos. Insistir no maniqueísmo identitário anti-eurocêntrico, insinuando que as vítimas são igualmente culpadas pelas guerras ou pelo colonialismo, e portanto pelos atentados, é um erro fatal que trai o princípio do internacionalismo como princípio da esquerda que quer ser revolucionária e que se diz solidária aos refugiados.
Dizer também que a qualidade de vida dos trabalhadores europeus (que, é importante dizer, para a maioria destes na União Europeia está mal) é custeada pelo imperialismo, ou em outras palavras, mais claramente, dizer que o salário de europeus é fruto do saque colonial e que, portanto, esses trabalhadores são culpados por se beneficiarem historicamente do colonialismo, é mais uma vez errar grosseiramente o alvo, aliviando para a atuação do Estado de países metropolitanos em África, continente que desde o século XIX é laboratório do capitalismo que temos hoje. Com essa leitura, não sabem considerar o que é lucro e o que é salário; a esquerda que tão arrogantemente manda seus opositores estudarem parece também falhar nos estudos, mostrando não compreender a conjuntura histórica e nela a situação de trabalhadores no ciclo de mais-valia relativa nos países colonialistas.
É justa a indignação contra a hipocrisia e seletividade da imprensa capitalista e dos chefes de Estado. Porém, fazer contorcionismos eufemísticos que no fim legitimam os atentados já não é justo. Combater os estereótipos, dizendo que nem todo islamita é terrorista, e que a grande maioria deles repudia atos terroristas como o ocorrido, também é justo. Porém, reforçar o estereótipo de que todo europeu é opressor e racista, desconsiderando que grande parte é contra a guerra empreendida pelos seus Estados, é pensar na mesma lógica, mas do outro lado. Combater o silêncio da imprensa capitalista em relação ao terrorismo de Estado nas periferias, bem como à tragédia em Minas Gerais, ou à guerra no Oriente Médio e às calamidades em África também é justo, ainda mais que se aproveitam do sensacionalismo em relação aos atentados em Paris para jogarem para debaixo do tapete aquelas tragédias. Porém, desmerecer as vítimas e o peso dos atentados, que estão contextualizados em um conflito mundial de grandes proporções, também é pensar na mesma lógica, só que do outro lado. Na verdade, nesses casos a lógica é a mesma, só o conteúdo e os alvos que são trocados.
Ao expressar indignação à forma de construção de informações pela imprensa capitalista, o que parece é que esses indivíduos de esquerda demonstram fé e esperança de que chegará um dia em que ela se alinhará ideologicamente aos que lutam por justiça social. Ora, todos sabem muito bem como é e quais os interesses defendidos pela imprensa capitalista. Quando esta, assim como outras empresas de outros setores, assume uma postura esperada, como, por exemplo, quando atendem as causas antirracistas ou LGBT, ou dos direitos humanos, a mesma esquerda que sabe quais são os interesses dessas empresas mais comemora que desconfia. Há conquistas, há a “visibilidade”, mas também há a apropriação de lutas e a água fria.
A imprensa capitalista veicula as tragédias em Minas Gerais, mas, é claro, não aponta uma postura anticapitalista em dizer que aquilo não foi um mero acidente. Ela também veicula tragédias em outros países, mas bem discretamente, escondidas nas colunas menos lidas em seus meios. O que a esquerda não pode fazer é ter a passividade de esperar que um dia essa imprensa diga o que queremos que diga. Se a maior parte da população é manipulada e acomodada a essa imprensa capitalista, é papel da esquerda procurar meios de informar, de produzir notícias e fomentar debates dentro e, principalmente, fora da fazenda. O que é verdade, é que essa mesma esquerda tão crítica também é dependente da imprensa capitalista, apenas republicando seus conteúdos e incluindo uma análise. É uma atitude importante, mas também é importante que se pense em como se construir nossos próprios meios de informação — se não dispomos de recursos financeiros, como a imprensa capitalista que tem correspondentes por todo o planeta e equipamentos caros, que ao menos procuremos formar uma rede de informações com as mídias independentes interestaduais e internacionais.
Criamos uma dependência à fazenda, com seus algoritmos que selecionam conteúdos, e a maior parte de notícias que lemos e republicamos são as que aparecem no feed de notícias. Essa comodidade certamente prejudica a atividade de se procurar, de ir atrás de notícias. Também somos, de certa forma, reféns da desinformação de que tanto acusamos a maior parte da classe trabalhadora presente na fazenda. Quando pessoas trocam fotos de perfis e mostram solidariedade a atentados na Europa, não significa automaticamente que são insensíveis a outras tragédias — ou quando são insensíveis, é porque se guiam pelo bombardeio de informações da imprensa capitalista, e aí a esquerda precisa repensar como se faz informação: será que somos muito chatos? Por que é tão difícil fazer visíveis as tragédias que queremos que sejam vistas? Por que, em nossas famílias, no trabalho, na escola, no ônibus, as pessoas se mostram desconfiadas com o que falamos? A hipocrisia de chefes de Estado e da imprensa capitalista que se diz solidária a atentados terroristas em Paris, certamente, não pode ser transferida a nossos conhecidos que se manifestaram solidários às vítimas.
A esquerda tem suas dificuldades em informar pessoas além dos círculos militantes, e os certos indivíduos de esquerda que se dizem insensíveis aos atentados em Paris estão falhando em sua luta, cometendo injustiças quando dizem estar procurando por justiça a quem não tem. Ao dizerem que não ligam para o que acontece na Europa, porque existem as desgraças cotidianos no Brasil, no Oriente Médio e em África, certos indivíduos de esquerda começam a agir da maneira que dizem mais desprezar. Ao se hierarquizar tragédias, mostrando-se preocupados com o que acontece em Minas Gerais ou nas periferias, a esquerda cai na armadilha antirrevolucionária: o nacionalismo. São nacionalistas na medida em que consideram que as tragédias daqui são mais dignas de revolta que as tragédias em França. São xenófobos quando desprezam as vítimas europeias, estereotipadas como eurocêntricas e racistas. Destroem a solidariedade internacionalista que a esquerda revolucionária deveria ter, deixando que fronteiras, nações e identidades seja a força motriz de suas críticas.
Por homologarem as atitudes de Estado, da classe capitalista, a todas as populações europeias, esses indivíduos de esquerda praticam o preconceito. Os atentados não atingiram o Estado francês, mas a população civil em seu cotidiano: o restaurante, o jogo de futebol, o concerto de rock. É por essas vítimas que devemos prestar solidariedade, de forma bem distinta da “solidariedade” hipócrita e sensacionalista da imprensa capitalista e dos chefes de Estado. Ao achar graça, e achar “bem feito” para a França, cujo Estado é responsável também pelos atentados, esses certos indivíduos de esquerda aliviam e legitimam a ação de um grupo fascista, qual seja, o ISIS, que é proclamado como um Estado. E pior, agem como os “coxinhas” em comentários raivosos na internet.
Esses certos indivíduos de esquerda vão pela via fácil do sensacionalismo, assim como a imprensa capitalista. Esquecem-se de considerar que o capitalismo é um sistema integrado, organizado internacionalmente, assim como a atuação da classe dirigente, e que os problemas que acontecem no Brasil, na Nigéria, no Quênia, na Turquia, na Síria e no Iraque devem ser igualmente preocupações políticas. A tragédia de Minas Gerais causada pela Vale-Samarco, assim como as chacinas nas periferias e a violência policial, bem como a fome, atentados e a exploração extensiva da força de trabalho em África, são tão importantes quanto as tragédias causadas por um conflito que atualmente acontece.
É bom lembrar as reações de Estado e de grupos de extrema-direita aos atentados em Paris, que o nacionalismo, a xenofobia, o sensacionalismo e a hipocrisia de certos indivíduos de esquerda parecem desconsiderar. Pouco tempo depois dos atentados, o presidente François Hollande decretou estado de emergência em toda Île-de-France, bem como o encerramento de fronteiras. As ruas de Paris foram tomadas de cercos policiais e militares e, como disse um bombeiro francês em reportagem da RTP3, a França estaria em guerra. Isso significa estado de exceção, suspensão de direitos, como demonstra muito bem aqui o que é o État d’Urgence. O Estado pode restringir e impedir trânsito de pessoas e veículos, estabelecer toques de recolher, invadir casas e prender pessoas sem mandado (ou com mandados feitos às pressas, desconsiderando-se qualquer direito civil garantido). Com isso, a polícia invade guetos e oprime imigrantes, mas não só. Manifestações, atividades sindicais e fluxo de informações na internet e por telefone, e até a imprensa serão censurados e coibidos pelo Estado. Isso é preocupante, e o nacionalismo de certos indivíduos de esquerda, que os deixa insensibilizados com a tragédia em Paris, impede o olhar mais atento e a solidariedade internacionalista [2].
Chefes e ex-chefes de governo e Estado decretaram a “guerra total, implacável e impiedosa” ao terror. Assim o fizeram Angela Merkel, François Hollande, Nicolas Sarkozy, John Kerry, Barack Obama, David Cameron, Matteo Renzi, Mariano Rajoy, Benjamin Netanyahu e Recep Erdogan. Sabemos muito bem o que isso significa e porque isso é perigoso para as populações de seus países, sobretudo os imigrantes, no alvo tanto do Estado quando do ISIS. Na Polônia, Alemanha, Itália as fronteiras também foram encerradas, assim como se acendeu o alerta em todos os países europeus. E na Bélgica, menos de uma hora depois dos atentados, o Estado decretou encerramento de fronteiras e iniciou operações policiais nos bairros de imigrantes islamitas. Na França ainda, Marine Le Pen, na extrema-direita, assim como fez Sarkozy, deixou claro quem são os inimigos: os imigrantes. Em Calais, no campo de refugiados, houve um atentado incendiário às tendas de refugiados. São estes, os refugiados, os que serão mais atingidos por toda a situação que, com certeza, trará o endurecimento do trânsito no Espaço Schengen. E é em nome desses refugiados [3], também, que certos indivíduos de esquerda, nacionalistas e identitaristas, mostram toda sua alegada insensibilidade ou pouco caso.
Vamos lembrar sim, do que acontece em Minas Gerais, nas periferias brasileiras; dos atentados em Beirute, em Ancara; no avião russo que foi abatido e caiu na península de Sinai; no financiamento e venda de armas e nos bombardeios da NATO [OTAN] no Oriente Médio, que atingem mais a população civil que as bases do ISIS; vamos lembrar que em 1961 houve uma grande chacina terrorista em Paris que dizimou argelinos; vamos lembrar, também, que muitos líderes de países africanos, mesmo sendo africanos, exploram suas populações e se aliam aos Estados europeus. Atentados em Paris em 2015 por grupos fascistas não são “bem feito”, assim como não foi “bem feito” a ocupação nazi em Paris em 1940. Esses indivíduos de esquerda, para serem considerados como tal, deveriam no mínimo ter que separar o que são atitudes de Estado, que geram guerras, e quais suas vítimas. Estariam as vítimas de Paris em acordo com a guerra na Síria? Seriam todos contra os refugiados? Para quem vive ou está na Europa, no cotidiano vê-se mais opiniões contra a guerra e solidárias aos refugiados que o contrário. Não tomemos as atitudes da extrema-direita como hegemônicas, apesar de serem extremamente perigosas, nem tomemos as atitudes de Estado como opinião pública: estaríamos caindo na hipocrisia e na manipulação preconceituosa da imprensa capitalista que todos ojerizam.
Esses indivíduos de esquerda que na fazenda de Zuckerberg se mostram patriotas, nacionalistas, xenófobos e sensacionalistas, além de policialescos contra quem mostra solidariedade às vítimas, além de serem, como a imprensa capitalista, seletivos em tragédias, demonstram não ter autocrítica. Quando dizem que as pessoas se esquecem da tragédia em Minas Gerais — ou, meses antes, em relação à viralização da foto da criança morta em uma praia da Turquia, quando diziam que a matança aos indígenas no Brasil (“os nossos refugiados”) a mando de empresários ruralistas, era um assunto mais importante que “os refugiados estrangeiros” — desconsideram que o cérebro humano tem uma capacidade incrível de se pensar em várias coisas ao mesmo tempo, além de se estabelecer relações entre fatos aparentemente desconexos. São moralistas e ressentidos, na medida em que estabelecem, por um juízo de valor, como e por quem todos devem sentir dor. Ao agirem assim, e desconsiderando as incríveis capacidades do cérebro humano, estão sendo tão irracionais quanto os que eles acusam de sê-lo. Conduzir um pensamento político pelos irracionalismos (nacionalismo, xenofobia, identitarismo, insensibilidade, ressentimento) pode produzir catástrofes: a saber, o fascismo. Não vamos tão longe: o ISIS também tem esses princípios como motor de sua prática, agravada pela irracionalidade de seu fanatismo religioso.
Esses indivíduos de esquerda, ao selecionarem a quem se deve prestar mais ou menos solidariedade, parecem não estar tão preocupados com um debate pelo raciocínio, ou um convencimento a sério. Ao agirem, como estão agindo na fazenda, parece-nos mais que estão marcando território, exibindo-se e tentando ser os “diferentes”, não por justiça, mas por aparências. A fazenda de Zuckerberg é um espaço de debates também, mas isso é limitado e pode ser nocivo, afinal não foi feito para isso. Na verdade, ela é uma grande vitrine de vaidades narcísicas, e por isso não dá para se diferenciar muito bem quem está preocupado em se fazer ouvido e quem usa suas opiniões e participações políticas como troféus morais dos “verdadeiros” defensores da justiça e liberdade. Mostram-se, assim, como pretensos juízes da moral e dos bons costumes da esquerda.
Voltando à falta de autocrítica, algumas dessas pessoas por vezes compartilham notícias sobre o que acontece em Kobane e em todas as frentes de resistência curda ao ISIS. Expõem algo que acontece e que, bem precariamente, é noticiado na imprensa capitalista. Mas estariam mais preocupados na revolução em curso — com todas suas dificuldades, incertezas e contradições internas — ou na criação de fetiches, como forma de se pavonearem aos amigos de fazenda e deixando de lado a complexidade dos conflitos? Se todos que estão preocupados com os atentados em Paris se esquecem dos atentados no Oriente Médio, do que mais falavam alguns indivíduos de esquerda em setembro quando dos ataques da França à Síria? Poderíamos dizer, sem medo de sermos injustos, que enquanto as desgraças no mundo acontecem, grande parte desses indivíduos de esquerda parecia mais preocupada com o Eduardo Cunha. A luta contra Cunha é muito importante, mas não seria tão importante quanto as desgraças que estavam a acontecer simultaneamente pelo mundo? Se isso parece ser uma falsa questão, sensacionalista e hipócrita, desmerecer as vítimas em Paris por conta de tragédias mais próximas geograficamente também o é. O moralismo é um veneno na esquerda. Se a imprensa capitalista e os chefes de Estado exploram oportunisticamente a tragédia em Paris, na esquerda não devemos fazer o mesmo, explorando a situação catastrófica em Minas Gerais, do massacre a povos indígenas ou explorando imagens de crianças mortas, feridas ou famélicas no Oriente Médio e África para fins sensacionalistas — devemos nos esforçar sempre em construir argumentos racionais em nossas análises, se pretendemos estabelecer uma crítica.
Com todas essas reações entre as cercas da fazenda de Zuckerberg, certos indivíduos, que se dizem de esquerda anticapitalista e libertária, se mostraram patriotas, nacionalistas e moralistas. Com todos os seus “isso aqui a mídia não mostra”, “lamento as vítimas em Paris, mas aqui a polícia mata preto todo dia”, “enquanto colocam a bandeira francesa, Rio Doce está morto e pessoas estão sem água” e outros sensacionalismos, esses indivíduos de esquerda mostram não apenas ignorar o caráter integrado do capitalismo, como traem e abandonam o princípio da solidariedade internacionalista. As fronteiras e identidades, as quais os capitalistas já ultrapassaram, ainda são entraves à classe trabalhadora, que por ela se encontra dividida. E alguns indivíduos de esquerda, que deveriam lutar contra as divisões internas à classe trabalhadora — e estando, inclusive, sempre vigilantes aos direitos humanos e civis em todas as partes do mundo —, estão agindo na contramão: ao tentar persuadir pessoas a não se solidarizarem tanto com as vítimas em Paris, reforçam a ideia segregacionista de fronteiras e identidades, de forma maniqueísta, como nacionalistas e patriotas que são.
Novembro de 2015
Notas
[1] Que nos desculpem colegas de certas tendências ou concepções de esquerda mas, para nós, Estado é um conceito que define o espaço de exercício do poder de controle exploratório da classe dominante. Não importa se é “velho” ou “novo”, “burguês” ou “não-burguês”, “liberal” ou “desenvolvimentista”. Estado abrange tanto o que é comumente conhecido como poder público quanto empresas privadas. O Estado, assim, ou é capitalista ou não existe.
[2] Vale lembrar, a fim de se mostrar que esse problema também é nosso: no Brasil discute-se, e provavelmente será aprovada, uma lei “antiterrorista”. Já houve a Copa do Mundo em 2014, que mostrou a integração internacional da repressão. Em 2016, essa situação se agravará com as Olimpíadas, e é bem provável que manifestantes anticapitalistas serão os terroristas inventados pelo Estado. Em Portugal, hacktivistas já foram detidos sob o pretexto de segurança do Estado e antiterrorismo. Em Espanha, a “Lei da Mordaça” e as operações “Caixa de Pandora”, nas quais manifestantes e militantes, sobretudo anarquistas, foram presos também no pretexto de segurança do Estado como incitantes ao terror.
[3] A questão da nacionalidade de integrantes do ISIS tem uma complexidade que a extrema-direita ignora em suas vociferações racistas e xenófobas. Praticamente todos os terroristas identificados têm nacionalidade de algum país europeu. São, em sua maioria, imigrantes ou filhos de imigrantes, tendo sido criados na Europa desde crianças. Outros são, digamos assim, nativos europeus, integrando-se nas fileiras do ISIS. A esquerda deve insistir que não são refugiados, mas também sem cair no erro de se generalizar e colocar qualquer imigrante islamita como suspeito. Para se combater o discurso da extrema-direita, é preciso provar que é incerto, imprevisível — e, portanto, deve-se prezar sempre pela presunção de inocência, opondo-se a qualquer política pública de caráter xenófobo ou a qualquer “lei antiterrorista” — quem, quando, de onde vem e aonde vai “surgir” um combatente do ISIS.
Com este artigo o PP comprova que continua a ser um ponto de sanidade no meio dessa indefinição/termo que nada explica chamada “esquerda”.
E continua a travar o combate em múltiplas frentes.
A fazenda de Zuckerberg é apenas, dentre outras coisas, um espaço para as pessoas terem assunto. Assuntos totalmente desconectados de qualquer comprometimento com aquilo sobre o que se conversa ali. Com exceção é claro de assuntos no âmbito do fútil, do privado/individual, ou, no máximo, do politicamente correto.
Muito bom o artigo, e por vezes, mesmo não tendo a intenção devo ter agido assim. Essa semana comecei um debate entre amigos (nos consideramos de esquerda) sobre essa questão. Postei uma noticia sobre a prisão de militantes do Levante Popular da Juventude, organização da qual traçamos duras criticas. E disse que se nos indignamos com a prisão injusta dos militantes que consideramos revolucionários, deveríamos nos indignar e protestar também quanto a prisão dos militantes do Levante, apesar de não concordar politicamente em nada como eles, pois se tratava de um prisão injusta, e que a reivindicação do protesto a qual o levaram a prisão também era uma causa justa (protestavam contro o genocídio do povo negro). alguns não concordaram e disseram que eles faziam o jogo do governo, reformista, etc., e por isso não mereciam simpatia. Mas insisti que a questão é a justiça e a solidariedade, independente de quem seja. Continuo pensando no assunto…
A expressão “genocídio do povo negro” constitui justamente outra armadilha. Nessa expressão, “povo” remete diretamente à nacionalidade ou à etnia. A questão é: nos deparamos realmente com uma nacionalidade ou etnia “negra” vítima de “genocídio” no Brasil? Nos deparamos realmente com pessoas que são exterminadas por pertencerem a um grupo social formado por vínculos de raça, religião, língua… Enfim, por compartilharem o que poderíamos chamar de “certas tradições culturais”? Ou por compartilharem uma “identidade” que engloba tudo isso? Somente nesses termos se pode falar em “genocídio”. Ou será que nos deparamos, na verdade, com uma fração da classe trabalhadora historicamente relegada aos piores postos de trabalho, historicamente sujeita a péssimas remunerações e baixas expectativas de vida e ascensão social, historicamente relegada às profissões que demandam maior esforço físico, historicamente sujeita à exclusão social e à marginalidade, e que tem sido, portanto, especialmente visada pela repressão policial? E mais: essa fração da classe trabalhadora não seria também uma fração da população negra? Ou será que todos os negros passam pelas mesmas experiências no capitalismo? Os negros (ou uma parte deles) têm sido especialmente visados pela repressão policial pelo que eles representam enquanto portadores de certas tradições culturais ou pelo que eles representam enquanto ameaça à ordem social estabelecida e ao modo como é distribuído o acesso aos melhores postos de trabalho e, portanto, ao modo como é distribuída a riqueza? A solidariedade deve ser devotada a uma nacionalidade ou etnia oprimida ou a uma fração do proletariado especialmente relegada às piores condições de vida no capitalismo? O racismo contribui, é claro, para que isso ocorra, mas a existência do racismo basta para definir a população negra mais oprimida como “povo”? Basta para atribuir-lhe o estatuto de “nação”? Ou seria ela ao mesmo tempo uma “classe” e uma “nação”? Mas não teria sido o fascismo o responsável por atribuir a certas nações um estatuto de classe, chamando a umas de “nações plutocráticas” e a outras de “nações proletárias”? O problema não é justamente atribuir o estatuto de nacionalidade a uma classe, ao mesmo tempo em que se atribui o estatuto de classe a uma nação?
A questão que levantei não se refere se existe ou não um “genocídio do povo negro”, apesar de ser um tema importante, principalmente considerando a realidade brasileira. A questão é? foi injusta a prisão? então por que não se solidarizar?
Agora sobre a questão do “genocídio”. O racismo existe, e o racismo vigente hoje, não se esqueça, é uma invenção do capitalismo durante o inicio do imperialismo que existe ate hoje. Realmente o capital explora independente da cor, e a luta central é a luta de classes e o projeto deve ser o internacionalismo proletário.
Mas não devemos esquecer que o racismo dentro do capitalismo e o capitalismo aproveitando-se dele, transforma através da ideologia racista uma parcela da humanidade em um tipo de sub-humano, com menos direitos e mais descartáveis ainda. Isso é real e acontece no dia a dia, como nos casos de violência policial do Brasil que atinge principalmente a população negra. Em cada lugar deve ser observada suas especificidades, e apesar do meu pouco conhecimento, parece existir uma violência, alem da violência geral do capital contra todos os trabalhadores, um agravamento no caso dessa população especifica. Que não deve ser tomada como bandeira central, mas deve ser combatida e usada para demostrar a face desumana do capital.
a sinistra pira quando o povo abandona sua cartilha e pensa e fala sem freios…vão ter de conviver com isso pessoal..acabou o cabresto.