Tudo que podemos fazer agora é tatear, experimentar, ensaiar, errar de forma nova. Essa foi uma das lições da luta dos secundaristas para a esquerda. Por Pablo Polese
1. A luta para além da estratégia democrático-popular
O Capitalismo segue forte. De onde ele tira essa força, essa capacidade de se renovar para seguir fazendo o que sempre fez? Como ele consegue assimilar e recuperar nossas lutas? Onde as pessoas colocam suas expectativas, nas conquistas individuais ou coletivas? Que vitória a esquerda teve nos últimos anos? Junho de 2013? A greve selvagem dos garis cariocas? A ocupação das escolas pelos secundaristas, subvertendo a disciplina escolar e impondo às instituições sua própria disciplina e auto-organização? Também estas lutas resultaram em “derrota” na sequência das vitórias, com a recuperação capitalista das concessões materiais e a desarticulação dos embriões de autogestão. Mesmo com as crises, o Capitalismo está a todo vapor.
Ter uma base permanentemente organizada é o pressuposto para as formas de controle das lutas pela social-democracia. A fragmentação se mostra uma condição histórica de nosso tempo. Isso impõe que a organização enquanto sigla tenha de ser efêmera. Nascer e morrer a cada luta. O fim da organização é uma qualidade em tempos de estratégia democrático-popular, porque ter uma base organizada é essencial para que possa triunfar o método democrático-popular de contrarrevolução permanente via atrelamento político e econômico das organizações ao Estado e empresas.
As organizações que buscam se construir de modo autônomo não têm canalizado suas forças no sentido da formação e consolidação de uma base permanentemente organizada, que possa ser “convocada” a qualquer momento. Isso implica que tais organizações sejam caracterizadas por seu caráter efêmero, ou seja, pela descontinuidade organizativa. Essa efemeridade das organizações é hoje um precário antídoto, espontaneamente forjado nas lutas, à forma democrático-popular de apassivamento por meio do atrelamento entre capital, Estado e movimentos sociais, pois com o fim das organizações não há o que atrelar, não há dirigentes a serem cooptados.
Mesmo nos processos de luta que saem do roteiro há a constituição de lideranças, as quais se tornam automaticamente alvo da burocracia encarregada de gerir os conflitos sociais. Ao nascer e morrer a cada luta, as organizações muitas vezes renovam essas lideranças, dificultando o sucesso dos mecanismos de cooptação. Se observarmos que a operacionalidade do modelo de contrarrevolução democrático-popular depende da adoção dos trabalhadores organizados aos mecanismos de participação colocados à disposição perceberemos o porquê do caráter efêmero das organizações ter hoje se convertido numa espécie de trunfo.
O campo democrático-popular só consegue viabilizar a gestão da miséria, a administração armada do social e o manejo – lucrativo – dos conflitos sociais quando assimila as organizações dos trabalhadores. Sem isto a gestão se tornaria impraticável. Nesse sentido, é fundamental que a classe esteja organizada, de modo a ser possível implicá-la ativa e democraticamente em sua própria degola cotidiana. Diferentemente da estratégia contrarrevolucionária anterior, centrada na repressão e no bloqueio à organização da classe, a estratégia atual se centra na assimilação das lutas pela via do incentivo à participação popular, ou seja, pela disponibilização de canais de diálogo entre movimentos sociais, coletivos, Partidos, sindicatos etc; e as instituições do Estado e do capital. É a contrarrevolução não pela via da restrição ao movimento, mas via movimento e mobilização total dos dominados, o que ocorre, de modo inédito, sob tutela das mesmas instituições que tradicionalmente se encarregavam tão somente das funções repressivas e coercitivas. Daí as concessões materiais enquanto lastro econômico que garante a operacionalidade e ossificação dos movimentos sociais, sua conversão em braços do Estado encarregados de cadastrar a base social e gerir os parcos recursos das políticas públicas, portanto órgãos que cumprem tarefas essenciais para o sucesso da contrarrevolução permanente em seu modelo democrático-popular.
Essa estratégia atual de apassivamento dos conflitos sociais reserva a repressão apenas aos órgãos da classe que se recusam a serem assimilados por essa lógica e seus mecanismos próprios de incentivo à participação e co-gestão dos conflitos sociais. A gestão da miséria, no entanto, não é algo perfeito. Ao serem implementados, os mecanismos de gestão das crises e dos conflitos sociais – que inevitavelmente se repõem – abrem perspectivas subversivas conforme vão sendo postos em prática, pois seus limites são experimentados, o que abre uma brecha para a crítica e para as táticas de recusa do receituário democrático-popular de apassivamento.
Essa alternativa de efemeridade das organizações pode nos levar a um aprisionamento eterno à luta por conquistas imediatas, e é talvez por isso que o campo autonomista em formação está se preocupando cada vez mais com o debate estratégico e com a criação de órgãos permanentes. Algumas organizações da extrema esquerda defendem que sejam criadas fraturas que poderiam servir de flanco para a ação revolucionária. Isso leva diretamente à pergunta sobre onde militar e com que base. Daí o interesse demonstrado pelos jovens militantes com respeito à análise da estrutura econômica do Capitalismo no Brasil. Trata-se de um movimento crítico importante, mas mais fundamental que a indagação acerca de “onde” militar não é a pergunta sobre o que é “ter uma base” e o que é lutar em tempos de fragmentação?
Tendo isso em vista, podemos avançar algumas hipóteses para reflexão coletiva. A meu ver, o confronto estratégico de hoje pode ser pensado enquanto trabalho de base ao estilo democrático-popular versus luta que forma militantes, o que implica um trabalho de base bastante distinto daquele de tipo clássico, de longo prazo e visando organizar a base. Algumas experiências recentes podem reforçar essa ideia. A luta dos secundaristas de São Paulo, por exemplo, ensaiou alternativas ao democrático-popular.
2. O Mal Educado
A Frente de luta O Mal Educado não tinha uma base permanentemente organizada, e se é verdade que houve um trabalho de base prévio às ocupações das escolas não deixa de ser verdade que este foi feito enquanto tiro curto, faísca que fareja a pólvora e vai até ela atiçar o fogo. Do mesmo modo como não se assumiu formalmente enquanto direção das lutas, o O Mal Educado não se preocupou em canalizar seus esforços no sentido de se tornar capaz de gerir todas as ocupações. Preocupado com a massificação das ocupações, ele buscava dar a linha estratégica da luta, como qualquer outra organização o faria, mas não almejava controlá-la e muito menos manejá-la para outros fins políticos, como por exemplo o desgaste do governo Alckmin (PSDB), em contraposição ao governo federal sob administração petista.
A reorganização escolar consistia em uma imposição política e econômica derivada de ajustes fiscais do Estado de São Paulo. Ou ao menos era o que se alegava. Sua implementação requeria tato político, posto que o fechamento de centenas de salas de aula e de mais de 90 escolas jamais seria visto como algo positivo. O governo paulista, no entanto, tentou passar a reorganização em bloco, o que permitiu que os alunos se alarmassem ao ver o processo em sua totalidade, atingindo a todos simultaneamente. Do mesmo modo, isso permitiu que a luta se desse em unidade, dada a pauta unificada.
Quando as ocupações se massificam, chegando a centenas de escolas ocupadas e ampla aceitação popular, Geraldo Alckmin se movimenta buscando evitar o desgaste político: destitui o Secretário de Educação, devido à sua falha na implementação da reorganização, e faz um pronunciamento suspendendo o processo, o que, coerentemente, não é tomado pelos estudantes como uma vitória. Depois de falhar no método da imposição à força, o governo adere aos mecanismos democrático-populares: chama para o diálogo e defende a formação de grêmios para a participação de estudantes, pais e professores no debate em torno do modo como se daria a reorganização, tida como necessária. A suspensão leva à perda da legitimidade pública das ocupações: “vocês já conseguiam o que queriam, agora voltem a estudar”. Do mesmo modo, esvaiu-se o fundamento da unidade da luta.
A seguir começa o processo de desocupações voluntárias e não-voluntárias: policiais em articulação com o crime organizado, com moradores do bairro e mesmo com estudantes contrários às ocupações passam a pressionar e forçam a desocupação de muitas escolas, especialmente na periferia. Simultaneamente, se intensifica o esvaziamento político do “Comando das Escolas em Luta”, espaço demasiadamente centralizado que não tinha legitimidade para muitas das escolas ocupadas. Essa desarticulação do espaço de integração da luta levada a cabo em cada escola foi potencializada pelo identitarismo multiculturalista: estudantes das periferias acusam os estudantes do centro da cidade de fomentarem a permanência das ocupações de modo irresponsável, graças a terem condições de luta mais favoráveis, como por exemplo não terem a pressão do crime organizado etc. Surge no ar uma contraposição regional de escolas ocupadas: não fosse o refluxo da luta é muito provável que a bandeira “Os estudantes pelos estudantes” desse lugar a algo como “As escolas da quebrada pelas escolas da quebrada”.
Corroído o fundamento da unidade da luta, e fragilizado o espaço de articulação estratégica, os conflitos passam a se dar de modo regionalizado, com foco nas pautas internas a cada escola. Com o fim das ocupações passou para o primeiro plano, em algumas das escolas até então ocupadas, o combate aos grêmios estudantis enquanto mecanismos institucionais de controle e burocratização das lutas estudantis, forjados pelo próprio Estado paulista, que assim adotava a mesma linha estratégica do modelo democrático-popular de gestão dos conflitos sociais via mecanismos de participação. A essa altura a radicalização da luta auto-organizada pelos estudantes já constitui uma potencialidade perdida.
Depois de resistir por mais de um mês aos mecanismos democrático-populares de assimilação das lutas, os estudantes secundaristas finalmente haviam sido derrotados. Tratou-se de uma derrota nova ou de mais do mesmo? Fruto político das lutas autônomas que ganharam expressividade a partir de 2013, a luta secundarista não seguiu o roteiro democrático-popular: a pressão não se dava nos moldes da estratégia petista da pinça, com articulação entre pressão parlamentar e extraparlamentar voltada para o Estado. Durante o primeiro mês de ocupações havia por parte dos estudantes uma recusa expressa à negociação por qualquer veículo que não fosse o de embate de forças, lembrando as “greves selvagens” que vez ou outra surgem na história da luta de classes. Em vez de líderes e representantes dos lados em disputa sentados à mesa de negociação o que se via era uma firme resistência à integração nos espaços de participação.
O diálogo com o Estado, tentado no começo das mobilizações, acabou sendo o caminho seguido ao final da luta, mas não se pode acusar os estudantes de cooptação ou perda de fibra, afinal lutas de alta intensidade como a que eles fizeram só poderiam ser mantidas quando oxigenadas pela proliferação de outras do mesmo tipo em outros lugares, o que não ocorreu, com exceção de rápidas ocupações na Itália e o processo de luta goiano.
Os secundaristas perderam de modo novo, em primeiro lugar, porque não fizeram aquilo que se tornou a regra nos movimentos sociais: não se sentaram à mesa de negociação das concessões, munidos do poder de barganha proveniente da pressão das ruas. Depois dos travamentos das vias, no entanto, o movimento passou a enfrentar um desgaste e cansaço, inevitáveis. Pouco a pouco o moinho da participação começava a rodar, atraindo os estudantes, que participaram de uma série de audiências na Assembleia legislativa, de uma Conferência em Washington (EUA) em defesa dos Direitos Humanos (por conta da repressão policial sofrida) e cada vez mais passou a ocorrer negociações com Diretores de Escola considerados “gente boa”. Levantou-se, então, a bandeira “contra as direções autoritárias”: buscava-se uma “boa direção”, participativa e democrática. Com isso ficava para trás o processo que estava pondo em xeque o funcionamento normal da educação, subvertendo a disciplina escolar, impondo às instituições, por meio da autogestão das escolas em luta, uma nova forma de disciplina e de organização pautada pelos próprios estudantes. Ficava relegado para o segundo plano, portanto, a busca de apoio junto a outros setores da sociedade e a promoção de formas alternativas de educação nas quais a escola pública seria aberta ao público e se converteria em algo novo, diferente do que está aí.
A autogestão da escola, posta para funcionar de um jeito novo, ao invés da autogestão da luta nas escolas, que foi propriamente o que ocorreu, só seria possível se outros setores aderissem ao projeto de autogestão da totalidade do tecido social, a começar pelos próprios professores (a menos que a nova escola fosse pensada sem a participação de professores). Com a bandeira contra “direções autoritárias” a projeção de novos modelos de sociabilidade dava lugar, portanto, ao debate sobre a forma “boa” ou “ruim” de gestão escolar, o que pode ocorrer em total conformidade com a estrutura organizacional pré-estabelecida pelo Estado, onde vige a hetero-organização, a organização hierarquizada. Nesse momento era nítido que o democrático-popular já havia sido interiorizado pelos estudantes, já estava posto enquanto modelo delineador da forma como eles se organizavam e das pautas reivindicadas. Ora, é a forma organizativa que determina o grau de radicalidade de uma luta, e foi por engendrar a autogestão da luta nas escolas – e, em alguma medida, a autogestão das escolas em luta – que aquela experiência fora, até então, radical.
Em síntese, durante cerca de um mês o O Mal Educado e os estudantes auto-organizados conseguiram resistir aos mecanismos democrático-populares de burocratização das lutas. Conseguiram impor a recusa à gestão de todas as ocupações, o que teria inevitavelmente resultado em uma rápida assimilação da luta por meio da implementação de “escolas-modelo”, com alunos em círculo e participando ativamente da gestão da escola. Nada mais democrático-popular que isso, e não é à toa que foi justamente isso que passou a ser implementado depois da derrota daquela luta: estudantes cada vez mais implicados ativamente na co-gestão das escolas e do próprio processo de reorganização escolar.
3. Autogestão das lutas e autogestão da sociedade
Estudioso da burocracia, Maurício Tragtenberg faz a seguinte síntese acerca da co-gestão e participação:
Co-gestão – dá-se no âmbito da empresa, mas também pode ocorrer no âmbito do Estado; no nível da empresa, unidade técnica de produção; no nível da sociedade, mecanismo de gestão financeira. A co-gestão comporta co-decisão: uma decisão só pode ser tomada por concordância das partes; se houver representação desigual, pela maioria dos membros que compõem esse órgão, ou seja, as duas partes têm o mesmo direito.
Cooperação – consulta inicial, em que uma das partes decide, mas informa à outra e formalmente a associa à outra parte na execução da decisão deliberada em comum, mas adotada, em última análise, só por ela.
Co-gestão é entendida oficialmente como equilíbrio de poderes, tendo em vista o bom funcionamento da empresa. Equivale à participação, sendo esta entendida como participação nos lucros ou aumento do patrimônio. A participação nos lucros constitui um aumento variável do salário em espécie, à livre disposição dos assalariados. […] Co-gestão e participação são conceitos que procuram definir o lugar do trabalhador na empresa; ela tem o nome de “conselho de estabelecimento” na Alemanha, “conselho de empresa” na Bélgica e Países Baixos, “comitê de empresa” na França, “comissão interna” na Itália. (TRAGTENBERG, 2005: 56)
Uma autêntica autogestão da escola só pode ocorrer se ela se sustentar de forma autônoma ao Estado e ao capital, o que é impossível se os trabalhadores não estiverem autogerindo também as fábricas, os vendedores autogerindo os comércios etc. Por isso, a rigor, dentro do Capitalismo só podemos falar em autogestão das lutas, de modo que a autogestão de qualquer espaço não se dê no intuito de “pô-lo para funcionar sob outra administração”, mas unicamente como arma na luta de classes. Nesse sentido, a escola ocupada não seria, acima de tudo, um instrumento de duplo poder, tal como os sovietes? Sua função é desorganizar o poder capitalista: a ocupação subverte o funcionamento normal da escola porque enquanto autogestão da luta e, portanto, arma na luta de classes, a escola ocupada deve garantir a existência daqueles que a ocupam. Não é por isso que os estudantes se veem obrigados a produzir sua própria vida material (alimentação, dormitório, atividades culturais, limpeza etc.) sob novas bases organizativas?
Ao virar de cabeça para baixo a antiga forma de funcionamento daquele espaço a autogestão das escolas em luta se converte em um ensaio, uma antessala para a autogestão da totalidade social. Não há meio termo: ou a autogestão se expande para outros poros do tecido social, ou a hetero-organização se repõe e a luta reflui. Além disso, por ser um instrumento de luta a escola ocupada tem por função organizar os estudantes e organizar ou neutralizar outros setores e classes da sociedade (daí termos visto artistas se apresentando nas escolas, uma chef renomada cozinhando em uma delas, professores e militantes dando cursos de formação etc.). Por outro lado, segundo um dos militantes do O Mal Educado, “foi justamente por acreditarem que estavam autogerindo a escola que os estudantes aceitaram os mecanismos de co-gestão da escola”. O camarada explica:
Trotsky, num texto sobre os comitês de fábrica, diz que os comitês são por natureza organismos de duplo poder dentro da fábrica, que rivalizam com o poder do capitalista. Por isso eles duram pouco – ou eles desorganizam o poder capitalista ou o poder capitalista os desorganiza – e, continua Trotsky, se eles permanecem é na base da conciliação de classes, e não mais do confronto entre elas. Foi isso o que ocorreu: ao não compreenderem a ocupação como arma, os estudantes acreditaram que poderiam autogerir a escola, o que os levou a aceitar a co-gestão. […]. Enfim, se é verdade que na autogestão das lutas se prepara a autogestão da sociedade, também é verdade que na “autogestão” se prepara a colaboração de classe.
Embora a autogestão da luta não tenha se alastrado de modo a desenvolver e consolidar relações sociais novas e estas tenham, pelo contrário, entrado em colapso diante da vitória dos mecanismos democrático-populares de contrarrevolução, os secundaristas auto-organizados foram capazes de retomar o legado de lutas autônomas e conseguiram projetar, mesmo que temporariamente, novos modelos de sociabilidade. Foram radicais ao ensaiar formas de organização da luta alternativas aos modelos disponíveis. Isso não é pouco.
4. Lições da luta dos secundaristas para a esquerda
Do ponto de vista tático a luta dos secundaristas mostrou a força da criatividade no enfrentamento dos velhos e novos esquemas de apassivamento e de burocratização das lutas. Eles se defenderam dos oportunistas do campo democrático-popular os mantendo fora das escolas, tidas como território autônomo. Foram atacados de mil maneiras por estes militantes experientes. Pensemos, então, no aprendizado prático dos jovens militantes que experimentaram e vivenciaram esses ataques e souberam responder a eles de modo perspicaz. Pensemos ainda nas possíveis lutas futuras que eles poderão empreender depois dessas aulas práticas. Eles vacilaram em determinado momento da luta, fazendo uma proposta recuada, que foi recusada pelo PSDB. Se o inimigo fosse o PT a luta teria acabado ali, quando havia cerca de 60 escolas ocupadas, isso se não tivesse acabado antes mesmo da primeira ocupação, pois chegou a acontecer uma conversa com o secretário de educação, que contudo não resultou em negociação.
Embora tenham sucumbido a mecanismos não tão novos de assimilação das lutas, os secundaristas perderam de forma nova, e isso constitui uma vitória, especialmente pelo contexto histórico em que se deu, um contexto onde as principais organizações dos trabalhadores estão completamente apassivadas e burocratizadas, o que permitiu que uma série de ataques aos direitos dos trabalhadores se dessem com pouca ou nenhuma resistência. Tivemos, portanto, lutas radicais em um momento histórico em que estas escasseiam e, pelo contrário, a recuperação das lutas se potencializa com o ganho de expressividade política de uma oposição de direita ao PT impondo uma agenda de ajustes ainda mais perversa no que diz respeito aos interesses dos trabalhadores. Lutas autônomas em um contexto, portanto, de terra arrasada onde paira o fantasma da recolocação do campo democrático-popular enquanto alternativa de esquerda.
As ocupações, cerca de seis meses depois, das escolas técnicas de São Paulo, bem como das escolas cariocas, goianas, mato-grossenses, gaúchas e cearenses nos mostra o contagioso legado explosivo das lutas radicais, pois muitos dos militantes que empreenderam essas lutas se inspiraram e muitas vezes foram forjados depois de 2013 e 2015.
A forma de luta via ocupação representa a ocupação como ferramenta de luta efêmera em si mesma. Isso é um limite ou uma potência? A meu ver, no caso dos secundaristas e estudantes das escolas técnicas foi uma potência. Não ter estratégia (quando estar, onde estar e com que armas) pode ser um limite, aliás bastante palpável, mas quando a estratégia é elaborável? Nosso tempo histórico permite a formulação de uma nova estratégia? É essa formulação uma necessidade, sem a qual as lutas se condenam a atuar como barata tonta, como navio sem bússola em meio à tormenta? A meu ver a articulação e costura da ação direta de modo a confrontar-se com o Capitalismo no curto e longo prazo constitui a base para a construção da estratégia, mas não estamos em tempos de formulação de uma nova estratégia para além de ensaios. A nova estratégia está sendo costurada em críticas práticas e teóricas, mas não passa e não pode passar, nessa conjuntura, de um embrião do novo.
Não se trata de um elogio à fragmentação, pura e simplesmente. Não se trata de converter em virtude aquilo a que fomos reduzidos, como me sugeriu o camarada Mauro Iasi, mas de reconhecer uma imposição objetiva de nosso tempo histórico, uma condição para quem quiser se desemaranhar do novelo da hetero-organização e da refinada modalidade vigente de contrarrevolução permanente. Só assim, com esse realismo crítico, poderá ficar claro o que não devemos fazer e só a partir dessa chave poderemos (re)formular o debate estratégico anticapitalista em acordo com as condições históricas de nosso tempo, o que significa a própria impossibilidade histórica de formulação de uma nova estratégia. Nossa luta hoje é pela criação das condições de superação dos obstáculos que obstruem e impedem a formulação dessa nova estratégia anticapitalista. Tudo que podemos fazer agora é tatear, experimentar, ensaiar, errar de forma nova, ganhar erros novos. Essa foi uma das lições da luta dos secundaristas para a esquerda.
O artigo foi ilustrado com imagens de Stanislav Aristov
Muito boa a reflexão, Pablo!
Me inspirou as seguintes ideias, que compartilho não apenas em forma de pergunta a você, mas também expressando vontades próprias de estudos:
– Que relações podemos traçar entre o período democrático-popular atual e o vivido antes do golpe militar? A missão pseudo-emancipatória de modernizar o capitalismo não é nova no Brasil, assim como a aliança entre comunistas e progressistas. No entanto isso parece não ter impedido a crescente de organização popular dos anos 60. [depois da troca de mensagens sobre Eder Sader, já marquei na agenda para ler “Para um balanço da PO”].
– O texto me pareceu apontar muito mais para um elogio à paciência do que um elogio à fragmentação, e isso é muito bom. O que me remete à primeira questão é que tradicionalmente os partidos tinham um importante papel de conectar as lutas, de retomar programaticamente a herança das lutas da classe, o que também funciona como uma luta contra o esquecimento e o empirismo puro. A própria ideia de consciência de classe só tem sentido como devir histórico. Como é que fica isso no cenário da fragmentação? Como fazer com que esse exercício de constante diluição e reagrupação não perca seus acúmulos históricos e beba também de sua própria história inconsciente?
O balancê retrô da PO “não me aquece, nem me arrefece” [apud JB].
Estou preferindo, posto que mais enganchados com o texto de Pablo, NOTAS SOBRE COMPOSIÇÃO DE CLASSE (Kolinko) e COMPOSIÇÃO DE CLASSE (Zerowork) entre outros, tão idôneos quanto, do (sub)sítio abaixo:
http://www.oocities.org/autonomiabvr/d_auto.html
Talvez interesse a vocês essa consideração sobre estratégia (e que tem aliás uma contribuição do Ulisses, porque foi ele quem me apresentou a perspectiva da composição de classe):
CONTRA A ESTRATÉGIA http://goo.gl/dKSEdE
“[…]
Composição de classe VERSUS estratégia
[…]Mas falar em estratégia só faz sentido contra uma estratégia do lado oposto, isto é, quando há uma contra-estratégia pressuposta. Não se trata, então, de luta de classes, mas de uma guerra de frentes, que pressupõe um mesmo tabuleiro, uma mesma linguagem, uma mesma lógica compartilhada, na qual se apoiam os dois lados para que seja possível se enfrentarem. Para guerrearem entre si, precisam estar num mesmo plano, apoiar-se numa mesma estrutura, estarem numa mesma altura, falarem de igual para igual. Daí todas as contrarrevoluções em todas as revoluções “vitoriosas” que já existiram, em que as mesmas estruturas (dominação, sociedade de classes, Estado etc) do inimigo são reproduzidas em nome de atacá-lo.
A grande virtude dos proletários é que eles, enquanto classe autônoma, não podem atacar a estrutura no plano da própria estrutura, mas como produto, como produção molecular resultante de sua própria atividade cotidiana simultânea no mundo inteiro. Caso ataquem a estrutura no mesmo plano da estrutura, aceitando se submeter a uma estratégia, eles são condenados a reproduzir sua própria sujeição sob a mesma ou alguma nova classe dominante, pois seu campo de atuação, a atividade cotidiana simultânea universal, é condenado a permanecer inalterado (trabalho, auto-sacrifício, sujeição…) para efetivar a própria estratégia, reproduzindo automaticamente, apenas com novos nomes, as mesmas estruturas que resultam necessariamente da atividade cotidiana alienada.
Em contraste com a ideologia da estratégia, os proletários não podem contar senão com a sua própria capacidade autônoma de agir e pensar, impulsionada pela rápida difusão de sua luta em escala mundial. Nesse mesmo ato, eles comunicam mundialmente uns com os outros o conhecimento do modo como suas atividades cotidianas simultâneas se interligam (por exemplo, conforme o local em que estão, as supply chains, as relações entre indústria, agricultura e as vias materiais de livre expressão das necessidades, desejos, pensamentos e capacidades dos habitantes e viajantes do mundo, etc ) [2], conhecimento que é simultâneo à supressão em ato das condições de existência materiais (moleculares) da propriedade privada, do capital e do Estado e à criação de uma nova sociedade em que os meios de vida e de produção, indissoluvelmente interconectados em escala mundial em uma rede de fluxos imanentes, se tornam livremente (gratuitamente) acessíveis à qualquer um que queira satisfazer suas necessidades, desejos, pensamentos, projetos, paixões, e desenvolver livremente suas habilidades, capacidades e potencialidades.
Um evento assim, que desabilita pela base o poder da classe dominante (empresários, burocratas e o Estados), tem desde o princípio uma linguagem incompreensível e “inconversável” com a classe dominante e o Estado, sendo de fato uma ditadura contra eles – a verdadeira ditadura do proletariado. A classe dominante sequer tem tempo para começar a entender o que está sofrendo para elaborar uma estratégia antes de o proletariado ter se auto-abolido e, portanto, abolido a classe dominante, a sociedade de classes. Muito diferente disso, o ativismo ou militância se caracteriza por se exibir espetacularmente à classe dominante como “oposição”. Obviamente, as armas da classe dominante, o Estado, os grupos de extermínio etc são infinitamente mais poderosos e aprimorados do que qualquer “movimento estratégico de oposição” [3], que, consequentemente, não passa de espetáculo, só útil para a classe dominante ensaiar seus cães de guarda e métodos de controle, que, encenando, legitima o próprio status quo como “democrático”. E quando não é encenação, um “movimento estratégico de oposição” é apenas a reprodução da estrutura à qual procura se opor, como vimos nos parágrafos anteriores.
É óbvio que, quanto mais reduzida a capacidade de agir do proletariado, menos ele consegue se dar ao luxo de pensar por si mesmo, e mais só lhe resta ser objeto de estratégias, de burocratas, empresários e políticos que dizem pensar e agir pelo seu “bem”, prometendo, por exemplo, reformas, melhorias etc. Assim, dizem que devemos ser realistas, que o proletariado deve fazer o possível, votando, participando em campanhas, militando, “se esforçando mais”, “se sacrificando com mais empenho” etc, em suma, participando de estratégias. Isso é um equívoco. Porque, se não há luta autônoma, é pura sorte, além de extremamente improvável, que ocorra qualquer das melhoras prometidas; e se há luta autônoma, não faz sentido deixar-se reduzir a objeto de estratégias. O efeito colateral imediato da luta autônoma é que todos os burocratas, empresários e políticos, para conter a emergência do proletariado enquanto classe, passam enfim a servir as tais “melhorias”, mas, é claro, no mesmo prato da repressão. A questão é a autonomia do proletariado se difundir tão rapidamente em escala mundial que torne impossível que caia mais uma vez nessa armadilha.
Adendo: O fetichismo dos “exemplos práticos”
As revoluções e contrarrevoluções que experimentamos nos últimos 300 anos mostraram que a ideologia mais destrutiva para a luta autônoma mundial é a dos “exemplos práticos”. Tão logo se ouve falar sobre uma “revolução” qualquer em algum lugar do mundo, é abandonada toda capacidade crítica e consideração pela verdade, que passam a ser consideradas irrelevantes frente ao “exemplo prático real de como transformar o mundo na realidade”. A realidade do exemplo é considerada tão complexa que toda crítica e busca da verdade é descartada como masturbação mental reducionista e utopismo. Abandonada a capacidade de pensar, é aberta a via para o tarefismo supersticioso, destruindo a luta autônoma, seja pela luta imaginária que imita a aparência espetacular do exemplo, seja pela aceitação de se subordinar aos burocratas considerados representantes do exemplo (como quando o leninismo se espalhou no mundo e destruiu a luta autônoma por toda parte graças à “realidade inquestionável de seu exemplo”, 1917 na Rússia).
Como antídoto, há um critério mínimo certeiro para avaliar todo e qualquer suposto exemplo (como o Curdistão, zapatistas, revolução russa, espanhola etc): se uma suposta revolução não se espalha rapidamente além das fronteiras para o mundo inteiro (com os proletários se opondo a seus opressores em cada vez mais lugares do mundo e se constituindo como classe autônoma sem fronteiras, se recusando a matar nas guerras, voltando as armas contra os generais em todos os lados, comunizando etc), se a suposta revolução se perpetua apenas num lugar, isso já é suficiente para saber que ali está um Estado e o capital (independente do nome que se use, “autogestão”, “socialismo”, “comunismo”, “anarquismo”…), ou seja, uma sociedade de classes. Pelo simples fato de que, isolados, eles são condenados a se adequar à troca no mercado mundial, acumulando capital e explorando o proletariado para não falir na concorrência internacional, e também porque são condenados a se constituir como Estado para se aliar, se defender ou atacar outros Estados.
humanaesfera, julho de 2016
Notas:
[…]
[2] Trata-se da composição de classe. Para mais detalhes, veja: Textos sobre composição de classe http://goo.gl/5sHFUd .
[3] Em contraste com encenação da “oposição estratégica”, o único modo de suprimir a força repressiva do status quo é por uma emergência tão rápida e generalizada do proletariado autônomo (portanto, do comunismo) que os poderosos não encontrarão sequer por onde começar a reprimir, de modo que os seus cães de guarda repressores deixarão de ver qualquer sentido em continuar obedecendo, deixando de ser cães de guarda, voltando as armas contra os generais e distribuindo as armas para a população, pela simples razão de passarem a ser irrefreável e irreprimivelmente atraídos, como o restante dos explorados, pela emergência apaixonante do comunismo luxuriante generalizado, a comunidade humana mundial.”
Lucas, sobre o assunto que te interessa, tem isso aqui: Extrema-esquerda e desenvolvimentismo (ver página da série aqui), e alguns pedaços da série De volta à África (ver página da série aqui).
CONFERIR
https://t.co/O1MY7D8VIl
Achei a reflexão muito interessante, mas tenho alguns pontos de discordância.
1. Um deles é que não compreendo o porquê do tratamento do “campo democrático-popular”, como o autor o denomina, como uma espécie de mal absoluto para a luta, responsável pela invariável cooptação e apassivamento da classe trabalhadora. Compreendo, obviamente, que se trata de marcar posição no debate estratégico, mas penso especialmente no fato de que muito provavelmente o tal “campo democrático-popular” é o maior responsável (em termos quantitativos, pelo menos) pelo trabalho de base e desenvolvimento de lutas nas periferias. É claro que esse trabalho possui pressupostos, entre os quais está a corretamente indicada cooperação/diálogo entre organização de luta e órgãos de política pública etc. etc. Mas eu penso aqui, e falando como base e exclusivamente como base que sempre fui, que: 1) influenciada pelas organizações desse “campo democrático-popular” existe toda uma massa de pessoas verdadeiramente preocupada com o trabalho de base e em travar as lutas específicas da classe trabalhadora; 2) sua relação com tais organizações é muito mais complexa do que a simples crença no modelo “democrático-popular”; 3) talvez muitas dessas pessoas pudessem passar para o campo autônomo se não fossem reiteradamente acusadas de serem um mal absoluto para as lutas da classe.
Em certo sentido, acredito que, até hoje ao menos, o “campo democrático-popular” foi mais capaz justamente de unificar a fragmentação. Nesse sentido, nutro a dúvida do porquê essa massa de militantes acredita nas organizações ligadas ao tal “campo democrático-popular” e não nas ideias do campo autônomo. Como única resposta, totalmente parcial e estritamente individual, posso dizer que sinto um tom de altivez intelectual e moral no discurso autonomista que me leva a certa alteridade, apesar do acordo com grande parte das análises feitas por esses movimentos.
Um trecho como o seguinte: “O campo democrático-popular só consegue viabilizar a gestão da miséria, a administração armada do social e o manejo – lucrativo – dos conflitos sociais quando assimila as organizações dos trabalhadores” – para além do fato de que essa é uma definição de toda a esquerda – me soa preconceituoso, se você olhar do ponto de vista do miserável, cuja miséria está sendo gerida. Eu não teria estômago para dizer algo nesse sentido a uma senhora que se desloca de Parelheiros ou Cidade Tiradentes ao centro para um encontro de mulheres com Dilma. Pode ser um defeito meu, é claro. Mas, enfim, é só uma angústia…
2. Acho interessante o argumento de que o movimento “errou, mas errou de uma nova forma”. É interessante porque o autor demonstra que, apesar de defender uma teoria e uma doutrina (relativamente) novas, trabalha sob a eterna lógica dos movimentos de esquerda. Os acertos são devidos à nova teoria/à nova forma de organização etc.; já os erros são culpa das circunstâncias; quer dizer, os erros nunca são o limite da própria doutrina/forma de organização nova, o que a colocaria como apenas mais uma dentre outras e não “A” forma/ “A” doutrina que pode levar à emancipação da classe trabalhadora.
Esse é uma lógica incontornável no mais ou menos século e meio/ dois séculos de desenvolvimento das lutas da classe trabalhadora. Não digo isso como crítica, pois essa atitude faz parte do processo de afirmação de todo movimento. Só penso que, tendo em vista essa lógica perversa do desenvolvimento histórico dos movimentos de esquerda, talvez se possa ter maior clareza de que novas formas encerram necessariamente novas contradições, diminuindo a certeza da própria pureza de princípios.
3. Uma questão pontual que acho de interesse é o trecho em que o autor aponta que, no início do refluxo do movimento começa a surgir uma tensão interna ao movimento que teria uma origem no “identitarismo multiculturalista”. Eu concordo, de forma geral, com a crítica do autor, pois esse tipo de atitude, amplamente arraigada nos militantes da atual geração, costuma ter consequências sectárias, desagregadoras e, portanto, apassivadoras. Ao se tornar um discurso, esse tipo de argumentação é inclusive apropriado por militantes originados de camadas muito privilegiadas da sociedade que o manipulam em busca de aceitação e legitimação dentro do movimento. Uma espécie de atitude de “tribo”.
O problema é que no âmbito da experiência, é difícil negar certa validade desse discurso. É um fato que, por exemplo, as ocupações em escolas das regiões mais afastadas têm maiores dificuldades. E é igualmente um fato que, no momento em que todos estão em sintonia de opiniões, relevam-se as diferenças de origem social etc. etc. Mas quando surgem as divergências, a tendência é que essas diferenças transbordem. É difícil, por mais respeito que você tenha pelos militantes pelas suas histórias de luta quando, por exemplo, você vê militantes que se formaram nas escolas mais caras de São Paulo, cujas mensalidades são maiores do que os salários dos seus pais, algumas delas com uma pedagogia “alternativa” etc. etc., na ocupação da escola estadual onde você estudou e te botando o dedo na cara e propondo atitudes mais radicais. Esse sentimento ambíguo do militante mais pobre é paralisante, mas é algo com que se tem que lidar para uma crítica radical da organização social…
Apesar dessas implicâncias, fruto da minha formação diferente, achei muito interessante grande parte das reflexões. O trecho sobre a “autogestão da luta e autogestão da sociedade” me pareceu muito interessante, apontando para o horizonte estratégico. Toda a análise sobre a relação entre fragmentação e formas de luta, que se direciona à reflexão sobre a relação entre forma de organização e momento sócio-histórico também me pareceu muito interessante, apesar de ainda bastante embrionário. A importância mesma de se reconhecer a característica fragmentária da sociabilidade atual me parece um grande passo para se construir uma unidade na luta, apesar das diferenças inevitáveis, o que, seguindo a reflexão do autor, tem sido resolvido pela efemeridade das organizações; acredito que, igualmente, pela pontualidade das pautas unificadoras e pela capacidade de construir as lutas pressupondo a perda do controle. Essas discussões, que são do meu ponto de vista talvez as mais importantes no momento, até onde pude observar não são sequer propostas fora do campo autônomo. Não sei o quão positiva o autor acha essa proposta, mas fico também entusiasmado em saber “[d]o interesse demonstrado pelos jovens militantes com respeito à análise da estrutura econômica do Capitalismo no Brasil” o que está muito embrionário neste texto, resumindo-se ao reconhecimento da fragmentação e à frase “o capitalismo segue forte” entre outras aparições pontuais (isso também não é exatamente uma crítica, pois na escrita de um texto não é possível contemplar todos os pontos existentes na realidade abordada; só acho que as discussões desse texto farão muito mais sentido quando tiverem uma base na discussão em torno da atual fase de desenvolvimento capitalista, enfim, da história).
Enfim, no geral achei muito interessante e um ótimo ponto de partida para discussão, inclusive com pessoas e grupos que possuem formação e pontos de vista diversos do autor.
ESQUERDIREITIZANDO A SOFÍSTICA OU SOFISMANDO PELA ESQUERDIREITA
Vamos combinar: Felipe pode até não ser muito “de esquerda”, mas é redundante e enxundiosamente “bem educado”.
ABC DO BÁSICO & TRIVIAL ou CURTO E GROSSO:
Hegemonia e Ditadura são duas faces da moeda Poder. Juntas ou separadas, entrosadas (quase sempre) ou alternadas no Kapitalestado.
Caro Felipe, vamos lá, na ordem em que você comentou:
O tal “campo democrático-popular” é o maior responsável pelo trabalho de base nas periferias, ok. Já pelo “desenvolvimento de lutas nas periferias” não estou tão certo. O método demopop desloca os conflitos emergentes e as organizações que brotam diretamente para o bojo do Estado e seus mecanismos de diálogo. Ele não desenvolve luta, ele suprime ela. É a contrarrevolução preventiva e permanente em prática. Eficaz ao ponto da “revolução” não estar sequer no horizonte de perspectivas dos trabalhadores. Eficaz ao ponto de a revolução, mesmo especificamente no campo, der dado lugar, no MST, a técnicas de diálogo com o Estado visando melhorar a produtividade dos assentamentos e negociações com distribuidoras de produtos agroecològicos e orgânicos. Veja a série MST S.A, aqui: http://www.passapalavra.info/2013/04/75172. O trabalho de base feito até hoje pelo demopop é um dos pressupostos para o pacto social: a classe precisa estar organizada e ser mobilizável a qualquer momento para que o demopop possa se legitimar enquanto melhor gestor do Estado e dos conflitos sociais, tudo em pró do capital e dos interesses politicos e econômicos das organizações assimiladas.
Sim, com certeza “influenciada pelas organizações desse “campo democrático-popular” existe toda uma massa de pessoas verdadeiramente preocupada com o trabalho de base e em travar as lutas específicas da classe trabalhadora”, numa relação complexa, certamente. Sim, “talvez muitas dessas pessoas pudessem passar para o campo autônomo”, mas a culpa de não passarem não está o fato de serem “reiteradamente acusadas de serem um mal absoluto para as lutas da classe”. Já ouvi que gentileza gera gentileza, é a primeira vez que ouço que gentileza gera radicalização dos posicionamentos políticos. Quem não muda sua prática social para um rumo mais crítico da ordem o faz não porque é criticado e sim porque não ouve as críticas, e não ouve porque não tem interesse material em ouvir. Além disso “convencer é infrutífero”, como diz o W.Benjamin. Mas há nesse seu apontamento uma questão que logo depois se explicita: seu interesse, dado como pressuposto inquestionável, de que deve-se almejar a unidade. E que para tal vale a pena ser menos duro e até gentil com quem faz luta de classes de modo colaborativo e contrarrevolucionário, ou seja, não faz. É o modo proprio de raciocínio democrático-popular: vai-se cedendo nas demandas e formas organizativas a fim de trazer mais gente para as fileiras. A ponto de trazer para junto até o grande capital, como se vê no movimento das teses e resoluções de congressos do PT, tudo para se chegar ao poder, de onde o “acúmulo de forças” andaria mais forte e rápido. Nada de muito novo: a boa e velha política realista de fazer-se o necessário para se chegar ao poder. Se feito com boas intenções da parte da militância mais combativa que insiste em lutar por dentro, pior para ela (e consequentemente, para todos nós).
Sim, “o “campo democrático-popular” foi mais capaz justamente de unificar a fragmentação”. Só que vc vê isso como algo positivo, quando foi assim que a contrarrevolução permanente conseguiu triunfar, deixando em frangalhos as frações mais críticas da classe, que só em 2013 começaram a se rearticular. Essa “massa de militantes acredita nas organizações ligadas ao tal “campo democrático-popular” e não nas ideias do campo autônomo” porque é-lhe interessante em termos materiais. O democrático-popular, lastreado na economia em crescimento, consegue ceder concessões estratégicas para a classe. Concessões que melhoram o padrão de vida da classe, ao mesmo tempo em que aprofunda o grau de exploração e toma da classe o mais importante que há: a autonomia nas lutas.
Depois você comenta que o trecho que escrevi “O campo democrático-popular só consegue viabilizar a gestão da miséria, a administração armada do social e o manejo – lucrativo – dos conflitos sociais quando assimila as organizações dos trabalhadores” te soa preconceituoso do ponto de vista do miserável, cuja miséria está sendo gerida. Aí entra sua boa educação e bons modos no fazer político, que o ulisses comentou. Pode não ser fácil dizer para uma senhora que se desloca da periferia para o centro para um encontro de mulheres com Dilma, ou para um conjunto de trabalhadores que se reúne para escrever e entregar a um vereador as demandas do bairro. Mas é preciso mais estômago para ver isso calado e inerte. E mais que estômago, é preciso perna para construir junto uma outra alternativa ao encontro de mulheres do centro ou ao vereador. Para além disso, não vejo como uma crítica construtiva sobre os limites de uma ação política da classe pode ser algo ruim para o estômago do militante crítico. É do interesse de todos os trabalhadores não ser otário, não ser manipulado, e se for doloroso saber disso, paciência e bola pra frente. Melhor estar desiludido que iludido.
Depois você elogia a questão de que o movimento “errou, mas errou de uma nova forma”. Mas aí diz que trabalho “sob a eterna lógica dos movimentos de esquerda”, o que justamente busco evitar. Penso sim que novas formas encerram necessariamente novas contradições, mas em momento algum busco qualquer “certeza da própria pureza de princípios”. Não sei de onde você tirou essa ideia, já que estou elogiando os erros e o aprendizado que se autoconstrói ao errar de modo novo em vez do mesmo de sempre, que seria justamente errar sob os valores de unidade da luta, acúmulo de forças, direção do partido e por aí vai.
Por fim, o trecho em que você elogia o fato de eu ter reconhecido “a característica fragmentária da sociabilidade atual” como um “grande passo para se construir uma unidade na luta”. Veja, quando digo que a fragmentação é uma condição do nosso tempo histórico não estou dizendo que é um limite para a unidade. Estou dizendo que a própria unidade deixa de ser uma possibilidade e mesmo uma necessidade. Estar isolado tem sido um trunfo, na luta de classes do Brasil. A fragmentação é uma condição histórica, então as lutas passam a se desdobar tendo isso como pano de fundo. Não é necessariamente um problema a ser superado o quanto antes. Historicamente, a busca por unidade só levou as lutas de classes para caminhos passivadores. Veja toda a história da socialdemocracia, veja-se a contrarrevolução operada pela Terceira Internacional de Lenin a Stálin, veja-se a relação do PT com os movimentos sociais e com as classes dominantes no Brasil. A efemeridade das organizações não tem resolvido as diferenças entre grupos e organizações, ela tem resolvido precariamente a assimilação das lutas pelo campo democrático-popular, justamente porque esse campo precisa de siglas que detenham bases organizadas; siglas que tenham líderes cooptáveis. Siglas que possam mobilizar bases sociais para seus fins, por exemplo para engrossar atos contra “o golpe”, etc.
Obrigado pelo elogio de que algumas daas discussões aqui propostas não tem sido postas fora do campo autônomo. E obrigado pela contribuição com o debate. Espero novos comentários para dialogarmos mais. Ah sim, e de fato as discussões desse texto “farão muito mais sentido quando tiverem uma base na discussão em torno da atual fase de desenvolvimento capitalista”, mas veja, trata-se de um texto político que visa contribuir pontualmente com o balanço das lutas do coletivo O Mal Educado e, paralelamente, com as lutas do campo autônomo e autonomista dos últimos anos. Faz parte, também, de uma tese de doutorado que escrevi sobre a economia política do campo democrático-ppular, e que disponibilizarei por aqui em breve.
Ulisses e Lucas e Humanaesfera, guentem aí. [;-)}]
lógica retórica dialética & outros bichos
OXE! Guentar nóis guenta, inclusive esse camões: [;-)}] …
Acho que tem 3 coisas importantes sobre a questão dos comites de fabricas e as ocupações, sobre os dois terem ou não um carater de dualidade de poderes como os soviets.
A dualidade de poderes, quando é formulada, se coloca nas perspectivas não de orgãos para elementos parciais da sociedade (como algo colocado nas escolas ou no exercito), a dualidade de poderes é a existencia de um poder paralelo ao do Estado/capital e que envolve a questão da gestão de toda a sociedade e a caracterização do duplo poder que foi popularizada tem 3 pontos
“1)a fonte do poder não está numa lei previamente discutida e aprovada pelo parlamento mas na iniciativa directa das massas populares partindo de baixo e à escala local, na «conquista» directa, para empregar uma expressão corrente;
2)a substituição da polícia e do exército, como instituições separadas do povo e opostas ao povo, pelo armamento directo de todo o povo; com este poder a ordem pública é mantida pelos próprios operários e camponeses armados, pelo próprio povo armado;
3)o funcionalismo, a burocracia ou são substituídos também pelo poder imediato do próprio povo ou, pelo menos, colocados sob um controlo especial, transformam-se em pessoas não só elegíveis mas exoneráveis à primeira exigência do povo, reduzem-se à situação de simples representantes; transformam-se de camada privilegiada, com «lugarzinhos» de remuneração elevada, burguesa, em operários de uma «arma» especial, cuja remuneração não exceda o salário normal de um bom operário.”
Dentro dessas perspectivas, estão colocados os elementos de pra ruptura e substituição do Estado e da gestão do capital a partir da existencia orgãos que disputam a organização de toda a sociedade junto com toda a população estar em armas e colocando em choque o monopolio da violencia e o aparato repressivo do Estado.
A segunda coisa é que quando trotsky colocava essa questão, tem em vista elementos conjunturais bastante importantes, a abertura de uma conjuntura revolucionaria internacionalmente, ondas de ocupações de fabricas por alguns paises, e coloca justamente que esses comites de fabrica abrem as perspectivas de uma situação revolucionaria ou minimamente pré-revolucionaria ao colocar em questão o controle das fabricas dentro de uma conjuntura especifica. A analise dele sobre os comites de fabrica nesse momento são formuladas inserindo a sua relação com a conjuntura geral da classe, a luta dos estudantes simplesmente não iria abrir uma situação revolucionaria ou pré-revolucionaria e muito dificilmente iria se expandir para o resto da sociedade naquele momento.
E o terceiro é uma discussão feita pelos setores que sobraram dos Espartaquistas depois do fim da revolução alemã. Durante o ultimo enfrentamento da revolução alemã, os dirigentes russos da Internacional comunista vão dar o aval para esse enfrentamento enquanto algumas questão estavam colocadas como problematicas abertas. Uma delas é se os comites de fabrica existentes na Alemanha poderiam cumprir um papel semelhante aos soviets na Russia, os russos vão dizer que sim. Essa é a posição que Trotsky vai manter até o final da vida ao que eu saiba e que vai seguir expressando ao falar sobre as dualidade de poderes das comissões de fabrica.
Parte dos camaradas de ex-organização da rosa que sobraram (2 dos quais estavam na direção do partido e que vão ser responsabilidados pela derrota) em um balanço retrospectivo vão analisar que esse foi um dos elementos de erro importantes para a derrota alemã. Em uma citação de 1925 que eles compartilham:
“Na opinião do camarada Trotsky era certo que os Sovietes foram substituídos por Conselhos de Empresas. Na realidade esses Conselhos não eram uma compensação, sendo que não representavam a massa toda, incluindo a mais atrasa da e mais indiferente, como fizeram os Sovietes em momentos críticos e tensos da luta de classes.”
Enfim, os comites de fabrica só representavam a vanguarda de um setor, não todo esse setor, e tambem não toda a sociedade (e nisso se assemelham com o role das escolas, mas mesmo com isso, os comites estão em lugares completamente centrais para produção da vida no curto-médio prazo, diferentemente das escolas)
Criticando muito essa questão de ver as ocupações enquanto duplo poder porque essa caracterização pode muito facilmente cair no que uns trotskystas comentaristas de luta de classes defenderam, que o problema de todo o processo foi o não aprofundamento do processo de duplo poder nas ocupações de escola (tomando e gerindo elas efetivamente e não simplesmente ficando em meios termos?)
As ocupações foram uma tática de luta importante em diversos pontos, tática que criou espaços de base para discussão e encaminhamentos (mas não em todas as escolas) e tambem colocou em critica a gestão do dia a dia da escola, mas pelo setor onde foram realizadas, pela conjuntura e movimentações do resto da sociedade se colocava fora de questão a consolidação e o alastramento de novas relações socias, essas questões simplesmente não podem ser disassociadas para se fazer a analise. Era uma tática que só podia ser transitória durante um processo de luta e que tras elementos bastante interessantes em si mas não poderia ser muito mais do que isso.
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Por ultimo, sobre a fragmentação, é importante acentuar muito fortemente que não é só um dos lados que move as peças. Aceitar os tempos de fragmentação e acreditar que uma base permanentemente organizada, nesses tempos, é algo a não se ter, que isso é não gerar lideranças a serem cooptadas e que portanto o atrelamento em relação ao Estado, ao reformismo e ao capital não vão acontecer é acreditar que o campo “autonomo” em sua descontinuidade organizativa é o unico ator.
Não existe vazio estavel politicamente, se esse campo não organiza permanentemente na base, alguem vai organizar e vai ganhar referencia, como a renovação da UJS/PC do B que até então era inexistente no movimento secundarista e a referencia que conseguiram pela ocupação da ALESP e a CPI da merenda apresentadas por eles, o resurgimento da UMES/MR8 com inserção em escolas e o PCR que tem ganhando bastante gente das escolas, principalmente técnicas, nos ultimos tempos.
Não ter perspectiva de organização continua é na prática deixar completamente o terreno para que essas organizações sejam quem superou os tempos de fragmentação, e de que adiantou então a perspectiva de um não atrelamento episódico durante uma luta se, durante mais um periodo da esquerda, o atrelamento reaparecer pela referencia e organicidade que a UJS/MR8/PCR estão avançando em construir nas bases.
Reconhecer os limites e a problemática do nosso tempo é central, mas só para poder manter a atuação voltada ainda para um horizonte organizativo permanente e continuo, com todos os problemas que isso tras, com o retorno não tão grande que isso vai ter por algum tempo(e por isso é importante pensar muito bem essa atuação) e poder fazer esse não atrelamento conjuntural de uma luta se tornar um não atrelamento de pelo menos um periodo historico.
Arabel, boas questões, especialmente nessa parte final, sobre fragmentação e organização permanente. O campo “autônomo”, em sua descontinuidade tal que não chega nem a ser nem um “campo” ainda, não é o único ator, concordo, mas é um dos poucos que tenta fazer algo para fora das regras do jogo prestabelecidas. E quando não dá respostas novas pelo menos ensaia formulações novas dos problemas, o que pra mim vale mais que todo o esforço hercúleo das organizações clássicas, que pelejam para se reinventar sem perder a identidade e a continuidade para com o legado de lutas e teórico-político que representam. O que eu sugiro é que há um script histórico, um roteiro de atuação das organizações anticapitalistas, e esses outros atores que você coloca que podem ganhar referência e organizar a base e etc vão seguir esse script, pq não depende de forjarem uma plataforma ideológica mais radical e sim de responderem a imperativos objetivos da história, da economia. Em alguma medida eu acabo dizendo nas entrelinhas que se deixe eles ocuparem o vácuo e fazerem a política deles. É um lavar as mãos meio pessimista, talvez meu destino seja virar um adorniano amargo, quem sabe. Tomara que não. Tomara que o movimento da classe aponte saídas para a encalacrada histórica que estamos metidos. O que eu venho dizendo é que a fragmentação é uma condição do nosso tempo histórico, uma determinação objetiva, inescapável, não é um defeito político ou ideológico das lutas que os atores competem para ver quem vai ganhar, quem vai conseguir solucionar primeiro. Quem vai conseguir reatar a unidade das lutas etc. Não sei nem se a fragmentação é um problema a ser solucionado, entende? Claro que tem determinações sistêmicas que a gente pode previsualizar que impõem certas soluções, por exemplo, o anticapitalismo tem que ser internacionalista, pq o capital é global e não é possível superá-lo num só canto do mundo. Mas internacionalismo e fragmentação são absolutamente antagônicos? Não sei. E não sei mesmo. Tem muita coisa sendo inventada, sendo testada por aí. A questão é que a gente tá num tempo histórico em que só dá pra ter certeza do que não fazer. O resto é lucro, é aprendizado para a classe em seu fazer-se classe. O duro é que é um aprendizado enquanto é esfolada viva, enquanto é esculachada e exterminada. A dinâmica capitalista conseguiu ao longo dos séculos assimilar lucrativamente nossas formas de lutas; a gente tem que criar novas, talvez desde o zero, ou seja, pro lixo Lenin, Trotsky e tudo quanto é gente que falou sobre formas de organização na luta contra o capital de antigamente. Aliás o próprio Capitalismo é tão diferente hoje do que era quando essa turma formulou as saídas políticas que mesmo Marx e os que expuseram a crítica da economia política precisam ser reavaliados para ver o que é vivo e o que apodreceu com as traças. Repensar a lei do valor em tempos de POKEMON GO. Repensar as formas de luta em tempos de Facebook e drones. O elogio que faço não é à fragmentação e sim aos que ensaiam saídas inovadoras, embora ainda precárias, para os dilemas novos e velhos dos conflitos sociais atuais. Nos trombamos por aí.
Lenin e Trotsky também buscaram entender o Pokemon GO de suas épocas, interpretar as novas formas do desenvolvimento econômico. É mais, em seu tempo mesmo já não faltava gente criticando suas propostas e práticas organizativas, por diferentes esquerdas.
A ideia, mesmo que dubitativa, de começar do zero pode servir à retórica, mas não pode servir para avançar em um projeto emancipatório. Especialmente se somos gente que já leu tantas dequelas crítica.
Também me parece estranha a ideia de que um “campo autônomo” viria algum dia a existir. Onde e quando isso já existiu? E alias, estamos falando de “organizações autônomas” ou de práticas autônomas da classe?
Vale também pensar a respeito das tais “saídas inovadoras” e contextualizá-las, pois a fragmentação também pode ser uma opção da análise. Se trata de uma vanguarda clássica ou de pessoas que inventaram o novo? Assim pareceria ser fácil produzir o ineditismo de práticas históricas intercontinentais. (como é fácil também categorizar qualquer coisa como vanguarda clássica sem atentar para o particular).
Entendo o momento importante do fragmentário, mas se ele não aponta a um outro movimento, me parece perder toda a potência, e nesse caso não se trataria de paciência, mas de hesitação.
Lucas,
você me mostrou que curvei a vara demais no meu contraponto ao Arabel. Quando falo de começar do zero estou mais querendo por em dúvida as respostas teóricas e organizativas à disposição no menu das organizações de esquerda, que estão tendo as fileiras engrossadas pela turma insatisfeita com os problemas do tal campo autônomo, do que, claro, falando pra reinventarmos uma nova roda esquecendo todo um legado teórico que não é de Lenin e Trotsky e Pannekoek ou quem seja, mas dos trabalhadores que lutaram na época deles e cuja prática iluminou o caminho das formulações teóricas deles.
E sim, o central a se criar são práticas autônomas de classe, e não fortalecer o campo autônomo tardoanarquista ou tardoconselhista ou campo democrático-popular tardosocialdemocrata ou campo tardobolchevique. O que está no pano de fundo aqui é o meio mais eficaz para tal. Arabel está acentuando a importância de uma organização permanente e da disputa com outras forças sociais na política de agora. Eu estou ressaltando os problemas das respostas que temos e aí elogio quem está tentando algo novo, mesmo que não seja tão novo assim. Por isso brinquei sobre um pessimismo adorniano, que vc desenvolveu no sentido de uma defesa problemática da hesitação. Enfim, concordo com a questão da paciência, o curioso é que (Arabel me corrija) tanto eu quanto Arabel estamos pensando nela quando defendemos o que defendemos. Ele defendendo a importância de estar organizado permanentemente e eu os limites de se organizar assim enquanto vigora a estratégia e o tempo histórico da fragmentação (daí o trunfo das organizações efêmeras). Também concordamos que para sair de onde estamos só a prática pode resolver, mas também é preciso crítica e realismo, mesmo quando isso traz o perigo de se condenar à impotência e perder o bonde histórico e as oportunidades de se organizar e lutar agora com as armas que se tem. Isso, aliás, me lembra de ressaltar uma questão. Esses debates aqui sobre estratégia são um exercício de crítica para mantermos os pés no realismo histórico em termos de estratégias de longo prazo. No curto prazo estamos todos mais ou menos nas mesmas fileiras fazendo a luta do jeito que der, mesmo que uns mais descrentes e outros mais esperançosos quanto a um ou outro elemento da luta.