Rapidamente estas pessoas entenderam que a mobilização contra a Lei El-Khomri era parte de uma atmosfera social em ebulição. Por Nicole Thé e G. Soriano

Este texto foi escrito em várias partes, à medida que o movimento se desdobrava, a pedido de camaradas de fora da França, e inclui elementos de informação e reflexão que foram-lhe sendo gradualmente adicionados. Isto explica suas repetições, redundâncias e contradições. Assim que pudermos, tentaremos escrever outro artigo de síntese para desenhar um balanço mais detalhado deste movimento. Os autores. 28/06/16

Desde o início do ano, em seguida ao anúncio do projeto de reforma do código trabalhista (a “Lei El-Khomri [1]”, ou “nova lei trabalhista” [2]) que seria apresentado ao Conselho de Ministros no dia 9 de março, apareceram as primeiras manifestações puxadas pelos sindicatos. Se a CFDT [3] (seguida pela CFTC [4], UNSA [5] e CFE-CGC [6] – a última tendo posteriormente modificado sua posição) se declarou satisfeita com as primeiras pequenas mudanças introduzidas a toque de caixa no primeiro anteprojeto, a coalizão intersindical formada por CGT[7], FO [8], FSU [9], Solidaires [10], UNEF [11], FIDL [12] e UNL[13] logo expressou-lhe sua rejeição. Seriam acompanhados, em diversas ocasiões, pela UEC [14] e vários componentes da Front de Gauche [15], organizações estudantis secundaristas e universitárias, como o Mili [16], mas também o DAL [17], a LDH [18] (particularmente no enfrentamento à violência policial e ao recente estado de emergência), o Gisti [19] e várias associações de apoio aos migrantes.

nuitdebout_03As datas destas manifestações frequentemente coincidiram com os atos de solidariedade aos migrantes e contra o estado de emergência. Vieram em seguida à mobilização contra a COP 21, que o Estado francês conseguiu controlar nos últimos meses de 2015, de modo que não foram poucos os que sentiram que o estado de emergência foi usado mais para reprimir o movimento ambientalista que para proteger a população de ameaças terroristas [20]. Então, rapidamente estas pessoas entenderam que a mobilização contra a Lei El-Khomri era parte de uma atmosfera social em ebulição.

Os protestos se intensificaram antes da lei ser apresentada ao parlamento: houve atos em 9 de janeiro (na estação ferroviária Paris-Norte, em solidariedade a imigrantes de Calais), 11 de janeiro, 26 de janeiro (servidores públicos), 7 de fevereiro, 4 de março (novamente na estação ferroviária Paris-Norte, desta vez contra a destruição de acampamentos em Calais), 6 de março (Belleville, um distrito ao norte de Paris), 9 de março, 10 de março (pensionistas), 12 de março (em Luxembourg, contra o estado de emergência), 24 de março, 31 de março, 5, 9nuitdebout02 e 14 de abril (manifestação noturna não autorizada, seguida por incidentes), 28 de abril e a greve dos controladores de voo, 1º de maio, 2 de maio (contra o despejo e a dispersão de um acampamento de 1.600 imigrantes em Stalingrad, Paris), 3 de maio (estudantes), 4 de maio (resistência contra a expulsão de 277 migrantes que ocupavam a escola Jean-Jaurès), 10 de maio (ferroviários), 12 de maio, 18 de maio (protesto do sindicato policial Alliance [Aliança] e o contra-protesto organizado pelo coletivo UNPA [21], 17, 19 e 26 de maio. Uma manifestação nacional foi chamada em Paris para o dia 14 de junho. A polícia planejou deliberadamente intervenções agressivas contra os manifestantes, para que o governo pudesse usar politicamente a “violência” perpetrada pelos casseurs (“vândalos”) e minimizar a presença de centenas de milhares de manifestantes nas ruas, tudo com a cumplicidade da mídia de massa, que seguiu servilmente a linha ditada pelo Estado. Outra manifestação foi puxada para o dia 23 de junho, tendo sido primeiro proibida e depois autorizada, mas seguida a curtíssima distância e cercada por policiais; uma manifestação final foi organizada para o dia 28 de junho, que marcaria o funeral do movimento. A esta lista, poderíamos adicionar várias manifestações espontâneas, às vezes organizadas à noite, em diferentes bairros de Paris, sobre as quais a imprensa fez poucos comentários, ou mesmo nenhum.

Notas

[1] Nota do PP: El-Khomri é o sobrenome da ministra do trabalho francesa, Myriam El-Khomri.
[2] Nota do PP: Na França existe uma legislação trabalhista reunida no Code du Travail. A Lei 2016-1088, de 8 de agosto de 2016, chamada pelos franceses de loi travail (“lei trabalhista”) ou loi El-Khomri (“lei El-Khomri”), teve origem num projeto de lei proposto pela ministra Myriam El-Khomri, que propôs diversas modificações prejudiciais aos trabalhadores na legislação trabalhista. Seu conturbado processo de discussão legislativa resultou no uso, pelo governo francês, da prerrogativa do artigo 43, inciso 3 da Constituição Francesa da Quinta República para sua implementação, impondo assim sua implementação sem votação pelo Parlamento, que só poderia a ela se opor se movesse um voto de desconfiança contra o próprio governo francês (o que resultaria na deposição do gabinete ministerial). Foi contra este processo legislativo que se fizeram enormes manifestações sindicais e populares, no seio das quais surgiu o movimento Nuit Debout.
[3] Confédération Française Démocratique du Travail (“Confederação Democrática Francesa do Trabalho” – ver site aqui): antiga central sindical cristã fundada em 1964, radicalizada à esquerda nos anos 1960 e 1970 em seguida à incorporação de muitos militantes de esquerda e que, em sequência, deu um cavalo-de-pau e virou à direita. Tem 868.601 filiados. Em 2013, recebeu 26% dos votos em escala nacional.
[4] Confédération Française des Travailleurs Chrétiens (“Confederação Francesa dos Trabalhadores Cristãos” – ver site aqui): central sindical fundada em 1919, tem 142 mil membros. Em 2013, recebeu 9,3% dos votos em escala nacional.
[5] Union Nationale des Syndicats Autonomes (“União Nacional dos Sindicatos Autônomos” – ver site aqui): central sindical fundada em 1993, tem 230 mil membros. Em 2013, recebeu 4,26% dos votos em escala nacional.
[6] Confédération Française de l’Encadrement – Confédération Générale des Cadres (“Confederação Francesa dos Executivos – Confederação Geral dos Executivos ” – ver site aqui): central sindical com 160 mil membros. Em 2013, recebeu 9,43% dos votos em escala nacional.
[7] Confédération Générale du Travail (“Confederação Geral do Trabalho” – ver site aqui): central sindical fundada em 1895 e controlada anteriormente pelo Partido Comunista, agora joga o mesmo jogo que a CFDT nos anos 1960 e 1970, atraindo a esquerda e mesmo anarquistas. Em 2013, tinha 680 mil membros, tendo recebido 26,7% dos votos em escala nacional.
[8] Force Ouvrière, também conhecida como Confédération Generale du Travail – Force Ouvrière (“Força Operária”, ou “Confederação Geral do Trabalho – Força Operária” – ver site aqui): central sindical resultante de um racha de 1947 na CGT em razão da Guerra Fria. Possui 500 mil membros. Em 2013, recebeu 15,9% dos votos em escala nacional.
[9] Fédération Syndicale Unitaire (“Federação Sindical Unitária” – ver site aqui): central sindical enraizada no setor público. Conta com 165 mil membros.
[10] Solidaires, ou Union Syndicale Solidaires, ou Solidaires, Unitaires, Démocratiques – SUD (“Solidários”, ou “União Sindical Solidários”, ou “Solidários, Unitários, Democráticos – SUD” – ver site aqui): central sindical fundada em 1988. Em 2013, recebeu 3,47% dos votos em escala nacional.
[11] Union Nationale des Étudiants de France (“União Nacional dos Estudantes da França” – ver site aqui): entidade representativa dos estudantes universitários, que conta com 19 mil membros entre 2,39 milhões de estudantes universitários.
[12] Fédération Indépendante et Démocratique Lycéene (“Federação Independente e Democrática Secundarista” – ver site aqui): entidade representativa dos secundaristas, fundada em 1987.
[13] Union Nationale Lycéene (“União Nacional Secundarista” – ver site aqui): entidade representativa secundarista fundada em 1994. Tanto ela quanto a FIDL foram fundadas por diferentes tendências do Partido Socialista para que grupos “extremistas” não se tornassem influentes demais nas escolas secundárias, e ao mesmo tempo desempenham um papel no equilíbrio interno entre as tendências do Partido Socialista. Tem 7 mil membros, de um total de 2 milhões de secundaristas.
[14] Union des Étudiants Communistes (“União dos Estudantes Comunistas” – ver site aqui): organização política fundada em 1938, havia quase desaparecido, mas recuperou-se um pouco durante o movimento.
[15] Front de Gauche (“Frente de Esquerda” – ver site aqui): uma frente partidária fundada em 2008, composta pelo Parti Communiste Français (“Partido Comunista Francês”, com 138 mil membros – ver site aqui), pelo Parti de Gauche (“Partido de Esquerda”, um racha do Partido Socialista fundado em 2009 que conta com 9 mil membros – ver site aqui), pelo Ensemble! (“Juntos!”, com 2 mil e quinhentos membros entre ex-membros do Partido Comunista, ecologistas e trotskistas – ver aqui), Parti Communiste des Ouvriers de France – PCOF (“Partido Comunista dos Operários da França”, grupúsculo hoxhaísta fundado em 1979 – ver site aqui) etc. A Front de Gauche, no momento, tem sua existência suspensa devido às divergências entre seus dos maiores integrantes (PCF e Parti de Gauche).
[16] Mouvement Inter Luttes Indépendant (“Movimento Inter Lutas Independente” – ver site aqui): pequeno e radical movimento de juventude que reúne secundaristas e universitários, e também trabalhadores precários.
[17] Droit au Logement (“Direito à Habitação” – ver site aqui): associação criada em 1990, especializada em apoio a squats e ocupações de rua.
[18] Ligue Française Pour la Défense des Droits de l’Homme et du Citoyen (“Liga Francesa de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão” – ver aqui): associação de defesa de direitos humanos criada em 1898, com 9 mil e 300 membros.
[19] Grouppe d’Information et de Soutien des Immigrés (“Grupo de Informação e de Apoio a Imigrantes” – ver aqui): associação sem fins lucrativos criada em 1972, com algo em torno de 200 membros e 7 funcionários, que realiza um trabalho importantíssimo de apoio jurídico a migrantes.
[20] Os vídeos que mostram a violência policial em novembro e dezembro de 2015 na Praça da República não deixam margem a quaisquer dúvidas.
[21] Urgence: Notre Police Assassine (“Urgência: Nossa Polícia Assassina” – ver site aqui): coletivo de familiares de vítimas que denunciam as violências, mortes e mutilações cometidas pela polícia.

Recebido por e-mail e traduzido para o português pelo Passa Palavra.

Este texto está dividido em quatro partes:
A atmosfera social na França esquenta
(ver aqui)
Nuit Debout (“noite de pé”) em Paris (ver aqui)
O peso político do Nuit Debout (ver aqui)
A luta contra a nova lei trabalhista (ver aqui)

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