Como lutar pela sobrevivência quanto por uma vitória a longo prazo contra o capitalismo? Por Logan Glitterbomb
Há nos Estados Unidos uma polêmica envolvendo a recente conquista dos trabalhadores de fast food, que no decorrer de alguns anos passarão a receber um salário de 15 dólares por hora. A campanha Fight for $15 (Lute pelos US$15) se desenvolve naquele país já há alguns anos e tem resultado em lutas e reflexões interessantes a respeito do papel dos Sindicatos nas lutas dos trabalhadores. As notícias da luta de classes nos EUA raramente chegam ao Brasil a ponto de influenciar os debates e as lutas travadas por aqui, por isso o Passa Palavra organizou a série de artigos Fight for $15 e a Mcdonaldização dos sindicatos nos EUA a fim de termos um primeiro contato com o debate e as lutas estadunidenses mais recentes.
Uma nova estratégia para o Fight for $15
Na semana passada, participei de uma luta local por US$15 com alguns colegas Wobblies e outros sindicalistas e apoiadores. A manifestação ecoava a demanda por “US$15 e um sindicato”, enchendo as ruas do lado de fora de um McDonald’s com trabalhadores de fast food e de serviços de cuidado de crianças de Tampa e Orlando, na zona da Florida, a maioria trabalhadores de cor, que tomaram as ruas e bloquearam o tráfego em uma exibição não permitida de solidariedade para com a luta dos povos trabalhadores de todos os lugares. Amarrando seu movimento em conjunto com os movimentos negro (Black Lives) e por justiça com os imigrantes, eles fizeram questão de lembrar, tanto os manifestantes quanto os espectadores, que esta é uma luta de todos os trabalhadores, incluindo trabalhadores negros e imigrantes.
Seu objetivo era, como a maioria de nós agora sabe, pressionar o poder estadual e/ou federal a aumentar o salário mínimo para US$ 15 por hora, o que eles consideram ser algo mais próximo a um salário suficiente para viver. Seu raciocínio é simples: essas corporações estão ficando ricas por meio do roubo sistemático de recursos, subsídios governamentais, leis favoráveis ao mundo empresarial e roubo de salário, enquanto seus trabalhadores têm que trabalhar em vários empregos e contar com programas de bem-estar do Estado e com a caridade privada para sobreviver. Os patrões das empresas fazem suas fortunas apoiados nas costas dos funcionários pobres que produzem os bens da empresa e eles querem ser compensados por tal trabalho, e eles não acham que isso está acontecendo.
Quando os trabalhadores são severamente limitados em termos de trabalho autônomo e emprego cooperativo por meio de regimes de licença profissional, leis de zoneamento, leis antiprodução caseira, aumentos artificiais nos custos dos recursos, regulamentos corporativos que ajudam a sufocar a concorrência e as numerosas outras barreiras à entrada no mercado, eles sofrem às vezes de tudo, mas são forçados a trabalhar para estes tipos de empresas que lhes roubam sistematicamente, seja com excesso de trabalho, sub-remuneração, sujeição física e verbal, além de assédio sexual e falta de segurança nas condições de trabalho. É por isso que os trabalhadores encontraram a necessidade de organizar um movimento. A negociação coletiva é um meio de sobrevivência em um mercado corrupto, e a barganha coletiva por salários mais elevados é apenas um meio de lutar contra o roubo corporativo sistemático dos trabalhadores.
Os críticos do salário mínimo vão apontar, contudo, que uma cobertura no preço do piso salarial levará ao aumento do desemprego e prejudicará as pequenas empresas. E enquanto o primeiro pedido ainda está sendo amplamente debatido por todos os lados com estudos que sustentam múltiplas conclusões, é difícil ignorar o custo para pequenas empresas. Embora talvez menor em alguns casos, em outros a diferença na taxa de pagamento pode significar a diferença entre permanecer no negócio a um nível de funcionamento confortável ou lutando para pagar para os trabalhadores o suficiente para sobreviver. Leis de salário mínimo mais elevado tornam mais difícil para indivíduos e grupos de trabalhadores entrarem em novos negócios, cooperativas, coletivos de trabalhadores, e outros modelos alternativos para competir com os jogadores atuais dominantes do mercado. O objetivo do movimento operário não deveria ser tanto tornar o trabalho um pouco mais administrável pelas corporações corruptas, mas criar locais de trabalho inteiramente melhores, para conduzir as empresas do mercado e criar um ambiente onde os trabalhadores são tratados com respeito e estão no controle de suas próprias vidas e trabalho. Para citar Cory Massimino em seu artigo Por que eu luto contra os $15: “O que precisamos é de uma maior concorrência… Competição é o que destrói as rendas artificiais. E isso é exatamente o que uma nova empresa, de propriedade e gerência dos trabalhadores, introduziria”.
Então, como os trabalhadores podem estar em luta tanto pela sobrevivência no aqui-e-agora quanto por uma vitória a longo prazo contra um mercado dominado pelo capitalismo? Trata-se de uma vitória ou uma derrota para os trabalhadores libertários? Quando o nosso band-aid reformista oferece alívio, ajuda e esperança a tantos trabalhadores pobres e marginalizadas, provavelmente também está ameaçando sua prosperidade futura e o escape de tais opressões, então quais são as nossas opções? Massimino, no mesmo ensaio acima citado, faz a afirmação um tanto ousada de que, “sendo para todas as áreas, sem distinção alguma (one-size-fits-all), a imposição de um piso salarial não é ‘compatível com os princípios anarquistas’ como [Kevin] Carson argumenta”, e que pode realmente ser o caso, mas isso significa que a luta pelo aumento dos salários em geral é contra os princípios anarquistas?
Tomando a questão pela lente histórica, Carson nos lembra em seu ensaio “Por que eu luto por $15” que, “de volta ao final do século 19, o movimento americano por uma jornada de oito horas incluiu pessoas de uma vasta gama de ideologias políticas. Algumas leis federais favoreceram a conquista desse objetivo. Mas o movimento também incluiu várias tendências anarquistas, incluindo anarquistas individualistas filiados ao New England Reform League. A greve geral em todo o país por uma jornada de oito horas foi vista por alguns como uma chamada para que o governo determinasse um limite para o dia de trabalho, mas também foi uma campanha de pressão sobre os empregadores”.
Se estamos em solidariedade com o movimento atual dos trabalhadores, devemos mostrar que compreendemos suas questões e demandas por acordos e que vamos lutar ao lado deles e, quando encontrarmos áreas de desavença, vamos nos esforçar para encontrar um terreno comum ou soluções alternativas. Bem, para isso podemos olhar para outras organizações trabalhistas alternativas para nos orientar, como o OUR Walmart, o Restaurant Opportunities Center, Domestic Workers United, e a Coalizão de Trabalhadores de Immokalee (Coalition of Immokalee Workers – CIW).
Charles Johnson explica o significado e as realizações da abordagem da CIW:
Fundada em 1993, o CIW (Coalizão de Trabalhadores de Immokalee) organizou greves e protestos locais em Immokalee, ajudando trabalhadores a recuperar salários roubados e exigindo aumentos salariais. Depois de alguns sucessos e muitas barricadas, eles delinearam uma nova estratégia audaz… Em 2001, o CIW introduziu um programa de repasse contratual para as empresas que voluntaria e diretamente pagassem o custo dos aumentos salariais. Eles escolheram o Taco Bell como primeiro alvo e lançaram uma campanha ousada e atraente usando protestos simpáticos, greves de fome, piquetes e teatro de rua, amplificados por ativistas on line na internet e mídia social. Finalmente, trabalharam com grupos de estudantes em uma dura campanha para arrancar das franquias Taco Bell os lucrativos contratos de serviços nos refeitórios dos campi universitários. O Taco Bell finalmente cedeu após quatro anos de boicotes e o cancelamento de contratos em 25 escolas. Em seguida, o CIW rapidamente montou e ganhou novas campanhas que tinham como alvo o McDonald’s, Burger King, Whole Foods, Subway e outros sete restaurantes, supermercados e companhias de serviços de refeitório.
O Fair Food Program foi recompensado com US$ 11.000.000 em aumento de renda para os catadores de tomates da Florida, depois de três décadas de salários estagnados, e novas políticas para conter os roubos, abuso sexual e condições inseguras nos campos… Grupos como o CIW, o Restaurant Opportunities Center, OUR Walmart e o Domestic Workers United dispensam sindicalização formal, evitando tanto os privilégios e as restrições da lei trabalhista da NLRB, e deliberadamente empregam mecanismos não-estatais – ativismo no local de trabalho, sensibilizando consumidores, fazendo protestos de difamação e campanhas de pressão – para mobilizar os trabalhadores, prestar apoio social e pressionar as empresas por melhores salários e condições. Abordagens trabalhistas alternativas têm sido particularmente bem sucedidas para trabalhadores excluídos do reconhecimento da NLRB, ou em setores (como o de serviços mal remunerados ou de trabalho em lanchonetes) onde o estilo AFL de negociação coletiva tem sido difícil ou impossível.
O Fast food é uma indústria muitas vezes ignorada pela maioria dos sindicatos empresariais e, por isso, os trabalhadores estão à esquerda para encontrar outros meios. E enquanto o movimento Fight for $15 já faz parte do movimento operário alternativo, e as acima mencionadas NLRB ou os sindicatos empresariais tradicionais seguem no sentido do uso de mais táticas não-estatais, eles não se divorciaram da luta por soluções estatistas. De todo modo, a estratégia da CIW não fez mais que provar que um amplo movimento de coalizão pode realmente lutar por salários mais elevados contra múltiplas empresas dominantes do nosso mercado e ganhar, já que eles próprios já ganharam contratos da Ahold USA (Stop & Shop/Giant Food), Walmart, The Fresh Market, Aramark, Compass Group, Sodexo, Chipotle, Burger King, Whole Foods, Trader Joe, Subway, Yum! Brands (Taco Bell), McDonald’s e Bon Appétit.
Se o movimento Fight for $15 assumisse a mesma abordagem e exigisse os US$15 por hora de salário a partir das próprias empresas, em vez de se curvar para o Estado, ele poderia pressionar o McDonald’s, Walmart e nossos outros maiores empregadores de trabalhadores que recebem salário mínimo em suas demandas por meio de táticas semelhantes às que eles estão usando agora, como os piquetes de solidariedade e as campanhas informativas com a ajuda de aliados do campo da justiça social e direitos civis, greves, ação direta no trabalho etc., com outras empresas seguindo o exemplo e fazendo o mesmo, tanto para salvar sua imagem pública quanto para apaziguar seus trabalhadores. Isso iriar permitir aos trabalhadores avanços em todas as empresas através da ação direta contra os responsáveis pela exploração de seu trabalho, afetando todos os funcionários que trabalham para eles a nível nacional e, potencialmente, a nível internacional, em vez de Estado por Estado, com sucesso limitado e com a ajuda de políticos reformistas. Também permitiria que os trabalhadores alcançassem o que exigem das empresas que estão explorando-os sem tornar mais difícil para os trabalhadores formar seus próprios empreendimentos na competição com os locais de trabalho hierárquicos e exploradores, tornando-os obsoletos e dando início a uma nova era de controle do trabalhador libertário.
Como Johnson nos lembra: “os sucessos de trabalho alternativo devem lembrar-nos de que os processos do mercado liberto não dizem respeito apenas a deixar a rédea livre para os empregadores fazerem o que quiserem; eles também incluem desregulamentação, pressões impulsionadas por trabalhadores competitivos, associações de trabalhadores voluntários, empreendedorismo social e ativismo social independente (freewheeling), como parte da negociação competitiva de difícil condução”.
O Centro por uma Sociedade Sem Estado (Center for a Stateless Society) é um centro de mídia que trabalha para construir uma conscientização acerca da alternativa anarquista de mercado.
Tradução de Pablo Polese a partir do A New Strategy for Fight for $15.