“Vemos como os níveis mais altos da burocracia do partido desconfiam cada vez mais de nós, nos consideram, proletários declarados, como ignorantes e politicamente iletrados, e usam palavras como ‘proletariado’ e ‘operário’ meramente como retórica”. Por Paul Avrich
Miasnikóv tinha de fato ido ainda mais longe. Nas semanas inciais de 1923, ele havia, como Lênin temera todo o tempo, organizado uma oposição clandestina. Chamando-a, apesar de sua expulsão, de “Grupo Operário do Partido Comunista da Rússia”, ele alegava que o grupo, e não a liderança bolchevique, representava a autêntica voz do proletariado. Unindo-se ao empreendimento estavam P. G. Moiseev, um bolchevique desde 1914, e N. V. Kuznetsov, o ex-membro da Oposição Operária que, como vimos, foi expulso do partido no Décimo Primeiro Congresso por seu papel no Apelo dos Vinte e Dois. Os três homens, todos operários, constituíram a si mesmos como “Bureau Organizacional Central Provisório” do grupo, do qual Miasnikóv era o verdadeiro fundador e espírito-guia. Seu primeiro ato, em fevereiro de 1923, foi elabiorar uma declaração de princípios em antecipação ao Décimo Segundo Congresso do Partido, marcado para se reunir em abril. Isso tomou a forma de um longo documento, o “Manifesto do Grupo Operário do Partido Comunista da Rússia”, baseado num panfleto não publicado que Miasnikóv chamou Treyozhnye voprosy (Questões Alarmantes), ele mesmo uma versão atualizada de seu memorando de 1921 e Bol’nye voprosy. Miasnikóv era, portanto, o principal autor do manifesto, Kuznetsov e Moiseev confinando a si mesmos à revisão editorial[56]
O manifesto recapitulou o programa dos primeiros escritos de Miasnikóv: autodeterminação e autogestão dos trabalhadores, remoção dos especialistas burgueses das posições de autoridade, liberdade de discussão no interior do partido, e a eleição de novos sovietes baseados nas fábricas. Como antes, Miasnikóv protestou contra a postura superior dos administradores, a crescente burocracia, a predominância de não trabalhadores dentro do partido, e a supressão da iniciativa local e do debate. Ele denunciou que a liderança do partido não tinha confiança nos trabalhadores, em cujo nome dizia governar.
Havia, entretanto, algumas mudanças. Por um lado, a visão de Miasnikóv das liberdades civis tinha se estreitado desde 1921. Enquanto a liberdade de expressão e de imprensa continuavam uma alta prioridade, ela tinha que ser limitada aos trabalhadores manuais. “Deixe que a burguesia continue quieta”, declarou o manifesto, “mas quem ousaria contestar o direito de liberdade de expressão para o proletário, que tinha defendido seu poder com seu sangue?” Quanto aos professores, advogados e doutores, a melhor política seria “quebrar a cara deles”[57]. Miasnikóv, mais adiante, denunciou a Nova Política Econômica [que se tornou conhecida pela sigla NEP], inaugurada em 1921, como um abandono das metas de outubro e uma traição em favor da burguesia. A proliferação de burocratas e empreendedores, com amplo espaço para lucratividade e corrupção, enchiam-no de repugnância. Era uma visão odiosa e insuportável, um símbolo da deterioração da revolução, da decadência do ideal socialista. Apesar da abolição da propriedade privada, as piores características do capitalismo tinham sido preservadas: escravidão assalariada, diferenças de renda e status, autoridade hierárquica, burocratismo. As iniciais “NEP”, afirmava o manifesto, significavam “Nova Exploração do Proletariado”[58].
Para Miasnikóv a NEP foi um choque. Ele a via como uma continuação do abandono do socialismo iniciado durante a guerra civil. Suas raízes podiam ser traçadas desde o Nono Congresso do Partido, que tinha endossado a gerência unipessoal e o emprego de especialistas técnicos. Por essa ação, como Miasnikóv via, Lênin tinha privado os trabalhadores da sua conquista revolucionária mais fundamental, a alavanca mestra com a qual avançar sua causa. “A organização da indústria desde o Nono Congresso do Partido Comunista da Russia”, declarou o manifesto, tinha sido levada adiante numa “forma puramente burocrática” e “sem a participação direta da classe trabalhadora”[59]. O manifesto demandava que a administração da indústria fosse devolvida aos próprios trabalhadores, começando com os trabalhadores de cada fábrica. Ele denunciava os burocratas e funcionários do partido [N. do T.: apparatchiki, em russo no original, designando uma camada de funcionários com funções puramente administrativas, sem vínculo prévio com a classe operária, histórico de militância ou convicções socialistas, que cresceu e tomou conta do partido] para os quais palavras tais como “solidariedade” e “irmandade” eram sinais vazios e que se preocupavam apenas em aumentar seus privilégios e poder. Ele os atacou em cada passagem – sua insolência e hipocrisia, seu desprezo por trablhadores comuns, seu devoto falar da boca para fora de frases socialistas, contradito por suas ambições burguesas e modo de vida.
Com seu viés fortemente anti-intelectual, combinado com seu desprezo por gerentes e burocratas, Miasnikóv assemelhava-se a Jan Waclaw Machajski, um radical polonês que, na virada do século, previra a emergência, em nome do socialismo, de uma nova classe de intelectuais e especialistas inclinados a subir ao poder sobre as costas dos trabalhadores[60]. Miasnikóv estava, pois, tingido com o pincel do “Makhaevismo”[61]. Não há evidência de que ele tenha alguma vez ouvido falar de Machajski, menos ainda de que tenha sido influenciado por suas ideias, mas as similaridades entre os dois são inegáveis. O desprezo de Miasnikóv por intelectuais e burocratas era incontido. Ele denominou a hierarquia bolchevique como uma “casta oligárquica”, um “arrogante bando de intelectuais”, uma “fraternidade gerencial” que tinha as rédeas do governo e da indústria em suas mãos. Se o curso presente continuasse, ele advertiu no manifesto,
estamos diante do perigo da transformação do poder proletário no poder de uma fração firmemente entrincheirada, animada pela determinação de preservar ambos os poderes político e econômico em suas mãos – naturamente sob o disfarce dos mais nobres propositos: ‘no interesse’ do proletariado, da revolução mundial, e outras ideias elevadas.
O que então deveria ser feito? Para Miasnikóv, a degeneração da revolução poderia ser detida apenas pela restauração da democracia proletária. Ele permaneceu inabalável em sua crença na iniciativa e capacidade dos trabalhadores, a classe da qual ele mesmo brotou. Os defeitos do regime não podiam mais ser corrigidos pela liderança bolchevique. O remédio, ao invés, deve vir da base da classe trabalhadora, tanto membros como não-membros do partido. Sem participação dos trabalhadores em cada área, ele insistia, a conquista do socialismo seria impossível. Lênin, em contraste, não possuindo a fé de Miasnikóv na iniciativa das massas, agarrou-se a soluções administrativas, rejeitando qualquer proposta que permitisse uma brisa democrática soprar pelo aparato do partido. Isso ele considerava mais perigoso do que o burocratismo em si. Ele confiava, até o final, em burocratas para reformar a burocracia, colocando uma seção do aparato contra a outra.
Para Miasnikóv, tais remédios eram sem valor, dado que falharam em atacar o problema em sua raiz. Reforma real, estava convencido, era possível apenas vindo de baixo. Convocando um ataque total contra o capitalismo, no exterior como em casa, ele condenou a política de “frente única” lançada pela Internacional Comunista [N. do T.:colaboração com a social-democracia reformista aprovada no seu III Congresso, em 1921], rejeitando a cooperação com socialistas moderados e a luta por ganhos econômicos limitados. Reformas parciais, ele insistia, só poderiam enfraquecer o impulso revolucionário do proletariado e desviá-lo de sua missão de derrubar o sistema capitalista. “O tempo em que a classe trabalhadora poderia melhorar sua situação material e legal por greves e ação parlamentar está irrecuperavelmente ultrapassado”, o manifesto declarou. Para por um fim na exploração e na opressão, o proletariado “deve lutar não por centavos adicionais, não por um dia de trabalho menor. Isso foi necessário uma vez, mas agora a luta é pelo poder.” Nenhum acordo com a ordem existente deve ser tolerado. Os trabalhadores dos países industriais avançados devem pressionar por uma revolução social, não no futuro distante, mas “agora, hoje, amanhã.” “Soem o alarme! Juntem-se para a batalha! … Com toda nossa forca e energia nós devemos convocar o proletariado de todos os países para uma guerra civil, uma guerra cruel e sanguinária”[63].
A batalha, entretanto, deveria começar em casa. Em seu manifesto, Miasnikóv imaginava se o proletariado russo poderia não ser compelido a “começar de novo a luta – e uma luta talvez sanguinária – pela derrubada da oligarquia”[64]. Não que ele contemplasse uma insurreição imediata. Ele buscava, ao invés, reunir os trabalhadores, comunistas ou não, para pressionar pela eliminação do burocratismo e a renovação da demodcracia proletária. Dentro do partido ele defendeu o direito de formar frações e elaborar plataformas, não obstante as decisões do Décimo Congresso. “Se a crítica não tem um ponto de vista distinto”, ele escreveu para Zinóviev, “uma plataforma na qual reunir a maioria dos membros do partido, na qual desenvolver uma nova política a respeito desta ou daquela questão, então não é realmente crítica, mas uma mera coleção de palavras, nada além de conversa”[65]. Miasnikóv foi ainda mais longe, colocando em questão o próprio monopólio do poder dos bolcheviques. Sob uma ditadura de partido único, ele argumentou, eleições permnecem “uma formalidade vazia.” Falar de “democracia dos trabalhadores” enquanto se insiste em um governo de partido único, ele disse a Zinóviev, seria se contorcer numa contradição, “uma contradição em termos”[66].
Esse era o conteudo do manifesto do Grupo Operário. Na primavera de 1923 ele circulava ilegalmente em forma de estêncil. Cópias passaram pela fronteira para a Polônia, onde, como o memorando de Miasnikóv de 1921, extratos foram transmitidos pelo governo. Em Berlim, ele atraiu a atenção da colônia menchevique, cujo jornal, Sotsialisticheskii vestnik [N. do T.: “Correio Socialista”, em russo no original], saudou o Grupo Operario como “elementos bolcheviques honestos que encontraram a coragem de levantar a bandeira da crítica”[67].
Dentro da Russia, também, o manifesto estava tendo efeito, atraindo recrutas novos para o Grupo Operario. No verão, o grupo tinha cerca de 300 membros em Moscou, onde estava centrado, assim como um punhado de aderentes em outras cidades. Muitos eram velhos bolcheviques, e todos, ou quase todos, eram operários[68]. Com exceção dos três fundadores (Miasnikóv, Kuznetsov, e Moiseev), seus mais ativos membros eram I. Makh, S. Ia. Tiunov, V. P. Demidov, M. K. Berzina, I. M. Kotov, G. V. Shokhanov, A. I. Medvedev (não confundir com P. Medvedev, da Oposição Operária). Makh, um comunista veterano de Carcóvia [N. do T.: capital da Ucrania até 1934], tinha sido delegado ao Décimo Congresso. Tiunov, que entrou para o partido em 1917 e era melhor educado que seus associados, era obcecado, determinado, e não “destituido de tracos nechaevistas [N. do T.: referência ao anarquista revolucionário Sergey Nechaiev (1847-1882), propenso ao terrorismo e igualmente obcecado],” de acordo com Ante Ciliga, o comunista dissidente iugoslavo que mais tarde o encontraria na prisão[69]. Vários eram ex-membros da Oposição Operária, incluindo Makh, Kuznetsov, Demidov, e Barzitia, uma bolchevique desde 1917 e uma das poucas integrantes femininas do grupo[70]. Todos partilhavam os pontos de vista de Miasnikóv sobre a degeneração do partido e da revolução, e três, em acréscimo a Miasnikóv, tinham assinado o Apelo dos Vinte e Dois: Kuznetsov, Shokhanov, e Medvedev. Kuznetsov, de fato, considerava os trabalhadores e os bolcheviques “forcas antitéticas”. Aos seus interrogadores da GPU ele depois declarou,
Nós vemos como os níveis mais altos da burocracia do partido, nossos camaradas de ontem, desconfiam cada vez mais de nós, nos temem. Eles nos consideram, proletários declarados, como pessoas ignorantes e politicamente iletradas, e usam palavras como ‘proletariado’ e ‘operário’ meramente como retórica, como fachada[71]
A aparição do Grupo Operário não passou despercebida. Ela apareceu proeminentemente no Décimo Segundo Congresso acontecido em abril de 1923, o qual se reuniu na ausência de Lênin, que sofreu uma série de derrames que o deixaram paralisado e sem fala. Às vésperas do Congresso, uma “plataforma anônima” foi distribuída, a qual chamava a “todos os elementos proletários honestos”, tanto dentro como fora do partido, a se unir com base no manifesto do Grupo Operário[72]. A autoria desse documento, que denunciava o triunvirato de Zinóviev, Kámenev, e Stálin e demandava sua remoção, aparentemente era do Grupo Operário, e talvez do próprio Miasnikóv[73].
Na ausência de Lênin, a tarefa de anatematizar o Grupo Operário recaiu sobre Trótski, Radek, e Zinóviev. Trótski, denunciando o manifesto de Miasnikóv, rebatizou-a da “velha teoria do agora esquecido Machajski” de que “sob o socialismo o Estado será o aparato para a exploração da classe operária”. Radek derramou desprezo sobre a “elevada fórmula” de liberdade de imprensa de Miasnikóv. Zinóviev declarou que “toda a crítica da linha do partido, mesmo uma assim chamada crítica de esquerda, é agora, objetivamente, um crítica menchevique.” Miasnikóv, ele acrescentou, sustenta que “o trabalhador está contra nós e nós estamos contra ele”. Uma tal noção é “bobagem.” “Eu fui pessoalmente incomodado por ele por quase um ano. O próprio Vladimir ll’ich [N. do T.: Lênin] se ocupou com Miasnikóv, escreveu a ele, argumentou com ele.” Um comissão especial, da qual Bukhárin era membro, buscou trazê-lo para perto. Sem resultado. Miasnikóv “traiu nosso partido”. Quaisquer que sejam seus enganos, insistiu Zinóviev, o partido removeu a antiga elite governante do seu poder entrincheirado. A “hegemonia do proletariado sobreviveu sob as mais difíceis circunstâncias, e vai continuar a sobreviver, eu espero, ate o fim (aplausos)“[74].
Miasnikóv tinha se tornado um espinho intolerável na carne da liderança. Em 25 de maio de 1923, um mês depois do Décimo Segundo Congresso, ele foi preso pela GPU. Submetido a interrogatório, ele repetiu sua crítica da burocracia como cínica, cruel e interesseira[75].
Surpreendentemente, Miasnikóv foi liberado da custódia e autorizado a deixar o país. Ele embarcou num trem para a Alemanha, possivelmente como um membro de uma missão comercial soviética, um mecanismo não poucas vezes usado pelas autoridades para livrar-se de dissidentes. Mas Miasnikóv não abandoniou seus protestos. Em Berlim ele criou laços com o ultra-radical Partido Comunista dos Trabalhadores Alemães (KAPD) e com a ala esquerda do Partido Comunista Alemão (KPD), encabeçada por Arkady Maslow e Ruth Fischer; ele lhes deu, como Fischer relembra, “uma imagem muito desencorajadora da situação da classe trabalhadora russa[76].
Com a ajuda desses grupos, Miasnikóv foi capaz de publicar, em forma de livreto, o manifesto do Grupo Operário[77], prefaciado por um apelo, redigido por seus parceiros em Moscou, “aos comunistas de todas as terras”. O apelo, em compasso breve, recapitulou os pontos principais do manifesto. Citando o discurso inaugural de Marx para a Primeira Internacional (“a emancipação dos trabalhadores deverá ser obra dos próprios trabalhadores”) e o segundo verso da “Internacional”, ele concluía com um conjunto de palavras de ordem proclamando as metas do Grupo Operário: “a força da classe trabalhadora repousa na solidariedade. Vida longa à liberdade de expressão e de imprensa para os proletarios! Vida longa ao poder soviético! Vida longa à democracia proletária! Vida longa ao comunismo!”[78]
Durante a ausência de Miasnikóv na Alemanha, o Grupo Operário, sob Kuznetsov e Moiseev, foi adiante propagando seus pontos de vista. Moiseev logo se retirou do Bureau Organizacional Central Provisório, mas seu lugar foi tomado por Makh. Em 5 de junho de 1923 o grupo realizou uma conferência em Moscou e elegeu um Bureau de Moscou, consistindo de quatro ou oito membros (as fontes são conflitantes nesse ponto). De acordo com Kuznetsov, um Bureau Provisório da Juventude [N. do T.: Komsomol, em russo no original, abreviatura de União da Juventude Comunista] também foi estabelecido, e Makh, um membro tanto do Bureau Central como do de Moscou, relata que o grupo planejava publicar um jornal quando as circunstâncias viessem a permitir[79].
Em pequena escala, assim sendo, o grupo estava assumindo a aparência de um partido separado. Enquanto professava lealdade ao programa do partido comunista e apregoava resistir a “toda tentativa de derrubar o poder soviético”, ele estabelecia laços com trabalhadores descontentes em várias cidades, começou negociações com a agora morta Oposição Operária (incluindo Kollontai, Shliapnikov, e Medvedev), e tentou formar um bureau estrangeiro, para o qual esperava atrair tanto Kollontai, com o conhecimento dela em línguas estrangeiras, como Maslow do KPD[80]. Nada resultou desses esforços. De acordo com um informe, seja como for, o grupo ganhou apoio dentro da guarnição do Exército Vermelho aquartelada no Kremlin, da qual uma companhia teve que ser transferida para Smolensk [N. do T.: cidade na fronteira com a Bielorrússia][81].
Uma oportunidade inesperada para o grupo estender sua influência veio em agosto e setembro de 1923, quando uma onda de greves, relembrando aquela de fevereiro de 1921, varreu os centros industriais da Russia. Uma crise econômica – a chamada crise das tesouras [N. do T.: assim batizada por Trótski devido à forma de tesoura criada pelas linhas dos preços agrícolas e industriais num gráfico] – vinha se aprofundando desde o início do ano, trazendo cortes nos salários e dispensa de grande número de trabalhadores. As greves resultantes, que despontaram em Moscou e outras cidades, foram um fenômeno espontâneo e não organizado, desencadeado pela piora das condições. Não há evidência que as conecte com nenhuma fração oposicionista. O Grupo Operário, mesmo assim, buscou tirar vantagem das perturbações para se opor à liderança do partido. Intensificando sua agitação, o grupo cogitou convocar um dia de greve geral e organizar uma manifestação de massa de trabalhadores, nas linhas do Domingo Sangrento de 1905 [N. do T.: episódio chave da revolução de 1905, em que uma passeata organizada por um padre para levar reivindicações populares ao palácio do Czar foi recebida à bala pela guarda imperial; as estimativas variam de mil a quatro mil mortes], com um retrato de Lênin à frente[82].
As autoridades ficaram alarmadas. Como Bukhárin mais tarde reconheceu, as greves, combinadas com as atividades de grupos dissidentes, atraíram a atenção para “a necessidade de olhar mais cuidadosamente para os salários, a necessidade de elevar o nível de atividade política dos membros das organizações do nosso partido”[83]. Ao mesmo tempo, o Comitê Central classificou o Grupo Operário como “anti-comunista e anti-soviético” e ordenou que a GPU o reprimisse. Pelo fim de setembro, seus locais de reunião foram invadidos, escritos apreendidos e líderes presos. Doze membros foram expulsos do partido, entre eles Moiseev, Tiunov, Berzina, Demidov, Kotov, e Shokhanov, e quatorze outros receberam advertências[84].
E quanto ao próprio Miasnikóv? Na Alemanha desde junho, ele não tinha se envolvido na agitação grevista. Mesmo assim ele era considerado perigoso. No outono de 1923, assim, ele foi atraído de volta para a Rússia com garantias, de Zinóviev e Krestinsky, o embaixador soviético em Berlim, de que ele não seria incomodado. Uma vez em solo nativo, ele foi imediatamente colocado atrás das grades. A prisão foi conduzida pelo próprio Dzerzhinsky [N. do T.: dirigente máximo da GPU], um sinal da gravidade com a qual o governo via o caso. Em janeiro de 1924, Lênin morreu. A esta altura o Grupo Operário tinha sido silenciado. Ele foi o último movimento dissidente no interior do partido a ser liquidado enquanto Lênin estava vivo. Ele foi também o último grupo de base a ser esmagado com a bênção dos líderes soviéticos, que agora começavam sua briga pelo manto de Lênin[85].
Este artigo será publicado em quatro partes:
Introdução
Antes e durante a Revolução Russa
Depois da expulsão do partido
Exílio e últimos anos
Notas
[56] Ao escrever para Trótski seis anos depois, Miasnikóv assinou como “G. Miasnikóv (autor do Manifesto do Grupo Operário)”. Carta de Miasnikóv a Trótski, 8 maio 1929 e 29 jul. 1929, Arquivos Trotsky, Harvard University.
[57] Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 74, 94. Sorin chamou a isto de “um ataque de centúria negra, um pogrom”.
[58] Ibid., p. 70.
[59] E. H. Carr, The Interregnum, 1923-1924, Nova Iorque, 1954, p. 82.
[60] Sobre Machajski, ver Paul Avrich, “What is ‘Makhaevism’?” Soviet Studies, vol. 17, jul. 1965, pp. 66-75; Marshall S. Shatz, “Jan Waclaw Machajski: The ‘Conspiracy’ of the Intellectuals,” Survey, no. 62, jan. 1967, pp. 45-57; and Anthony D’Agostino, “Intelligentsia Socialism and the ‘Workers’ Revolution’: The Views of J. W. Machajski,” International Review of Social History, vol. 14, 1969, parte 1, pp. 54-89.
[61] Sorin, Rabochaia gruppa, p. 64. Ele também foi acusado, quase sem qualquer fundamento ao que parece, de antissemitismo.
[62] Ibid., pp. 62-64; Carr, Interregnum, p. 269.
[63] Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 20, 24.
[64] Ibid., p. 97.
[65] Pismanik, ”’Rabochaia gruppa’,” p. 95.
[66] Ibid. Ver também Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 76-77.
[67] Sotsialisticheskii vestnik, 18 out. 1923. De acordo com Pismanik, ”’Rabochaia gruppa’,” p. 88, o erudito bolchevique D. B. Riazanov disse ser o manifesto “um documento marxista consistente”.
[68] A estimativa de Kuznetsov de 3 mil membros em Moscou e 10 mil por todo o país é um exagero grosseiro. Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 115-117.
[69] Ante Ciliga, The Russian Enigma, ed. rev., Londres, 1979, p. 277.
[70] M. V. Khryskov, “Moskovskaia partiinaia organizatsiia v bor’be za ukreplenie edinstva partiinykh riadov i razgrom trotskizma (1921-1927 gg.),” Voprosy istorii KPSS, 1967, nº 2, p. 118.
[71] Sorin, Rabochaia gruppa, p. 63.
[72] Dvenadtsatyi s”ezd RKP(b), p. 159. Ver também Daniels, Conscience of the Revolution, p. 204.
[73] Pismanik, ”’Rabochaia gruppa’,” pp. 95-96.
[74] Dvenadtsatyi s”ezd RKP(b), pp. 135, 221, 346.
[75] Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 63-64.
[76] Ruth Fischer, Stalin and German Communism, Cambridge, MA, 1948, p. 247.
[77] Manifest Rabochei gruppy Rossiiskoi Kommunisticheskoi Partii(b), Berlim, 1923. Uma tradução condensada para o alemão, Das Manifest der Arbeitergruppe der Russischen Kommunistischen Partei, foi publicada no ano seguinte, com comentários do KAPD e descrita como tendo sido publicada pela “Seção Russa da Quarta Internacional”. Carr, Interregnum, p. 81.
[78] Revoliutsionnaia Rossiia, out.-nov. 1923. Três mil cópias do apel, endereçado ao “segmento proletário do PCR(b)”, foram distribuídas na Rússia.
[79] Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 110, 114.
[80] Ibid., pp. 100-101, 110-112; Carr, Interregnum, p. 293.
[81] Russia and the British Labour Delegation’s Report: A Reply, Londres, 1925, p. 23.
[82] Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 99-100; Pismanik, ”’Rabochaia gruppa’,” p. 88.
[83] Bukhárin, prefácio a Sorin, Rabochaia gruppa, pp. 3-6.
[84] Sorin, Rabochaia gruppa, p. 113; Pravda, 2 dez. 2, 1923; “G.P.U. o ‘Rabochei gruppe’ R.K.P.,” Sotsialisticheskii vestnik, 6 jul. 1924. Ver também Pospelov, Istoiiia Kommunisticheskoi Partii, vol. 4, p. 271; e Lennard D. Gerson, The Secret Police in Lenin’s Russia, Filadélphia, 1976, p. 263.
[85] Maximoff, Guillotine at Work, p. 287; Gerson, Secret Police, p. 263.
Traduzido e anotado por Daniel M. Delfino a partir do original disponível na Russian Review, vol. 43, nº 1 (jan. 1984), pp. 1-29, corrigido segundo a errata disponível na Russian Review, vol. 43, nº 3 (jul. 1984), p. 337 e revisado pelo Passa Palavra. Este artigo faz parte do esforço coletivo de traduções do centenário da Revolução Russa mobilizado pelo Passa Palavra. Veja aqui a lista de textos e o chamado para participação.
“Trótski, denunciando o manifesto de Miasnikóv, rebatizou-a da “velha teoria do agora esquecido Machajski” de que “sob o socialismo o Estado será o aparato para a exploração da classe operária”.”
quanta lucidez!