Mataram a História / Falsificaram o passado / Roubaram minha memória. Por Otto João Leite

O mundo travou
A terra parou de girar
Mataram a História
Falsificaram o passado
Roubaram minha memória
Até a vontade de amar…

Desterro!
Depois tomaram minha identidade
Mataram minha alteridade
Sufocaram minha humanidade
Para fazer espetáculo com minha vida,
Um bode expiatório

henri-matisse2A alegria de viver
Resta no transgredir
Com um bom whisky e Jazz
E a alegria de amar
Aos quentes abraços
Desembaraços
Onde minhas mãos como pente
Alisavam os cabelos dela!

Mas fui encarcerado
E da vida fui privado
Abram as portas da prisão!
Quero sair! Quero viver!
Larguem meu pescoço,
Quero respirar!

Somos todos muitos Cesares
A circular
Pelo mundo, vendados
No escuro,
Aprisionados
Pelos códigos de barra.

Porque sempre tenho de ser um forte?
Porque não posso minha guarda abaixar?
Porque sempre essa paranóia
Vigiado entre câmaras
Que sufocam, mais sutis que a câmara de gás
Porque não posso me embriagar?

Hoje decretei: sou um fraco
Entre as empresas em crise e as falências
Decretei minha impotência
E só quero que ela cuide de mim
Menino ébrio que quer colo e ninar!

E não haverá grades que possam prender
Os vapores do éter, ébrios
E os sóbrios sonhos de viver!
A Cesare o que é de Cesare,
E ao povo o que é do povo!
Deixem-nos voar!

Otto João Leite, mais um nos registros do Estado.

[Ilustração: colagem de Henri Matisse para a série «Jazz»]

5 COMENTÁRIOS

  1. A poesia tem uma força de comunicação que envolve, seduz, e passa a mensagem de uma forma diferente, que não sentiriamos apenas pelo texto escrito comum. Continuem publicando, está muito legal, estou repassando para meus contatos!
    Parabens pela qualidade do Passa Palavra!

  2. Cara Heloisa,
    Trata-se de uma colagem do notável pintor francês Henri Matisse feita em 1947, na fase final da sua vida, e que ele intitulou «Ícaro». Está incluída numa recolha chamada Jazz. Aliás, quase todas estas informações constam no final do poema.

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