Por Danilo C. Nakamura
Ontem, dia 8 de março, encerrou-se a greve dos servidores públicos do município de São Paulo. Decretada no dia 26 de dezembro de 2018 e iniciada de forma concreta no início do ano letivo, 4 de fevereiro de 2019, a greve teve um final deprimente. Para sair do local de realização da assembleia, o presidente do Sinpeem precisou ser escoltado pela polícia militar, pois estava sendo insultado e hostilizado por parte dos trabalhadores que ficaram revoltados com a forma que a assembleia foi encaminhada.
Até quinta-feira, às vésperas do carnaval, o Fórum das Entidades Sindicais dos Servidores Municipais (Sinpeem, Aprofem, Sindsep, Sinesp, Sedin, Seesp, Simesp, Anis) reafirmava suas principais reivindicações: a) revogação da Lei 17.020/18 que institui a reforma da previdência municipal e a criação do Sampaprev; b) valorização de todos os servidores com 10% de reajuste; c) fim da política de congelamento dos salários, que há anos reajusta em 0,01% os salários dos servidores.
Os sindicatos continuavam afirmando que o prefeito Bruno Covas era intransigente, pois não dialogava e desmarcava reuniões de última hora. Até então, o Fórum das Entidades reforçava também que as pautas não foram levadas em consideração nas poucas conversas que conseguiram agendar com o prefeito e seus secretários. A resposta da prefeitura ainda era a mesma do início da greve, ou seja, que a lei não seria revogada, mas caso a reforma da previdência federal seja aprovada, a prefeitura se compromete em não encaminhar um Projeto de Lei para a Câmara Municipal para instituir contribuição acima dos 14% (o projeto da reforma da previdência federal prevê alíquotas de até 22%). Que não concederia valorização de 10% para todos os servidores e, portanto, não modificaria a política salarial vigente de 0,01%. Além disso, ameaçava a evolução funcional das carreiras com reajustes salariais baseadas no alcance de metas. Por fim, desrespeitava o direito de greve descontando os dias parados de vários servidores. Diante disso, o Fórum mantinha o discurso em defesa da greve.
Mantida a greve, os comandos de mobilização marcaram atos regionais para os dias 7 e 8 de março. Parte dos grevistas percebeu que eram necessárias ações para além dos corriqueiros comandos de greve (grevistas passando nos locais de trabalho tentando convencer aqueles que estavam trabalhando). Nesses dois dias, mais do que em qualquer outro, servidores passaram a realizar diversas atividades independente ou conjuntamente aos sindicatos. Servidores pararam a Radial Leste e a Rodovia Anhanguera. Ocuparam a Secretaria Municipal de Educação (SME) e a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) para cobrar os dirigentes que estavam cortando salário dos grevistas e desrespeitando o direito de greve. Aula pública e conversa com a população aconteceu próximo ao terminal da Barra Funda. Bruno Covas foi seguido em seus compromissos públicos e os servidores exigiram respeito. Sem romancear, os trabalhadores faziam da greve um instrumento de luta construído no dia-a-dia. Enfrentando seus medos e receios, eles fortaleciam os laços de solidariedade nos locais de trabalho. Arquitetos, engenheiros e agentes do serviço social participavam de atos com os professores, enfermeiros panfletavam com comandos de greve de outras categorias e assim por diante. Extrapolando as assembleias e as passeatas para a Avenida Paulista, a greve, de forma simples e precária, buscava pressionar o governo e instituir canais de comunicação com a população em geral.
Se tudo isso seria o suficiente para fortalecer a greve, não saberemos. Não saberemos, pois terminado o carnaval, os sindicatos mudaram de posição. Antes da assembleia do dia 8 de março, às 8h, o Fórum das Entidades se reuniu com o prefeito. Na assembleia, Margarida Genofre, vice-presidente da Aprofem, leu de forma “morna” a proposta do governo. Sempre que vaiada, ela dizia: “Não sou eu quem está propondo, só estou lendo a proposta do governo”. Mas Claudio Fonseca, presidente do Sinpeem e vereador pelo PPS, resolveu ser protagonista do recuo e releu de forma “calorosa” cada um dos pontos da proposta do governo. Embora o governo não tenha recuado um milímetro em relação à revogação do Sampaprev e tenha mantido a política salarial de 0,01% de reajuste, Claudio Fonseca, em nome de todos os sindicatos, afirmava como “vitória” tudo aquilo que antes era negado:
1. A palavra do prefeito de que caso a reforma da previdência nacional seja aprovada, não teremos aumento acima dos 14%, transformou-se em “vitória do movimento” (traduzindo, o que era confisco de 3% no início do movimento se transformou em vitória no discurso do sindicalista, dado o fantasma de uma reforma que nem foi aprovada. Junto disso, a palavra de um governo que de quatro em quatro anos é trocado nas eleições se transformou em uma garantia de que estamos livres de novos aumentos de alíquotas).
2. A repetição do texto do Diário Oficial do dia da aprovação do Sampaprev se transformou em outra vitória. Afirmam os sindicatos: Novos servidores continuam vinculados ao IPREM (Instituto de Previdência Municipal de São Paulo) e caso queiram podem optar pelo sistema complementar. (já dizia o D.O. de 27 de dezembro de 2018: “O regime de previdência complementar de que trata o “caput” deste artigo, de caráter facultativo, aplica-se aos que ingressarem no serviço público municipal a partir da data de publicação desta lei”).
3. Abono emergencial de 200 e 300 para agentes de apoio de nível básico e médio que ganham até R$ 1.380,50 (a valorização de todos os servidores em 10% se transformou em abono não incorporado ao piso para os servidores mais precarizados, que, fora dessa “emergência”, estão incluídos na política salarial de 0,01%).
4. Mesa de negociação aberta para pensar o dissídio salarial das categorias (traduzindo, a unidade do Fórum foi dissolvida nas negociações isoladas das categorias. O Sinpeem, que tem a garantia da lei que institui o piso dos profissionais de educação, sai como sindicato forte que garante aumentos acima dos 0,01%).
Além disso, foi garantido o pagamento dos dias parados. E acordada uma transferência bancária para quem teve descontos no salário durante a greve. O fim da greve, na avaliação dos sindicatos era necessário, pois a greve estava entrando num refluxo. Essa mudança de avaliação se deu quando? No carnaval? Como foi possível avaliar esse refluxo no feriado? Até a assembleia anterior ao carnaval, Claudio Fonseca afirmava que a greve era forte e que não deveríamos ceder em nada. O Sinpeem, diferente do Sedin, Sinesp e Aprofem, até cancelou o curso que todos os professores precisam fazer na quarta-feira de cinzas, pois, para ele, fazer o curso significava quebrar a greve. Mas — depois da narrativa dos sindicatos de “vitória do movimento” (garantida pelo monopólio da fala para as direções), misturada com a exasperação de centenas de trabalhadores, que se mantinham paralisados há mais de um mês — tivemos uma votação dividida entre quem defendia a continuidade ou a suspensão da greve. Assim sendo, sem o debate necessário, a greve foi suspensa.
Para além do bate-boca sobre a contagem dos votos que suspendeu a greve (o resultado foi dividido, mas os sindicatos se negaram a fazer nova votação para tirar a dúvida da assembleia, tampouco consultaram aqueles que defendiam a continuidade da greve), acreditamos que essa greve exige uma reflexão muito mais ampla por parte dos trabalhadores. Uma derrota como essa, sendo narrada de forma cínica pelos sindicatos, tende a criar uma descrença e apontar para uma saída individual por parte dos trabalhadores, ou seja, desfiliação em massa dos sindicatos e/ou não participação nas próximas greves. É instintivo o sentimento de que somos massa de manobra de lideranças que há décadas estão encasteladas na direção dos sindicatos. Mas a derrota também abre caminho para iniciarmos uma formulação coletiva de tudo aquilo que ainda está por vir em termos de ataques aos direitos trabalhistas e, para não fazermos ilusão de nós mesmos, para avaliarmos criticamente nossos instrumentos de luta.
Primeiramente, nossas duas últimas duas greves contra o Sampaprev deixaram claro que estamos lidando com políticos com poucos vínculos com as categorias de servidores e sem qualquer tipo de preocupação com a chamada opinião pública. Em termos gerais, podemos dizer que a greve do setor público tem como objetivo parar os serviços públicos e, aos poucos, atingir toda a cidade. Manifestações e passeatas buscam parar o trânsito e fazer com que as pautas da greve se espraiem pela população e virem pautas também da opinião pública. Espera-se que a grande impressa cumpra também um papel e que as informações atinjam a imagem do governo que precisa resolver um impasse com os servidores e com os cidadãos em geral. E diante de tudo isso, abrir-se o espaço para a negociação. Esse script está se efetivando na prática?
Os vereadores deram de ombro aos acordos firmados em março de 2018, aprovaram uma lei desrespeitando a necessidade de criar uma comissão e debater o projeto por 120 dias. Aprovaram os textos em comissões reunidas de madrugada e votaram o texto final no período de recesso e com milhares de servidores na frente da câmara. Bruno Covas fez todo tipo de manobra para isso ser possível. E desde o início afirmou que “nem morto revogaria o Sampaprev”. E em nenhum momento negociou qualquer outra pauta levantada pelos sindicatos. Mas ainda apostamos nos cálculos políticos eleitorais, buscamos atingir a popularidade dos políticos como forma de pressioná-los para atender nossas reivindicações. A pergunta que fica é: os mais de cinquenta dias parados — somando a greve do ano passado e desse ano — foram insuficientes para estabelecermos esse espaço de negociação? Ou o prefeito e os vereadores estão se lixando para o desgaste de suas imagens e para a pressão dos servidores e da população em geral?
Em segundo lugar, como já dissemos no texto Nem mortos aceitaremos a reforma da previdência?, os sindicatos aparecem nos dissídios salariais como instituições legítimas dos trabalhadores para barganhar ganhos reais ou manter o poder de compra dos salários diante da inflação (diante da política salarial de 0,01%, sabemos que nem nisso os sindicatos dos servidores têm conseguido algo positivo. Na educação, a lei do piso salarial camufla positivamente a incapacidade dos sindicatos. Este ano o MEC definiu o aumento em 4,17%, índice que, caso o prefeito cumpra a lei, o Sinpeem poderá vender como “conquista” da mobilização). Revogar uma lei, nesse sentido, exige uma postura diferente das campanhas salariais baseadas na negociação. De certo modo, exigia o mesmo nível de intransigência do governo. Precisamos reconhecer, chegamos num momento histórico de ataques aos direitos sociais sem uma única instituição (central, sindicato, partido ou movimento social) capaz de bancar isso. E, nesse sentido, vivemos uma condição de trabalhador atomizado e com vínculos nada perenes.
Outra pergunta que fica é: Se tínhamos essa junção de fatores, ou seja, políticos indiferentes à opinião pública, mais classe trabalhadora despreparada e representada por instituições aquém dos desafios, por que entramos em greve? Por parte dos sindicatos o informe antes do carnaval do Fórum das Entidades Sindicais dos Servidores Municipais deixa claro. Afirma o documento: “As entidades sindicais em Greve, que compõem o Fórum, foram unânimes em considerar que embora o compromisso do governo em não encaminhar proposta para elevação dos 14%, não houve qualquer proposta de compensação ao confisco dos 3%”. Em suma, embora tenham convocado a categoria para uma greve que visava a revogação do Sampaprev, as direções sindicais acreditaram que seriam capazes de arrancar alguma compensação, trocando um ataque estrutural na carreira dos servidores por um alívio momentâneo. Falharam até em conseguir um péssimo acordo.
Mas e por parte dos trabalhadores? Por parte dos trabalhadores, podemos dizer que num cenário cada vez mais insuportável de se viver, tivemos luta pelo simples direito de trabalhar e envelhecer com dignidade. Os sindicatos, de modo geral, sabem disso e com suas táticas e estratégias tentam canalizar essa energia social. Mas essa luta pelo direito de trabalhar dignamente extrapola e se torna perceptível em cada local de trabalho paralisado; nos comandos de greve que pacientemente conversavam com a comunidade; nas aulas públicas sem estrutura que ocupavam praças e terminais de ônibus; nos trancamentos de ruas que tentavam tornar o movimento visível para a população ou nas enormes passeatas mesmo debaixo de tempestades que mudavam a paisagem da cidade. Em resumo, a disposição para lutar aparece em cada momento que os trabalhadores enfrentam os possíveis assédios no local de trabalho, as críticas que apontam os servidores públicos como privilegiados, os constrangimentos que aparecem perante as famílias e comunidades ou o medo de ficar sem a remuneração mensal diante de uma greve cheia de incertezas.
Concluindo, a tarefa dos trabalhadores é tão grande quanto a derrota sofrida nesse dia 8 de março de 2019. Repensar suas representações e seus instrumentos de luta não é uma tarefa teórica, ela é prática, mas exige o entendimento de como sair do círculo vicioso de perdas sucessivas dos direitos sociais. Para não sairmos do grau zero, já teremos um bom ponto de partida se nós conseguirmos valorizar toda energia despendida por todos aqueles que lutaram de verdade. Se conseguirmos valorizar aqueles que dentro e fora dos seus locais de trabalho perceberam que a dignidade dos trabalhadores é inegociável.
São Paulo, 9 de março de 2019
Ao longo dos últimos dias não pude acompanhar com a atenção necessária o noticiário nos meios de comunicação tradicionais escritos, mas ao menos nos telejornais que consegui assistir, salvo engano, foi gritante o silêncio a respeito da greve dos servidores municipais contra o Sampaprev. Conta-se nos dedos as notícias a respeito do movimento paredista.
Se a minha observação, precária como destaquei inicialmente, não estiver totalmente equivocada,será que esse silêncio de parte não desprezível dos meios de comunicação poderia ajudar a compreender a aparente despreocupação do Covas em relação a ter sua popularidade afetada?
Em outras palavras, até que ponto a greve conseguiu afetar a imagem do prefeito e dos vereadores?
Outro ponto que me chamou a atenção refere-se aos possíveis motivos da mudança de postura da direção do sindicato. O que explicaria isso para além da evidente burocratização das entidades?
Em 2013, eu ingressei como professor numa universidade federal e cerca de três meses após tomar posse, iniciamos uma greve que se estendeu por cinco meses. Como todos bem sabem, não conseguimos nada além de um parco reajuste salarial dividido em três anos. Nenhuma das medidas draconianas da Dilma Roussef foram revistas e os cortes de verbas só se intensificaram nos anos seguintes.
Nas duas últimas assembleias que acabaram por encerrar o movimento, os membros do comando de greve local se esforçaram para falar em vitória, mas apontando que o Andes saíra fortalecido do movimento e que isso não era algo desprezível. Ao votarem na penúltima assembleia o indicativo de fim do movimento, utilizaram como principal argumento a necessidade de todos saírem juntos e unidos da paralisação, conforme orientação do Andes.
Eu, no meu isolamento típico, permaneci fiel aos meus princípios e fiquei entre os pouquíssimos professores que votaram pela continuidade do movimento paredista (não chegamos a 20), já que minhas motivações iam muito além das disputas entre burocratas sindicais do Proifes e do Andes.
E pude, finalmente, ver os petistas defensores do governo Dilma desde o primeiro momento do movimento e os militantes do PSTU, do PSOL e outros comemorando juntos o fim da longa greve.
* 2015
Início de 2017 o atual prefeito de Florianópolis começou o seu mandato aprovando da Câmara de Vereadores, de cara, um projeto de Lei que atacava todos os servidores municipais, principalmente nos seus planos de carreiras. Foi uma greve história de 38 dias que conseguiu reverter projeto já aprovado na Câmara.
O prefeito tomou posso e entrou no espírito Teme após o golpe de 2016, passando projetos como um trator já no primeiro mês. mas não se deu tão bem.
O sindicato tinha uma direção combativa, naquilo que é possível uma direção sindical ser combativa (quase uma contradição nos termos).
Mas o fato é que ano passado entrarem em greve contra um projeto de OSs e a prefeitura saiu vitorioso. Estamos num momento que algumas poucas lutas de resistêcnia tem êxitos, mas provisórios…
Em São Paulo os sindicatos de servidores parecem nunca conseguirem uma vitória sobre o tucanato. Quem conseguiu foram os estudantes secundaristas nas ocupações de 2015. Eles conseguiram fazer essa ligação com a população. A luta deles conseguiu simpatia de espectros amplos da população. É preciso entender por que eles conseguiram isso.. o que havia naquela forma de luta, na aparência daquela luta, e no seu conteúdo. Lutas sindicais ficam restritas, a população tem dificuldade de se identificar com elas. Por que?
Com a esquerda derrotada e o antipetismo ainda em voga, há menos preocupação de governantes com políticas impopulares… ou antitrabalhadores. pois já não há adversário político que possa ganhar espaço em curto prazo em cima disso.
Só assim também entende-se a inacreditável entrevista do ministro da Economia Paulo Guedes nesse domingo no Estadão.
Mas enfim..tempos realmente obscuros.. e caminhos ainda pra piorar, e ainda pode ser bastante, antes que venha alguma melhora.
Dos dirigentes sindicais não podemos esperar nada, pela função que possuem. A questão é que não criamos nenhuma referência política de esquerda alternativa aos sindicatos. E veja, MPL, movimentos de ocupações de escolas, entre alguns outros, demonstraram capacidade de afetar, de serem referência política de modo a mobilizar amplos setores (inclusive uma parte que é base de partidos de direita) para pautas e formas progressistas. Mas essa esquerda autônoma de demonstrou uma incapacidade crônica de criar uma referência duradoura e menos ainda a nível nacional, tão fundamental desde 2013.
A recomposição de classe se dará por fora dos sindicatos e do PT e seus satélites. Mas é preciso construir as referências políticas para essa recomposição.