Por Luciano Alvarenga Montalvão[*]

Domingo à noite, e bate aquela angústia pré-semana de trabalho. Nada melhor do que umas gramas de gorduras saturadas na veia para acalentar o corpo e o coração. Pensei em comer um McDonald’s. Até um jovem marxista adora um McDonald’s. Pensei em pedir um Uber Eats, mas achei absurdo demais, já que moro a poucos metros do templo do capital. Caminhei até o fast food mais próximo com a ansiedade de uma criança pobre que comeria seu primeiro McLanche Feliz da vida. Ao entrar no templo, minha primeira surpresa: os seis caixas semivazios foram substituídos por dois belos totens de autoatendimento. Restaram apenas dois caixas, sendo um deles agora exclusivo para atender os motoboys uberizados que se enfileiravam, agoniados, esperando os pedidos de seus clientes de nomes rebuscados: “Ana Beatriz, Giovana, Milena, Santiago, Pietro…”

Do lado esquerdo da cena cinematográfica, meninos e meninas da periferia se acotovelavam na cozinha impecavelmente branca e estilo New Look, sendo chicoteados simbolicamente por um supervisor de pele um pouco mais clara. Me senti nas fábricas da Peugeot e da Renault, minuciosamente descritas por Dejours em meados dos anos 1980, ou no ABC paulista, exaustivamente investigado pelos colegas da USP e da PUC nas duas últimas décadas. Taylor vive! Mais forte e mais cruel do que nunca.

Não tirei nenhuma foto para compartilhar nas redes, mas o real do trabalho está logo ali, na esquina, escancarado para quem quiser ver.

Na volta para casa, dois motociclistas com suas bolsas fluorescentes cruzaram o sinal vermelho em alta velocidade. Tudo pelo nosso conforto e comodidade.

O meu lanche estava muito saboroso, diga-se de passagem, porém um tanto ou quanto indigesto.

Perdi o sono pensando em Marx, Dejours, Taylors e Bolsonaros… Mandei o Zolpidem de emergência, porque eu também precisava de estar de pé no outro dia para os patrões.

Estamos no limite da normalidade. Nunca a classe trabalhadora foi tão classe trabalhadora: explorada, adoecida, marginalizada e esquecida. E há quem ainda tenha o disparate de negá-la, ignorá-la, reduzi-la a tantas identidades frágeis e fragmentadas.

Entre big macs e big datas, comecei mais uma semana já derrotado, desde o domingo da criação. De que valem nossas pesquisas na bolha universitária? De que valem nossas clínicas do trabalho, apartadas do real do trabalho? Por ora, nada mais posso fazer do que compartilhar minha angústia com vocês, meus companheiros e companheiras do dia a dia, do partido, do sindicato, da universidade, da vida.

Goiânia, 06 de outubro de 2019.

[*] Grupo de Estudos e Pesquisas Sobre o Trabalho (GEPET-UFRN); Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho (LPCT-UnB).

Ilustra este artigo uma das obras do artista finlandês Jani Leinonen.

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