Por Victor Hugo Viegas

As mudanças tecnológicas que impactaram no jornalismo e na comunicação nos últimos anos são um tópico quente de discussão para os antigos e os novos jornalistas que estão entrando no mercado de trabalho. O assunto foi tema de pelo menos quatro palestras e debates no Congresso Informe-se de 2019, realizado pelo Centro Acadêmico de Jornalismo da PUC Goiás. Não é coisa que se discute apenas aqui. Houve um festival gigante de tecnologia envolvendo dezenas de pequenas empresas que tratou do assunto, o festival i3. É uma tendência do que significa debater jornalismo hoje no Brasil. Muita ênfase em técnicas de apuração, de comunicação, como é trabalhar na assessoria, como é trabalhar com podcast, as possibilidades da web e do impresso. Mas existe um elefante na sala, atrapalhando a tentativa da maioria de fazer bom jornalismo com quaisquer ferramentas que sejam. Esse elefante se chama condições de trabalho.

Elefantes são criaturas difíceis de lidar. Ninguém entende muito bem por que estão aqui, em plenos trópicos, em meio a uma sala cheia de utensílios frágeis. São grandes, difíceis de mensurar. Mas podemos fazer como os cegos da fábula famosa e começar a tatear, por meio de perguntas, para tentar entender. Quais serão as condições? Quais os prazos? Quais as ferramentas disponíveis para produzirmos um bom podcast? Para conseguirmos comunicar com o público de forma interativa, com qualidade e tempo para explorar essa forma de apuração e comunicação? Para nos mantermos produzindo e termos independência para conseguir inovar em termos de conteúdo, apesar das apreensões dos donos dos nossos veículos? Poderemos contar com colegas para dividir o trabalho? Pelo que a palestra de fechamento do evento nos informou, ao dizer que precisamos ser multi e cobrir várias áreas, me parece que não. Será que o salário também vai ser multi? Vai ter hora extra para ser multi?

Os estudantes e profissionais do jornalismo precisam começar a mudar sua mentalidade. Não somos manipuladores livres de tecnologias, traficantes de informação. Pouquíssimos jornalistas são ricos empresários. Somos trabalhadores. Mas não temos carreira. Cada jornalista se vira para produzir, para ganhar aumento, para conseguir fechar pauta, para sobreviver. Não por acaso, ao discutir o papel da mulher no telejornalismo, não teve como não falar de assédio moral, das dificuldades de sobreviver às discriminações. O assunto está lá. De acordo com pesquisa sobre ambientes de trabalho da comunicação de São Paulo publicada por Ken Fujioka em 2018, 89% das mulheres e 85% dos homens dizem que constrangimentos morais ocorrem com frequência no ambiente de trabalho. É o elefante na sala. Para lidarmos com essa criatura gigante, sendo pequenos e frágeis como somos, precisamos nos juntar. Discutir estratégias. Criar ferramentas… para termos condições de trabalhar também, não apenas ferramentas para produzir mais.

É claro que é importante discutirmos tecnologia. É o nosso métier, nossa plataforma de trabalho. Mas precisamos dedicar algum tempinho a como podemos começar a defender nossas condições de produzir bem, com qualidade, com alguma segurança, com saúde e com solidariedade para sobrevivermos ao mundo cão empresarial. Não existe autonomia, qualidade, boa produção a partir de tecnologia. Autonomia diante do patrão, dos financiadores do patrão e do público que pode se ofender com as informações que publicamos… o conjunto disso é uma conquista coletiva. Depende da nossa capacidade de bancar brigas coletivamente e da nossa união.

Que isso nem seja assunto, a não ser marginalmente, não é culpa da organização do evento. É sintoma de como pensam os jornalistas e estudantes, de como o jornalismo em Goiás e no Brasil é pensado. É o medo também. A pesquisa que citei acima diz que 57% das mulheres e 50% dos homens se calam e ignoram situações de assédio por medo de serem julgados, demitidos, retaliados. O elefante está lá. Aqui. Esmigalhando os cegos que acham que ele não existe e se colocam sob seus pés sem perceber. Os que sobrevivem são os que dão sorte. Mas até quando?

Victor Hugo Viegas é estudante de jornalismo da PUC e trabalhador da UFG.

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