Passeava eu à noite num bairro da periferia de Lisboa quando um alarido me chamou a atenção, uma dúzia de pessoas agitadas no meio da rua deserta. Fui ver. Alguém tinha sido roubado e o ladrão fugira. «Foi para o ghetto, foi para o ghetto», gritavam alguns jovens, apontando em direcção a uma favela próxima, onde moram imigrantes. «O que se devia fazer a essa gente sei eu», observou um polícia, que entretanto chegara também. «O que é que o senhor guarda acha que se lhes devia fazer?», perguntei com o meu melhor sorriso. «Não lhe posso responder», disse-me o polícia, «porque estou fardado». Como as outras pessoas se entretinham a conversar acerca dos negros, dos imigrantes, dos ciganos e dos perigos da noite, eu puxei o polícia por um braço e disse-lhe em voz baixa: «Ninguém nos ouve, senhor guarda. O que é que se lhes devia fazer?». «Sem a farda», respondeu-me ele, «sem a farda, eu lhe dizia». Compreendi então a diferença entre a polícia da democracia e a do antigamente. Passa Palavra