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Por Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ)

O longo histórico de desrespeito e abuso praticado pela empresa Supervia ganhou uma resposta concreta e direta da população no dia 07 do mês de outubro. Indignados com o freqüente mau funcionamento e atraso dos trens, os trabalhadores e trabalhadoras que dependem do ramal Japeri-Central apedrejaram a bilheteria da estação de Nilópolis e colocaram fogo em dois vagões de trem da empresa. Também foram registrados comportamentos semelhantes na estação Deodoro e Engenho de Dentro.

Desrespeitados pela Supervia cotidianamente, no último dia 7 as pessoas foram obrigadas a caminhar pelos trilhos do trem, colocando suas vidas em risco e, para piorar a situação, a empresa não ressarciu o dinheiro das passagens, provocando a indignação da grande maioria dos usuários que não possuíam recursos para tomar outra condução. A Tropa de Choque da Supervia, ou melhor, da Polícia Militar, foi chamada para conter a indignação popular.

Um dia depois deste incidente, enormes paralisações de trens novamente prejudicaram milhares de trabalhadores e expuseram a precariedade do serviço de transporte do Rio de Janeiro. Na Central do Brasil, maior estação de trem do Rio de Janeiro, após intenso protesto popular, a polícia usou gás lacrimogênio e feriu mais de 20 pessoas, inclusive idosos. Após as manifestações radicalizadas da população, o governador Sérgio Cabral chamou os trabalhadores de “vândalos” [1] e “vagabundos”; o governador talvez ignora que estes mesmos “vagabundos” tomavam o trem justamente para retornarem ou cumprirem suas extenuantes e longas jornadas de trabalho, muito distintas das mordomias que gozam os parlamentares.

A atitude correta e justa dos trabalhadores na estação de Nilópolis colocou em evidência duas questões: a precariedade dos transportes coletivos e a crítica de determinados setores a este tipo de reação popular, classificando-a de vandalismo ou baderna.

Precariedade dos Transportes no Rio de Janeiro

É mais do que evidente a precariedade da rede de transportes coletivos do Rio de Janeiro. O metrô, mesmo com as recentes obras e imensas promessas (que se renovam a cada ano), não atende suficientemente bem a população: o valor do bilhete é abusivo (o mais caro do país), os vagões estão sempre superlotados e a rede possui poucas estações (são 33 estações. À título de comparação, em Nova Iorque funcionam 468 estações, e em Santiago del Chile são mais de 90). As condições de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do metrô são péssimas, e a implantação dos cartões pré-pagos visa diminuir a quantidade de bilheteiros/as nas estações, aumentando os lucros da administradora do metrô (Opportrans, de Daniel Dantas, envolvido em diversos escândalos de corrupção) e gerando mais desemprego.

Os ônibus atendem muito mal a população, principalmente na zona oeste e as linhas que em seu trajeto cruzam a Avenida Brasil. E com a retirada de circulação de muitas linhas de vans, fruto do acordo entre prefeitura e os grandes capitalistas do ramo dos transportes, o custo de deslocamento do trabalhador aumentou consideravelmente.

Já os trens, por sua vez, são o exemplo de total desrespeito. Como é um transporte utilizado majoritariamente por setores populares, a precariedade é explícita. Para se ter idéia, a malha ferroviária brasileira encolheu [2] de 38 mil quilômetros (1957) para 30 mil em 2005. A Supervia (empresa privada), com apoio do Governo do Estado, sucateou totalmente os trens e proibiu os camelôs de trabalharem nas linhas, mesmo com o aval da população que consome suas mercadorias; estes, quando o fazem, são agredidos pelos capatazes da empresa (que recentemente foram flagrados chicoteando a população – fatos como este, a Supervia tenta esconder com a proibição de máquinas fotográficas nos terminais). Os trens atrasam frequentemente, sempre funcionam lotados, e as panes na linha são regulares. Em 2007, oito pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas em um único acidente.

Tal realidade dos transportes coletivos revela uma política estatal que priorizou em grande medida a iniciativa privada e o estímulo ao transporte individual, investindo em rodovias, viadutos e estimulando o uso do automóvel; transporte individualista que não resolve, mas agrava os problemas da mobilidade urbana. Tal política equivocada, além de gerar poluição e engarrafamentos é simplesmente inviável para a mobilidade do trabalhador e causa grandes transtornos para a própria geografia da cidade, que permanece refém da política motorizada que recorta os espaços, sempre insaciável por mais asfalto. Recordemos que as empresas de ônibus e as administradoras do metrô (Opportrans) e dos trens (Supervia) são empresas privadas que recebem concessões do estado para explorarem o transporte coletivo, vital para o funcionamento das cidades. Além disso, os investimentos na expansão desses serviços vêm dos impostos que nós trabalhadores pagamos. Pagamos mas não usufruímos das melhoras, e muito menos decidimos como elas serão implementadas. Há uma relação aberta entre empresas privadas, prefeitura, e governo estadual. As doações das eleições municipais e estaduais que o digam [3], pois estas empresas são tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais (como atesta a campanha do ex-prefeito Cesar Maia) e costumam cobrar esse investimentos quando precisam do aval dos governos para aumentarem as tarifas.

A legitimidade e o direito da Ação Direta Popular

Quando uma situação extrema de desrespeito dos patrões e governos explicita a estrutura de classes e conduz os trabalhadores a uma atitude radical que demonstre em atos práticos sua real indignação, é normal ouvirmos os veículos de comunicação, a classe média medrosa, as elite$ ongueira$ e até setores da chamada “esquerda responsável” classificarem estes atos como vandalismo ou irresponsabilidade.

É fácil para estes setores, que em sua maioria não enfrentam conduções lotadas diariamente,  posicionarem-se contra a destruição de “patrimônio público” (e que diga-se de passagem muitos destes setores não utilizam, mas dizem hipocritamente proteger). São os mesmos que defendem medidas inócuas de mobilização, como vestir-se de branco em caminhadas na orla da cidade, ou abaixo-assinados virtuais.

Obviamente não defendemos a destruição pela simples destruição de quaisquer serviços que atendam (mesmo que mal) o trabalhador, mas no caso específico de uma situação extrema que põe em relevância um histórico de abusos, a única forma de chamar a atenção para um problema que se arrasta durante anos é a ação direta popular.

Esta solução pode parecer radical para aqueles que ainda possuem conforto o suficiente para aguardar melhoras nos próximos duzentos anos, ou ainda tem tempo para revigorarem suas ilusões nas urnas, mas a ação direta contra a Supervia é devidamente justa para aqueles que se indignam e não suportam mais o tratamento desumano que lhes é oferecido cotidianamente.

No caso em particular, em nenhum momento as reportagens que noticiaram o fato questionaram a violência cotidiana sofrida pelos trabalhadores nos trens lotados, cujas absurdas condições são terrivelmente cruéis em longo prazo. Recordemos o aumento crônico da utilização de antidepressivos e analgésicos, do abuso do álcool e das inúmeras doenças que são causadas em grande parte por uma rotina estressante que a situação do transporte muito contribui para fortalecer.

Esta violência cotidiana, terrivelmente sórdida, pois poderia ser evitada por políticas de investimento e priorização do transporte coletivo, é ocultada pela grande mídia e negada como uma prática de violência – a violência que é visível para a mídia é a violência contra objetos ou mercadorias.

Lembremos que a ação direta dos trabalhadores carrega-se de conteúdo político no contexto em que foi gerada, pois não foi realizada a esmo ou individualmente, mas coletivamente, depois de mais um incidente de abuso da empresa. Lamentamos apenas a fugacidade e a curta duração dos protestos populares, espontâneos em sua origem, porém justos e racionais em seu conteúdo. Somos obrigados a ressaltar que o caminho para enfrentar o desrespeito das empresas é prosseguir nesse tipo de manifestação com base numa organização popular crescente ou numa soma de organizações populares que tenham o transporte como um de seus eixos primordiais e que não se deixe dominar por políticos profissionais que tentam capitalizar o movimento em torno de suas candidaturas ou partidos.

Metrô do Rio de Janeiro é o mais caro do Brasil.Lembremos que apenas após os frequentes “quebra-quebras” nas estações das Barcas Rio-Niterói que o caso ganhou minimamente atenção na imprensa, e até motivou a criação da CPI das Barcas no terreno pantanoso da política parlamentar. Somente depois das ocupações de terra do MST que a reforma agrária virou tema de discussão nacional e apenas depois das ocupações urbanas protagonizadas pelo movimento sem-teto que ouviu-se falar pela primeira vez em “reforma urbana” na imprensa deste país.

Isso reforça a tese de que determinados eixos de reivindicação popular só tornam-se parte das agendas “públicas” do Estado burguês quando a organização popular pressiona-as com práticas concretas de enfrentamento e ação direta. As mudanças na estrutura do transporte público não entrarão na pauta e nem serão implementadas por nenhum governo sem que haja em contrapartida uma organização popular cada vez maior e consciente de que a gestão do transporte coletivo deve estar na mão dos trabalhadores e usuários (autogestão) e que isto passa necessariamente por uma mudança radical do papel dos transportes coletivos na estrutura social contemporânea.

Notas:

[1] http://rjtv.globo.com/Jornalismo/RJTV/0,,MUL1334414-9097,00CABRAL+VAGABUNDOS+TEM+QUE+SER+PRESOS+IDENTIFICADOS+E+PUNIDS.html (Acessado em 08/10/2009)

[2] http://www.apocalipsemotorizado.net/apocalipse-em-numeros/ (Acessado em 08/10/2009)

[3] Conferir doações de campanha em: http://www.tse.gov.br. Estranhamente não foi possível verificar os doadores devido a erros recorrentes no bando de dados da página do TSE. Verificamos outras informações e descobrimos que os nomes de determinados doadores de campanha foram omitidos pelo candidato vencedor, o prefeito Eduardo Paes, que distribuiu a informação apenas para a imprensa.

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