Por Angry Workers of the World
Camaradas do exterior nos pediram um breve relato sobre a situação pós-eleições aqui no Reino Unido. Nós escrevemos um primeiro relato, principalmente sobre a situação imediatamente depois das eleições [1]. Abaixo você pode encontrar uma atualização na forma de alguns apontamentos — se você acha que deixamos de fora algum elemento importante ou o interpretamos equivocadamente, por favor nos avise: [email protected].
A esquerda (e o próprio governo) estão tentando descobrir se o governo Johnson é realmente uma mudança em relação às políticas anteriores dos Conservadores. Ex-“esquerdistas radicais”, como Paul Mason, tratam o novo governo basicamente como “racistas corruptos” sem nenhum outro plano além de permanecer no poder. A contratação (e na sequência, demissão por conta própria) de completos idiotas como Andrew Sabisky (idealizadores da “esterilização forçada das classes inferiores” e de ideias como “afroamericanos são menos inteligentes”, etc.) parecem confirmar essa visão, assim como os recentes voos de deportação “de volta” para a Jamaica de trabalhadores que cresceram na Inglaterra.
Para pessoas como Mason, a consequência política é construir uma “aliança racional e progressista” entre o moderado Partido Trabalhista, os Verdes e os Democratas Liberais, como parte de uma guerra cultural que se sobrepõe à guerra entre classes. Mason em particular rompe com a esquerda “stalinista de Corbyn” e apoia o candidato centrista, Keir Starmer. A corrida eleitoral no Partido Trabalhista é o maior foco da esquerda no Reino Unido — o que é uma expressão do baixo nível atingido pela luta de classes local. Keir Starmer vai ganhar as eleições no partido, “porque parece que ele pode ganhar uma eleição”, e como consequência a esquerda ao redor de Corbyn dentro e fora do Partido Trabalhista vai se afundar ainda mais.
O governo atual é tão irracional e míope como a esquerda centrista o retrata? Os Conservadores purgaram a sua ala neoliberal pró-União Europeia. A demissão do Chanceler Sajid Javid marcou uma mudança simbólica: os tempos de austeridade acabaram, mas o dinheiro tem de ser gasto de acordo com o grau de impacto popular que ele vai gerar. Planos para investir nas regiões do antigo “Muro Vermelho” [termo usado na política do Reino Unido para descrever um conjunto de círculos eleitorais em Midlands, Yorkshire e norte da Inglaterra que historicamente tendiam a apoiar o Partido Trabalhista]. Mas em relação aos planos industriais a longo prazo, o governo Johnson se encontra em um dilema expresso em vários níveis. Primeiramente, para poder fortalecer sua posição nas negociações com a União Europeia, o governo precisa da perspectiva de um bom acordo comercial com os Estados Unidos para usar como alavanca. Porém, a todo momento os EUA demonstram quem são a força dominante. Por exemplo, o Reino Unido sequer foi consultado no caso dos ataques militares contra Suleimani no Iraque.
Segundo, décadas de privatizações e priorização dos investimentos em serviços financeiros levaram a um encolhimento do estoque local de engenheiros. Consequentemente, o Reino Unido precisaria do suporte de companhias como a Huawei para construir sua infraestrutura tecnológica, ao que os EUA se opõem publicamente e de forma prática. Companhias chinesas se ofereceram para construir o mal planejado e extremamente caro trem de alta velocidade HS2 de uma forma mais rápida e barata do que as companhias locais, mas os representantes estadunidenses não ficaram nada felizes. Durante a última década, o crescimento da produtividade do Reino Unido foi o mais baixo em 250 anos, a uma taxa anualizada de 0,3%. Isso significa que, em termos de “poder de fogo industrial” frente à UE, a publicidade do governo diverge significativamente do verdadeiro potencial estrutural do país.
O mesmo é verdade em relação à “oferta de força de trabalho”. A única ação do governo até agora foi o anúncio linha dura de um novo sistema de imigração baseado em pontos. Oficialmente, para poder conseguir um visto, você precisa falar inglês; ganhar mais de £25.000,00 por ano [177 mil reais]; ter um emprego garantido; ter as qualificações desejadas. O governo Conservador responde aos argumentos da esquerda de duas maneiras bem espertas: a) o governo diz que o novo sistema trata os imigrantes com mais “igualdade”, já que não distingue entre poloneses e indianos ou entre imigrantes de dentro e de fora da UE; e b) iria “desmamar” os patrões do Reino Unido de sua dependência de força de trabalho barata, que supostamente os impede de investirem em tecnologia produtiva.
A promessa dos Conservadores de mudar para uma força de trabalho mais especializada, produtiva e melhor paga… de acordo com a sua propaganda. De novo, a realidade parece ser diferente. Atualmente existem 800.000 vagas de trabalho que não podem ser preenchidas. O governo do Reino Unido se envolve em uma troca experimental com a Ucrânia para trazer força de trabalho agrícola sazonal porque os fazendeiros do país não conseguem encontrar trabalhadores suficientes. O resultado mais provável disso tudo vai ser a continuação da migração de “força de trabalho desqualificada”, mas com contratos temporários, ligados a um emprego específico e sem acesso a benefícios sociais. Nesse contexto, os fundamentos do capital e da força de trabalho locais são fracos. O anúncio de “portos abertos” para atrair comércio global através de pouca taxação parece ser realista, mas não pode ser tratado com um plano industrial forte para contrabalancear esses fundamentos fracos.
Atualmente nós assistimos à maior greve nas universidades do Reino Unido da história. Mas é principalmente o pessoal administrativo e acadêmico que está envolvido, não a crescente força de trabalho precária. Ao mesmo tempo, nós vemos o crescimento dos conflitos no Royal Mail (serviço oficial de correios do Reino Unido), com centenas de pequenas e simbólicas assembleias nos portões e uma nova votação de greve em breve. Os grevistas são os “suspeitos de sempre”, mas essas disputas podem se tornar catalisadores para outros setores.
Nós estamos ocupados com a preparação para a turnê do nosso livro [2]. Ele contém dois elementos — “experiência concreta” (“trabalho de base” nos cantos mais duros da cidade, anos de “organização subterrânea” no setor de baixos salários) e uma crítica concreta às estratégias eleitorais baseada em uma política pragmática, mas sem dúvida revolucionária, da classe. Nós esperamos que com a ajuda das discussões em torno do livro nós possamos construir uma modesta rede política de duas ou três dúzias de camaradas no Reino Unido.
Notas
[1] A short report from the UK.
[2] Class power on zero-hours.
A tradução é de Marco Túlio Vieira. O texto original pode ser encontrado aqui. Leia aqui a tradução da primeira parte deste texto.
As fotografias que ilustram o artigo são de Sabrina Mazzeo.