Por Angry Workers World

Johnson ganhou as eleições com a mais fácil de todas as promessas: se você me conseguir uma maioria, eu conseguirei obter o Brexit através do parlamento dentro de semanas e depois disso eu gastarei dinheiro em hospitais e na polícia. Isto manifesta uma viragem populista dentro do campo conservador. A estratégia dos Tory resultou, mas o seu sucesso baseia-se no desenho de uma nova fronteira política em torno da nação inglesa, para desvantagem de outras regiões do Reino Unido. O acordo de Johnson para o Brexit esgotou a integridade do Reino Unido e, assim, também ajudou o partido nacionalista escocês SNP a obter sucesso eleitoral. O SNP [Partido Nacional Escocês] se beneficia do anúncio de Johnson de que não haverá um segundo referendo sobre a independência — tudo isso pode se transformar em uma versão mais lamentável da disputa nacional catalã. Não fez mal à popularidade de Johnson entre as pessoas que veem a classe política atual como incapaz e arrogante e que não pensam muito sobre o sistema político em geral o fato de que, pouco antes das eleições, ele havia mandado o parlamento entrar num recesso prolongado (e ilegal). Três anos de negociações grotescas de Brexit foram frustrantes e muitas pessoas queriam que o resultado do referendo fosse reconhecido, mesmo que elas próprias tivessem votado para permanecer na União Europeia. Os trabalhistas perderam mais votos para os partidos ‘remanescentes’ (LibDem, SNP, Verdes) do que para os conservadores, mas provavelmente ainda mais para as pessoas que não se deram ao trabalho de sair para votar. O comparecimento diminuiu de 68,8% em 2017 para 67,3% em dezembro de 2019. A mídia mostrou de que lado estava. A esquerda continua chamando a atenção para o fato de que, desde que Murdoch deteve uma posição de monopólio na mídia, nenhum candidato trabalhista além de Tony Blair ganhou uma eleição — e que Blair agiu como o padrinho de um dos pirralhos de Murdoch.

A maioria dos eleitores Tory tem mais de 45 anos, com níveis de educação relativamente mais modestos, votaram no Brexit e não vivem em cidades metropolitanas. Os trabalhistas se perguntam por que a parte marginalizada da população votou em um palhaço elitista como Johnson e não em um programa partidário que lhes prometeu acesso livre à internet de banda larga e às universidades e a defesa do icônico Serviço Nacional de Saúde. Existem algumas explicações que vão além de culpar o mau marketing eleitoral. Os trabalhadores das regiões desfavorecidas do país não confiam no aparelho político que os Trabalhistas agora querem usar para lhes fornecer novos programas sociais. Há pouca ligação entre a participação popular e a administração do Estado, o que significa que o manifesto Trabalhista apareceu como uma lista de presentes de Natal. Os Trabalhistas não apresentaram um inimigo de classe explícito que teria de ser vencido para obter os meios financeiros necessários para o programa do partido. Ao contrário, os trabalhistas falaram de uma aliança com empresários criativos e pequenas empresas e McDonnell anunciou com certo orgulho que uma parte significativa dos banqueiros seria simpática ao seu programa. De fato, após o colapso do prestador de serviços privados Carillion em maio de 2018, até mesmo o setor financeiro viu uma renacionalização parcial da infra-estrutura terceirizada como uma opção viável.

“Você não pode parar um Brexit tory com um Brexit trabalhista”. Manifestantes provocam Jeremy Corbyn, que buscou apoio no Partido Trabalhista para o Brexit.

No final, a única coisa que o corbinismo [campo político do líder trabalhista Jeremy Corbyn] conseguiu renacionalizar foi extrema-esquerda. A campanha eleitoral foi frenética, milhares de voluntários levaram dias de viagem pelo país para baterem às portas em lugares marginais. Pouquíssimas pessoas na extrema-esquerda deixaram de participar da campanha e da agitação eufórica de uma forma ou de outra. Para eles, os resultados eleitorais são um pontapé nos dentes. Pelo menos os resultados eleitorais criaram um pouco de debate coletivo, não só sobre o resultado, mas sobre a política em geral. O Brexit já tinha forçado a esquerda — e os trabalhadores em geral — a concentrar-se em banalidades como a composição da economia nacional, por exemplo, se os seus medicamentos para diabetes eram importados ou produzidos localmente. Agora os resultados eleitorais forçam a esquerda a olhar para algo semelhante à composição de classe, mesmo que sua visão seja distorcida pelas lentes da política eleitoral. O que torna a perspectiva política de uma classe trabalhadora mais jovem e mais educada na área metropolitana diferente da geração mais velha e mais provincial? Esta última não vê muita da riqueza metropolitana (que poderia ser redistribuída) e não testemunha os poucos momentos de ação coletiva, como as greves nas universidades ou os tumultos em Londres. Esta lacuna não pode ser colmatada por alguns dias de safari eleitoral para o interior profundo. Estas são considerações mais inteligentes. Uma parte diferente do projeto Corbyn, sob a liderança ideológica de pessoas como Paul Mason, fala da necessidade de “alianças progressistas” contra a extrema-direita no governo e apela para que o Partido Trabalhista volte ao terreno central da política. Outros, como o vigarista stalinista George Galloway, formam o Partido dos Trabalhadores da Grã-Bretanha para um Brexit de esquerda, fazendo um favor à “verdadeira” classe trabalhadora que bebe cerveja, assiste ao futebol e fala em dialetos locais. Em seu primeiro discurso de candidatura, Long-Bailey, o candidato à liderança, que é amplamente visto como o verdadeiro representante da linha de Corbyn, fala sobre a necessidade de um “patriotismo progressista”, flertando com uma compreensão cultural semelhante do que constitui a classe trabalhadora. Deixando de lado estes desvios políticos, muitos falam agora da necessidade de um “verdadeiro processo de enraizamento” dentro da classe. Organizações comunitárias, como a Acorn, que organiza sindicatos de inquilinos, entre outras coisas, têm visto um aumento significativo no número de membros desde o resultado das eleições. Embora ‘enraizar’ dentro da classe seja um bom passo, a questão continua a ser como e com que objectivo. A Acorn tem origem nos EUA, onde a organização recolheu os dados dos eleitores para os Democratas. No Reino Unido, o seu financiamento inicial teria vindo de fontes governamentais do projecto “Big Society” de Cameron. A ironia aqui é que a decisão inicial de se envolver na política eleitoral não vai de mãos dadas com esforços sérios e enraizados para construir o poder da classe, mas sim para desviar sua força e foco dele. É surpreendente como muitos jovens camaradas “socialistas democráticos” nos dizem que a transformação social do status quo neoliberal para um governo socialista levará de 20 a 30 anos. Onde está o espírito jovem e a impaciência?! Da mesma forma, nas discussões, alguns desses camaradas descrevem as greves do “Inverno do Descontentamento” de 1979 como “lamentáveis”, pois ajudaram a levar o governo Thatcher ao poder.

Enquanto a esquerda cura as suas feridas, o governo cria os fatos. Johnson não só conseguiu fazer passar o seu acordo pelo parlamento, mas também uma nova lei que limita o período de negociações para um novo acordo comercial a onze meses. Isto significa que a aposta de um Brexit “sem acordo” ainda está sobre a mesa. Johnson não tem mais nada a oferecer além de uma aceleração imprudente quando se aproxima de um muro de tijolos. Na declaração política do seu acordo, Johnson concorda que o Reino Unido e a UE evitariam uma espiral descendente de concorrência, rebaixando os padrões das normas ambientais e de outras normas reguladoras. Os burocratas da UE podem usar isso como um tampão formal que eles podem puxar quando as negociações não seguirem seu caminho. Trump, por sua vez, anunciou em outubro que o acordo de Johnson não permitirá nenhum acordo comercial com os EUA, já que impediria uma expansão das exportações americanas de produtos agrícolas ou farmacêuticos. A UE representa 49% do comércio externo do Reino Unido, os EUA 15%, e o sistema de produção da UE e do Reino Unido está muito mais entrelaçado. Mais cedo ou mais tarde, mesmo uma maioria considerável no parlamento é um tigre de papel quando se trata de “conseguir fazer o Brexit”. As consequências dos recentes ataques militares dos EUA mostram que a classe política britânica está espremida entre o regime dos EUA, que os relega para a posição de parceiro subalterno, e a burocracia da UE, que pode usar a dependência econômica do Reino Unido como alavanca política.

Enquanto o debate prolongado sobre “votar ou não votar” e sobre as eleições espalhou depressão e ansiedade entre os (antigos) radicais de esquerda, criou frustração entre os trabalhadores de quatro fábricas de alimentos onde os nossos camaradas tentaram organizar uma greve por £1 [1 libra] para todos. Os camaradas organizaram piqueniques familiares, jogos de cricket e protestos no portão da fábrica para mobilizar os seus colegas de trabalho. A liderança e a direção sindical forçaram os trabalhadores a votar por uma eleição indicativa (isto ainda é apenas uma partida de teste, não é para valer!) para decidir se aceitavam ou não a mísera oferta salarial da direção. Isto significou que as negociações salariais se arrastaram por mais de um ano. A gerência ficou satisfeita com isso e o GMB [central sindical] temia as consequências legais caso não esgotassem todas as vias de negociação. O GMB exige uma participação de 66% nas eleições indicativas (enquanto as eleições reais exigem legalmente apenas 50%) por medo de “perder eleição”. Eles definitivamente fizeram com que os trabalhadores perdessem essa eleição, atrasando-a até que todos estivessem completamente fartos, quando uma greve teria pouco impacto, e as pessoas só queriam dinheiro no bolso. No final, os trabalhadores aceitaram um aumento de salário de 16p [16 centavos de libra] acima do salário mínimo atual. Abaixo o circo eleitoral! Alguns dias depois de os trabalhadores terem concordado com a oferta, o governo Johnson anunciou um aumento no salário mínimo de 6% para £8,74 — um aumento de 53p. Agora a gerência da fábrica de alimentos terá de pagar o que eles disseram que não seriam capazes de pagar — e muitos trabalhadores acreditaram neles. Para as mulheres nas linhas de montagem é um sinal de que elas podem esperar mais de um governo populista do que do seu “próprio” sindicato. É tempo de organizar o poder de classe para além dos procedimentos frustrantes da política parlamentar e sindical!

Traduzido pelo Passa Palavra a partir do original disponível no site Libcom.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here