Por 1010010
Já falamos em outra oportunidade, bem por alto, como um celular faz ligações. Este conhecimento será fundamental para entender como um celular se localiza no espaço.
Já vimos que a Central de Comutação e Controle (CCC) de cada operadora sabe, a cada segundo, quais celulares estão ligados a cada estação rádio base (ERB). O aparelho, portanto, pode – e deve – ser localizado pelas antenas ERB. Ele deve ser localizado porque, sem esta localização, fica impossível ligar de um aparelho para o outro.
As torres ERB permitem localizar o aparelho por um método chamado triangulação. O método tem este nome porque, para se localizar e facilitar as ligações, os celulares leem o código de pelo menos três antenas ERB dentro de seu “raio de visão”, inclusive as que não são da operadora que registrou o chip do celular. A maior ou menor potência do sinal, assim como os dados de consumo da bateria do aparelho, são usados para situar a localização do celular. O cruzamento do sinal de três antenas permite localizar um aparelho de modo bastante preciso.
Mas o celular não sabe a localização das antenas. Existe, entretanto, uma base mundial sobre a localização destas antenas; esta informação é pública, mas poucas empresas acessam esta base mundial na íntegra. O que elas fazem com esta informação? Fornecem algum serviço de localização de celulares com base nas antenas ERB com as quais o aparelho se conectou.
A localização por triangulação tem uma precisão aproximada de cerca de 500 metros. Não é preciso que o GPS esteja ligado para que um celular possa ser encontrado por triangulação.
A investigação sobre o assassinato de Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes, dá um exemplo perfeito do método mais conhecido para localizar celulares por triangulação. Sabendo como os celulares usam as torres ERB para se situar, a polícia localizou 2.428 torres ERB no percurso de Marielle Franco desde a Câmara de Vereadores até o local da emboscada. A informação sobre os locais onde estas antenas ficam é pública, mas só com autorização judicial a polícia conseguiu a quebra de sigilo da comunicação das torres, o que apresentou 33.329 linhas ativas naquela área. Como toda conexão entre o celular e alguma ERB fica gravada na rede (é assim que as operadoras mostram na conta de telefone que sabem por quanto tempo você ligou, e para quem), estas linhas teriam suas ligações investigadas.
A polícia tinha autorização para saber quais ligações foram feitas por todas estas linhas no intervalo de tempo entre a saída de Marielle da Câmara de Vereadores e seu assassinato, mas uma imagem do veículo dos assassinos, gravada por uma câmera de segurança, mostrou que de dentro do carro alguém estava ligando. Isto reduziu o número de linhas investigadas de quase 33 mil para apenas 318, que tiveram quebrado seu sigilo telemático para que a polícia soubesse que ligações haviam feito neste horário. Como a ligação do assassino foi feita para alguém de seu círculo de relações, isto foi mais uma prova usada pela polícia para incriminar os assassinos.
Outro método que o celular usa para se localizar no espaço é o wifi. Sempre que seu celular busca redes de wi-fi para se conectar, ele vai registrando estas redes em seu sistema. Ao se conectar numa rede wifi sem apagá-la depois, estamos deixando um rastro em nossos celulares dos lugares onde estivemos – coisa a que o Google tem total acesso.
Como um celular pode ser localizado pelo wifi? Simples: cada modem conectado à internet é identificado por um número único, chamado endereço de protocolo de internet, ou endereço IP. Da mesma forma como o número da linha telefônica funciona como um “endereço” do celular, o que permite às antenas ERB localizá-lo para fazer ligações, o endereço IP permite localizar o celular ou o computador que você está usando para se conectar à internet, e portanto ligar seu aparelho com o site ou a rede social que você quer acessar.
Quando um celular é conectado a uma rede wifi, ele está dizendo: “estou funcionando neste endereço IP”. Da mesma forma como é possível localizar com algum nível de precisão um computador usando um endereço IP – e isso hoje é um bom negócio para várias empresas – é possível também encontrar um celular.
Outra forma de localização de um celular no espaço, mais conhecida e explicitamente desenhada para isso, é o GPS.
O sistema de posicionamento global – tradução da sigla GPS – funciona por meio de contatos entre os aparelhos e uma rede de vinte e quatro satélites que servem apenas para este fim. Estes satélites giram em torno da terra de um modo que pelo menos quatro deles possam ser contatados a partir de um ponto na terra. O movimento destes satélites em torno de nosso planeta é monitorado por estações de controle, que percebem pequenas mudanças em sua trajetória e corrigem os dados de sua localização, para que o sistema não apresente erros.
Da altura em que estão, cada satélite manda aos aparelhos sinais curtíssimos, de menos de um segundo, para conferir a hora e o local. Quando um aparelho responde aos sinais, ele identifica quais satélites estão em contato, e a que distância estão pelo menos quatro deles. A partir destes cálculos, o aparelho pode saber em que posição está.
Estas informações são usadas por vários aplicativos: mapas (OpenStreetMap, Google Maps etc.), transporte (Uber, 99Pop etc.), logística (Rappi, Loggi etc.), comida (iFood) e outros que precisem saber onde está o aparelho para funcionar adequadamente. O uso do GPS hoje é tão comum que mesmo aplicativos que não têm a menor necessidade de localização precisa dos aparelhos incorporaram o serviço: alguns aplicativos de banco, por exemplo, exigem o uso do GPS com a justificativa de te indicar qual a agência mais próxima.
É este sistema, inclusive, quem ajuda a manter a hora certa no celular quando ele não está conectado a nada (ou seja, sem chip e com o wi-fi desligado). Especialmente em aparelhos mais antigos existe uma pequena bateria interna, recarregável, do tamanho de uma pilha de relógio, que serve para manter o mínimo de energia necessário para que o relógio continue funcionando – e adivinha o que mais ele faz? Comunica-se com os satélites GPS. Celulares com este tipo de bateria interna continuarão a comunicar-se com os satélites GPS enquanto ela estiver carregada, o que pode durar mesmo algumas semanas sem a bateria do celular.
Duvida? Faça um teste. Encontre um celular mais antigo, daqueles que ainda permitem retirar a bateria. Para o teste funcionar, ele deve estar sem chip e com o wi-fi desligado. Carregue a bateria até 100%, depois desligue o aparelho e tire a bateria. Deixe o aparelho assim por uma semana. Coloque novamente a bateria, e ligue o aparelho. Observe se o relógio continua na hora certa. Se a hora mudou, você acabou de descobrir que tirar a bateria não adianta nada para quem não quer ser rastreado.
Vamos continuar esta explicação num próximo artigo, quando falaremos sobre aplicativos, e sobre algumas alternativas em software livre.