Por Paulo Schwartzman

No domingo, dia 24/01/2021, o jornal Metrópoles publicou uma matéria que vem sendo muito comentada. A referida notícia (que pode ser lida aqui) refere-se a um levantamento dos gastos feitos pelo governo federal no ano de 2020 no que tange à alimentação.

Um dos gastos que chamou muito a atenção daqueles que leram a notícia, sem dúvida, foi aquele relacionado ao leite condensado, que, segundo a matéria supra, chegou à incrível quantia de R$ 15.641.777,49. Sem cair na tentação de retornar ao argumento caro dos economistas neoliberais de que todo gasto público é torra de dinheiro do povo com inutilidades, como bem alertado por Franck Tavares (aqui), é de rigor que façamos, pelo menos, uma análise simbólica arquetípica de um dos gastos encontrados na lista divulgada, este que acredito poderá levar a curiosas reflexões.

Mas antes da análise propriamente dita, de rigor que frisemos o fato ao qual foi dado pouco destaque na maioria das notícias, qual seja, que os gastos superaram em 20% os do ano passado. Ou seja, se os gastos desse ano somaram 1,8 bilhão, ano passado estariam no patamar de 1,5 bilhão — e por que, então, nada foi falado àquela época? — mais uma questão que denota a importância de um olhar acurado. Não podemos nos esquecer de que a maior parte dos veículos de informação da atualidade são comprometidos com anunciantes e patrocinadores em geral, que não permitiriam uma notícia que viesse bater de frente com um governo que estes validassem, ou seja, mais uma vez a mídia mostra-se vencida pelos interesses mercadológicos.

O mercado de fato começa a dar sinais de que está a se virar contra os Bolsonaros, creio eu mais pelo fato de que, dada a incapacidade patente do presidente em vacinar os cidadãos, a força de trabalho terá que esperar mais até poder ser escravizada novamente (ver esse artigo aqui sobre uma das técnicas de violência do mercado). Repise-se, a ideia das empresas, pela própria disciplina legal societária, é o fato de que a atividade empresarial visa ao lucro — ou seja, por mais que estas digam que buscam o bem de seus “colaboradores” no papel mesmo e na teleologia jurídica, o elemento essencial que as caracteriza é a procura do lucro por meio da circulação de bens ou serviços. Logo, não há que se falar em players ingênuos ou em mera vitória da transparência com a torrente de dados constrangedores do governo que vieram à tona, mas sim uma jogada que na mágica é conhecida como misdirection, na qual a mão que faz a movimentação chamativa não serve propriamente para a “mágica”, mas tão somente como distração para onde realmente ocorre aquilo que importa.

Estabelecidas as premissas acima, que não poderiam deixar de aparecer no presente texto, sob pena de padecer da triste superficialidade contemporânea, podemos mergulhar em um dos itens curiosos da lista mencionada: a alfafa. Esta teve como valor total de gasto a soma de R$ 1.042.974,22, o que a coloca como um dos itens de menor monta do rol, mas não deixa de causar espanto, na medida em que é usualmente associada ao consumo por equinos.

Comecemos das primícias, na medida em que o encontro da etimologia das palavras, além de dar um sabor diferenciado ao entendimento de seu significado, pode nos ajudar a interessantes insights. A palavra “alfafa” vem do árabe falado na Península Ibérica “al fasfasah”, por sua vez derivada do pérsico “ispist” — remetendo à ideia de luminosidade, por suas sementes serem claras.

Diferentemente da origem da palavra alfafa, que decorre, como vimos, de suas sementes claras, o governo atual pauta seu “plano de governo” (se é que podemos fazer esse eufemismo) em diretrizes que não são nada transparentes ou claras. Um exemplo de tal obnubilação é o sigilo imposto à carteira de vacinação de Bolsonaro, assim como noticiado em diversos veículos midiáticos (ver aqui). Tal ponto afronta, fatalmente, um princípio muito caro à Administração Pública, qual seja, a transparência. Mas, como já dito em outro artigo de minha autoria (ver aqui), Bolsonaro não se preocupa com a técnica, esta que curiosamente era parte integrante dos discursos eleitorais da campanha em que saiu vitorioso. Não, o presidente tenta diuturnamente transpor os limites legais impostos pela nossa Constituição e legislação, todavia existem certas barreiras que não podem ser transpassadas por déspotas obscurantistas, por mais que teimem em tentar destruir as instituições democráticas já estabelecidas.

Seguindo em nossa análise arquetípica dos gastos com a alfafa, bom dizer que esta leguminosa da família do feijão, como toda boa fonte de fibras, facilita o trânsito alimentar no organismo, o que talvez explique a verborragia fecal do governante brasileiro, que parece cada vez menos se importar em deixar escancarada sua pauta alicerçada na necropolítica. Não que o brasileiro médio não tenha dentro de si uma parte escatológica, herança do escravagismo, patriarcado e patrimonialismo, como, por exemplo, o bacharelismo (ver esse artigo aqui), mas jogar com a vida das pessoas passa qualquer dos limites plausíveis dentro de uma sociedade. Nesse ponto, a despeito de não podermos fazer muito, pois dependemos daquele que se senta na cadeira mais alta no Planalto, podemos, como sociedade, exercer o papel de fiscalizá-lo e tentar utilizar as instâncias formais para fazer mais que apenas ratificar as opiniões do chefe do Executivo.

Enfim e, por fim, voltando para a alfafa, e como sugestão nutricional, vale pontuar que, a despeito de rica em nutrientes, a alfafa não é, todavia, recomendada a jumentos (nome popular dado ao asno macho), na medida em que estes têm tendência à obesidade (superalimentação ou sobrenutrição). Nesse sentido, basta, para a alimentação do jumento médio, um capim de pasto de baixa qualidade, como bem ressaltam os especialistas da área, valendo o conselho de que é desnecessário um gasto tão elevado com esta leguminosa, considerando-se que nem mesmo servirá de alimento útil ao seu destinatário-mor.

Em destaque, um detalhe de uma das gravuras da série Los Caprichos, de Francisco de Goya (1746-1828).

3 COMENTÁRIOS

  1. “uma análise simbólica arquetípica”: qual o significado de se passar a palavra à outras palavras? Quem conhece os ninjas, por tanto falar de ninjas, falaria outras palavras? Arquetipicamente, a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa? Quem vende livros, sabe o editor que tem? Palavras são, sempre, palavras?

    PS: Receita para fazer um herói

    Tome-se um homem,
    Feito de nada, como nós,
    E em tamanho natural.
    Embeba-se-lhe a carne,
    Lentamente,
    Duma certeza aguda, irracional,
    Intensa como o ódio ou como a fome.
    Depois, perto do fim,
    Agite-se um pendão
    E toque-se um clarim.

    Serve-se morto.

  2. Em outras palavras, em tempos de identidades em ascensão, é o meu guri!

    “Me trouxe uma bolsa já com tudo dentro
    Chave, caderneta, terço e patuá
    Um lenço e uma penca de documentos
    Pra finalmente eu me identificar, olha aí”

    Mas isso não é o começo…

    “Se o chão abriu sob os seus pés
    E a segurança, ela sumiu da faixa
    Se as peças estão todas soltas
    E nada mais encaixa
    Oh, crianças isso é só o fim
    Isso é só o fim
    Isso é só o fim”

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