Por Passa Palavra
No dia 25 de fevereiro a polícia de Pequim invadiu a casa de entregadores de aplicativos e deteve o entregador conhecido como “Mengzhu” e quatro de seus amigos. Desde então, ele e dois de seus companheiros estão desaparecidos. O pai de Mengzhu escreveu uma carta falando que não foram notificados oficialmente de nenhum processo e que temiam pela segurança do entregador. Uma hora após a carta ser divulgada no canal público de Wechat de Mengzhu, ela foi bloqueada. Em 16 de março, o canal Wechat de Mengzhu foi bloqueado permanentemente. Apesar da tentativa de impedir que as informações circulem, os internautas chineses continuam se esforçando para divulgar a carta e arrecadaram mais de 120 mil yuans em um dia para apoiar a família de Mengzhu. Dois dias depois da publicação da carta, finalmente receberam o aviso oficial de detenção de Mengzhu. As acusações são “por provocar brigas e problemas”.
“Mengzhu” é o pseudônimo do entregador Chen Guojiang. O significado do pseudônimo é “líder da aliança dos entregadores”. Desde 2019 Chen Guojiang formou uma “aliança dos pilotos” para construir um espaço de comunicação e ajuda entre os trabalhadores de entrega de comida. Uma das ações feitas por eles é a publicação de vídeos curtos sobre o cotidiano dos entregadores e dos problemas que enfrentam no trabalho. Além dessa reflexão sobre o dia a dia, lançam convocações aos entregadores para se solidarizarem e lutarem por melhores condições de trabalho. Ao longo de dois anos eles organizaram 11 grupos de divulgação instantânea no Wechat que alcançam 15 mil trabalhadores. Um desses grupos públicos, o Delivery Riders Alliance Wechat, fornece apoio jurídico gratuito aos entregadores, além de auxiliar na acomodação daqueles que migram para Pequim para trabalhar.
Os contatos de Chen Guojiang não se restringiram ao mundo online, mensalmente ele promovia um jantar coletivo para que os entregadores conversassem e se articulassem. Na prática, a Delivery Riders Alliance se tornou um grupo auto-organizado de trabalhadores de entrega com conexões com outros grupos do mesmo tipo em outras regiões da China.
Pouco antes de ser detido, Mengzhu lançou uma campanha contra o programa de bônus do festival de primavera da plataforma de entrega Ele.me. No dia 19 de fevereiro publicou um vídeo com diferentes entregadores em greve contra as regras de bônus estabelecidas pela Ele.me. O vídeo foi assistido 9,6 milhões de vezes online e o assunto foi lido mais de 200 milhões vezes no Weibo. A crítica do público nas plataformas de entrega de alimentos foi enorme. O Ele.me pediu desculpas publicamente e se comprometeu a pagar uma compensação aos entregadores, porém as críticas dos internautas continuaram. Um dia antes de ser detido, Mengzhu avisou outros entregadores em seus grupos de discussão que caso não recebessem nenhuma mensagem dele é porque teria sido detido. A maior parte de seus companheiros acreditam que a detenção está diretamente ligada com a denúncia no programa de bônus do Festival da Primavera do Ele.me.
O público passou a valorizar o trabalho dos entregadores desde o início da pandemia, quando os trabalhadores passaram a ser considerados essenciais para o transporte de alimentos e demais materiais durante as restrições de circulação. Porém, um relatório publicado pela revista Renwu indicou que as plataformas ignoravam as regras de segurança de trabalho e os limites físicos dos trabalhadores. Isso gera alta rotatividade, um grande número de lesões e acidentes de trabalho. Essas denúncias construíram uma pressão pela regulamentação do trabalho em plataforma, para que fossem oferecidas maior proteção e melhores condições de trabalho aos entregadores. Apesar dessa pressão de trabalhadores e usuários dos aplicativos, as condições de trabalho não melhoraram, as plataformas continuam diminuindo a remuneração por pedido, reduzindo os tempos de entrega, e criaram um sistema de divisão dos entregadores em grupos que devem competir entre si. Estas mudanças foram denunciadas por Chen Guojiang, que afirmou que as plataformas tentam dividir os trabalhadores de entrega, já que para ele a única maneira de se contrapor a isso era com a solidariedade entre os trabalhadores de todas as plataformas, categorias de serviço e diferentes locais. Defendia ainda a formação de uma “associação de entregadores” para negociar coletivamente com as plataformas. A resposta do Estado chinês foi a repressão ao apoio online e a prisão de Chen Guojiang.
Uma campanha de solidariedade internacional se faz necessária. Imprima os cartazes abaixo e publique sua foto em apoio a Mengzhu!
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Passado mais de um ano e meio…
Cadê a “Solidariedade a Mengzhu”?
Cadê a solidariedade aos mais de 10 mil trabalhadores demitidos após a Ford encerrar produção de carros no Brasil? E cadê a solidariedade aos 22.000 funcionários demitidos da Lufthansa?
Cadê a solidariedade aos mais de 15 mil pessoas que perderam a vida tentando a travessia do Mediterrâneo?
Cadê a “solidariedade” aos mais de dois milhões de imigrantes que foram detidos na fronteira com o México apenas em 2021?
Enfim, cadê a “solidariedade” da classe trabalhadora para com os trabalhadores?