«Onde a liberdade individual é subjugada? No setor mais importante da vida moderna, no local de trabalho, na oficina, na fábrica, na empresa. Como é possível reinar aí a autocracia e a liberdade em outras partes? Eis o Socialismo. Mas deixemos o galo cantar ainda na madrugada» (Mário Pedrosa, A Opção Imperialista). Por Cláudio Nascimento
A autogestão socialista
Podemos afirmar que toda a obra de Mário Pedrosa intitulada A Opção Imperialista (1966) tenta responder à pergunta que citamos acima; e que sua resposta, ao aplicar o marxismo de O Capital ao processo de produção capitalista da grande corporação norte-americana, ponta de lança, vanguarda do capital, é a do socialismo com base na autogestão. É o que veremos adiante.
Para Mário, a grande crise de 1929 e o advento dos regimes fascistas na Europa trouxe um fenômeno novo, que causou perplexidade nos arraiais dos socialistas e comunistas. Nessa atmosfera surgiram as «reformas contra-revolucionárias» inéditas: eram dirigidas contra o capitalismo liberal, eram reformas «anti-capitalistas», de algum modo.
Gorz, segundo Pedrosa, fala de «reformas revolucionárias»: as que vão no sentido de uma transformação radical da sociedade. Ele tomou a questão pelo seu lado positivo, e nós, pelo negativo, numa situação anterior, bem diferente daquela em que escreveu seu livro, em 1964.
Na verdade, nos anos 40 Pedrosa analisou o fenômeno das «revoluções passivas» e Gorz, nos anos 60, analisa seu corolário, as «revoluções ativas».
As reformas estruturais, revolucionárias, não tratam de delegar ao Estado a tarefa de emendar o sistema. Diz Mário: «Emendar o sistema não é a tarefa dos subdesenvolvidos: estes o que têm a fazer é criar um sistema, o sistema deles, um sistema novo. A reforma de estrutura é para o autor aqui comentado uma reforma aplicada ou controlada pelos que a reclamam (grifo nosso). O que importa é que surjam de todos os campos novos centros democráticos de poder – ao nível das empresas, escolas, municipalidades, regiões, órgãos de planejamento, etc.».
Aqui, Pedrosa nos fala da autogestão social, um dos elementos da revolução ativa de massa.
Isabel Loureiro, em texto para o seminário do centenário de Pedrosa, captou muito bem a proposta de Mário, inclusive mostrando como está aprofundada em relação à época da Vanguarda Socialista.
«Numa crítica ao socialismo burocrático, Mário defende a idéia de que uma sociedade socialista é aquela em que os indivíduos se autodeterminam a partir da esfera da produção: é portanto em primeiro lugar em torno da empresa e na empresa que gira a luta pelo socialismo. A verdadeira transformação econômica socialista só ocorrerá no momento em que a empresa for “uma comunidade cooperativa e não uma organização antagônica” (A Opção Imperialista, pág. 394), em outras palavras, no momento em que deixar de existir a separação entre dirigentes e executantes, ou seja, quando for implantada a autogestão ou gestão coletiva da produção (…)».
Segue Loureiro: «As idéias de Mário a respeito da autogestão são bastante rápidas, mais indicativas de uma direção do que propriamente de uma reflexão original, em que retoma a tradição conselhista, aliás mencionada por ele (revolução alemã, conselhos de fábrica de Turim, Frente Popular na França, Barcelona da Guerra Civil e, bem entendido, os sovietes russos (p.354-5)».
E «o que garantiria a vitória da revolução, tanto na metrópole como na periferia, é que ela seria feita e controlada pelo poder popular. São necessário “novos centros democráticos de poder” (empresas, escolas, municípios, regiões, etc.), ou seja, descentralização do poder de decisão, restrição aos poderes do Estado e do capital, “uma extensão do poder popular, quer dizer, uma vitória da democracia sobre a ditadura do lucro” (p.324). Assim como no Vanguarda Socialista Mário continua a pensar que o controle dos trabalhadores sobre toda a vida social é o caminho para o socialismo democrático, e este começa já, “antes da tomada do poder”».
É verdade o que nos diz Loureiro sobre a ausência de uma reflexão original sobre a autogestão por parte de Pedrosa. Todavia, Mário sempre escreveu de uma forma barroca, nos obrigando a um olhar muito apurado embaixo da «névoa embruxadora», termo que gostava de usar, de seus escritos.
Deste ponto de vista, na parte III de seu livro, intitulada «Os Órgãos Supremos do Imperialismo», no capítulo dedicado à grande corporação norte-americana, que o velho Pedrosa, baseado em O Capital (cita: Karl Marx, The capital, Vol. III, Process of capitalist production, Interest and Profit, Chicago, 1909, págs. 447-459), mostra como a autogestão é o conteúdo do socialismo. É assim, analisando a principal criação do capital, que Mário desenha o que deveria ser o futuro do trabalho liberto do capital.
Mário não chega à autogestão apenas ou somente através das lutas operárias, mas, o que é fundamental, analisando as relações entres os três eixos do núcleo de metabolismo do capital (Mészáros): o Estado, o Trabalho e o Capital.
Sem dúvidas, uma influência do método dialético dominante na tendência dirigida por C. L. R. James e Raya Dunayevskaia, em seus estudos sobre o movimento operário norte-americano.
Com uma leitura deste tipo, João Bernardo definiu A Opção Imperialista, «entre as obras mais notáveis da literatura marxista mundial».
Isabel Loureiro, em sua leitura de Mário, na tese sobre a Vanguarda Socialista, o classifica de «marxismo eclético». Como diz o próprio Mário em relação a James Burnham: «Ouviu cantar o galo, mas não soube onde!».
Para Pedrosa «a questão do destino da grande corporação na própria sociedade americana é de importância incomensurável», e «o problema sai do campo de uma técnica econômica para um campo bem mais vasto da teoria social ou organizatória da sociedade». Nesta pisada, o pernambucano de Timbaúba nos leva à Autogestão Social.
Mário inicia dizendo que «por toda parte, a burocracia tende a usar o Estado como sua propriedade privada», nos Estados Unidos «uma formação social, senão nova, amadurecida e consciente de seu poder, a oligarquia dos dirigentes das grandes corporações, tende a dar aos negócios do Estado a tônica de sua presença». Para ele, a «essência da corporação moderna» é guardar as relações capitalistas de produção e ao mesmo tempo enredar em torno de si mesma a trama das relações públicas.
Baseado em uma ampla literatura norte-americana da época, Mário mostra como a corporação «levanta incessantemente problemas de poder», e que, «um padrão de distribuição de seus lucros que sugere uma eventual socialização não-estatal desses lucros» [grifo nosso].
Em sua análise, Mário traça uma contradição fundamental na dinâmica da grande corporação: a crescente separação entre a propriedade e o controle. Contradição que, no Direito americano da época, se traduz em «aplicar à “corporação quase pública” a tradicional lógica da propriedade».
Para Pedrosa, «a evolução do processo é, como se vê, no sentido de desapropriar os proprietários capitalistas em benefício do pessoal de dentro da sociedade».
A propriedade privada vai sendo expelida da grande unidade produtiva, que é a corporação. Mas, para Mário, na forma jurídica, «o grupo de direção continua a gerir e controlar a corporação para o benefício dos proprietários». Cita, então, o jurista francês George Rippert: «o direito civil não conhece a empresa, mas só o proprietário». E «a lei não cobre a complexidade dessa entidade nova que é a corporação… Os tribunais não estavam capacitados para julgar».
Ou Berle, quando diz que, «separam-se propriedade e direção (controle). Os acionistas são os proprietários da exploração, mas não podem dirigi-la eles próprios. Assim o proprietário não é mais o empresário».
Essa contradição, segundo Mário, tornaria «o processo histórico irreversível»; tornar independente, autônoma, a corporação como um todo, e dentro dela dar o poder ao grupo controlante. «Marx previu e descreveu o processo quase 70 anos antes. Veremos adiante», conclui Pedrosa.
«Marx, há cem anos, afirmava que o capitalista investidor derivava a pretensão ao lucro da empresa… não de sua propriedade de capital mas de “sua função na produção” distinta da forma na qual ela é apenas propriedade inerte. Isso aparece como contraste onde quer que ele trabalhe com capital emprestado, de modo que lucros e interesse da empresa cada qual vai para diferentes pessoas».
Em nota de pé de página, Mário esclarece: «Ora, é precisamente esta a grande tese de Marx. Ainda aqui foi o primeiro a ver no funcionamento moderno das sociedades por ações, no desenvolvimento prodigioso do sistema de crédito, as premissas organizatórias, técnicas, políticas e funcionais para a nova ordem de produção. As páginas condensadas de O Capital sobre as sociedades por ações assim demonstram.»
Citando Hilferding (Das Finanzkpital): «Em sua obra clássica, ao tratar da questão e referindo-se à contribuição de Marx, escreve: “Nossa concepção da economia da sociedade por ações vai além da exposta por Marx. Marx apreende em seu esboço genial – a parte da execução que lhe ficou infelizmente vedada – o papel do crédito na produção capitalista, a formação da sociedade por ações como conseqüência do crédito e traçou suas conseqüências”. E, com toda a razão, Hilferding conclui o que Marx considerara antes de tudo “foram as conseqüências econômico-políticas do papel da sociedade por ações”».
Mais adiante: «Como se vê, o segredo da direção empresarial das grandes corporações é velho com a Sé e o velhíssimo Marx o define em termos que o presidente da DuPont Company, Sr. Crawford H. Greenewalt, repetiu, quase cem anos depois, como se o tivesse lido: “Talvez a melhor analogia com o trabalho do executivo é o condutor de sinfonia sob cujas mãos uma centena ou por aí de especialistas altamente qualificados e muito diferentes se ajustam num único esforço de grande eficácia”».
Assim, diz Pedrosa, «Marx reconhece ser isso uma espécie de “trabalho produtivo que tem de ser exercido em todo modo de produção que requeira uma combinação de trabalho… esse trabalho de superintendência necessariamente surge em todos os modos de produção, que se baseiam no antagonismo entre o trabalhador como produtor direto e o dono dos meios de produção”».
Para Mário, citando Philosophy of Manufacturers de Ure: «As fábricas cooperativas fornecem a prova de que o capitalista se tornou justamente tão “supérfluo” como agente na produção, como ele mesmo, na sua forma mais desenvolvida, acha supérfluo o proprietário da grande propriedade territorial».
Mário considera, então, dois planos da grande corporação:
1) a autonomia da empresa em relação ao mundo exterior; 2) a sua evolução internamente para chegar a ser uma comunidade cooperativa e não uma organização antagônica.
«Levando-se o pensamento até mais adiante poder-se-ia dizer – o comunismo não é a norma de “cada um, segundo suas necessidades”, mas antes, dentro da empresa, o momento em que a vigilância ou a superintendência se socializa», em outras palavras, a autogestão.
Assim, «a análise de Marx sobre o processo de produção capitalista na empresa é de maior alcance que a dos economistas e mesmo juristas que se debruçaram sobre o problema. Afastando o enredado de relações puramente jurídicas e financeiras, que encobrem o fenômeno social que se está processando com a famosa separação da propriedade e do controle do capital, o processo de produção “é simplesmente um processo de trabalho”».
Para Mário, neste debate, Marx traz um elemento novo: O Trabalho. E, a seu modo irônico de «ir às realidades concretas», pergunta: «Que tem, com efeito, o trabalho com essas altas questões de propriedade, de lucro, de juros, de interesses e de direção nas corporações em que são dezenas, centenas de milhares? Nada. São instrumentos… de trabalho».
Com grifos nossos, citamos Pedrosa sobre a originalidade da análise de Marx: «No estudo específico da sociedade por ações, em seu aparecimento moderno, Marx introduz outras categorias que lhe vão permitir encará-la no seu dinamismo e não estaticamente. Nela o capital apoia-se “num modo socializado de produção e de força de trabalho e se reveste diretamente da forma de capital social (capital diretamente de indivíduos associados) distinto do capital privado. A sociedade por ações assume a forma de empresas sociais distintas das individuais. É a abolição do capital como propriedade privada dentro dos limites da própria produção capitalista”».
Seguindo com as idéias de Marx, Mário continua sua análise: «Nas sociedades por ações a separação que se verifica não é apenas a função que é separada da propriedade do capital, mas – e Marx insiste em dizer e incluir tal separação na análise de todo o processo – o trabalho naturalmente é separado por completo da propriedade dos meios de produção e da mais-valia do trabalho».
Segundo Mário, «desde 1865, quando Marx escrevia as linhas acima, até 1890, quando Engels editou o terceiro volume. Numa frase realmente à la Marx, o seu colaborador e editor resume a análise: «Isto é a abolição do modo capitalista dentro da própria produção capitalista” e acrescenta, numa expressão que vai inspirar Schumpeter (Capitalism, Socialism and Democracy, 1914) a formular sua talvez tese básica sobre o desenvolvimento do capitalismo – “uma autodestrutiva contradição”, que representa em sua face mera fase de transição a nova forma de produção… É a produção privada sem o controle da propriedade privada».
Enfim, ainda na pisada de Marx, Pedrosa fecha essa parte de sua análise: «As companhias por ações, prossegue Marx, põem a nu o antagonismo, o tornam visível: se os meios sociais da produção são propriedade privada, a conversão à nova forma de ações ainda permanece nos limites do capitalismo. Assim, em lugar de superar o antagonismo entre o caráter social da riqueza e seu caráter privado, aquelas companhias desenvolvem o antagonismo até uma nova forma; as fábricas de cooperativas dos próprios trabalhadores representam dentro da velha forma os primeiros começos da nova, embora elas naturalmente reproduzam e tenham de reproduzir, por toda parte, na prática da organização, todas as limitações do sistema prevalecente. Neles, contudo, o antagonismo entre capital e trabalho é superado, pois os próprios trabalhadores se fazem seus próprios capitalistas, o que lhes possibilita usar os meios de produção para o emprego de seu próprio trabalho. Eles mostram o caminho pelo qual um novo modo de produção pode naturalmente surgir de um velho, quando o desenvolvimento das forças materiais da produção e das formas correspondentes da produção social alcança um certo estágio. As companhias por ações capitalistas bem como as fábricas cooperativas podem ser consideradas como formas de transição do modo capitalista ao modo associado, com esta distinção – o antagonismo é enfrentado negativamente numa, positivamente noutra».
E tenta, via Marx, explicar essa forma dupla de antagonismo: «Marx tenta explicar essa fórmula algo vaga de distinguir as duas formas de produção em que o capital já se apresenta socialmente e não privadamente.» «O sálario de superintendência, tanto do gerente comercial como do industrial, aparece completamente separado dos lucros da empresa nas fábricas cooperativas dos operários como nas sociedades por ações. A separação dos salários da superintendência dos lucros da empresa, que é em outros casos acidental, aqui é constante. Na fábrica cooperativa o caráter antagônico do trabalho de superintendência desaparece, uma vez que o gerente é pago pelos trabalhadores em lugar de representar o capital contra eles».
Fechando esse capítulo 12, Mário Pedrosa põe os pontos nos ii, numa verdadeira Proclamação da Autogestão: «Os teóricos e panegiristas da corporação pretendem ter ela ultrapassado a esfera do capitalismo econômica, social, cultural, cientifica, tecnológica do país, o móvel íntimo que a impele, que a dirige e a põe em movimento é ainda privado. Sua finalidade intrínseca é – em ultima ratio – o lucro, o lucro que, se dispersa em parte, se acumula também, se concentra em relativamente poucas mãos, estas as dos proprietários de fato, os grandes, os que decidem dos destinos da corporação; é, pois, ainda um lucro de fato privado, personalizado».
E arremata: «Não é, pois , “socialista”, mas “feudalista”. Assim, para transformar-se não será preciso muito, apenas uma alteração nas relações jurídicas que a regem, redefinindo-a na ordem do Estado; dentro dela, há que fazê-la passar à gestão coletiva, segundo o princípio de que não pode mais haver separação entre direção e execução, dirige quem executa, executa quem dirige, são dirigentes os que trabalham, são trabalhadores os que dirigem. Dentro dela os que trabalham são todos, em maior ou menor grau, trabalhadores produtivos. Os trabalhadores não querem mais ser um parafuso mecânico na engrenagem produtiva. Querem saber o que estão fazendo, ter participação no processo total, tomar conhecimento de para onde vão, deixar de ser alienados no processo social do trabalho de que são peças».
E conclui, na linha da autogestão, inclusive citando a experiencia da Yugoslavia: «A direção capitalista da corporação, com toda a sua abertura progressista, é alienante, anti-social e reacionária, privatista. Se ela quer fazer do Estado seu Estado, mas sem intermediários, sem representantes, isso corresponde, em planos paralelos, à reivindicação mais profunda e de maior alcance social e cultural dos trabalhadores dos países de alto desenvolvimento, na Rússia como nos Estados Unidos, na Inglaterra como na Alemanha, Suécia e até na Yugoslávia, onde há um esforço conscientemente oficial nesse sentido: o de que as funções gestionárias sejam coletivas, não havendo mais lugar para medianeiros e representantes seus na produção, mas eles mesmos, como trabalhadores, como produtores, com sua experiência, seus conhecimentos, seu ângulo de visão próprio. A “democracia direta” que proclama Rousseau como meio de exprimir a vontade do povo ou da maioria é aí que se manifesta ou se pode realizar. O conceito de representação da vontade do povo, da maioria, deve ser arquivado num museu de antiguidades. Pertenceu a uma outra civilização, civilização de minorias que encontrou no mecanismo das representações o segredo da perpetuação do seu poder, de sua riqueza e propriedade. A vontade da maioria não é o monstro abstrato incapaz de expressar-se a si mesmo inventado por Rousseau. É hoje um conceito manejável, sociologicamente verificável, que se exprime diretamente de mil maneiras e em mil escalões, nos limites dos vários “todos sociais” de que se compõe a sociedade. Mas é sempre uma relação direta e mútua, como corrente e contra corrente, entre dirigentes e executantes. Quer dizer sempre intercambiável. Eis o socialismo. Mas deixemos o galo cantar ainda na madrugada».
O «braseiro revolucionário dos sovietes»
Mas, em páginas anteriores, Pedrosa se pergunta sobre esse processo nos Estados Unidos. «O que estamos vendo nos Estados Unidos não é propriamente tentar-se fazer da corporação empresa já socialista ou socializante. Mas é proclamar o sistema econômico americano como um sistema tendo ultrapassado o capitalismo e se transformado num sistema também “social” ou com as vantagens, apenas proclamadas, apenas teóricas do socialismo, já realizadas. Então o que se tornou “supérfluo” não foi o “capitalista” mas a revolução socialista, a “expropriação dos expropriadores”».
Analisando a revolução tecnológica da informática e da automação, Mário diz que, «O que Marx descreve é o capitalismo chegado ao apogeu de seu desenvolvimento tecnológico, dos novos métodos de produção». (Grundrisse der Kritik der politischen Oekonomie, Rohenentwurf, 1857-1858, Dietz, Berlim, 1953).
Pedrosa faz referências às lutas operárias, aos Conselhos Operários na Alemanha.
«Ao sair da guerra vencido e empobrecido, a social-democracia alemã assumia timidamente o poder, sob pressão de um proletariado que iniciava mal e atabalhoadamente, na empresa, na fábrica, uma luta insurrecional pelo poder, através dos conselhos de empresa que se espalharam por toda a Alemanha e acabaram por ter a chancela, no papel, de um artigo da nova constituição democratíssima de Weimar. A luta, vitoriosa na letra da lei constitucional, foi perdida realmente nas ruas, nas fábricas. Os conselhos de empresa tinham, então, uma coloração vermelha, reflexos do braseiro revolucionário dos sovietes na Rússia de Lênin e Trotski».
Na Itália, «antes de Mussolini, comunistas e socialistas, em face a este problema, deram com Gramsci a expressão acabada teórica revolucionária desses conselhos… quando, em 1936, em França, com Léon Blum como primeiro-ministro, os operários entraram em greve pelo país inteiro, criando uma modalidade nova de greve, greve com ocupação em massa da empresa. Ao ocuparem as fábricas, “os operários não tinham o menor sentimento de atentar contra a propriedade alheia. Era a sua fábrica que ocupavam. Abusavam? Dizer que abusavam de seu direito já é reconhecer que tinam um direito” (George Rippert)».
Na Europa os aspectos sociais mais profundos da empresa, quer dizer, seu destino em outro modelo de sociedade, tomavam vulto, em virtude do clima revolucionário, anticapitalista, ali prevalecente. A idéia de sovietes ainda estava no ar, como a suprema aspiração da classe operária. Os operários, por seus partidos e líderes, queriam disputar ao capitalista, ao industrial, o domínio sobre a empresa. «Todo o poder aos sovietes», lançado então pelos comunistas e socialistas independentes, queria dizer exatamente isto, o controle operário sobre a empresa capitalista. Aqui, em pé de página, Pedrosa cita Gramsci:
«Antonio Gramsci, o líder teórico e revolucionário italiano que passou em prisão, e nela morreu, enquanto Mussolini reinava sobre a Itália, em relatório de julho de 1920 sobre “o movimento turinense dos conselhos de fábrica”, assim o descrevia: “Os conselhos de fábrica cedo criaram raízes. As massas acolheram voluntariamente esta forma de organização comunista, se juntaram em torno dos comitês executivos e apoiaram energicamente a luta contra a autocracia capitalista… Os conselhos e comitês obtiveram notável êxito: esmagaram os agentes e os espias dos capitalistas, ataram relações de ordem financeira e industrial nos negócios fazendários, concentraram em suas mãos o poder disciplinador e demonstraram às massas desunidas e desagregadas o que significa a gestão direta dos operários na industria” (A. Gramsci, Antologia degli Scritti, editori Riuniti, Roma, 1963, pág. 46)».
Prossegue Mário: «A nova ordem revolucionária socialista viria. Quando a vaga insurrecional na Europa central e na Itália refluiu, a empresa capitalista, campo de batalha decisivo entre classes em conflito – a classe trabalhadora e a patronal – foi largada à sua sorte: voltou a ser a fábrica do patrão. A França da Frente Popular em 1936, onde a vaga revolucionária das massas operárias chegou bem depois, em virtude, provavelmente, dos despojos da vitória terem concorrido para estabilizar a situação econômica do país por mais tempo, e a Espanha, em face do assalto internacional fascista com Franco à frente das tropas mouriscas, foram os últimos palcos políticos onde os sovietes voltaram a ser objeto de luta. Aliás, também em Barcelona, liderados pela Federação Anarquista, os operários ocuparam as fábricas. Depois veio a guerra, com a ocupação de toda a Europa pelo nazismo e fascismo, e a derrota generalizada de comunistas e socialistas de todos os matizes. O capitalismo em debandada conseguiu reerguer-se no ocidente e inaugurar no pós-guerra fase de verdadeira restauração na Europa, graças em grande parte ao maciço auxílio norte-americano. Deu-se um verdadeiro renascer do capitalismo e nos Estados Unidos a grande corporação ressurgia como o centro de toda a vida econômica do país. Mas o problema da empresa, da corporação, não deixou por isto de existir. Desta vez, porém, o que se vê é uma fase de evolução do lado “de cá”, isto é, do lado patronal-capitalista, quando, em outra etapa histórica, ela era vista do “lado de lá”, isto é, do lado dos “bárbaros”, ao de fora da cidadela “Comuna”».
Assim, Pedrosa fecha sua idéia com chave de ouro: A Comuna de Paris!