Por Mohammed Altlooli [*]

Prezados amigos do povo palestino,

Estou escrevendo para vocês nestes tempos terríveis e sombrios. Mais uma vez, chovem bombas em Gaza, minha atormentada pátria, e me preocupo com a vida e o bem-estar de minha família, amigos e colegas. Há muito tempo, as pessoas em Gaza estão vivendo sob desespero e pobreza e anseiam por um futuro melhor.

Nós, a geração jovem que cresceu sem conhecer outra coisa, é que devemos pagar o preço se nada mudar. Tive que fugir de Gaza há algum tempo, porque, junto com um grupo, nos opusemos à lei do regime do Hamas. Fizemos o que milhões de outros árabes fizeram em toda a região: exigimos mais liberdade, fim da corrupção e da violência. Se você levantar sua voz contra eles, enfrentará a repressão e até mesmo será preso. Eles nos temem, a geração jovem, muito mais do que seu inimigo declarado, Israel, porque sabem que não têm nada a oferecer a nós a não ser destruição, dor e pobreza.

Nós queremos ambos: viver em liberdade em Gaza e sem os bloqueios e dificuldades impostas por Israel. Estamos presos entre uma pedra e um lugar difícil: sofremos com um regime intolerante e repressivo e com a pressão israelense. Não temos ar para respirar.

Mas nós nos opusemos à propaganda odiosa de nossos governantes e enviamos uma mensagem clara ao povo israelense: queremos viver em paz lado a lado, mas como iguais e não em uma grande prisão. Queremos um futuro comum com nossos vizinhos israelenses e o fim da guerra, da matança e do ódio.

Judeus e árabes não são inimigos

Tragicamente estas esperanças foram frustradas mais uma vez na semana passada quando uma nova guerra começou entre o Hamas e o exército israelense. Nós nos recusamos a chamar isto de uma guerra entre palestinos e israelenses, porque, mesmo quando vejo a destruição em Gaza, não sinto nenhum ódio contra o povo de Israel. Sei que muitos deles estão vivendo com medo e precisam se esconder em abrigos, muitos foram mortos e feridos. Esta não é a minha guerra e não é a guerra de nós que anseamos por um futuro melhor. Vemos como árabes e judeus estão agora se manifestando em Haifa, Nazaré e outras cidades por uma coexistência pacífica e contra o ódio. O slogan deles é: judeus e árabes não são inimigos.

As pessoas em Gaza que pensam como eu não podem se manifestar, qualquer protesto terminaria em derramamento de sangue e prisão. Mas saibam que, mesmo que nos ensinem ódio em nossas escolas e que ouçamos propaganda odiosa, em nossos corações muitos de nós estamos com estas manifestações do outro lado da cerca.

Se você é um amigo dos palestinos, saiba que o Hamas não nos representa, eles gostam de falar em nosso nome, mas não o fazem. Nós recusamos que eles sejam a nossa voz. Nossa voz soa diferente. É a voz da paz.

Então, vemos manifestações na Europa, onde as pessoas gritam slogans horríveis contra os judeus e Israel. Ouvimos o mesmo ódio que ouvimos nos canais de propaganda do Hamas. Quem for nosso amigo, não deve falar assim! Nós não queremos e merecemos tais amigos! Há muito tempo tantas pessoas afirmam que são nossos amigos, mas na realidade eles apenas odeiam Israel e os judeus. Isto não só é errado e contra nossas intenções e crenças, mas também prejudica a justa causa do povo palestino: queremos viver em paz, dignidade e autodeterminação, lado a lado com os israelenses. Queremos justiça e liberdade. Não queremos a guerra e a destruição.

Falsos amigos

Como alguém pode acreditar em nossas verdadeiras intenções se tais slogans odiosos são gritados nas ruas da Europa e do Oriente Médio? Isto dá uma imagem errada sobre nós.

Muitas dessas pessoas que agora gritam tais slogans afirmam que são nossos amigos, mas são falsos amigos. Eles nos prejudicam e criam uma imagem errada de nós. Não queremos antissemitas, nazistas e odiadores de Israel como amigos. Queremos paz, pessoas nobres e amáveis do nosso lado, que compartilham nossos objetivos. Não queremos que os judeus na Europa tenham medo de nós, queremos que todos entendam que existe apenas um futuro para todos no Oriente Médio, um futuro comum juntos em uma região pacífica e próspera.

Se você é um verdadeiro amigo, faça-nos um grande favor, afaste-se deles, não os deixe falar em nosso nome. Por favor, espalhe nossa mensagem de paz e justiça.

Talvez hoje esta mensagem seja como uma pequena planta, mas todos nós podemos trabalhar juntos para deixá-la crescer e se tornar uma árvore. Sabemos que mesmo em nossa sociedade somos poucos, mas muitas mudanças começaram com poucas pessoas. E esperamos que um dia esta árvore seja suficientemente grande, para que todos nós possamos sentar à sombra de suas folhas.

Por favor, protestem por nós, levante sua voz. Por favor, manifestem-se contra a política falsa e destrutiva do governo israelense. Mas também, por favor, levantem sua voz contra o que o Hamas está fazendo. Por favor, levantem-se ao lado do povo palestino e de nossa justa causa.

Mas, por favor, não o façam com estes falsos amigos.

[*] Mohammed Altlooli é membro do Gaza Youth Movement (Movimento da Juventude de Gaza).

Traduzido por um colaborador anônimo. A versão original pode ser encontrada aqui.

As fotografias que ilustram este artigo são de Manny Becerra.

3 COMENTÁRIOS

  1. Esse artigo me deixou um pouco perplexo. Nao que nao compartilhe o ponto de vista (Hamas é uma forma de jihadismo, por isso opressivo), mas porque nao entendo qual seria a postura que deveriam utilizar os que se opoem á política de Israel. Também porque eu nunca vi ninguém dos solidários com a Palestina se reivindica Hamas como modelo ou como parceiro político, menos ainda vi antissemitismo nazista nas manifestacoes pro Palestina (nao dúvido que os nazi estejam contra Israel, mas me parece algo muito reduzido; a maioria dos fascistas de hoje é islamófobo e pro-Israel, como o próprio Bolsonaro). O problema é a viabilidade da postura que fala esse cara. Faco um exemplo: quando em 2003 teve manifestacoes contra a guerra no Iraque, a grande maioria dos manifestantes nao apoiavam de jeito nenhum o Saddam Hussain, mas as manifestacoes eram contrárias á guerra, era esse o objetivo, seria meio absurdo ver slogans tipo “contra Bush e contra Saddam” quando era claro que o protesto era contra a decisao do primeiro de ocupar o Iraque. Parece até obvio especificar isso, mas tudo bem…

  2. Pérez, quem pretende nadar contra a corrente, ou melhor, contra as correntes, deve colocar sua posição claramente e creio que foi isso que o autor fez. Aliás, é o que tem sido feito neste site há muitos anos (por exemplo, aqui: https://passapalavra.info/2013/09/83792/ e aqui: https://passapalavra.info/2020/01/129606/). O problema foi colocado claramente: a guerra é entre o Hamas e o exército israelense; é entre uma classe dominante e outra, portanto. Então, sim, é preciso protestar tanto contra o Hamas quanto contra o governo de Israel, tal como era preciso, em 2003, protestar simultaneamente contra Bush e Saddam. Nós, que pretendemos nadar contra as correntes, precisamos buscar sempre abrir novas frentes, não integrar as frentes existentes. A opressão e a exploração não provêm apenas de um dos lados da fronteira.

  3. As dúvidas enunciadas por Perez Gallo não são teóricas, são práticas. Uma sugestão. Começando pelo comentário de Perez e prolongando-o com outras dúvidas mais impossíveis ainda de responder, não na teoria que temos, nós, mas na prática que nos é imposta pelos outros, que é a única que existe agora, podia escrever-se um artigo interessante. Um artigo não de respostas, mas de dilemas. Porque, afinal, o muro em que batemos com a cabeça é o de saber como fazer funcionar as tais soluções. O que são soluções certas numa prática errada?

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