Passados exatos um ano e nove meses do último carnaval, volta ao centro dos debates aquele conhecido “cancelamento” de pessoas fantasiadas “de forma inapropriada”. Foi a vez da atriz brasileira Bruna Marquezine, que se fantasiou de “enfermeira sexy” e teve contra si uma nota de repúdio do Conselho de Enfermagem, em que este último afirmava que “Enfermagem é uma profissão, não uma fantasia”. Passa Palavra

18 COMENTÁRIOS

  1. E tá errado? Não se deve criticar/atacar um comportamento que ajuda a difundir uma imagem de pornificação de uma profissão? Comportamentos reiterados não geram/visam mais comportamentos nesse sentido? Não se deve atacá-los? Quanto assédio e estupros enfermeiras não devem ter sofrido, sofrem neste instante ou vão sofrer por causa da difusão dessa imagem que difundem delas? Mas isso não passa na cabeça de vocês, né? O que é importa é deixar rolar. A “cultura do cancelamento”, uma pauta contrarrevolucionária por essência, segundo parece o entendimento de vocês, não deve continuar… Que continue essa sexualização, já que serve ao prazer do homem hétero (construido historicamente por meio do poder opressivo exercido pelo homem sobre a mulher), né? Só falta daqui a pouco vocês irem contra atitudes/práxis que visem o “cancelamento” do capital e do Estado.

  2. ContraOCancelamentodoCapital,

    imagino que se lembre do atentado ao Porta dos Fundos que ocorreu no Natal de 2019. Ele ocorre porque o grupo ousou fazer uma piada sugerindo que Jesus era gay. Corta para 2015. O jornal Charlie Hebdo sofreu um ataque terrorista por conta de uma sátira com o islã. O jornal é conhecido pelas tiragens polêmicas. Será que não se aprende nada com o humor e a política? Será que essa impotência da esquerda em combater estruturas e relações sociais concretas tenha resultado no apresso ao combate aos símbolos? Será, inclusive, que os dois exemplos que eu usei não têm nada a ver com o assunto? Outro atentado é bem conhecido. Um coletivo recém criado decide se distanciar de uma manifestação e atear fogo na estátua do Borba Gato. Os autores da ação disseram que o fizeram para “levantar o debate”, mas o único debate que foi travado não foi sobre um suposto genocídio de Borba Gato, foi se a prisão de Galo e sua trupe eram legítimas ou não. Mais uma vez, o combate às ideias se converte a um combate aos símbolos. Naquele caso, uma estátua, que não tinha nada a ver com a eleição do Bolsonaro. O verdadeiro questionamento deveria ser, porque estamos dando mais atenção às vestimentas da Bruna Marquezine do que à resistência recorrente de enfermeiros à precarização do seu trabalho? Será que as fantasias de Índio também têm alguma coisa a ver com as investidas contra os indigenas (ver aqui https://passapalavra.info/2020/02/130014/)? O Politicamente Correto não combate as opressões, empurra-as para debaixo do tapete. Torna inviável o debate sobre elas.

  3. a seção Flagrantes Delitos muitas vezes não apresenta uma situação da qual se possa dizer “certa” ou “errada”, são retratos da vida mesma.
    Aqui, vemos a importância social que as fantasias e o carnaval assumiram no Brasil. É realmente notável.

  4. O triste mesmo é que a extrema-esquerda de hoje, num paralelo perturbador com a extrema-direita de sempre, tenha abraçado o puritanismo nos costumes, ao mesmo tempo em que pretende ser libertina, uma verdadeira loucura. Libertinagem para o grupo, supostamente seguro em seus espaços supostamente bem delimitados, puritanismo para os outros, quer dizer, puritanismo na relação entre os grupos. Ninguém censuraria a Bruna Marquezine – sim, cancelamento é o nome da moda, mas prefiro chamar a coisa pelo nome certo – se ela fosse enfermeira, da mesma forma que ninguém censura uma feminista que se define como vadia na Marcha das Vadias. Libertinagem nas relações internas ao grupo. Mas, coitada, ela não é enfermeira, é uma celebridade pop. E como a extrema-esquerda hoje perde seu tempo com o que fazem da vida as celebridades pop, não teve outra: censura nela, e não só, censura mediante argumentos puritanos, conservadores, reacionários, retrógrados, enfim. Puritanismo na relação entre os grupos. Marx afirmou num de seus escritos que ninguém luta contra a liberdade, no máximo luta contra a liberdade dos outros. Pois bem.

  5. O Fagner Henrique falou tudo. Concordo completamente contigo, Fagner.

  6. É fácil para homens falar em “puritanismo nos costumes”, quando a maioria (quase a totalidade) dos assédios sexuais, incluindo o estupro (tanto o pago, como o “grátis”), atinge as mulheres, que são transformadas em mercadorias sexuais. Observe a foto de “enfermeirinha” da matéria (excitante para vocês?): “https://jovempan.com.br/noticias/mundo/bordel-em-viena-oferece-30-minutos-de-sexo-gratis-para-quem-tomar-vacina-contra-covid-19.html”. Fique a vontade atingindo só os grupinhos que aqui frequentam ou que você faz parte. Enquanto isso o capitalismo vai vencendo moldando o comportamento das pessoas com a divulgação massiva de matérias das “celebridades pop”, que não deveríamos prestar atenção, segundo seu entendimento me parece (afinal para que usar um meio/matéria jornalística que atinge muito mais pessoas do que os nossos – da extrema esquerda?). Nossos meios de comunicação não são escassos devido a concentração capitalista? Sim? Debater isso é um dos cernes para surgir/moldar a consciência de classe? Óbvio. Mas a práxis revolucionária é mais ampla. As mulheres sofrem violência física, psicológica ou sexual todos os dias. Qualquer mínimo espaço tem que ser ocupado/utilizado para discussão. E com certeza uma “materiazinha” de uma celebridade (que a grande maioria lê ao invés de debates teóricos marxistas/socialistas/comunistas) é um meio importante para se tentar atingir o máximo de pessoas e mostrar para mulheres que elas não precisam se reproduzir como objetos sexuais públicos/privados, como elas são retratadas e tratadas dia após dia. Ainda que não atinja o cerne do capital não é importante melhorar essa condição para as mulheres ainda que temporariamente dentro dos limites do capital (não é uma revolução para parte da classe trabalhadora, as mulheres? Não, né? Afinal a outra parte da classe, o “homem”, não precisa ter medo cada minuto do tempo que vive de ser assediado/estuprado, seja na esfera pública ou privada) Não precisamos atacar cada comportamento que visa a perpetuação da objetificação/sexualização das mulheres? Cancelamento/censura às relações de produção machistas não é uma pauta de extrema-esquerda? Daqui a pouco a luta contra a “censura/cancelamento” da indústria pornô (de tamanho gigantesco, que constitui grande parte da “internet”, e que quase nunca é objeto de matéria nos meios da extrema-esquerda, aliás, inclusive aqui no passapalavra) vai ser retratada como um “abraço da extrema-esquerda” ao “puritanismo nos costumes”. https://ibdfam.org.br/noticias/8560.

  7. li faz mto tempo um texto aqui no Passa Palavra mto bom de uma militante feminista da Índia que dialoga bem com os argumentos colocados pela camarada logo acima.
    queria até reler, mas não encontro.. =/

  8. ContraaCensuradoMachismo, quer dizer que a Bruna Marquezine estaria sendo machista consigo mesma? Só falta dizer que ela deveria ir de burca para a festa. O argumento é bem similar. A debatedora vai além, insinua que o Passa Palavra não defende lutas feministas e a emancipação feminina. Claro que para isso precisa dizer que o que querem é se masturbar lendo revistas de fofoca. A coisa vai muito bem, parte do feminismo se identifica com a censura do Conselho de Enfermagem e não com uma mulher constrangida por se vestir como queira.

  9. Eu gostaria de entender qual visão a pessoa que assinou “ContraaCensuradoMachismo” tem sobre fetiches sexuais e sobre sadomasoquismo. Deve achar que é uma doença, talvez? Para ela ser coerente com as ideias expressas deve formular e defender algum tipo de régua ou parâmetro para o que se pode e o que não se pode desejar e querer, ou talvez até duas réguas: o que o homem pode e o que a mulher pode querer e desejar.

  10. Complementando o comentário anterior.
    E a censura sobre a forma como a Bruna Marquezine se veste não seria – tbm no ponto de vista da companheira feminista que publicou – uma expressão de censura machista?
    Vejam como é possível dançar ora num pé, ora noutro conforme a ocasião: a vestimenta da Bruna Marquezine pode ser motivo para crítica por sexualização de uma profissão como também essa crítica pode ser criticada por ser uma censura à liberdade feminina de se vestir. E assim vamos em looping infinito enquanto na periferia MC Kevin canta e as novinhas rebolam: ‘rala a xerca no chão’.

    Uma coisa é certa: por esses meandros a classe trabalhadora vai se afastando do essencial.

  11. Volto ao debate apenas para pontuar como a posição da pessoa que assinou como ContraaCensuradoMachismo aproxima-se bastante da militância de grupos evangélicos contra a pornografia, algo muito intenso nos Estados Unidos. Um exemplo: https://slate.com/human-interest/2021/08/conservative-christians-anti-porn-tactics-paying-off.html.

    Aliás, é esclarecedora a seguinte passagem: “While secular feminists and many recovering porn addicts insist their problems with porn are not due to moral opposition to sexual explicitness, they have signed onto a movement that was started by and continues to be led by conservative Christians. And religious activists use these other groups to make the anti-porn movement seem more diverse than it actually is.”

  12. Esses dias estava ouvindo uma entrevista com a Clarice Falcão e ela comenta sobre essa música que regravou (https://www.youtube.com/watch?v=NlxFf40Lqx4). Na ocasião do clipe ela pediu que mulheres diversas, algumas amigas suas e outras desconhecidas, pegassem um batom vermelho e fizessem com ele o que quisessem. Algumas simplesmente jogaram para trás dos ombros, outras desenharam com ele, outras borraram a cara, algumas o engoliram. A atriz e cantora explica que o batom forma uma sociabilidade ambígua, ainda que seja ferramenta da imposição da moda, representa também a liberdade sexual da mulher, uma exposição de sua feminilidade. Não se pode deixar de ter em vista que a sexualidade é isso mesmo, um todo complexo, inalcançável pelas caixinhas. Comentários como o da ContraaCensuradoMachismo só levam em conta a perspectiva da censura, da reprovação. Nada me parece mais raso.

  13. «Será este o destino da esquerda, derrubar os apartheids impostos pelos outros, para ela própria edificar apartheids semelhantes?» — terminava assim o artigo Feminismo ou emancipação?, que Rita Delgado e eu escrevemos em 2013 e vos convido agora a ler. Ora, os apartheids que hoje se impõem não são só físicos, o «lugar de fala», são igualmente morais, o puritanismo e a perseguição à sexualidade, e até verbais, o «politicamente correcto». Apesar de eu ter nascido e me ter formado num país que não só era fascista, mas onde dominavam as forças mais retrógradas da Igreja, o que hoje vejo é mil vezes pior, porque é feito por gente que se pretende de esquerda. São os — e as — fascistas do pós-fascismo. Um nojo!

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