Por Coletivo Editorial do Boletim Batalhar

O livro é fruto da combinação de uma perseverante atuação política prática, da discussão coletiva e da observação da luta de classes atual, por militantes que ainda acreditam ser possível a transformação radical da sociedade por aqueles que tudo constroem: o proletariado. Essa vivência, discussão e observação alicerçaram as bases para uma pesquisa sobre as origens e trajetória do movimento sindical. Por qual motivo uma instituição criada pelo proletariado não consegue auxiliar no seu processo emancipatório?

Este pequeno livro, que integra a coleção Combate do Coletivo Veredas, é a primeira parte desse estudo, que busca oferecer algumas respostas ao leitor por meio de uma crítica profunda às instituições sindicais. Dito de outro modo: os autores examinam com lupa o DNA dessas instituições e expõem as entranhas daquilo que muitas vezes querem aparentar ser. Ou seja, temos aqui uma obra que explora o aspecto da negatividade da forma das organizações de tipo sindical. O projeto contempla ainda um segundo volume, a ser lançado provavelmente em 2023. Este virá pela positiva, no qual será apresentada uma alternativa organizacional para o proletariado em oposição ao sindicalismo.

A obra tem como objetivo demonstrar a partir de exemplos históricos como os sindicatos não são instrumentos válidos para que os revolucionários os utilizem em sua estratégia de auxiliar o proletariado a se organizar e pensar enquanto classe. Os autores fazem uma trajetória desde o nascimento das sociedades de socorro mútuo até a formação das grandes centrais sindicais, valendo-se de exemplos do Brasil e de outros países.

Fica ainda claramente demonstrado como a prática cotidiana adotada pelos sindicatos afasta o proletariado da luta revolucionária e de que forma essas instituições se transformam em instrumento do capitalismo, assumindo na contemporaneidade uma face empresarial: o capitalismo sindical. É nessa altura que os nossos sindicalistas mudam de classe: passam a contratar e gerir força de trabalho, administrar grandes fundos de dinheiro, a viver e a pensar como empresários. Essa é a sua materialidade — agora eles são gestores —, o proletariado é apenas algo a ser devidamente domesticado.

Por se tratar de uma obra coletiva, o nome do autor foi pensado com o intuito de prestar uma homenagem à corrente histórica do movimento comunista internacional conhecida como Esquerda Germano Holandesa, pois aos seus integrantes são atribuídas as primeiras críticas sobre essa forma de organização do proletariado chamada sindicato, no sentido em que são apresentadas no livro. Destacam-se nessa corrente os nomes de Anton Pannekoek e Karl Korsch. Além disso os autores se valem de estudos já realizados anteriormente por João Bernardo e de conceitos desenvolvidos pela tradição comunista crítica às correntes socialdemocrata, bolchevique e anarcossindicalista.

Entre as ideias centrais da obra, está a de que o capitalismo legalizou os sindicatos colocando-os na estrutura do Estado de modo a usá-los em seu favor na gestão da força de trabalho “recuperando-os”para servir aos seus objetivos. Exemplo claro disso é que os sindicatos reprimem qualquer iniciativa espontânea dos trabalhadores que não esteja prevista nos estatutos, ou seja, que não esteja perfeitamente dentro “da ordem”.

Também é pontuado o fato de que desde a sua formação a prática sindical evitou o confronto, preferindo o uso da negociação/mediação com o patrão na busca de chegar a um consenso — a mediação está na essência da prática sindical.

Ressalta-se ainda que os sindicatos reproduzem exatamente a estrutura social capitalista, reforçando mazelas como a fragmentação e a atomização do proletariado, a ideia de participação por representação, a tomada de decisão verticalizada. Dessa forma, internamente, a estrutura sindical em nada difere de uma empresa capitalista: tem diretoria, hierarquia, regalias e, mais grave, as mesmas práticas de controle do trabalho, policiamento, assédio e repressão que dizem combater.

E como na sociedade de classes os explorados são levados a acreditar que a exploração é uma condição natural, a prática da mediação e do consenso diante de interesses inconciliáveis reforça a passividade na consciência do proletariado, contribuindo para a naturalização das relações sociais de tipo capitalista. Soma-se a isso a constatação de que atualmente os sindicatos sequer conseguem fazer com que a força de trabalho seja vendida pelo mínimo necessário.

Outra questão abordada é a de que nenhuma instituição estatizada irá escapar de ter seu funcionamento regulado pelo Estado e, nesse caso, estar totalmente integrada ao mundo capitalista. Portanto, não basta substituir a diretoria do sindicato, ou aderir a propostas que pregam um sindicalismo “livre”. Resolver a questão sindical passa necessariamente pela destruição dessa instituição tal como a conhecemos.

Exemplos históricos demonstram que o proletariado é plenamente capaz de resolver seus problemas e criar suas próprias instituições, baseadas em princípios de solidariedade e processos de tomada de decisões coletivos não hierarquizados. Basta que tome para si as rédeas da própria existência e assuma com firmeza e determinação sua posição de classe.

O livro está disponível para  download em formato PDF.

Se desejar adquirir uma edição impressa, entre em contato por meio do seguinte endereço de e-mail: [email protected]

GRAF. Henk Van Der, Porque Somos Contra Sindicatos. Maceió: Coletivo Veredas, 2021.

As obras que ilustram o artigo fazem parta da série Juguetes de Joquín Torres García.

7 COMENTÁRIOS

  1. AUTONOMIA PROLETÁRIA
    Muito bela e potente iniciativa a do Coletivo Editorial do Boletim Batalhar.

  2. Receio discordar do ulisses — e do artigo em questão — em uma questão que me parece verdadeiramente central nessa discussão. Quando os sindicatos não foram integralmente aparelhados pelas burocracias, seu funeral foi representado pelo esgotamento das resistências ao regime fordista, onde operava uma outra lógica da espoliação capitalista. Dada a transnacionalização do capital e o aproveitamento quase integral da componente intelectual do trabalho, quando não a transferência do controle sobre o trabalho sem autogestão, que resposta a forma-sindical tem para essa nova composição técnica do trabalho? As a palavras de ordem que não levam isso em consideração tendem a criar mais rixa com nossos camaradas teimosos à gramática do sindicalismo do que despertar para uma “orientação socialista verdadeira”. Lembro que há dois anos foi lembrado nesse site (https://passapalavra.info/2020/02/129993/) que se a forma dos conselhos operários não opõe ao sindicalismo clássico uma resposta real em termos de ascenso da lutas, a crítica soa vazia. Quando militantes autonomistas reproduzem a lógica do “Que Fazer”, leninista, à negação dos sindicatos, não parecem ter entendido o real esgotamento do sindicalismo. Soa uma crítica moral. No máximo, serve para contar vantagem sobre outras organizações. Não acho que é isso que os interessa.

  3. Os autores querem deduzir da crítica aos sindicatos uma doutrina revolucionária, cometendo os mesmos erros de outros grupos doutrinários do passado. Defendem a tese de que os sindicatos têm a conciliação em seu DNA e, portanto, negam a priori experiências concretas de luta envolvendo sindicatos. Parece que os sindicatos não resultaram dessas lutas, e sim da atuação de gestores desde o princípio. É como se não tivessem passado por qualquer transformação ao longo do tempo, deixando gradualmente de ser orientados para a luta e especializando-se na conciliação. Por outro lado, é como se líderes operários não tivessem se convertido gradualmente em gestores. Ora, é precisamente essa dinâmica que interessa. O estudo dessa dinâmica mostra que os sindicatos não são as únicas instituições criadas pelos trabalhadores que podem se burocratizar, nem as únicas e permitir a ascensão de novos gestores, como já se discutiu neste site em diversas ocasiões.

  4. O erro da tese defendida pelos autores deriva de uma generalização apressada feita pelos comunistas de conselhos. No contexto alemão entre 1918 e 1933, e frente à experiência dos conselhos na Rússia e em muitos levantes proletários na Alemanha, fazia algum sentido dizer que os sindicatos cumpriram papel contrarrevolucionário. A tese é discutível (p. ex.,Sergio Bologna demonstrou como a tática de enfrentamento a sindicatos reputados como antirrevolucionários só fez sentido para os operários do vale do Ruhr), mas fazia sentido.

    O problema está em que os panfletos de Otto Rühle, Anton Pannekoek e outros não especificam a questão desta forma, fazendo um ataque generalizado a todo tipo de sindicato. Na verdade, o problema não está, propriamente, nos comunistas de conselhos, porque um panfleto dirigido a trabalhadores não é obra científica, mas obra de intervenção imediata, onde faz mais sentido falar de modo simples e direto a um público presente e conhecido que perder-se em especificações para melhor situar um público futuro e desconhecido; o problema está em quem lê tais panfletos como obra científica, não como obra de intervenção imediata, porque encontra neles aquela generalização equivocada, mas justificável, e transforma-a, sem mais, em verdade científica, em fato incontestável.

    Este fenômeno — que desde há muitos anos chamo, informalmente, de leitura bíblica de textos revolucionários, de palavra revolucionária revelada, etc. — é muito mais comum do que parece, já gozou de elevada reputação acadêmica no passado (quando se lia Marx, Engels e Lenin nas universidades como se houvessem identificado única e exclusivamente verdades absolutas, não fatos historicamente determinados), e deve demorar muito tempo para desaparecer (se é que desaparecerá).

  5. Caro Manolo, eu discordo de que o “problema está em que os panfletos de Otto Rühle, Anton Pannekoek e outros não especificam a questão desta forma, fazendo um ataque generalizado a todo tipo de sindicato”. Na verdade, ao ler as obras dos comunistas de conselhos sua totalidade (e não apenas “panfletos” como você afirma), verificamos que eles defendem que os sindicatos são organizações burocráticas e apresentam uma relação entre “chefes e massas”, “dirigentes e dirigidos”, etc. Portanto, todos os sindicatos são negados por eles como forma de organização do proletariado capaz de satisfazer seus interesses. E eu acho muito curioso você defender o que defendeu, pois nas principais obras de Ruhle e Pannekoek há a defesa explícita da negação dos sindicatos. Agora, podemos discordar ou concordar com eles, mas, ao discordar, devemos atacar as teses dos autores e não dizer que tal coisa ou outra é algo conjuntural e não deve ser levado a sério por ser um panfleto ou algo não científico. Te digo: um panfleto expressa posições reais e não se desvincula com aquilo que o militante pensa. A teoria pode ser simplificada para ser compreendida, mas simplificar não é o mesmo que deformar. O autor, ao escrever um panfleto, não deforma seu próprio pensamento, apenas o simplifica…

  6. Paulo Jorge, não se pode antever com precisão as formas futuras da luta dos trabalhadores. Elas dependem das condições sociais, e devem mudar de acordo com o crescente poder da classe trabalhadora. É necessário, deste modo, pesquisar por quais modos, até o momento, os trabalhadores construíram, na luta, seu caminho até aqui, adaptando seus modos de ação às várias circunstâncias. Somente ao aprender com a experiência de nossos predecessores, e ao considerá-la criticamente, poderemos atender às demandas do momento.

    Ponhamos, por isso, os pingos nos ii.

    No contexto revolucionário alemão entre 1918 e 1933, os sindicatos poderiam ter sido órgãos revolucionários? Muito dificilmente, se se tem em mente a atuação da Generalkommission der Gewerkschaften Deutschlands e da Allgemeiner Deutsche Gewerkschaftsbund, e também o Stinnes-Legien-Abkommen e a Burgfriedenspolitik que o precedeu.

    É nesse contexto que as obras dos comunistas de conselhos fazem sentido, não em outros.

    Se a denúncia do caráter contrarrevolucionário dos sindicatos fazia sentido nesse contexto, ao expressá-la em termos gerais e abstratos os comunistas de conselhos equivocaram-se. Um equívoco muito comum, aliás: quem nunca cometeu uma generalização apressada ao falar do que vê e sente? Rühle mesmo era mestre nas generalizações apressadas. Pannekoek, ao menos, tinha consciência disso ao circunscrever a crítica ao sindicalismo ao contexto do capitalismo monopolista, reconhecendo méritos ao sindicalismo em fases anteriores do capitalismo. Além disso, na obra maior de Pannekoek fica evidente que a crítica ao sindicalismo se dá num contexto em que a classe trabalhadora, por meio do sindicalismo, graças à sua luta ergueu-se da miséria pelos próprios cabelos, colocando, para aquele contexto (Europa e América do Norte, anos 1920-1950), a superação do sindicalismo como questão.

    Insisto: o problema não está no equívoco (desculpável) dos comunistas de conselhos, está em quem os lê fora de seu contexto espacial e temporal, sem entendê-los aí onde se radicavam, pretendendo dar validade universal ao que só faz sentido num tempo e num lugar bem circunscritos. É problema em que incorrem esta resenha, e a obra resenhada.

    (Note-se: nunca afirmei que não se deve levar os comunistas de conselhos “a sério”, tampouco que não se deva levar “a sério” o que quer que escrevam. Somente ressaltei seus limites óbvios. É o que se deve fazer com quem se deve levar “a sério”.)

    No contexto atual, os sindicatos são órgãos revolucionários? Não. No mínimo, negociam o valor da força de trabalho; no limite, defendem direitos laborais já estabelecidos há décadas; para piorar, com a intensificação da “informalidade”, sua base social reduz-se a olhos vistos.

    Existe revolução à vista? Não. É possível haver revolução no futuro próximo ou remoto? Sim. Nesse novo contexto, os sindicatos podem vir a ser órgãos revolucionários? Depende do que aconteça à sua volta. É neste contexto, não em outros, em que as obras dos comunistas de conselhos não fazem mais sentido. Transformaram-se em documentos históricos, não servindo mais como guias para a ação imediata. Servem para aprendermos como o que já se passou, não como orientação para agirmos como se lá estivéssemos. Por mais inteligentes e hábeis, Ruhle, Pannekoek, Korsch, Gorter, Appel, etc. não eram clarividentes. Expressavam, seja em termos mais abstratos, seja em termos mais simples e diretos, o que viam e viviam, não o futuro de quase cem anos depois.

    O futuro ainda está, como sempre, em aberto, sem que os panfletos (sim, panfletos) de Fulano ou Beltrano o determinem. Não ver coisas assim tão evidentes é sintoma da leitura bíblica de textos revolucionários a que me referi, porque toma certos “textos” como palavra revolucionária revelada, válida de uma vez para sempre, per secula seculorum, sem qualquer ajuste ou crítica. É o problema com esta resenha, e com a obra resenhada.

    Dito isto, fico por aqui, porque já estou me repetindo. Concordamos em discordar.

  7. O que faltou de qualidade em pesquisa histórica a respeito dos sindicatos sobrou na biologização da história. A marca do cientificismo naturalista ainda se faz presente nos grupos informais de herança bolchevique. Essas esferas fechadas e estáticas de uma retidão indobráveis como aço tendem a retornar com os seus vícios, como se diz na máxima: “o que se faz em vida, ecoa na eternidade”, eternos vícios retornam, círculos viciosos de um mundo imutável.

    A tese apresenta uma natureza sindical de identidade fixa, o eterno sindicato, de genética imutável e portador de um pecado original, a negociação,(como se não houvesse negociações quando a base, em determinados momentos de luta, agigantam-se perante a direção sindical, possibilitando o surgimento de formas mais amplas e diretas de luta). Sem negociação só a revolução!
    Com o conceito de eterno sindicato inoculado por vírus originários que revelam a sua natureza no ponto de partida, a história está dispensada, não há o que se falar dos processos históricos do movimento sindical e sua dinâmica nos contextos históricos, não se fala em ciclos de luta, em ciclos de resistência, em ciclos de total apatia do movimento da classe, não precisa-se mais da história para se entender o sindicalismo, basta decifrar o seu código genético. Não se parte de dados e fatos concretos, diversos e multiformes para se chegar a uma abstração a respeito do sindicalismo, e a partir daí, criticá-lo; parte-se de uma ideia abstrata, generalizada e estática do sindicalismo, onde não há qualquer relação de forças sociais, uma forma predestinada e a-histórica, sem qualquer interferência humana, sem biografia, se contexto, o método aqui não é do materialismo histórico, a fossilização de conceitos eternos vai na linha do materialismo naturalista de um Haeckel, de um Nina Rodrigues.

    Gasta-se muita tinta para apontar e denunciar a verticalização, a hierarquização e o elitismo dos sindicatos e das organizações formais da classe trabalhadora, o que está correto, e a denuncia deve ser feita, no entanto, fala-se muito pouco das hierarquias dentro dos grupos informais de “revolucionário”, da exclusividade do conselho de anciões experientes no poder de decisão dessas organizações, das diferenças marcadas por escala e não por contraste. Organizações que presam por sua hierarquia interna, conselho de anciões, poderão contribuir para a construção de um processo de lutas por reivindicações e emancipação horizontalizadas e autônomas?

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