Por Cristiano Fretta
“À brasileira”: essa é uma locução que tem vários usos. A mais utilizada é no sentido gastronômico, como na quase redundante “feijoada à brasileira” ou no mais genérico “café à brasileira”. Uma breve pesquisa no Google mostra uma infinidade de nomes de restaurantes com o uso dessa locução. No entanto, “à brasileira” também apresenta um sentido, por assim dizer, mais social, que é praticamente sinônimo de jeitinho brasileiro. É dessa forma que pode se falar em uma “saída à brasileira”, um “acordo à brasileira” e até mesmo em uma “ditadura à brasileira”, como se a arte do conchavo e do apaziguamento dos radicalismos fosse a regra para que os donos do poder garantissem, nos momentos de maior desrespeito aos ideários republicanos e aos Direitos Humanos, o seu lucrativo status quo. Mas terrorismo à brasileira não é ter ido longe demais?
A palavra terrorismo sempre corre o risco de cair em um vazio conceitual que a transforma em sinônimo de qualquer ato violento e criminoso. É dessa forma que muitas facções criminosas como PCC e Comando Vermelho, por exemplo, já foram acusadas de praticarem terrorismo. Também black blocs já receberam essa alcunha e até mesmo o MST já foi acusado de ser um grupo terrorista. Qualquer um que ganhe essa nomenclatura acaba por ser classificado como um agente cuja metodologia de ação é a disseminação do terror na sociedade civil. No entanto, é necessário um certo rigor conceitual para se entender exatamente o que é terrorismo, para que essa palavra não caia na vala comum dos usos puramente pragmáticos e, portanto, não plenamente representativos da realidade. Segundo a Enciclopédia Britânica, terrorismo é o “uso sistemático de violência para criar um clima de medo generalizado numa população e dessa forma atingir um determinado objetivo político”. Observe-se que essa definição entende a violência como algo sistemático, ou seja, como uma metodologia racional que visa, por meio da implementação do medo na sociedade civil, atingir um objetivo político. É por isso que facções criminosas não são, em sua essência, grupos terroristas: seus brutais atos de violência não objetivam, em última instância, um amedrontamento da sociedade civil com um fim político, mas buscam colocar o Estado Democrático de Direito de joelhos, pois o compreendem como um empecilho para os seus fins mercadológicos. Também o Estado, quando oprime a sociedade civil e implementa o medo como política pública, também está a praticar terrorismo. Enfim, é claro que os limites semânticos se tornam muito tênues quando o objetivo é classificar a violência, ainda mais quando a coletividade está envolvida. Evoco aqui os versos do poeta irlandês William Butler Yeats (1865-1939): “Solta a maré de sangue turva, afoga-se / Por toda parte o rito da inocência / Falta fé aos melhores, já os piores / Se enchem de intensidade apaixonada”. E essa intensidade apaixonada pode carregar bombas.
Recentemente o Brasil assistiu ao desmantelamento prévio de uma ação terrorista, e assim ela pode ser chamada, pois visava atentar contra a sociedade civil com objetivos indiscutivelmente políticos. A incubadora de tal ato são os acampamentos golpistas que, desde a derrota de Jair Bolsonaro no dia 30 de outubro, questionam o resultado das eleições e pedem, sem meias palavras, um golpe de Estado, cometendo, dessa forma, inúmeros crimes contra a nação. Era evidente que no meio de tantos fanáticos camuflados vivendo em uma realidade paralela, sequestrados pelos seus ecossistemas comunicativos, haveria de surgir aqueles que transformariam as palavras em atos e se disporiam a derramar o seu sangue e o sangue dos outros em prol de sua seita. O terrorismo era, na verdade, uma questão de probabilidade e tempo. As Forças Armadas são cúmplices de qualquer ato violento que foi ou venha a ser praticado contra a sociedade civil, na medida em que fazem vista grossa contra os fanáticos que, debaixo de suas barbas, atentam contra os princípios básicos do republicanismo — mas, convenhamos, as Forças Armadas não são uma instituição que tenha em sua história uma tradição de respeito pelos Direitos Humanos e pelos dogmas de nossa Constituição. Ou seja, não há surpresa em seu silêncio. Além do mais, é necessário investigar quem está por trás de todo aparato fornecido ao tal George Washington, pois certamente seu quase concretizado ato terrorista esconde uma logística que vai para muito além da raiva de sofá dos “tios bolsonaristas”: ele é raiva transformada em aparato militar, em logística racionalizada. Em outras palavras, há gente graúda por trás. Aliás, em setembro de 2022, o próprio Exército admitiu não ter controle sobre o tamanho do arsenal de CACs (caçadores, atiradores esportivos e colecionadores). Simplesmente não há estrutura mínima de fiscalização. Soma-se a tudo isso a arrefecimento da legislação de acesso a armas de fogo e os constantes discursos bélicos de Jair Bolsonaro e pronto: temos a tempestade perfeita.
Terrorismo pode acontecer no Brasil. E mais do que isso: na ausência de seu principal líder, derrotada na eleição presidencial, visada por Alexandre de Moraes, ressentida pela posse de Lula, talvez reste à direita radical justamente a violência terrorista. Torçamos que não, mas é fato que não sabemos quantos outros lunáticos andam por aí, dispostos a matar e quem sabe morrer por sua guerra santa contra o tal comunismo. O certo é que devemos, pelo menos em um primeiro momento, evitar a expressão “à brasileira”, para não incorrermos em atenuações. Quando estamos falando sobre bombas em caminhões-tanque, o mais correto é, sem dúvida, dizermos que estamos lidando com um caso de terrorismo brasileiro, no apagar das luzes do pior governo da história deste país.
Ilustram o artigo, em destaque, uma fotografia do atentado à bomba à sede da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro, em 1980, pelo Centro de Informação do Exército, que matou a secretária Lyda Monteiro da Silva; a outra fotografia é de um atentado à bomba, pelo Comando de Caça aos Comunistas, à bilheteria do Teatro Opinião, em 1968, contra a encenação de peça de Geraldo Vandré. As fotos são do Memorial da Democracia.
O Passa Palavra pretende publicar alguma reflexão acerca da análise dos ministérios do governo Lula e seu plano de governo?
Mais uma vez o PP acerta em cheio na breve porém contundente análise.
Enquanto a “esquerda” democrata institucional no Brasil pede que não façamos nada – depois de ter meio que nos chátageado por votos para conter o fascismo – o terrorismo fascista avança e volta com suas malas do passeio em Brasília sem serem muito incomodados!
Sobre o Capitólio tupiniquim:
1. Somente salamaleques institucionais não dão/darão conta da jornada Fascista,menos ainda o ativismo nas redes e os manifestos,isso tudo dá somente sono em todos.
2. Somente as Ruas são capazes de por um freio no Hackeamento que a democracia limitada no país está sofrendo;
3. Questões: como os anticapitalistas podem intervir sem serem vistos como quinta coluna do petismo de baixo impacto,e como o combate ao fascismo a brasileira pode possibilitar outras formas de intervenção fora do circuito limitado reinante?
Tomara que isso tudo renda não apenas uma boa conversa aqui,mas indique modos de decifrarmos os enigmas impostos pela tal conjuntura.
Caros companheiros e comentadores do Passa Palavra,
Agora há pouco vi no instagram este vídeo postado pela página Brasil Fede Covid. Nele aparentemente é possível ver um PM do Distrito Federal e um coronel do Exército num arranca-rabo acerca dos bolsonaristas presos.
Fiquei pensando se isso é um indicativo da existência de uma discordância entre partes das polícias e partes das forças armadas no que tange o ato de ontem da extrema-direita.
https://www.instagram.com/reel/CnM8y7ghZhe/?igshid=YmMyMTA2M2Y=