Por um funcionário do Metrô de São Paulo

A novidade da última greve

A recente greve dos metroviários, que parou o Metrô de São Paulo no último dia 23, pegou a todos de surpresa. Aprovada em assembleia online por uma margem estreita (1073 votos a favor e 936 contra) a paralisação surpreendeu até o sindicato, cuja presidente, Camila Lisboa, havia se manifestado contrariamente à greve. Apesar da votação apertada, a greve teve adesão da quase totalidade da categoria, o que inviabilizou o acionamento do Plano de Contingência, que dependia dos fura-greves para garantir a operação parcial do sistema. Mas esse não foi o único acontecimento inusitado desta greve. Em uma decisão sem precedentes, a juíza Eliane Aparecida da Silva Pedroso, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT), acatou o pedido do sindicato que propunha que o Metrô operasse com a catraca livre, sem cobrar tarifa dos passageiros, como forma de evitar a paralisação. A medida inédita levou o sindicato a convocar uma assembleia às 00h30 do dia 23, onde a categoria referendou a decisão de retornar ao trabalho caso o Metrô aceitasse o “desafio” e autorizasse a liberação das catracas. Em mais um acontecimento inesperado, às 7h o presidente interino do Metrô, Paulo Menezes, enviou carta ao Sindicato dos Metroviários autorizando a liberação das catracas, desde que a paralisação fosse suspensa imediatamente. Por volta das 9h, os metroviários já haviam retornado aos seus postos de trabalho e apenas aguardavam autorização para reabrir as estações. No entanto, após muita espera, os trabalhadores foram informados que não seria permitido abrir as estações com a catraca livre, pois o Metrô havia conseguido na Justiça uma liminar invalidando a decisão do TRT. Essa artimanha enfureceu ainda mais os trabalhadores que, em assembleia convocada às pressas, aprovaram por 1727 votos (81%) a retomada da greve e abandonaram os postos de trabalho em massa.

As primeiras doze horas de greve demonstravam, assim, uma enorme disposição de luta por parte dos metroviários, que foram capazes de enfrentar não apenas a pressão da empresa e do governo do Estado, como também a tibieza da própria direção sindical. À noite, a juíza responsável reafirmou sua autorização à liberação das catracas e multou o Metrô em R$ 100 mil, por conduta antissindical, ao não ter cumprido sua promessa. Logo após, uma nova assembleia decide pela continuidade da greve por 2634 votos (91%), deixando claro que o movimento crescia e ganhava força. Pela primeira vez em muitos anos se abria concretamente a possibilidade de uma greve com as catracas abertas no Metrô de São Paulo. Mas como chegamos até aqui?

Antecedentes imediatos

Para entender o que levou uma juíza do trabalho a autorizar a liberação das catracas é preciso situar essa decisão no contexto mais amplo. E o precedente mais próximo que temos é a experiência de gratuidade no transporte durante as eleições do ano passado. Criada às vésperas do primeiro turno, a campanha “Passe Livre pela Democracia” visava pressionar prefeituras ao redor do país para garantir transporte gratuito para os eleitores. Mas foi somente no segundo turno, após uma decisão inédita do Supremo Tribunal Federal [1], que a campanha alcançou proporções nacionais. Pela primeira vez, todas as capitais e mais de 300 municípios brasileiros tiveram transporte gratuito nas eleições. Uma projeção do jornal Valor Econômico estima um acréscimo de 250 mil eleitores graças à gratuidade.

Outro fator que certamente contribuiu para a maior aceitação da pauta da catraca livre é a quantidade crescente de municípios que tem adotado a tarifa zero. Atualmente existem cerca de 50 cidades com transporte gratuito no Brasil. Recentemente, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, chegou a anunciar que havia encomendado um estudo sobre a viabilidade de implementar a tarifa zero nos ônibus municipais e a ideia também foi debatida pela equipe de transição do governo Lula. A tarifa zero deixa, assim, de ser uma utopia ultraesquerdista e entra, cada vez mais, no radar dos gestores capitalistas.

Antecedentes históricos

Entre os trabalhadores do metrô, no entanto, a reivindicação da catraca livre já faz parte das demandas históricas da categoria. Toda vez que se aprova uma greve, o Sindicato dos Metroviários “desafia” o governo do estado a liberar as catracas e assim evitar a paralisação. A única vez que essa reivindicação saiu do plano da ameaça e foi implementada na prática foi em 1984, no contexto das Diretas Já. Naquele ano o então governador, Franco Montoro, havia ordenado a liberação das catracas diversas vezes para fortalecer os comícios das Diretas. Quando chegou a campanha salarial, no entanto, os metroviários usaram da mesma arma contra o governo e, no dia 15 de novembro de 1984, liberaram as catracas por 3 horas, forçando o governo a atender suas reivindicações e alcançando uma vitória histórica. Nas palavras de um ex-metroviário:

“Se para os trabalhadores a liberação dos bloqueios foi a mais elevada forma de luta, para o patronato aquele ato representou a “tomada do poder” pelos metroviários — que por três horas assumiram a empresa e a administraram à sua maneira. Nunca a categoria estivera tão organizada e demonstrara tamanha combatividade.” [2]

Novos dilemas

A decisão do TRT abria, portanto, a possibilidade de os metroviários repetirem a experiência de 1984 e liberarem as catracas novamente. No entanto, a hesitação dos dirigentes sindicais acabou deixando a oportunidade passar. Mas também a categoria hesitou, já que ficou aguardando autorização — do sindicato ou da empresa — para abrir as estações. De fato, a medida apresentava certos riscos. Havia o risco de o governo derrubar a decisão na justiça e decretar a ilegalidade da catraca livre — o que de fato ocorreu. Diante disso restariam duas alternativas aos metroviários: enfrentar a decisão judicial e manter a liberação das catracas ou recuar taticamente e deliberar pela greve. Mas seria muito mais difícil retomar a paralisação se as estações já estivessem abertas — como fechar as estações com passageiros nos trens e nas plataformas, por exemplo? Como fazer frente à pressão dos chefes? Situações de conflito seriam inevitáveis.

A liberação das catracas também impõe outro dilema: como continuar trabalhando sem perder o espírito de luta? Afinal, já trabalhamos com a catraca livre nas eleições e a tendência a cair na normalidade quando se está trabalhando é grande — mais ainda se nosso protesto depender de uma autorização do governo para ser feito. De fato, são situações bastante diferentes se a catraca livre é entendida, adotada e defendida pela categoria ou se ela é uma “concessão” da empresa ou do governo. O próprio governador, Tarcísio de Freitas, ensaiou se apropriar do capital político da liberação dos bloqueios, ao anunciar nas redes sociais que a iniciativa teria partido dele. Portanto, é extremamente importante manter uma agitação constante, e — principalmente — estar preparado para ir à greve, caso seja necessário. Uma alternativa também é transformar a mobilização corporativa num amplo movimento de desobediência civil que extrapole a categoria metroviária, que seja capaz de fazer pressão pela abertura das catracas e, depois, para mantê-las abertas. A campanha salarial que se inicia é uma ótima oportunidade para testar essa forma de luta. Os metroviários já mostraram que estão à altura do desafio.[3]

Notas

[1] Além de assegurar a constitucionalidade da medida, o STF também proibiu que a oferta de transporte fosse reduzida no dia da eleição. Ver aqui.
[2] “A história do Metrô e dos metroviários de São Paulo”, disponível aqui.
[3] Na assembleia que encerrou a paralisação, na manhã do dia 24 de março, 1459 metroviários (49%) votaram pela continuidade da greve — contra a orientação da direção do sindicato.

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