Por Davi

Nas últimas semanas, uma série de acontecimentos envolvendo o Movimento Brasil Livre gerou repercussão no noticiário e redes sociais. São gravações de confrontos com estudantes, militantes e “fiscalizações” de espaços públicos — geralmente alegando combater pichações de esquerda. A tática, que é iniciada como uma “entrevista”, foi utilizada por vários anos por expoentes do movimento como Arthur do Val e Gabriel Monteiro, funcionando da seguinte maneira: o entrevistador questiona e confronta “opiniões de esquerda” com “opiniões de direita”, geralmente se aproveitando da ingenuidade ou ignorância dos entrevistados em temas que os entrevistadores “estudaram” previamente, expondo os entrevistados ao ridículo, o que por sua vez gera reações dos entrevistados como agressões verbais ou físicas. Tal tática foi bastante eficiente na promoção e propaganda dos expoentes citados, ambos tendo sido eleitos posteriormente para cargos públicos.

Arthur do Val é um empresário que em 2018 foi eleito deputado estadual por São Paulo e candidato a prefeito e governador nas eleições seguintes, tendo sido cassado por falta de decoro parlamentar após vazarem áudios em que dizia que as “mulheres ucranianas eram fáceis por serem pobres”. Teve grande repercussão ao organizar um movimento contra as ocupações de escolas em 2016 no Paraná. Gabriel Monteiro é um ex-PM [Policial Militar] e foi eleito vereador pela cidade do Rio de Janeiro em 2020, perdendo seu mandato após vazarem vídeos sexuais entre ele e menores de idade, tendo sido preso posteriormente por uma acusação de estupro. Este último deixou o MBL por ser contra as críticas que o movimento tinha ao bolsonarismo durante a pandemia, e mesmo preso conseguiu impulsionar e eleger sua irmã Giselle Monteiro e seu pai Roberto Monteiro para os cargos de deputada estadual e deputado federal pelo Rio de Janeiro. Fato a se destacar é que a repercussão nas redes sociais impulsionou não só o capital político de ambos, como também seus próprios patrimônios. Foi noticiado que Gabriel Monteiro conseguia faturar até R$ 300.000,00 mensais com o dinheiro de monetização de seu conteúdo em redes sociais, o que tornava possível residir num condomínio de luxo em que várias celebridades possuem casas no Rio de Janeiro. Desde que ocorreu o “cancelamento” dos dois militantes de direita, não se ouviu falar de outros personagens que executassem esta mesma tática de propaganda. O cenário parece ter mudado.

Numa linha cronológica que pode ser traçada desde o primeiro de maio em São Paulo até o dia 3 de agosto, foram oito incursões que integrantes do MBL realizaram em espaços ou movimentos associados à esquerda para gerar conteúdo. Nestes eventos, replicaram a forma de Arthur do Val, tendo ele próprio voltado a participar das gravações. Os episódios foram: manifestação do dia do trabalhador em São Paulo, Parada Gay em São Paulo, incursões para remover pichações na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e na Universidade Federal de Santa Catarina, numa ocupação realizada pelo Movimento de Mulheres Olga Benário em Campinas, incursão na PUC-SP [Pontifícia Universidade Católica de São Paulo], no ato contra as chacinas do Guarujá e na Universidade Federal de Goiás — estas três últimas no mesmo dia, 3 de agosto. Alguns desses novos rostos foram formados na Academia MBL, um espaço de formação interna do movimento que certamente cumpriu um papel no ensino desta tática de provocação. Os fatos indicam que esses jovens integrantes foram “liberados” para rodar o Brasil em busca de confusão. A tática tem dado certo, e o nome do movimento voltou a ganhar projeção como um símbolo de combate à esquerda, além de terem ajudado a dispersar e tumultuar o ato contra as chacinas em São Paulo. Em resumo, o movimento adotou novamente a tática de atacar frontalmente a esquerda como principal meio de voltar a aparecer no debate político, atividade que foi rebaixada após terem conseguido alguma inserção institucional. Dentro deste cálculo, provavelmente pensam que isso ajudará os novos integrantes a adquirirem capital político para as eleições de 2024.

Nesse cenário de ofensiva, qual deve ser a resposta da esquerda diante das confrontações? Parece que a pior resposta tem sido a agressão física, pois dá “argumentos” para que os integrantes do MBL se façam de vítimas, além de aumentar o engajamento dos vídeos nas redes sociais, caindo assim na armadilha do movimento. Ao mesmo tempo, cresce um sentimento de retaliação por parte da direita radical, que só vê “os seus” apanhando.

Para quem acredita que o fascismo no Brasil se resume ao bolsonarismo ou que a eleição de Lula teria como efeito apenas o enfraquecimento da direita, estes últimos acontecimentos vêm para provar que há outros concorrentes para surfar na onda fascista que ocorre no país há anos. O problema ainda está longe de ser resolvido.

 

As imagens que ilustram este artigo são da história em quadrinhos Berlim, de Jason Lutes

5 COMENTÁRIOS

  1. Se a agressão física é a pior resposta a esses grupos que o autor identifica como fascista, qual seria a melhor? Haveria possibilidade de um diálogo razoável com eles na perspectiva do autor? Deveria as prováveis vítimas dos delinquentes do MBL preparar um possível “antirroteiro”, com as melhores respostas para as eventuais perguntas constrangedoras de Do Val e comparsas?

  2. Felipe,
    Não há possibilidade de diálogo razoável, nesse caso as “argumentações” são apenas pano de fundo para a imposição de uma força política. Quando eles realizam essas “entrevistas”, eles não estão se comunicando com os entrevistados, estão se comunicando com seu próprio público que simpatiza com suas opiniões. Não tenho resposta pronta para essa pergunta, mas constato que as agressões físicas são as piores alternativas apenas olhando seus resultados. Claro, não devemos nos calar diante de qualquer injusta agressão, mas o objetivo desses militantes fascistas é justamente apanhar! Devemos dar a eles o que eles próprios querem e ajudar na repercussão dos seus vídeos? Outra coisa é que o MBL é um negócio multimilionário, eles contam com amplo suporte jurídico. Se algum militante de esquerda “perder a mão” algum dia e vier a sofrer condenações judiciais, garanto que não ajuda nas lutas. Há anos que na internet existe o lema “não alimente os trolls” [troll: pessoa que causa discórdia virtual por diversão], talvez possa servir nesse caso.

    E por outro lado, não é possível vencer o fascismo apenas com uma solução de força, ele também é reflexo da incapacidade dos trabalhadores avançarem em suas lutas…

  3. O MBL já existe há quase dez anos. Por isso, não adianta ficarmos aqui chovendo no molhado. Há, sem dúvida, setores da direita muito mais perigosos que o MBL e com atuações mais longevas. De uma forma geral, podemos definir a extrema-direita como uma força social ultrarreacionária que tem como função histórica desestabilizar as sociedades capitalistas com o objetivo de implantar o seu projeto fascista de sociedade sem, no entanto, eliminar a forma-mercadoria, radicalizando as relações de exploração e dominação contra os trabalhadores.
    O MBL, até mesmo como condição de sua existência, assumiu o papel de agitação e propaganda da extrema-direita, tendo função pedagógica nas lutas sociais a partir de um projeto conservador de sociedade. O MBL funciona como mecanismo interno do amplo espectro da direita tendo como função atualizar os métodos de atuação política dos setores dominantes. Por isso, são conhecidos como os “meninos do MBL”, pois sua identificação principal é com os jovens e aqueles que buscam algum tipo de informação sobre o panorama político do Brasil. O caráter pedagógico está relacionado em formar politicamente esses jovens cooptando-os subjetiva e objetivamente para as fileiras da extrema-direita. Não há qualquer possibilidade de mudar a orientação teórica e política que norteiam a prática do MBL. Acreditar nessa mudança é desconsiderar a natureza desse movimento.
    Os métodos do MBL também já são bastante conhecidos. Na comunicação o que se usa comumente é o:
    • choque – tem como função causar algum tipo de impacto;
    • a revelação – está-se sempre revelando algo oculto que precisa ser traduzido e mostrado ao público em tom de urgência;
    • a ironia e o deboche – torna o discurso mais palatável, haja vista a real rejeição que boa parte da sociedade tem para com a política. O discurso jocoso é ininterrupto e tem como função principal transformar a política em entretenimento cativando um público fiel.
    Outra característica é o método de embate bastante ofensivo (apresentado como intervenção despretensiosa) que tem como função desestabilizar emocionalmente o oponente gerando algum tipo de reação violenta contra os integrantes do MBL, que utilizam essas imagens como prova, revelando a essência violenta dos seus adversários políticos. Tudo isso é feito justamente para que essas ações sejam registradas e viralizadas na internet. Mesmo às vezes sofrendo algum tipo de retaliação, os integrantes do MBL mantêm a postura provocativa, irônica e cínica, sendo a polícia o seu último refúgio. Nesse caso é necessário ressaltar que a polícia sempre protege o MBL. Quando são agredidos como parte da reação legítima de quem é exposto em suas abordagens capciosas, insistem na postura do deboche, mas dessa vez em tom de agradecimento deixando claro que o objetivo do debate foi alcançado sendo os desdobramentos dessas ações também parte substancial do lucro. Pode parecer um comportamento sádico, mas não se trata disso. É o risco que se corre para propagar um ideal e interesses dos setores dominantes da sociedade brasileira. O MBL, como bem ressaltou a professora Virgínia Fontes, é a tropa de choque da burguesia.
    Com isso, quer-se também provar as teses do campo conservador, desde questões morais, culturais, políticas ou econômicas. Faz parte desse método, sobretudo, o diálogo. Nos embates diretos promovidos pelo MBL (que são vendidos como “fiscalização”), há uma busca por interlocutores no campo da esquerda que por meio do debate em torno de algumas questões são ridicularizados sempre de forma infantil e grotesca. Essa armadilha é perfeita por colocar o adversário em situação vulnerável, já que a montagem do material filmado e o tom do debate são sempre instituídos de forma capciosa e falsa. As falas absurdas fazem parte da intenção de chocar, prendendo a atenção do público.
    Outro elemento bastante eficaz é a blindagem moral, política e econômica em torno dos integrantes do MBL. Sua eficácia se comprova em casos como o escândalo sobre as mulheres ucranianas envolvendo o então deputado Arthur do Val. Como os escândalos são algo quase que corriqueiro, ele também foi transformado em espetáculo e entretenimento sendo convertido em propaganda, ao passo que esses episódios trágicos caem rapidamente no esquecimento. A máquina ideológica do MBL se mostra funcional numa sociedade regida já por essa lógica, da repressão, do crime e da impunidade.
    O MBL, portanto, aprimora cada vez mais os seus métodos de ação estando fora de cogitação disputar a sua estrutura. Os setores que buscam dialogar com o MBL são aqueles que optam por não combater frontalmente essa política ofensiva da extrema-direita. Os parlamentares, por exemplo, são afeitos a tal associação sem que isso represente qualquer contradição em suas práticas. Marcelo Freixo é um exemplo icônico e caricato, associando-se a todo lixo da extrema-direita como foi o caso daquele ridículo vídeo com Janaina Paschoal. Na cultura, temos o caso de Mano Brown que entrevistou Fernando Holliday em seu podcast no Spotify. Há também youtubers de esquerda como o caso do canal do Humberto Matos, que deixa claro o seu desejo em debater com Arthur do Val. Recentemente Humberto também implorou para debater com Eduardo Marinho, outro ícone irracionalista do nosso tempo.
    Nesses últimos dois exemplos o que temos é tão somente a insaciável busca por aumentar os seus respectivos públicos numa disputa vil por mais audiência, o que significa mercado. É uma espécie de estrelato do chorume, onde a instrumentalização das relações é a regra. É nesse momento (no debate entre esses dois campos aparentemente antagônicos – mas que na verdade não são), que o espetáculo toma a sua forma mais acabada e sedutora. Quanto mais calorosos são esses debates, mais eles repercutem, pois na internet há infinitos multiplicadores que vão buscar reverberar esses vídeos.
    A partir desse breve panorama, devemos nos perguntar: qual é o método mais eficaz no combate ao MBL? Como o MBL já é uma tendência estabelecida, é necessário o trabalho de formação; isso se dá de maneira efetiva no campo da educação e militância, que inclui a comunicação. Mas isso tudo não vai agir incisivamente contra o núcleo duro do MBL. E mesmo eliminando o MBL, isso não garante a possibilidade de outras frentes dessa natureza surgirem. Superar a extrema-direita só é possível num processo revolucionário. Para agir nessa direção é necessário construir um ambiente político de intolerância contra a presença física de militantes do MBL em espaços onde a convivência esteja sendo criada contra as noções e valores fascistóides do Movimento Brasil Livre. Isso vai ser usado por eles para dizer que a esquerda não é civilizada, autoritária e antidemocrática. Há, no entanto, nesse processo uma melhor definição do campo social e das forças dispostas na sociedade, o que nos obriga a pensar na manutenção da luta no rompimento com a lógica burguesa em definir o que é, por exemplo, democracia, justiça, liberdade, autoritarismo, barbárie, entre outros. Isso também faz com que o fascismo assuma a sua verdadeira face, aumentando a dimensão do conflito. Esse ponto então se torna decisivo para os setores subalternos por haver a necessidade de uma organização ampla como forma de garantir a sua própria sobrevivência.

  4. No último mês, a direita continuou com as incursões em universidades. Na USP, um apoiador de Jair Bolsonaro, Lucas Pavanato, ligado ao político e ex-integrante do MBL Fernando Holiday, gerou uma confusão generalizada, ao ponto de que um segurança seu sacou uma arma em meio a um confronto com estudantes de esquerda. Isso fez com que o movimento estudantil pautasse “ações de combate ao fascismo” dentro da universidade desde então.

    https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2023/08/usp-cobra-acao-da-policia-contra-gcm-que-sacou-arma-ao-acompanhar-lucas-pavanato.shtml

    Na UFPR, o mesmo tipo de incidente ocorreu, com membros do MBL já retratados anteriormente no artigo. O resultado da incursão foi uma briga generalizada e boletins de ocorrência de ambos os lados registrados, obrigando a universidade a emitir uma nota defendendo os estudantes e criticando o grupo, além de notas de solidariedade e, claro, muita repercussão nas redes sociais.

    https://www.instagram.com/reel/Cw1JF1SIIdU/

    De agora em diante, sob o ponto de vista de uma esquerda consciente, a espera deste tipo de ação por parte da direita deve entrar no cálculo de qualquer luta que se queira planejar.

  5. Qual é o problema em questionar e “confrontar” ideias de um determinado movimento ou lado político? Vivemos em um mundo tão bizarro em que aqueles que amam se apropriar do termo fascista são na verdade os verdadeiros fascistas. Se eu não consigo argumentar e defender o meu ponto de vista sem usar de violência verbal ou física, já me tornei um autoritário, querendo impor a minha opinião a qualquer custo. Eu sempre digo que tanto a esquerda quanto a direita são ruins, e nos dias de hoje está ainda pior. Muitos desses jovens não passam de um bando de fanáticos, que usam de violência porque simplesmente não conseguem debater e expor os seus pontos de vista de forma inteligente e civilizada. E para fechar com chave de ouro, vivemos a era da informação mas a grande maioria é extremamente desinformada. Vivemos em um país que existe um absurdo chamado fundo eleitoral, mas as pessoas ainda preferem ficar brigando por lados políticos.

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