Por Bancário Anônimo
6. A oposição de 2013 até 2017
6.1. Dificuldades na construção das alternativas de oposição
Na campanha salarial de 2011 o Bancários de Base – SP se credenciou dentre os setores de oposição com uma política bastante avançada e ajustada à necessidade da luta (assinale-se também nesse mesmo ano o aparecimento do “Piquete da 7 de Abril”, depois “Uma Classe”, impulsionado pela organização MRT, que na época se chamava LER, tomando como referência agências da região da Rua 7 de Abril, no Centro). Entretanto, uma série de circunstâncias alheias à vontade dos militantes e algumas à própria luta de classe (desde acidente automobilístico à doença grave de familiares dos militantes) impediram que se colhessem os frutos dos acertos políticos em termos de construção. Na verdade, ao final de 2011, o BdB havia crescido em influência e importância, mas estava reduzido numericamente (daquele imenso rol de organizações díspares citadas acima restaram no coletivo apenas Espaço Socialista e independentes; o MRS ingressaria depois). E isso piorou em 2012.
O coletivo tentou se reorganizar para 2013, mas foi derrotado em alguns enfrentamentos pontuais em locais de trabalho importantes. Ao mesmo tempo, o companheiro Messias Américo, trabalhador da CEF, militante histórico, remanescente da Associação de Osasco e fundador do Bancários de Base, teve sua demissão decretada pela CEF, ataque que somente foi revertido mediante uma ampla campanha, que consumiu um esforço colossal de um coletivo minoritário, lutando para mover os demais setores da oposição e pressionar a burocracia. No curso dessa campanha se produziu a aproximação com outros coletivos de oposição, que acabaria resultando na construção do que viria a ser o Avante, Bancários! a partir de meados do ano de 2013.
No nível nacional, a FNOB também enfrentou problemas, como o das eleições no Pará, em 2013, quando o cabeça da chapa de oposição aceitou um cargo na Contec, inviabilizando que a chapa fosse apoiada por toda a Frente. Esse debate foi muito pesado dentro da FNOB, evidenciando a fragilidade dos acordos programáticos que no discurso mantinham a Frente unida. Setores da FNOB apoiaram a chapa para as eleições no Pará em 2013 e outras chapas problemáticas (como a de Pernambuco em 2015), evidenciando uma divisão que se aprofundava entre os setores que defendiam maior ênfase nas eleições sindicais e os que defendiam prioridade para o trabalho de base.
6.2. No meio do caminho, as Jornadas de Junho de 2013
Se os anos de 2003 e 2004 produziram as primeiras rupturas da base histórica do PT, nas categorias organizadas, no funcionalismo público e nas estatais, fornecendo o alicerce social para as rupturas da CUT e a construção de novas centrais e movimentos; o ano de 2013 expressou a ruptura de massas muito mais amplas com o PT, começando com a juventude precarizada dos grandes centros urbanos, e indo para as camadas superiores da aristocracia operária, assalariados de alta renda e pequena burguesia. 2013 mostrou também a fragilidade da oposição de esquerda ao PT, presa a disputas mesquinhas na superestrutura sindical das categorias organizadas, e alheia à disputa ideológica da imensa base da classe trabalhadora e da sociedade em geral.
Quando grandes massas se mobilizam contra o governo do PT e questionam o esgotamento do projeto aplicado no Brasil desde a eleição de Lula em 2002, elas o fazem não com as ideias e discursos da oposição de esquerda, mas com ideias confusas, mistas, e que aos poucos vão sendo paulatinamente ganhas de maneira habilidosa pela direita. A ausência de trabalho político e de discurso ideológico por parte do PT, a aposta na simples prosperidade material como garantia da adesão (eleitoral) das massas ao partido, mostraram seus limites quando a crise da economia se aprofundou. O resultado é que todo o consumismo, individualismo e meritocracia divulgados durante anos criaram um ressentimento em imensos setores sociais que se viram traídos quando o projeto petista para o país se esgotou. Esse ressentimento foi melhor explorado pela oposição de direita, na campanha eleitoral de 2014, no movimento pelo impeachment em 2016 e finalmente na eleição de Bolsonaro em 2018.
Em 2013 nada disso ainda estava muito claro, tudo o que aparecia era a “rebelião das massas”, a revolta popular e a possibilidade de contar com uma nova base social para construir movimentos de oposição ao PT. Naquele momento ninguém tinha dúvidas de que o PT era o inimigo a ser derrotado, afinal, o PT era o governo federal, era o autor das alianças com partidos e políticos reacionários, era a repressão aos manifestantes, era a militarização das favelas, era a ocupação do Haiti, era as remoções forçadas para as obras da Copa e Olimpíadas, era a lei anti-terrorismo, era o ministério recheado de banqueiros e latifundiários, etc. Somente depois de alguns anos, por volta de 2016, começa uma espécie de amnésia das organizações todas, que perdem de vista o conjunto do processo histórico e a responsabilidade do PT (por ação e omissão) na instalação do reacionarismo como força política. Praticamente todas adotam um discurso “arrependido” e giram de volta para o guarda-chuva do petismo, por medo da ameaça bolsonarista.
Mas esse giro ainda estava nos seus primórdios, e no imediato pós-2013, as organizações da oposição de esquerda ainda tentavam disputar os rumos das mobilizações contra os governos petistas, e faziam isso a partir de onde estavam localizadas, as categorias organizadas de trabalhadores, entre elas a de bancários. Na sequência da campanha contra a demissão do companheiro Messias, o coletivo BdB-SP iniciou uma convocação aberta para uma plenária de base para organizar a campanha salarial de 2013 (lembrando que a data base da categoria é 1º de Setembro), a qual foi atendida por um certo contingente de trabalhadores independentes e pelas correntes organizadas da esquerda que não se centralizavam pelo MNOB. A unificação precária dessas correntes receberia o nome de “Avante, Bancários!” e seria a grande novidade da greve de 2013. Neste ano foi retomada uma prática que não se repetia praticamente desde 2004: trancaços nos complexos dos bancos, ou seja, piquetes de verdade, que garantiam a paralisação total de importantes prédios de departamentos, tanto de bancos públicos como de privados inclusive, impondo prejuízos reais aos bancos.
Os trancaços do Avante foram a grande novidade na greve de 2013 e um fator real para que esta campanha tivesse resultados ligeiramente superiores aos das greves de fachada dos anos anteriores. Entretanto, para além desse breve lapso de perda de controle da burocracia e ausência momentânea de repressão, o Avante não consegue se expandir de fato para a base da categoria e permaneceu restrito aos setores militantes previamente existentes. A miopia política das organizações que fizeram parte do Avante repetiu os erros do PSTU na construção do MNOB: priorizar a construção da própria organização e não do movimento. Apesar da insistência do Bancários de Base – SP em realizar um seminário de discussão programática, manter reuniões periódicas, finanças, etc., o Avante, Bancários! adentrou o ano de 2014 mergulhado na dinâmica das eleições de entidades da categoria, onde as correntes buscavam a visibilidade imediata para as suas figuras públicas e não a afirmação de um projeto de longo prazo.
Nas campanhas salariais de 2014 e 2015 o Avante seguiu existindo como um bloco de piqueteiros, mas não como um movimento real de organização da categoria. Seguiu exibindo as mesmas deficiências que haviam motivado as rupturas dos anos anteriores para fora do MNOB: a falta de funcionamento regular, de reuniões, de fóruns, falta de discussão política, falta de presença constante e sistemática junto à categoria, falta de finanças regulares, etc. A insistência do Bancários de Base – SP na construção do movimento em seu conjunto, tendo o Avante como referência, acabou resultando em ganhos de construção do próprio Bancários de Base. O coletivo que atuava com este nome acabou sendo o pólo que atraiu para a sua órbita os setores independentes realmente empenhados na continuidade do projeto do Avante.
Entretanto, isso se fez em detrimento da construção da FNOB. O Bancários de Base – SP abriu mão de manter uma presença enquanto FNOB na base de São Paulo, e abriu mão de intervir nos rumos da FNOB nacionalmente. A participação do Bancários de Base – SP na FNOB nos anos posteriores a 2013 foi quase que apenas protocolar, formal. Deixou de haver o empenho em preparar Teses e contribuições, elaborar propostas para os problemas, intervir e disputar os rumos da FNOB, contribuir para a correção dos seus rumos. A FNOB seguiu operando em “piloto automático”, reproduzindo um discurso (campanha alternativa, independência de classe) que não se verificava mais na prática. Isso deixou o caminho livre para a consolidação de tendências que priorizavam eleições sindicais no interior da própria FNOB.
6.3. A insuficiência programática da FNOB
Conforme afirmamos na parte anterior, a FNOB surgiu em 2011 com a proposta de recolher as bandeiras da oposição que o PSTU estava abandonando: independência em relação à burocracia governista da Articulação e seus satélites, defesa da pauta histórica da categoria e respeito à democracia do movimento, como pontos principais. Foi esse o discurso que unificou os diversos setores da oposição na composição da Frente, por isso a defesa desses pontos contra o PSTU (que neste momento retrocedia para os fóruns da CUT e para a composição de chapas eleitorais sem critério de classe), se tornou uma espécie de questão de princípio para a FNOB.
Entretanto, a simples negação da nova estratégia do PSTU e reafirmação da estratégia anterior do MNOB acabaria se provando uma base programática insuficiente para a construção da oposição. A defesa da estratégia “clássica” do MNOB (abandonada pelo PSTU) era feita sem um questionamento de fundo a respeito da própria validade em si dessa estratégia para o novo momento histórico. A narrativa que fundamentava essa estratégia clássica estava parada no tempo, presa às condições da greve de 2004. Tal narrativa diz mais ou menos o seguinte: “os bancários estão muito descontentes com o dia a dia no banco, não reconhecem a pauta rebaixada da burocracia sindical, por isso se conseguirmos mobilizar a base para ir às assembleias vamos ter peso para provocar uma rebelião de base, passar por cima da burocracia, impor a nossa pauta e dirigir a campanha”. Esse era o discurso que antecedia todas as campanhas salariais. E o balanço de todas as campanhas era sempre o mesmo: “a burocracia traiu a greve, precisamos construir uma nova direção”.
Essa narrativa seguiu sendo repetida ano após ano, como se todas as greves fossem uma nova oportunidade de repetir 2004. Não se parava para pensar se realmente havia essa massa de bancários disposta a passar por cima da burocracia. Ninguém se questionava ao final de cada ano se a greve tinha sido realmente traída ou se as manobras da burocracia só eram possíveis porque a greve na verdade era muito fraca e o grau de mobilização muito baixo. Era uma espécie de tabu refletir se um novo 2004 poderia realmente se repetir ou não: a crença numa nova rebelião de base a cada ano era artigo de fé nas oposições. A mentalidade e o discurso da oposição bancária ficaram presos a 2004 por um tempo longo demais.
Ano após ano, a oposição organizada tanto no MNOB como na FNOB seguiu insistindo em tentar repetir a greve de 2004 (apenas formalmente no primeiro caso, e sinceramente no segundo), sem refletir se isso era realmente possível, se havia base social para uma nova rebelião, sem atentar para as mudanças profundas nas condições objetivas e subjetivas da categoria nos anos que se seguiram a 2004. Quando o PSTU identificou que não teria mais condições de repetir 2004, porque já não havia mais base social real para isso na categoria, o seu procedimento não foi o de abrir um debate de avaliação da situação no conjunto da oposição, para construir coletivamente uma nova estratégia. Ao contrário, o partido escondeu essa caracterização para si e adotou um outro plano visando preservar apenas os seus próprios interesses aparatistas: migrar de volta para os fóruns da CUT e para as chapas não-classistas (alianças com DS, PcdoB, Intersindical-Central Sindical e outros satélites do PT em chapas para as entidades), para assegurar alguma projeção na superestrutura do movimento.
Quando o PSTU adota esse movimento, os demais setores do MNOB reagem, mas apenas superficialmente, negando o movimento superestrutural do PSTU e resgatando o programa clássico da oposição, para construir a FNOB. Entretanto, a FNOB não realiza a crítica desse programa clássico, não faz uma reavaliação das novas condições da categoria, e não desenvolve um novo programa. O discurso da FNOB seguiu preso ao do MNOB, ou seja, às condições de 2004, eternamente na espera de uma nova “rebelião de base” que não se repetiu mais, sem se dedicar ao esforço de entender porque essa rebelião não veio e sem tomar as medidas cabíveis. Condenava-se a burocracia por “trair” a greve e a campanha salarial, sem reconhecer que, na verdade, não estava havendo uma greve forte e uma grande mobilização para ser traída, e a burocracia apenas administrava rotineiramente esse grau insuficiente de mobilização realmente existente na base.
Como dissemos antes, desde 2009 já era identificável o esvaziamento do movimento da categoria, o enfraquecimento dos coletivos de oposição, a ausência dos trabalhadores, etc. Isso não foi enfrentado pelo MNOB naquela época, pois o PSTU já tinha escolhido outro rumo, mas também não o foi pela FNOB, que de conjunto não havia identificado o mesmo esvaziamento, e seguia repetindo o mesmo discurso. A FNOB seguiu presa às bases programáticas da sua fundação, que era o velho discurso e prática do MNOB na sua origem, a esperança de uma rebelião de base, a crítica da Mesa Única, o índice alternativo, etc., sem atacar o problema de fundo do esvaziamento do movimento. Ao invés de ser explicado como traição da Articulação, o esvaziamento era agora explicado como sendo também um problema de traição do PSTU.
É importante ressalvar aqui a diversidade do quadro nacional como um complicador para a reavaliação da situação. Do ponto de vista dos sindicatos da FNOB, as greves continuavam sendo fortes, já que nas suas bases locais, pela sua própria presença militante nas diretorias, as greves aconteciam, os bancários realmente paralisavam. Mas trata-se de bases com um número muito menor de trabalhadores, com pouca influência no cenário nacional. Os 3.000 bancários do Rio Grande do Norte poderiam fazer greve com 99% de adesão por 3 meses, e isso não seria suficiente para mover em um milímetro a Fenaban. Em 2011 o BASA esteve em greve por 77 dias, e isso não provocou uma revolução. Essa situação acabou provocando cansaço na própria base dessas regiões, que aderem à greve por respeito aos dirigentes do sindicato, mas também já não acreditam mais numa virada nacional. A necessidade de dar uma resposta às suas bases torna mais urgente, do ponto de vista desses dirigentes, a construção de uma alternativa nacional, e para isso o atalho das eleições sindicais parece o mais viável. As bases mais periféricas pagam o preço pelo atraso dos grandes centros.
Quando começa a se verificar que nas novas condições uma rebelião como a de 2004 não se repete, setores da FNOB começam a repetir o mesmo movimento do próprio PSTU. Primeiro envergonhadamente, depois de maneira aberta, esses setores começam a defender a construção de chapas com correntes não-classistas ou pseudo-governistas (com o próprio PSTU ou outros satélites do PT). Esse setor da FNOB se compõe de dirigentes sindicais sem ligação com organizações políticas, atuando de maneira personalista, guiados por uma lógica e instinto de preservação da própria posição, imediatista, e em certa medida até mesmo oportunista e burocrático, conforme cada caso individual. Esse setor começa a desenvolver um enfrentamento, a princípio velado e depois aberto, contra o setor politicamente organizado da FNOB, contra o Espaço Socialista e MRS, que defendiam um projeto mais estratégico. A ausência de debate político (não confundir com debate partidário ou simples crítica ao governo de plantão) favoreceu a ação deletéria desse setor “anti-político”.
Do ponto de vista do setor imediatista, a aposta na construção de oposições fortes nos grandes centros, como São Paulo, Rio, Brasília, etc., onde uma base mobilizada por um trabalho estruturado e constante poderia eventualmente obter vitórias pontuais contra a burocracia (como foram os trancaços de 2013 ou mesmo a assembleia de 2011) e obter conquistas para o conjunto da categoria nacionalmente, passou a ser vista como utópica, ultra-esquerdista, irrealista, etc. Na lógica de quem está na direção de entidades sindicais, mas em bases periféricas, a única forma de crescer passa a ser a superestrutura e a conquista de mais aparatos, para ter mais força contra a burocracia. Esse caminho imediatista e superficial, aos poucos passa a ser visto como o único realista, plausível, viável, por um setor da FNOB, tanto por oportunistas/burocratas quanto por militantes sinceros.
6.4. O retrocesso e degeneração da oposição: o caso Bauru
Depois do impulso inicial, a influência das correntes políticas na FNOB diminuiu com o tempo (o MRS e o Espaço Socialista aos poucos perdem os militantes que tinham na categoria). O projeto da FNOB vai se descaracterizando com o crescimento da influência do setor mais imediatista e a ausência de uma pressão real dos trabalhadores apontando em outra direção. A aposta na construção de oposições fortes nos grandes centros passa a enfrentar uma resistência sistemática e organizada dentro da FNOB por parte desse bloco. Some-se a isso o trauma histórico do aparelhamento do MNOB pelo PSTU (desvio de dinheiro dos sindicatos, ou melhor, da categoria, para sustentar profissionais do partido) para justificar a resistência em financiar a oposição em outros estados.
No primeiro momento, esse limite estrutural da estratégia da FNOB (a inadequação da narrativa de 2004 para explicar todas as campanhas salariais seguintes) não foi percebido, e as críticas apresentadas em Teses e Contribuições nos primeiros Encontros pelo coletivo Bancários de Base – SP se limitavam a aspectos organizacionais, de funcionamento (inexistência de reuniões periódicas, ausência de debate político, chapas e panfletos decididos “por cima” e sem debate). Não se entendia porque os debates políticos não eram feitos, as reuniões de coordenação não contavam com quórum suficiente , os representantes dos outros estados não participavam, etc.
Se a estratégia é crescer por meio da superestrutura, apoiando chapas que possam vencer algum setor da burocracia, não importando qual seja a composição (mesmo que seja outro setor da própria burocracia…), o debate político é irrelevante, simples perfumaria. Para o bloco imediatista, a FNOB é apenas uma cooperativa eleitoral, que apóia chapas com chances de ganhar sindicatos. Os Encontros da FNOB são simples formalidade para referendar um cálculo de índice alternativo de reajuste para agitação na campanha salarial e para informar sobre o calendário eleitoral da categoria. Para desenvolver uma estratégia que possa se contrapor a esse pensamento imediatista, seria necessário um rearmamento político da FNOB, uma retomada da discussão sobre a situação da categoria, a formulação de respostas que discutam os problemas reais e em profundidade.
O esvaziamento do movimento da categoria bancária provocou a degeneração das organizações que haviam sido construídas como instrumentos de luta, convertidas em instrumentos de disputa de aparatos sindicais e outros. A disputa entre as correntes de oposição teve seu ponto máximo (ou mais baixo, na verdade), quando uma ação do MNOB em uma disputa eleitoral pela maioria do Sindicato dos Bancários de Bauru e Região, em janeiro de 2016, provocou a demissão da diretora Priscila Rodrigues, integrante da chapa da FNOB e trabalhadora do Banco Votorantim (dono da BV Financeira). A chapa do MNOB pediu na justiça comum (!!!!!!!!!) a impugnação da candidatura de Priscila, com a alegação de que o Banco Votorantim não operava mais na cidade (o que era falso, já que há escritório da BV Financeira). A juíza do caso pediu a palavra para o banco, que não se fez de rogado e demitiu Priscila.
O detalhe é que ambas as chapas reivindicavam a mesma central sindical, a CSP Conlutas, mas as instâncias dessa central foram inúteis para reverter a conduta anti-classista do MNOB de Bauru. Isso é ainda mais grotesco pelo fato de que a diretoria do sindicato de Bauru funciona em regime de proporcionalidade (caso praticamente único na categoria), de modo que ambas as chapas teriam parte da diretoria (a CUT não tem mais nenhuma presença na cidade), e poderiam inclusive constituir uma chapa única dos lutadores. Mas a prioridade das organizações a essa altura já não é ajudar a construir a luta ou defender um determinado projeto qualitativamente distinto do ponto de vista político-ideológico, mas manter a maioria dos cargos, e assim ter acesso a dinheiro e privilégios.
A chapa da FNOB teve maioria naquele momento, e foi aprovado em assembleia da categoria que o sindicato manteria o salário de Priscila até que ela fosse reintegrada. Mas as cicatrizes dessa disputa jamais se fecharam, e as maiorias se alternaram mais de uma vez desde então, houve mudanças de lado, novos escândalos, novas disputas em assembleias, cooptações e todo tipo de manobras, enfraquecendo um dos poucos sindicatos do país que mantinha uma combatividade intransigente.
6.5. A decomposição do Avante, Bancários!
No plano nacional, a estratégia de construção da FNOB estava baseada na recuperação da primeira estratégia do MNOB, que por sua vez se baseava num discurso cada vez mais abstrato sobre a repetibilidade da rebelião de base de 2004. No plano local, da base de São Paulo, a estratégia de construção do Avante, Bancários!, que reunia todos os coletivos de oposição menos o MNOB/PSTU, estava baseada numa expectativa não confirmada de que a rebelião das Jornadas de Junho de 2013 repercutisse na categoria bancária na forma de um aumento drástico da participação dos bancários no movimento. A despeito dos trancaços da greve de 2013, a oposição não cresceu em termos orgânicos. Não houve uma aproximação de trabalhadores desejosos de se organizar. O Avante, Bancários! seguiu sendo formado pelos militantes dos coletivos que já estavam atuando antes de 2013.
Participavam dessa frente o Bancários de Base, a Intersindical-A.S.S., o coletivo Avesso/PSOL e o coletivo Uma Classe (impulsionado pela organização LER, depois rebatizada de MRT). Esses diversos coletivos tinham projetos diferentes e mantinham uma unidade muito precária. A despeito da insistência do Bancários de Base em realizar um seminário para formalizar um programa unitário e apresentar para a categoria uma alternativa de organização, os demais coletivos seguiram perseguindo seus projetos.
O ano de 2014 foi marcado pelas eleições do SEEB-SP, e da APCEF (Associação de Pessoal da CEF, uma entidade de abrangência estadual, com funções também sociais e recreativas, que devido a um histórico muito particular dos bancários da CEF, muitas vezes cumpre alguns dos papéis que cabem ao sindicato). Para a eleição da diretoria do SEEB foi realizada uma convenção visando constituir uma chapa unitária da oposição, com a participação do MNOB e do Avante, Bancários! Nessa convenção não houve votação para definir a representação de cada setor na executiva da chapa, o que foi feito por acordo entre os dois agrupamentos, respeitando uma certa proporcionalidade entre os integrantes dos diversos coletivos (com exceção da A.S.S., que não participou desta chapa).
Entretanto, na convenção para a formação da chapa da APCEF, não foi mantido esse acordo, e o PSTU fez valer o fato de que estava em maioria para vetar o nome do companheiro Messias, candidato natural a cabeça de chapa, apresentado pelo Avante, Bancários! Considerando que houve uma ruptura do acordo da convenção anterior por parte do PSTU e má fé do partido, os setores do Avante presentes na convenção não aceitaram a maioria, romperam a convenção e constituíram uma chapa própria para a APCEF (com exceção mais uma vez da ASS). Tivemos assim o fato peculiar de que a oposição saiu em chapa unificada para a eleição do sindicato e chapas separadas na APCEF, no intervalo de poucas semanas uma da outra (e claro, foi derrotada nas duas eleições, como sempre).
A “unidade” alcançada nesses processos era precária e superestrutural, refletindo a ausência de preocupação real com a construção de um espaço de organização dos trabalhadores e a prioridade para a construção dos partidos e organizações. Isso se refletiu também na campanha salarial de 2014, em que tanto a burocracia do PT quanto PSTU e as correntes do PSOL (ou que estavam tentando ser aceitas no PSOL, caso do MRT) priorizaram as eleições (conforme mencionamos antes, as campanhas rotineiramente se encerravam bem depois da data base, em geral no mês de outubro, por opção da burocracia para vencer os bancários pelo cansaço; isso fazia com que, de dois em dois anos, as campanhas coincidissem com as eleições, sejam municipais ou gerais) e a construção de suas figuras públicas. Em 2015 os diversos grupos da oposição tentaram reeditar a unidade de 2013 para os trancaços, mas já não havia o mesmo contexto do pós-junho de 2013.
Àquela altura já começava a ficar claro que a insatisfação da população com o PT estava sendo cooptada pelas forças reacionárias, e não pela esquerda. A insistência da direção do PSTU em não reconhecer uma ofensiva conservadora no contexto da ressaca do fracasso do PT fez com que um número significativo de militantes rompesse com o partido para fundar o MAIS, que no entanto já surge com perfil eleitoreiro, buscando integrar-se ao PSOL e funcionando ideologicamente como mais um reprodutor de um discurso funcional ao PT (contra o “golpismo”, Fora Temer, Lula Livre, etc.).
Enquanto os diversos setores da oposição bancária continuavam atavicamente voltados para a superestrutura política, seja em defesa do PT, como as correntes do PSOL, seja de sua derrubada (caso do PSTU), alguns elementos remanescentes do Bancários de Base e a Intersindical-A.S.S. deram início à construção de um novo projeto, que ganharia um perfil mais definido na greve de 2016, vindo a constituir o coletivo que hoje se chama Retomada Bancária. Ao invés de apenas tentar reeditar os trancaços e de disputar as assembleias, esse setor optou por visitar as agências durante o período da greve, conversando não com os grevistas (que na falta de opção de organização, escolhem ficar de pijama, e portanto não têm como serem alcançados), mas com os comissionados que permaneciam no interior das agências trabalhando. Dessas dezenas de reuniões nos locais de trabalho resultaram algumas adesões à greve de 2016, e uma extensa rede de contatos nas várias regiões da cidade.
Com a decomposição voluntária do Avante, Bancários!, por desistência das diversas correntes em construir uma frente, o que acaba surgindo é, de um lado, uma nova “oposição unificada” (mas com a mesma velha política de oposição “oficial”, aguardando eternamente no banco de reservas para ser direção) composta por remanescentes do Bancários de Base, por MRT, pelo MAIS e pelo PSTU, os dois últimos se digladiando pelos despojos do MNOB e da Conlutas (o coletivo Avesso deixou de existir como coletivo); e de outro lado o Retomada Bancária composto por remanescentes do Bancários de Base e Intersindical-A.S.S., voltado para a construção de uma rede de contatos na base da categoria. Inverteu-se a situação que havia no momento da criação do Avante, que incluía todos os setores da oposição menos o PSTU; entre 2016 e 2018 existiu uma “oposição unificada” com todos os setores, menos o Retomada Bancária.
A delimitação entre os dois pólos da oposição ficou evidente em 2017, quando a oposição unificada montou mais uma chapa protocolar para a eleição do sindicato, mais uma vez com resultados irrisórios, com todos os coletivos, menos o Retomada Bancária, que seguiu fazendo atividades voltadas para a base da categoria.
A publicação deste artigo foi dividida em 8 partes e um glossário, com publicação semanal:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4
Parte 5
Parte 6
Parte 7
Parte 8
Glossário
As artes que ilustram o texto são da autoria de M.C. Escher (1898-1972).