Por Marcelo Tavares de Santana *
É muito estranho como num país com mais de quarenta por cento de adultos devedores exista tanta oferta de cartões de créditos em tantos lugares; cartão do mercado, cartão do posto de gasolina, cartão da loja, cartão de inúmeras entidades financeiras. Parece que no sistema financeiro há aqueles que querem tornar cada consumidor num eterno devedor, inclusive já estive numa situação dessa onde uma instituição financeira misturava o meu saldo com o limite na mesma informação e quase sempre entrava no limite sem perceber, pagando juros pelo empréstimo involuntário; depois que mudei de banco não passei mais por isso. Essa rede de instituições e produtos financeiros junto a outras ocasiões históricas de vazamento de dados, além de compartilhamento de dados anteriores à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), faz com que nossas informações estejam em diversos bancos de dados, no Brasil e no exterior. Por mais que alguém seja organizado com sua vida financeira, esse cenário é quase incontrolável com instituições criando termos de privacidade gigantescos, quando para nós bastaria indicarem que estão em conformidade com a LGPD sem cláusulas extras.
Dado o ritmo frenético da sociedade moderna, ler enormes termos de serviços fica inviável e pode levar ao aceite de boa fé nas condições de uso sem ler tudo. O Código de Defesa do Consumidor no Brasil conta a obrigação da legibilidade desses termos, proibindo letras pequenas, mas não na inteligibilidade dos mesmos. Nesse contexto, ter um local centralizado que nos auxilie a descobrir quais são as nossas relações com instituições financeiras e até auxiliar a combater golpes digitais. É aqui que um banco central independente e público (pelo menos tecnicamente falando) que regule o sistema financeiro e obrigue as instituições a manterem seus relacionamentos atualizados junto a ele, pode fazer diferença na vida dos cidadãos. O Banco Central do Brasil (BACEN), além de regular o sistema financeiro, também fornece uma série de serviços gratuitos que ajudam a monitorarmos nossas relações financeiras. Ao testar esses serviços para esta matéria descobri que tenho mais de dois mil reais a receber de uma instituição internacional de serviço de carteira digital que encerrou minha conta sem a minha percepção, nem aceite; e fui atrás desse reembolso. Já minha esposa descobriu ter dois relacionamentos financeiros a mais que o esperado e teve que buscar o encerramento dessas relações. Os serviços que apresentaremos a seguir foram encontrados na página ‘Meu BC’ do BACEN (1); será necessário uma conta do Gov.BR para acessar esses serviços (2).
O Sistema de Valores a Receber (SVR) é um serviço do BACEN onde pode consultar se você tem dinheiro esquecido em algum banco, consórcio ou outra instituição, também é possível consultar para suas empresas ou pessoas falecidas. No meu caso tinha valores esquecidos em duas instituições e de uma pude pedir direto pelo SVR. Outro serviço importante oferecido é o Registrato (3), uma plataforma que permite ver informações detalhadas sobre suas contas bancárias, operações de crédito e outros vínculos com o sistema financeiro, proporcionando uma visão centralizada de todas as relações financeiras e, assim, reduzindo o risco de valores esquecidos e até evitar problemas financeiros futuros. No Registrato podemos acessar relatórios de “Empréstimos e Financiamentos”, “Contas e Relacionamentos”, “Cheques Sem Fundos”, “Chaves Pix” e operações de “Câmbio” usando o número do CPF. O recomendável é acessar todos os relatórios e verificar se está dentro do esperado, caso contrário, precisará ir até cada instituição financeira estranha para pedir explicações e encerrar o relacionamento. A página ‘Meu BC’ tem outros serviços que podem ser interessantes, dependendo do caso, mas, considerando um ponto de vista de consumidor, acredito que esses sejam os dois principais para descobrir os relacionamentos financeiros e até identificar alguma relação indevida e prevenir/descobrir golpes ou usos indevidos com nossos CPFs, ou até descobrir que esteja autorizado o compartilhamento de nossos dados nas entrelinhas de termos de uso complexos; inclusive já passei por uma situação em que fizeram uma restauração de dados errada e virei assinante de um serviço que nunca pedi; tive de ir na Justiça para pararem de tentar me cobrar.
Ainda numa linha de descobrirmos como nossos dados podem ser mal usados, cabe falarmos de uma ferramenta que mostra vazamentos de dados pessoais. Nesse contexto, o Mozilla Monitor (4) conta com a tecnologia do “Have I Been Pwned” (‘eu fui sacaneado’), um dos maiores bancos de dados de vazamentos de informações pessoais que existe. Ao usarmos nossos e-mails nesse serviço, recebemos um relatório de quais dados vazados estão nesse banco de dados, em qual sistema foi vazado, e também temos orientações do que fazer para prevenir problemas futuros devidos aos vazamentos, como troca de senhas; também é possível fazer a configuração de alertas no caso de futuros vazamentos.
Com essas ferramentas podemos ter uma melhor percepção e controle de nossas finanças e dados pessoais, identificar possíveis fraudes e tomar decisões de controle financeiro. Em um mundo onde nossas informações estão mais vulneráveis, o uso de serviços como os do BACEN e o Mozilla Monitor é essencial para mantermos nossa segurança no mundo digital. O acompanhamento periódico desses serviços é um passo importante no aprendizado em proteger nossas informações contra o uso indevido. Assim, segue uma lista sugerida de tarefas para as próximas semanas:
• Semana 1: use os serviços SVR e Registrato do BACEN;
• Semana 2: faça uma avaliação de cada relacionamento financeiro que encontrar;
• Semana 3: use o serviço Mozilla Monitor com suas contas de e-mail;
• Semana 4: estabeleça uma rotina periódica de uso desses serviços.
É recomendável que no caso de vazamentos de e-mail e dados relacionados se faça uma nova conta de e-mail e se comunique a alteração para relacionamentos pessoais e profissionais. Se o vazamento foi num serviço de baixa importância ou periculosidade, podemos pensar em manter o endereço de e-mail. Tive um vazamento num serviço de streaming e só mudei minha senha nesse serviço, não meu e-mail de contato; quem também sai perdendo é o próprio serviço que transmite mais dados para acessos indevidos que não pagam as contas. Para a periodicidade de verificações cada um deverá escolher como colocar isso em sua rotina, mas creio que mensal é suficiente; não podemos entrar em paranoia e começar a verificar compulsivamente esses serviços, principalmente se adquiriu o hábito de criar senhas fortes e usar um chaveiro digital como o KeePassXC. Procure colocar uma revisão antes de uma grande viagem ou férias e outra depois.
Bom monitoramento a todos!
* Professor de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Instituto Federal de São Paulo.
Notas
(1) https://www.bcb.gov.br/meubc
(2) http://acesso.gov.br/
(3) https://registrato.bcb.gov.br
(4) https://monitor.mozilla.org