Por Leo Vinicius
Nunca um genocídio ocorreu com tanta atenção do mundo, com fartura de imagens e informações em tempo real. Nunca um genocídio, no momento em que ocorria (e ocorre), sofreu tanta oposição popular em todo o mundo, seja através de opinião pública medida em pesquisas, seja através de diversas manifestações e ações coletivas.
Por que então não se tem conseguido parar o genocídio palestino, passados mais de um ano de seu início?
Encontrar a resposta aqui, num artigo com limitado alcance mesmo para leitores de língua portuguesa e escrito por alguém que está longe de envolvimento orgânico com a causa palestina, certamente não vai ajudar a situação dos palestinos, mas pode pelo menos ajudar a saber onde estamos.
O cientista político estadunidense John Mearsheimer pode nos fornecer algumas pistas. Conhecido por um importante livro publicado em 2007 sobre o lobby de Israel nos Estados Unidos, John Mearsheimer tem afirmado que hoje em dia esse lobby está tão ou mais forte, passados dezessete anos, e que, embora tenha perdido a disputa de narrativa em relação ao que ocorre na Palestina, ele continua muito eficiente para determinar as políticas estabelecidas nos Estados Unidos. Há, portanto, uma grande disjunção entre a opinião pública, o que a maioria dos eleitores pensa e quer [1], e as políticas em relação a Israel. Essa disjunção entre vontade popular e políticas de governo ou de Estado também ocorre na Europa, isto é, na maioria das economias mais poderosas do Ocidente. Na maioria dos países árabes e muçulmanos, embora tenha havido menos manifestações populares contra o genocídio palestino do que nos países ocidentais, a disjunção entre vontade popular e inação dos governantes em relação ao genocídio palestino em curso também existe. Mas deixaremos de lado esses países, pois nesses casos não é propriamente o lobby de Israel que explicaria [2].
Bem, sendo curto e direto, a vontade popular perde para o dinheiro. Aliás, isso é uma regra no capitalismo, que comporta suas exceções. No caso em questão, o dinheiro é o dinheiro principalmente desse lobby. É no campo econômico, do capital e do dinheiro, que se encontra a resposta para a nossa incapacidade, dos opositores do genocídio, de pará-lo. Não por falta de dinheiro nossa, mas por incapacidade de causar perdas econômicas aos perpetuadores e apoiadores do genocídio.
Não é segredo a dependência de Israel em relação aos Estados Unidos, a maior potência econômica e militar do planeta, para manter sua política de colonialismo, apartheid, limpeza étnica e genocídio. Cerca de 70% do armamento utilizado por Israel é fornecido pelos Estados Unidos, com a Alemanha vindo em segundo lugar. Em 1982 o então presidente Ronald Reagan interrompeu o massacre de Israel em Beirute. Numa ligação telefônica ao Primeiro Ministro israelense Menachem Begin, ele teria dito: “Menachem, isso é um holocausto”. Ronald Reagan estava pressionado pelos governos dos países árabes. E pressão significa, obviamente, cartas econômicas sendo postas na mesa, como, por exemplo, petróleo. Hoje o contexto é outro e aquela pressão de países árabes não existe.
O movimento BDS, de boicote e desinvestimento em Israel, mantém-se firme no seu trabalho de longo prazo. Consegue lentos avanços, não sem reveses devido à força do lobby israelense. Os estudantes em universidades dos Estados Unidos estiveram em constante mobilização desde o início do genocídio. No primeiro semestre deste ano conseguiram gerar por contágio uma imensa onda de acampamentos pelo desinvestimento em Israel, a qual atravessou fronteiras. A resposta foi uma política de censura, demissão de professores, afastamento de alunos e regras draconianas sem precedentes nas universidades dos Estados Unidos.
Manifestações de rua muito expressivas ocorreram e tem ocorrido pelo mundo. Na Europa algumas juntaram centenas de milhares de pessoas. Mas da mesma forma que na Guerra do Iraque, elas têm sido incapazes de alterar a direção dos acontecimentos. Por grandes e expressivas que sejam, como no Reino Unido, as manifestações de rua têm se reduzido à eficácia simbólica e meio de expressão coletiva. Não trazem ameaça econômica e financeira.
Palestine Action, uma rede de ativistas que usam a ação direta no Reino Unido, tem demonstrado capacidade de atingir objetivos intermediários. Por exemplo, conseguindo levar ao fechamento de duas fábricas da Elbit no Reino Unido, maior empresa israelense fabricante de armas, e fazendo o banco Barclay se desfazer de suas ações da Elbit. Neste último caso mostrando como a metódica, organizada e sistemática quebra de vidraças de agências bancárias traz resultado [3]. Por visarem ações que causam prejuízo econômico, tanto por atingirem estrutura física quanto ativos intangíveis, a Palestine Action mostra que sem ameaça econômica é impossível parar o genocídio e o apoio ao genocídio. Evidentemente inúmeros ativistas do Palestine Action foram presos e não se deve esperar que esse tipo de ação, metódica e com tais riscos, ganhe adesão de massa.
O movimento de trabalhadores de empresas de tecnologia No Tech for Apartheid realizou ações ocupando escritórios do Google nos Estados Unidos. Lutam contra a participação de empresas como Google e Amazon nas políticas de apartheid, colonialismo, limpeza étnica e genocídio. Como essas ações não possuem a escala de uma greve, e ficam restritas e dezenas de trabalhadores, esses trabalhadores e seus colegas simpatizantes são alvos de retaliação da empresa, em muitos casos demissão.
De toda forma, mesmo sem conseguir alcançar um efeito econômico, o No Tech for Apartheid aponta para o poder de disrupção econômica dos trabalhadores enquanto trabalhadores, nos locais de trabalho. Poder esse que não emergirá em passeatas nas ruas. Mas uma greve política parece que ainda não está no horizonte…
Paralisações de carregamentos para Israel também ocorreram por parte de portuários em diferentes países, mais recentemente na Grécia. Também recentemente, sindicatos espanhóis chamaram uma paralisação geral de um dia diante do genocídio em Gaza. Porém, as ações de trabalhadores, utilizando o poder de interromper a produção, não tiveram um grau necessário de coordenação internacional e nem a dimensão que seria necessária para começar a dar prejuízos econômicos significativos. Uma vez que os Estados Unidos é o maior fiador de Israel, é naquele país que seria necessária uma ação dos trabalhadores mais consistente e forte. Mas greves políticas e generalizadas nos Estados Unidos, assim como em basicamente todos os países, parecem estar fora do horizonte. Demandariam que as bases e/ou direções sindicais rompessem com a legalidade, pois essas greves seriam certamente decretadas ilegais, como o foi por um motivo menor a greve dos estudantes-trabalhadores da Universidade da Califórnia em resposta à repressão da administração da Universidade. Essa ilegalidade demandaria assumir riscos financeiros e de perda de emprego bastante grandes. E tomando como parâmetro a repressão e reação que os estudantes e professores universitários enfrentam, a reação do Estado e do lobby dos supremacistas judaicos nos Estados Unidos a um forte movimento de trabalhadores que fosse disruptivo do processo produtivo e da economia, seria provavelmente sem precedentes.
Em outras palavras, para parar o genocídio dos palestinos é necessário atingir economicamente os perpetuadores e apoiadores do genocídio. Tarefa essa cuja capacidade, em tese, seria dos trabalhadores, interrompendo ou tomando a produção. E devido ao nível de reação dos Estados centrais à manutenção do genocídio, como os Estados Unidos e a Alemanha, essa tarefa necessitaria de uma organização e disposição dessa classe trabalhadora em níveis revolucionários, quando a vontade e paixão de transformação da massa supera os receios sobre o emprego, a renda, e por vezes até sobre a própria vida. Em outras palavras, precisaria haver uma prática, na forma e na quantidade de envolvidos, no mínimo próxima à necessária para um processo revolucionário se desenrolar. Buscando ainda outras palavras, isso significa que só é possível interromper essa barbárie com um nível de ação da classe trabalhadora que seria capaz também de abrir as portas de uma revolução socialista.
Socialismo ou barbárie. Novamente chegamos num ponto na história em que não se trata de um slogan apelativo, mas da realidade dos fatos. É onde nos encontramos. A barbárie é o novo normal e nada irá impedir sua continuidade e proliferação que não sejam forças capazes de romper com a normalidade, na vida e na produção.
Notas
[1] Ver: https://theintercept.com/2024/09/10/polls-arms-embargo-israel-weapons-gaza/
[2] Ver por exemplo: https://www.middleeastmonitor.com/20240418-hypocritical-arab-and-muslim-countries-help-israel-kill-more-palestinians-while-condemning-it/
[3] Ver: https://www.thecanary.co/uk/news/2024/10/31/barclays-divest-elbit-palestine-action/; e aqui uma entrevista em inglês com dois ativistas israelenses da Palestine Action que realizaram ações contra a Elbit no Reino Unido https://www.youtube.com/watch?v=y3Ga4DiV7eM