Por Jan Cenek

 

Maquinaria

entre a poeira

o ruído

e os corpos cansados

entre a mais-valia

o estranhamento

e os uniformes sujos

no meio da tarde

numa fábrica qualquer

e de repente

um trabalhador

por segundos

parou a máquina

esmagado nas engrenagens

 

A morte do padeiro

 

I

ficou o nome

no boletim de ocorrência

ficou o número

na estatística

ficou a bala

no cadáver

ficou a palavra

sem teto

 

II

soldados no matagal

como quem caça

bicho do mato

o padeiro retorna

do barraco da noiva

na moto financiada

o padeiro usa chinelo

bermuda e camiseta

os soldados usam fuzis

e capacetes pretos

 

III

os soldados trocam olhares

respiram fundo

apontam as armas

o sinal discreto é a senha

para abrir fogo

e bater a meta

o padeiro cai

a moto cambaleia

a tropa comemora

 

IV

reagiu à abordagem

na versão da polícia

suspeito de pertencer ao tráfico

no título da notícia

“cpf cancelado”

na página de comentários

 

V

se era trabalhador

se era inocente

não vem ao caso

quem mandou

sair de moto

no meio da noite?

(pergunta que alivia

o sono difícil

dos soldados)

 

VI

na cena do crime

a tropa reprime

a família do morto

e arrasta o padeiro

para passar a noite

na geladeira

 

VII

vão cortar o cadáver

com serra elétrica

como se fosse

massa de pão

vão remexer as vísceras

com luva e alicate

como se houvesse

algum segredo

enquanto na padaria

em pouco tempo

vão anunciar:

“precisa-se de padeiro”

3 COMENTÁRIOS

  1. Dor e verso na selvageria banal (ou o ‘triste nisso tudo que é tudo isso’).
    Sempre um presente te ler, Jan.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here