Por Cesare Battisti

Caros companheiros(as), há meia hora, nesta terça, antes da visita dos companheiros decidi escrever um recado para todos vocês que participam dessa luta em meu favor. Resultado: pouco tempo para escrever algo vigoroso; cabeça cheia de insultos grifados de uma cela a outra; e o espírito fica longe: palavras que não se deixam prender e, enfim, o recado é para já.

cesare-aTem-se dito e escrito tanto sobre esse “Caso Battisti” que já não sei mais distinguir direitinho o eu do outro. Aquele Battisti surgido do nada e jogado pela mídia como pasto para gado. Mas essas são só palavras, vazias como as cabeças desses mercenários que costumam facilmente trocar a pistola com a caneta e até uma cadeira no Congresso. No entanto, os companheiros/as de luta, assim, todos/as aqueles que ainda sabem ler atrás da “notícia”, vocês sabem quem é quem, qual a minha história e também a manipulação descarada que está servindo a interesses políticos e pessoais, de carreira e de mercado: em 2004, depois de 14 anos de asilo, a França de Sarkozi me vendeu à Itália de Berlusconi em troca do trem-bala [comboio de grande velocidade] de Lyon-Turin. Desde o ano 2000 estamos assistindo à impiedosa tentativa do Estado italiano enterrar definitivamente a tragédia dos anos de chumbo, jogando na prisão e levando à morte o bode expiatório Cesare Battisti.

Entre centenas de refugiados dos anos 70 que se encontram em vários países do mundo, não fui escolhido eu por acaso nem pela importância do papel de militante, mas pela imagem pública que eu tinha enquanto escritor, o que me dava o acesso à grande mídia para denunciar os crimes de Estado naquela época e os atuais…

Eis que de repente há tantas coisas por dizer que eu não sei mais me orientar! Pela rua, claro, só a rua vai me dirigir até vocês. Na rua comecei mil anos atrás e nela continuo; nela mesmo onde será praticamente impossível evitar-nos. E então falo, falo de homens e de mulheres, de companheiros(as), de sonhos e de Estados (esses também ficam no caminho, de ladinho). Falo sobre minha vida que não conheceu hinos, nem infância, mas que em troco tive o mundo todo para brincar com outra música que não essas fanfarras de botas.

Contudo, parece quase que estou falando como homem livre, não é? Porém, estou preso. Vai fazer quatro anos no próximo março. Ainda assim, essas cariátides da reação não conseguiram me pegar em tempo. Quase três anos se passaram (antes de eu ser preso), de rua a outra, nesse tempo conheci o país, cheirei o povo, me misturei a ele, ao ponto de quase esquecer o hálito fedorento dos cães de caça. Ainda estou preso, está certo, mas isso não me impede de sentir lá fora vossos corações batendo pela liberdade.

Talvez eu tinha que falar-lhes algo mais sobre esta perseguição sem fim, dar-lhes algumas dicas de como driblar a matilha. Mas acabei por pintar-lhes um abraço sincero e libertário. É o que conta.

Cesare Battisti, 18 de janeiro de 2011

Leia aqui para saber mais sobre o caso de Cesare Battisti.

2 COMENTÁRIOS

  1. Assim como essa carta de Cesare Battisti, o artigo abaixo de Carlos Lungarzo deve ser lido e divulgado. A peserguição já não é somente contra Cesare Battisti, mas já é sacancarada a seus apoiadores.

    A REGIAO DE VENETO CENSURA ESCRITORES QUE ASSINARAM MANIFESTO EM PROL DE CESARE BATTISTI

    Democracia Analfabeta

    Carlos A. Lungarzo
    Anistia Internacional

    http://cesarelivre.org/node/333

  2. Esta carta foi enviada por CB ao último ELAOPA (Encontro Latino Americano de Organizações Populares Autônomas) e nos lembra que sua perseguição é parte de uma série de manobras que pretendem apagar a memória do povo e, assim, reconstruir um passado manipulado(r).

    É impossível não vincular a tentativa de extradição de CB à tentativa de criminalização dos movimentos sociais, à tentativa de “virar à página” dos anos de chumbo através do esquecimento. Aqui se cruzam questões relativas à auto-anistia do Estado, muito discutida no Brasil, com tantas outras que nos lembram da insipiência e fragilidade da nossa “democracia”.

    Por tudo isso, nós, engajados em diversos movimentos sociais autônomos, temos que avocar a responsabilidade pelas lutas em defesa da libertação de CB e lembrar que enquanto companheiros militantes estiverem presos, nós não estaremos livres.

    Quem estiver em São Paulo nos dias 26 e 28 pode comparecer nos eventos divulgados no canto direito desta página. Demais localidades, acompanhem os atos divulgados neste sítio e também no “cesarelivre.org”.

    Há braços!

    Chris, Najup/RS.

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