Este é um dos meus álbuns fotográficos de família, o melhor que eu consegui… Tenho outros, de irmãos e irmãs muito chegados. Este data de 2003-2004. Por Layla Anwar
Eu já não tenho palavras… Empacotei-as em cada manhã, ao nascer da aurora, e vendi-as no mercado… Verificou-se ser um negócio que leva à falência – agora pode-se estabelecer a relação – falência.
Por isso decidi, em vez disso, partilhar algumas fotos da minha família… Afinal todos vocês mostraram muita curiosidade em conhecer o meu aspecto… Então, esta noite, eu vou satisfazer a vossa curiosidade e matar-vos a sede.
Música de fundo: Enta Mnen [De onde és tu?], velha canção tradicional iraquiana, interpretada por Bashar Al Azzawi.
Publicação original (em inglês) aqui.
Tradução, legendagem e montagem do Passa Palavra.
O capítulo final
Passei toda esta hora parindo um poema
assim chamado poema
algumas linhas
arrancadas do meu âmago
com o fórceps de uma Condi Rice [1]
que me saem do útero
com lancinantes dores de fósforo [2]
A minha conexão com o mundo exterior
morreu em mim
perdi o meu poema
as minhas poucas linhas
de um capítulo final
de uma longa perda
livro esquecido…
A conexão morreu em mim
como outros morreram em mim
caindo como pedaços de madeira
nos meus braços
fuligem
seca folha morta
de Outono
azul, um céu de Verão
pastel pálido
botões de flores na Primavera
brancos como floco de neve
uma lua cheia
no frio penetrante
de uma noite de Inverno.
A minha conexão morreu em mim
não é a primeira vez
eu que aspirava
a escrever epopeias heróicas
feitas de números e códigos mágicos
feitas de moradas perdidas
e ritos secretos
de um povo antigo.
Perdi as minhas linhas
as linhas de um capítulo final
de uma história sem fim…
Este é o meu capítulo final
algumas frases
de um poema apostado
em conexões…
Este é o meu capítulo final
de uma longa história de amor
um amor
com fantasmas
em que os amantes
se encontram em sepulturas
erectas pedras tumulares
com os nomes de cada um…
Este é o meu capítulo final
um grafitti de Liberdade
pulverizado em paredes de tijolo
que vos separam
que me separam,
que me separam.
Colados à parede das minhas palavras
afogados na minha voz
cartazes baratos
imagens
de chadors e homens barbudos [3]
de dentes amarelados
amarelados como o livro
que trago na mão
o grande livro perdido…
Este é o meu capítulo final
o meu grito final
a minha lágrima final
Este é o meu capítulo final
meu Amor
chegou a hora
de te sepultar.
Layla Anwar : No seu blogue An Arab Woman Blues, Layla Anwar autodefine-se assim: “Quem sou eu? A eterna Questão. Ainda não sei bem. De mim, basta saberem que sou uma natural do Oriente Médio, uma mulher árabe – na casa dos 40 e já com idade para ver melhor as coisas. Não tenho um lar propriamente dito. Vivo ao mesmo tempo no Iraque, no Líbano, na Jordânia, na Palestina, na Síria e no Egipto… Tudo o mais é a camada de açúcar que enfeita o bolo.”
Betool Fekaiki : Todas as ilustrações deste artigo, incluindo a do Destaque, são reproduções de quadros da pintora iraquiana Betool Fekaiki, nascida em Bagdade e residente em Londres. No seu site, em inglês e em árabe, afirma: “uma pintura é uma chave para abrir o mundo interior ou a esfera privada que, de outro modo, seriam impenetráveis”. E ainda: “Acredito que é um direito humano uma pessoa exprimir-se sem o mais leve receio”.
Notas do tradutor
[1] Condoleeza Rice que foi, primeiro, conselheira de George W. Bush para a segurança e, depois, ministra dos Negócios Estrangeiros (“Secretária de Estado”) dos EUA.
[2] Referência às bombas de fósforo que, apesar de totalmente proibidas pelas convenções internacionais, foram usadas pelos EUA nos bombardeamentos no Iraque, em particular no ataque à cidade de Faluja. O fósforo das bombas espalha-se em fogo, agarrando-se à pele das pessoas e queimando-as.
[3] O chador é o lenço-véu obrigatoriamente usado pelas mulheres de religião islâmica, sobretudo no Irão xiita.
Original (em inglês) aqui.
Tradução do Passa Palavra.