É assim que podemos entender o propalado “fim do varguismo”, não como uma negação do que houve, mas como uma nova etapa de aprofundamento da exploração que continuará. Por Rodrigo Araújo
O Brasil vive uma profunda mudança de sua inserção na economia e na política globais. Nunca antes na história deste país se produziu, exportou e investiu tanto, em especial fora das fronteiras – desenvolvendo as empresas transnacionais de origem brasileira. Nunca antes a política externa brasileira foi tão independente – com base na exploração dos recursos econômicos da América Latina e na disputa de mercados e de espaços de investimento em África. Nunca antes o Brasil foi tão engajado – ao ponto de grandes capitalistas apoiarem políticas compensatórias “de esquerda”. Na verdade – e é o que queremos investigar com esta série de artigos – nunca antes o Brasil foi tão imperialista.
Durante a década de 1930 foram criados os sindicatos oficiais, chamados sindicatos pelegos, que tinham como principal função conter o movimento operário combativo, em ascensão nas décadas anteriores (nunca é demais lembrar as lendárias greves de 1917, 1919, 1921, como consequência dessa organização).
Assim, com este novo mecanismo, ao mesmo tempo o governo criava canais de diálogo entre patrões e empregados, criando conselhos mediados por ele mesmo, onde os problemas mais graves e eminentes, aqueles que poderiam comprometer a ordem produtiva, eram discutidos e resolvidos. Em paralelo legitimava a repressão aos descontentes, posto que agora tinham canais oficiais de diálogo e toda e qualquer manifestação tentando extrapolar estes canais era reprimida duramente.
Os capitalistas em comunhão com o governo procuravam assim criar condições para que as lutas, que eram encaminhadas pelos trabalhadores por meio da ação política, passassem a ser resolvidas por mecanismos exclusivamente econômicos, baseados em formas de mais-valia relativa. Assim, se desenvolvia uma ideologia do não conflito, que tinha como corolário a ideologia nacionalista. É neste quadro que podemos compreender a criação de legislações como o salário mínimo, férias remuneradas, décimo terceiro, etc.
Contudo o tempo passa, muita coisa aconteceu por aqui. Hoje a situação é completamente diferente. Anos de funcionamento desta estratégia, que tem como modo de agir a conformação política às vias econômicas finalmente traz seus frutos. É assim que podemos entender o propalado “fim do varguismo”, não como uma negação do que houve, mas como uma nova etapa de aprofundamento da exploração que continuará. Me explico melhor.
Está em curso desde a década de 1990 um novo pacto entre sindicatos e industriais para a promoção industrial. Se durante a era varguista aos sindicatos cabia somente a exposição dos problemas e a aceitação dos remédios propostos, hoje a situação melhorou e muito (para nosso desespero!). Depois de anos de formação neste quadro podem eles finalmente opinarem no desenvolvimento estratégico das ambições brasileiras de se tornar potência mundial. Segundo este novo pacto, a indústria e a industrialização seriam os meios mais adequados à figuração do Brasil enquanto ator de destaque no cenário internacional. Azevedo Amaral, Oliveira Viana, Francisco Campos e todos os corporativistas da década de 1930 devem se regozijar nos infernos onde dormem e sentirem que a semente plantada por homens como eles hoje dá bons frutos.
Na minha opinião, e para o espanto de espíritos mais pudicos, não há nada mais coerente. Quando os sindicatos chegaram ao poder com o apoio dos industriais, já não havendo mais contradição entre ambos, só resta o desenvolvimento da nação rumo ao topo do mundo. A perspectiva da luta de classe é obnubilada, com a ilusão de estarem os trabalhadores representados nos aparelhos governamentais, enquanto de verdade estão lá somente capitalistas especializados no gerenciamento da força de trabalho. Fica claro o tal “bloco hegemônico” e ele está contra os trabalhadores.
Exagero meu? Então confiram na íntegra o novo acordo firmado entre FIESP, CUT e Força Sindical, publicado na Folha de São Paulo em 26 de maio. Lá fica evidente a obsolescência do varguismo e a conformação de uma nova estrutura, ali, diante de nossos olhos (apesar das nuvens baixas). Segue a carta publicada.
Um acordo pela indústria brasileira [1]
PAULO SKAF [2], ARTUR HENRIQUE [3] e PAULO PEREIRA DA SILVA [4]
O Brasil atravessa um grande momento econômico e social. Os bons indicadores da economia e o volume de investimentos públicos e privados previstos colocam o país em condições de aprofundar o seu processo de desenvolvimento.
Resultado de uma política que articulou estabilidade financeira, fortalecimento do mercado interno e compatibilização entre crescimento e distribuição de renda, o cenário atual aponta para uma curva mais estável de crescimento.
A acertada decisão de estimular o mercado interno criou um novo dinamismo econômico. Isso se deu, entre outros fatores, pela valorização do salário mínimo, pela universalização de programas como Bolsa Família e Pronaf (agricultura familiar) nas áreas mais pobres e pela ampliação da disponibilidade de crédito. Essas medidas, associadas a uma retomada dos investimentos públicos, renovaram o fôlego de nossa economia.
Entretanto, alguns indicadores recentes apontam para o precoce encolhimento da participação da indústria de transformação no nosso PIB: de 27% em meados dos anos 80 para 16% atualmente.
O deficit comercial do setor de manufaturados deverá atingir a cifra de US$ 100 bilhões em 2011. À crescente reprimarização da pauta de exportação soma-se o processo de substituição da produção doméstica por produtos e insumos industriais importados e a expressiva queda do conteúdo nacional na produção. Ou seja, acendeu-se uma luz amarela para a indústria brasileira. As consequências desse processo são ainda imprevisíveis.
O Brasil, com sua legítima aspiração de assumir um papel de liderança global, não pode abrir mão de uma indústria forte.
Nossa história mostra que o desenvolvimento industrial foi responsável pela urbanização, pela integração da população ao consumo e pelo crescimento dos demais setores da economia. A produção e a exportação de commodities agrícolas e minerais, apesar do grande aumento recente, não geram emprego e renda suficientes.
Mesmo o setor de serviços, tão importante para a economia, tem parte significativa de seu dinamismo derivado da indústria.
A previsão de que em 30 ou 40 anos o Brasil será a quarta economia do mundo apenas se sustenta com o restabelecimento do papel da indústria e com o adensamento de suas cadeias produtivas. Não existem países cujos cidadãos gozem de alto padrão de vida e pleno acesso a bens e serviços que não contem com indústria sólida, diversificada e com alto grau de inserção em mercados internacionais.
A possibilidade de estabelecimento de um diálogo contínuo entre a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo é algo inovador e reflete o compromisso de construir um Brasil forte e industrializado.
Este é o momento para que os diferentes atores desse processo -trabalhadores, empresários e o governo- formem um grande consenso acerca da política industrial nos rumos da economia.
Tal entendimento ajudará a tornar realidade as expectativas otimistas para o Brasil. Isso é o que discutiremos no inédito seminário “O Brasil do Diálogo, da Produção e do Emprego”, organizado pela Fiesp, pela CUT e pela Força Sindical, hoje, em São Paulo.
Notas
[1] Publicado no jornal Folha de S. Paulo em 26 de maio de 2011.
[2] PAULO SKAF, empresário, é presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e do Ciesp (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo).
[3] ARTUR HENRIQUE é presidente da Central Única dos Trabalhadores – CUT.
[4] PAULO PEREIRA DA SILVA, o Paulinho, 55, é presidente da Força Sindical e deputado federal (PDT-SP).
Olá,
Excelente contribuição, caro Rodrigo.
Encarando de frente uma questão que, por conveniências várias, a esquerda e os “progressistas” procuram fortemente evitar.
Talvez fosse possível e necessário, nesse contexto de excessiva euforia e nova configuração gerencial capital, retomar os textos (dentre outros) de Paulo Arantes (“Pensando por fora”, presente no livro Extinção) e João Bernardo (posso citar, entre várias obras, seu livro “Capitalismo Sindical” – elaborado na companhia de Luciano Pereira).
Daí que se constata, evidentemente, a justeza da análise apresentada pelo Rodrigo e a atualidade dos livros aqui citados.
Enfim, uma contribuição fundamental para o debate contemporâneo da extrema-esquerda.
Grande abraço.
Não é por acaso que Antonio Gramsci chamava os sindicalistas reformistas de “banqueiros de homens”.