Moradores do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo relatam inúmeros casos de truculência por parte de policiais da UPP instalada nas comunidades

Ontem, 12/07, foi realizada, na associação de moradores da comunidade Pavão-Pavãozinho, em Copacabana, uma reunião entre os moradores e o comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), capitão Leonardo Nogueira. A reunião inicialmente tinha como objetivo discutir a questão das remoções em algumas áreas da comunidade e também sobre a situação do lixo local. Estava programada a visita da GeoRio neste encontro, para explicar aos moradores sobre a situação das casas marcadas para serem removidas, que a prefeitura alega estarem em área de risco, mas nenhum representante apareceu.

O comandante achou que seria uma reunião para discutir somente isso. Mencionou fatos relacionados à questão da remoção e apresentou os gestores locais da UPP Social, que seria responsável por implementar ações sociais nas comunidades. Seu discurso inicial foi apenas para demonstrar os benefícios da ocupação policial e também para demonstrar como se transformou numa espécie de “referência política” para os moradores, já que ressaltou inúmeras vezes o fato de que estes recorreram (e recorrem) a ele para ter informações sobre questões acerca da realidade local, como sobre a moradia e regularização fundiária, além de projetos sociais oferecidos pela UPP. Apontou também que busca atuar como um mediador entre os moradores e órgãos públicos, embora ao final da reunião um morador tenha destacado que esta função cumpre à associação de moradores.

Entretanto, a reunião tomou outra direção a partir de certo momento. Como não apareceu nenhum representante do poder público municipal, a discussão principal girou em torno da ocupação policial das localidades, através da Unidade de Polícia Pacificadora. Um policial da unidade circulava para anotar nomes de pessoas que gostariam de fazer perguntas. Uma companheira da Rede contra Violência se inscreveu, já que havia sido convidada a participar da reunião. Quando chegou o momento de sua intervenção, ela interpelou o comandante Nogueira sobre os procedimentos que seu comando estava tomando acerca da morte do jovem André Ferreira, assassinado por policiais da UPP local no mês de junho com tiros pelas costas. Além disso, questionou-o também sobre dois policiais (Barreiro e Carneiro) que costumam espancar moradores nas duas comunidades, sem motivo aparente. Os moradores, neste instante, concordaram com ela, confirmando suas afirmações.

O comandante Nogueira a contrapôs apontando que ainda era cedo para afirmar que André havia sido assassinado injustamente, implicitamente tentando confirmar a versão inicial de que o jovem havia sido morto em uma troca tiros, o que testemunhas, os familiares e demais moradores já mostraram, inclusive em depoimento, não fazer sentido. Ele ainda exigiria, duvidando das colocações da militante em questão, que estas denúncias de agressão fossem formalizadas, embora ela afirmasse que isto já havia sido feito. Tentando contornar a situação, disse que caso o serviço policial não esteja sendo prestado da melhor maneira e caso tenha havido agressão, o agredido deverá formalizar a denúncia e, se comprovado o ato, o policial será afastado. Entretanto, inúmeros casos foram relatados na reunião, onde se destacava, inclusive, as dificuldades em realizar o registro destas situações de agressão.

Um morador relata um caso ocorrido com seu filho, agredido pelo policial Barreto. Ele descreveu que quando seu filho estava chegando em casa, o referido policial o teria arrastado de forma violenta para fora e, quando sua esposa tentou falar com ele, foi agredida verbalmente. Aponta que tentou ir à base da UPP local para falar com o comandante, mas que este não estava.

Uma moradora afirma que os seguintes policiais seriam os mais truculentos com os moradores: Barreto, Carneiro, Pimenta. Ela assegura que é comum um deles, em situação de agressão e diante do questionamento de moradores, dizer que não adiantaria levar a denúncia adiante, pois esta não seria levada em consideração. Outra moradora apontou que seu filho sofreu uma ameaça após ele ter lhe contado a agressão que sofreu: “você foi contar para a mamãezinha? Você vai ver, vou te pegar na madruga”. Neste instante, muitos moradores tentam relatar casos semelhantes, demonstrando a insatisfação diante dos abusos ocorridos, muito mais recorrentes do que afirmam os representantes do poder público.

Uma moradora afirma, indignada, que muitos policiais os tratam como lixo, ressaltando que muitos deles costumam xingar os moradores. Além disso, ressaltou que policiais entram em algumas casas, sem justificativa alguma, e dizem que seria uma residência suspeita. Isso tudo após quase dois anos de ocupação. Os moradores ainda tentam questionar certos procedimentos, afirmando que os policiais estão ali para pacificar e não para aterrorizar ninguém, mas que os agentes ficariam indiferentes diante de tais protestos. Novamente, os moradores repetem que muitos policiais, num claro sinal de intimidação, falam que não adianta levar estas denúncias ao comando da UPP local ou a qualquer outra instância, já que “não vai dar em nada”. Mais uma vez, o comandante tentou contornar a situação, afirmando que situações como estas devem ser relatadas diretamente a ele para que sejam averiguadas. Entretanto, as pessoas reafirmam as dificuldades em contatá-lo.

Uma senhora, que mora há 60 anos no Cantagalo, muito emocionada, relata mais uma situação de abuso por parte de policiais, desta vez contra seu filho. Ela afirma que um policial, de forma irônica, disse-lhe que não conhecia as leis. Aponta que um policial entrou na casa de seu filho, por volta das 22 horas, para procurar drogas, alegando que havia sido feito uma denúncia e que era ordem do comandante. Neste dia, ela se encontrava na casa de seu filho e questionou o procedimento do policial, dizendo que não havia nada ali. Em vão. O policial insistiu de forma grosseira, levando a situação a um alto grau de tensão. A senhora em questão chegou a passar mal. Ela ainda ressaltaria o fato de que (assim como outros moradores também afirmaram) que este policial não portava a identificação de seu nome no uniforme, o que dificulta ainda mais o registro do abuso.

O capitão Nogueira afirmou, tentando se justificar e em descompasso com o que diziam os moradores, que os policiais que estes apontavam como sendo extremamente truculentos (Barreto, Carneiro, Pimenta) seriam os que mais apresentam ocorrência naquela UPP e que são os que possuem maior produtividade operacional. Mas não explicou a forma truculenta como tratam os moradores, apesar de apontar a necessidade da formalização das denúncias, encaminhá-las e responsabilizar os policiais. O próprio capitão ressaltou que um policial que esteja sendo acusado de algum procedimento ilegal pode ser afastado e até expulso. Afirmou, ainda, que os moradores precisam formalizar a queixa e lhe informar. Contudo, mais uma vez, os moradores apontam a dificuldade de encontrá-lo quando casos de agressão e violência por parte de policiais ocorrem.

Uma moradora disse que os policiais já abordam as pessoas nervosos, sacando a arma e falando coisas do tipo:“você quer ver eu te dar um tiro na sua cara”. Ela afirmou que se os moradores falarem algo que eles não concordam, ficam logo nervosos. Aponta que em dado momento falou a um grupo deles o seguinte: “vocês escolheram esta profissão, se não estão satisfeitos, escolhessem outra profissão”. Por conta disso, consideram que os moradores estão sendo “abusados”. Em seguida, sacam as armas, nervosos, e dizem: “daqui a pouco eu vou sair dando tiro”. O policial que teria dito isto foi o de nome Carneiro (conhecido também como Carneirinho). A moradora teria ido, então, à base da UPP local para relatar este tratamento desrespeitoso. Lá, quando tentava registrar o ocorrido, um policial tentou retirá-la do local, já que o agente Carneiro teria insinuado que o que ela dizia era mentira. Esta moradora questionou o tratamento que é dispensado aos moradores quando estes tentam fazer uma reclamação diretamente no comando da unidade, apontando que os policiais “os consideram como um nada”. Ela acredita que sua voz não é ouvida: “como eles são autoridades e nós moradores, a voz deles é que vai prevalecer”.

Novamente, o capitão Nogueira tentou contornar a crítica jogando a responsabilidade para os moradores. Afirmou que policiais teriam sido supostamente agredidos e que alguns moradores não os respeitariam. Uma moradora, então, o interrompeu: “quem quer respeitar, precisa se dar o respeito”, criticando como as chamadas abordagens são feitas: “eles param a pessoa, as vezes chutam o saco, chutam as costas”.

Além disso, o repertório de agressões (físicas e verbais) por parte dos policiais desta UPP inclui tentativas de intimidação que implicam, inclusive, em ofensas ao próprio comandante local. Um morador apontou que, quando há alguma situação em que policiais agrediram ou ofenderam moradores e estes dizem que vão até ao comandante, os agentes costumam se referir a este último com palavras de baixo calão: “ah, vai falar com o capitão? Vai falar com o ´Nodete`”. Outra moradora complementa: “chamam também de ´capitão Nojeira`”.

Outra moradora denuncia que seu filho fora agredido com três socos no peito por um policial, em uma confusão ocorrida na localidade. Ela informou que tentou convencer seu filho a registrar uma queixa na delegacia, mas ele ficou com medo de fazê-lo. Ela também reclama da dificuldade de encontrar o comandante da UPP local na base desta nas comunidades, além da falta de punição aos policiais que cometeram a arbitrariedade contra seu filho e outras pessoas. Quando soube da situação de seu filho e de outros jovens que foram espancados por policiais, ela foi até o local. Chegando lá, exigiu explicações dos policiais, que teriam lhe pedido “credenciais dos direitos humanos”. Ela, então, afirmou que suas “credenciais” são a de uma mãe que vem lutando por justiça por conta da morte de seu outro filho por agentes públicos nas dependências do Instituto Padre Severino, e de militante de direitos humanos.

Ela questiona a ação policial na comunidade e o discurso oficial: “a gente vivia a opressão do narcotráfico. Hoje vivemos a opressão do próprio Estado. Por que dizem o Estado está para proteger e zelar pelo bem estar físico e moral dos moradores da comunidade e nós mesmos somos oprimidos pelos policiais?”. A moradora reclama que o direito de ir e vir não tem sido respeitado: “a gente não tem liberdade de ir e vir mais. A gente antes ia e vinha. Agora as crianças têm medo de passar numa viela e serem abordadas”.

Por fim, uma moradora, questionando a forma de tratamento dos policiais da unidade em relação aos moradores, aponta que os agentes devem fazer o trabalho deles, mas que isto seja feito com respeito aos moradores: “o mínimo que nós pedimos é que cheguem aqui com educação, não é falar como bicho não. Porque a gente pode até ser analfabeto, mas nós somos seres humanos”. A moradora ainda interrogaria sobre a formação dos policiais: “na televisão, antes da UPP chegar aqui, disseram que eles tiveram curso de direitos humanos, curso disso e daquilo. Mas quando chegou na realidade aqui não foi nada disso que eles mostraram”.

Comissão de Comunicação da Rede contra Violência
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