As ocupações de praças públicas não são modismos importados do centro, mas respondem aos anseios por uma politização profunda da nossa questão social e devem ser encaradas como laboratórios de autoformação política. Por Eduardo Tomazine Teixeira

No momento em que escrevo (dia 3/11), há, desde há doze dias, cerca de uma centena de barracas ocupando a praça da Cinelândia, no coração do centro da cidade do Rio de Janeiro. A acampada estabeleceu-se em resposta à convocação global do dia 15/10, mas com uma semana de intervalo, quando da segunda concentração de manifestantes na mesma praça chamados pelas redes sociais na Internet. O relato que segue são as impressões de alguém que, mesmo sem estar acampado, tem frequentado o acampamento e acompanhado a sua dinâmica, tanto pela participação direta, quanto por relatos de companheiros, além daqueles deixados na Internet na página criada por esta movimentação, que se autodenominou Ocupa Rio. Tendo em vista o seu caráter ainda enigmático para a parcela da população que, rompendo com a cortina de fumaça erguida pela grande mídia, obteve notícias a respeito da existência da ocupação – enigmático mesmo entre experimentados militantes de esquerda –, decidi escrever este relato, que serve como apresentação e um convite ao debate e à participação. Para isso, começarei refletindo sobre a sua inserção nesta onda global de indignação e constituição de novas relações sociopolíticas.

Um movimento global, mas com nuances regionais

rio-1Parece-me difícil negar que a Primavera Árabe – com a sua estratégia insurrecional de ocupação prolongada de espaços públicos objetivando mobilizar o conjunto da sociedade em seus países até provocarem abalos em alguns dos fundamentos do status quo – tenha sido a grande fonte de inspiração para este movimento, que hoje ocupa cerca de mil praças em mais de noventa países em todos os continentes. Como pano de fundo geral, a crise e seus efeitos variados. No norte africano, a crise do capitalismo competiu para o agravamento das condições de vida de uma população há décadas sufocada pela falta de liberdade civil e pela corrupção estrutural de governos ditatoriais e clientes das grandes potências ocidentais, governos que se tornaram alvos diretos das insurreições. Na Europa e nos Estados Unidos, da Puerta del Sol, em Madri, a Wall Street, em Nova Iorque, também a crise tem levado multidões de indignados a ocuparem praças, denunciando a injustiça do sistema econômico vigente e a debilidade do regime político que lhe sustenta. No entanto, como a “democracia” representativa tem sido vendida há décadas como o nec plus ultra das formas de governo, e o socialismo, após a experiência soviética, tornou-se sinônimo de ditadura do partido único, o descontentamento quase generalizado do ocidente tem, compreensivelmente, inimigos e objetivos mais vagos do que aqueles dos árabes. Se na África mediterrânea as massas gritam por democracia, os manifestantes do outro lado da bacia e do norte do Atlântico perguntam-se qual democracia construir. Ainda que deste movimento não resulte, para amanhã, a ultrapassagem sistêmica, tenho a nítida impressão que um Rubicão está sendo atravessado, com a conscientização largamente difundida, entre estes povos, da insuficiência do binômio capitalismo-“democracia” representativa, baseada no aprendizado, trazido por esta crise, de que não pode haver democracia sem participação direta nas tomadas de decisões relevantes e sem justiça econômica, e de que não pode haver justiça econômica sem verdadeira democracia. E tal consciência não é banal, posto que por muito tempo o sistema tem sido afrontado em apenas um dos termos de seu binômio constituinte.

Mas, em um país como o Brasil, que cresce economicamente e onde os efeitos da crise são muito menos catastróficos do que no centro do capitalismo, terá ressonância entre as massas o descontentamento contra o sistema? Será que as centenas de manifestantes acampados nas praças de uma dezena de cidades, em sua grande maioria jovens, conseguirão “contagiar” com seu descontentamento o resto da sociedade civil? No mais, consistiria na sua capacidade de “contágio” o sucesso ou o fracasso desta mobilização?

O dilema brasileiro

Na Europa e nos EUA, onde o desemprego beira os 20% da população economicamente ativa (em números oficiais e pouco exigentes) e os Estados estão super-endividados, as margens de manobra para qualquer redirecionamento da política socioeconômica são muito limitadas, e, a despeito da forte mobilização da sociedade civil nestes países, frear a maré montante do rigor liberal exigiria uma transformação radical de seu sistema político, atualmente refém de estruturas supranacionais (no caso europeu), os quais são reféns, por sua vez, de organizações gestoriais muitíssimo distantes do controle populacional, como o Banco Central Europeu. Hoje, o mero questionamento de alguns dos termos dos planos de austeridade pode provocar abalos em todo o arranjo político-econômico vigente por aquelas plagas, haja vista o que se passa, neste exato momento, com a Grécia.

rio-4No Brasil, a situação é bem outra. Por aqui, o desemprego oficial está em 6% (em números pouquíssimo exigentes…), a balança comercial é favorável, o país é credor internacional e as centrais sindicais se reúnem com o governo ao final do ano para negociar se o aumento do salário mínimo será de sete ou de dez pontos percentuais. Apesar disso, o país ocupa a 84ª posição no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano, ficando atrás de países como a Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela e Cuba. Há, portanto, além de motivos de sobra para a exigência de investimentos sociais crescentes por parte do Estado brasileiro, uma conjuntura favorável para mobilizações populares capazes de conquistá-los. Além disso, resta ainda construir toda uma agenda de lutas por direitos civis e, assim como nos países ditos centrais, de questionamento do nosso sistema político-econômico.

No entanto, presenciamos no país uma tentativa de manipulação do descontentamento, operada por parte da grande mídia, pelos partidos de oposição ao atual governo federal e demais oportunistas, os quais ampliam desproporcionadamente (e até iniciam) mobilizações em torno de bandeiras vagas e/ou despolitizadas, como o “combate à corrupção”, sem que se pautem expedientes concretos na reorganização de nosso sistema político capazes de cortar o mal pela raiz e evitando uma discussão sobre a orientação macroeconômica brasileira. A sociedade civil por aqui enfrenta, pois, um déficit de mobilização e densidade política, muito embora paire em si um justo e generalizado sentimento de indignação, fruto das brutais desigualdades e injustiças que ela sofre, sentimento que tenta ser canalizado de maneira oportunista. As ocupações de praças públicas, como a Ocupa Rio, não devem ser consideradas, pois, como anacrônicas ou meros modismos importados do centro sistêmico por uns tantos jovens simplesmente porque emergiram em um país que não vive diretamente os efeitos da crise. Elas respondem, antes, aos anseios, mesmo que de grupos minoritários, por uma politização profunda da nossa questão social. Devem ser encaradas como verdadeiros laboratórios de autoformação política, podendo competir diretamente para mobilizar amplos setores da sociedade civil em torno de bandeiras mais contundentes do que o combate à corrupção. Ou não…

O isolamento dos acampados

Tenho escutado muitas reclamações, por parte de companheiros de esquerda, contra as debilidades da acampada no Rio de Janeiro e em outras praças. Estas reclamações recobrem desde aspectos mais formais – como a pouca capacidade dos manifestantes em acolher pessoas de um perfil social diferente (tanto pela idade quanto pela classe), sua recusa a aceitar expressões partidárias ou de demais organizações e a opção pelo consenso como o único procedimento válido para as deliberações –, até reclamações substanciais, sobretudo quanto a uma alegada falta de senso de oportunidade do movimento para avançar uma pauta de reivindicações concretas capaz de mobilizar a sociedade civil. No entanto, a maior parte dos críticos tem adotado uma postura de distanciamento para com o movimento, como se ele pertencesse a um grupo específico, um comportamento que exige, no mínimo, reflexão.

É muito provável que o fator geracional e de classe crie uma barreira – que não é necessariamente intransponível – entre quem está acampado na praça e os que por ali passam esporadicamente ou só acompanham a movimentação de longe. Basta observar as fotos das assembleias para constatar o grande predomínio de jovens beirando os 20 anos de idade. Ocorre, porém, que esta barreira não é tão evidente quanto parece, sobretudo se compararmos a acampada do Rio com a de Nova Iorque. Um recente levantamento divulgado por uma organização chamada Fast Company, o qual objetivava identificar quem realmente ocupa Wall Street, indica que 44% dos consultados tem entre 25 e 44 anos, e apenas 23% possuem 24 anos ou menos [1]. Ora, se um dos slogans do Maio de 68 dizia, justamente, não confiar em ninguém com mais de 30 anos, o fato de aproximadamente um terço dos manifestantes do Ocuppy Wall Street ter mais de 44 anos mostra que, por lá, a crise levou a um costuramento intergeracional pouco comum, e que a conjuntura econômica no Brasil talvez circunscreva a radicalidade antissistêmica a uma parcela social restrita e dotada de tempo livre. Ora, se um dos objetivos das acampadas for adensar o grau de politização da sociedade brasileira e disseminar novas práticas políticas, então será imprescindível o desenvolvimento de mecanismos capazes de romper com o isolamento geracional no qual eles se encontram até o momento.

rio-3Mas uma parte do isolamento não é consequência da idade, e sim da distância entre as concepções organizacionais que separam os acampados de outros setores da esquerda, principalmente os partidos políticos e os sindicatos. Uma delas é o veto ao mecanismo do voto e a opção exclusiva do consenso para os processos decisionais. Sobre estas bases, a acampada opta por deliberar a respeito de temas mínimos e dedicar maior atenção a assuntos táticos concernentes à manutenção do próprio movimento do que a assuntos estratégicos, como a sua autodefinição e a delimitação de objetivos claros. O argumento que se empenha para justificar tal opção é a imposição da vontade de uma maioria sobre uma minoria quando das votações, mas pode-se pressupor também que, desta maneira, a assembléia busque evitar o aparelhamento do movimento pelas organizações tradicionais da esquerda. Além disso, não me parece de todo absurdo que, na base desta insistência pela deliberação exclusivamente consensual, estejam uma confusão entre votações e a “democracia” burguesa – ignorando experiências históricas de implementação de democracia direta, como a Comuna de Paris ou os conselhos de trabalhadores – e, inclusive, a transposição pouco refletida de rotinas adotadas em acampadas fora do Brasil.

Outro fosso referente às concepções organizativas entre a “esquerda tradicional” e os acampados da Cinelândia traduz-se no veto – que não foi consensual, diga-se – ao uso de bandeiras e faixas de organizações, sobretudo de partidos políticos, no espaço da acampada. A justificativa para tal veto é a tentativa de se criar um espaço de debates e vivência política que não pertença ou não seja associado a qualquer organização específica, preservando, assim, sua pluralidade e abertura às pessoas que não se identifiquem com as formas organizacionais existentes. Diante deste argumento, os militantes da “esquerda tradicional” objetam não poder existir pluralidade sem a livre manifestação de organizações que partilhem de referenciais políticos outros. Os adeptos da rejeição de bandeiras respondem, em contrapartida, que a participação no acampamento de ativistas de partidos e sindicatos nunca foi vedada, mas não parece ter sido este o entendimento das organizações, que, em resposta ao veto às bandeiras, além de esvaziarem a acampada, optaram por boicotar todos os pedidos de solidariedade feitos pela Ocupa Rio, negando-lhe, por exemplo, geradores de energia elétrica e a reprodução de material gráfico.

Diante deste quid pro quo, fica-me a clara impressão de que as organizações políticas inseridas na dinâmica institucional eleitoral, ou direcionadas por elas, estão impossibilitadas de realizar qualquer trabalho político que não possa resultar, de uma maneira ou de outra, em uma capitalização simbólica que se converta em um aumento de militantes ou no número de votos em eleições. Ora, o receio dos acampados me parece mais do que legítimo, sobretudo em um contexto generalizado de desconfiança nos partidos políticos e, mais do que isso, de descrença na “democracia” representativa da qual os partidos são protagonistas. A miopia política dos partidos e sindicatos, em sua relação, até o presente momento, com a acampada, está em não perceberem que o movimento não se encerra na ocupação da Cinelândia, e que as regras válidas para organizar o quotidiano deste fórum não serão necessariamente as mesmas quando ele eventualmente sair da praça para ganhar as ruas e incluir setores mais amplos da sociedade civil.

rio-2Parece ser desnecessário acrescentar que outro fator para o relativo isolamento dos acampados da Ocupa Rio e de outras acampadas é a cortina de fumaça levantada pela grande mídia, que demonstra interesse em noticiar o que se passa apenas quando ocorrem conflitos com a polícia (note-se que, até o momento, nenhuma confrontação entre a polícia e os manifestantes foi registrada no Rio de Janeiro, um motivo a mais para o silêncio da grande mídia). Essa é uma atitude mais do que esperada, cabendo ao movimento intensificar os seus meios de comunicação social.

Ocupa Rio: um laboratório de democracia

Para além da possível capacidade da Ocupa Rio e demais acampadas de mobilizar setores mais amplos da sociedade, a sua experiência é válida por si mesma. Não apenas pelo tipo de subjetividade que ajuda a forjar entre aqueles que ali estão, mas, principalmente, por sinalizar novamente no Brasil a importância da vivência do espaço público para fins politizantes e por constituir-se em um riquíssimo laboratório de democracia. Com relação a este último aspecto, creio serem duas as principais contribuições da acampada no Rio: o amadurecimento da crítica conjunta ao capitalismo, à “democracia” representativa e todas as formas de opressão, por um lado, e o desenvolvimento de expedientes concretos para evitar o aparelhamento da movimentação por direções e demais burocracias.

A existência de direções ou coordenações é formalmente interdita na acampada, mas sabemos que uma interdição semelhante não torna, por si só, nenhum movimento infenso à cristalização de tarefas, responsabilidades e decisões em alguns poucos indivíduos ou grupos bem articulados e empenhados neste propósito. O que realmente indica a não-burocratização e a efetiva abertura da Ocupa Rio à participação de todos os interessados na escolha dos rumos do movimento são outras coisas. A primeira delas é a abertura radical de todos os grupos de trabalho (GTs) existentes e a possibilidade de criação de outros por qualquer participante. Até mesmo o GT de comunicação, responsável por transmitir as mensagens da acampada à sociedade – e, por este motivo, ser mais propenso a monopolizações por permitir a capitalização política do movimento por alguns poucos – encontra-se disponível à participação direta daqueles que queiram e possam colaborar. No mais, acredito que a pluralidade dos GTs depõe a favor desta abertura. No site oficial da acampada, o www.ocupario.org , encontramos a divulgação dos trabalhos dos GTs de infraestrutura, segurança, comunicação, alimentação, teoria, horta urbana, arte e cultura, jurídico, atividades, orçamento participativo, reciclagem, além de um GTqueer, entre outros. Para aqueles que reclamam de uma suposta superficialidade dos que estão na acampada, transcrevo aqui alguns dos temas de discussão desenvolvidos no âmbito do GT de teoria e relatados no site oficial, no dia 26/11:

-Limites constitucionais da propriedade de terra no Brasil [visando um plebiscito para emenda constitucional];
-Mecanismos institucionais e representativos no Brasil. Quem são os agentes e seus papéis? Qual o nosso espaço?;
-Debater as remoções para os grandes eventos;
-Debater produção cultural digital independente;
-Debater as UPPs;
-Debater sobre o sistema penal;
-Debate sobre racismo e mídia;
[…]
-Novas formas de organização política. Trazer autores acadêmicos
.

Aliás, uma das boas razões levantadas pelos ocupantes para evitar autodefinições e propostas objetivas logo no início da ocupação era a falta de acúmulo de debates entre os participantes. Resta saber se a pluralidade temática que vem sendo debatida desembocará em orientações claras com relação à ação direta e à luta institucional, se permanecerá apenas “na teoria” ou se tais orientações não cabem à acampada, deixando que os grupos de afinidades que nela participam optem pelas suas formas de ação.

rio-5Uma outra iniciativa prática que vem sendo aprimorada na Ocupa Rio para evitar o aparelhamento do movimento são as técnicas comunicativas para o funcionamento de assembleias com um grande número de pessoas e, sobretudo, pessoas dotadas de tamanha diversidade de ideias e práticas políticas. Desde o “microfone humano”, que reverbera a fala dos oradores pelos demais e acaba por limitar o tempo de suas intervenções, até uma série de sinais visuais para demandar maior foco, levantar dúvidas, tecer adendos ou mesmo concordar ou discordar com as colocações sem recorrer ao aplauso e às vaias (que atrapalham, e, por isso, alongam as falas), é todo um esforço que se vai empenhando para assegurar algo fundamental em uma assembléia: que as pessoas prestem atenção umas nas outras e respeitem a dinâmica da reunião sem imporem suas agendas pessoais e sem se envaidecerem com a própria palavra. Isto pode parecer banal, mas, para aqueles que têm a oportunidade de participar de uma assembléia transcorrida sob um esforço semelhante, nota-se um ganho formidável em objetividade e respeito, dois elementos que amenizam consideravelmente os desgastes naturais da fricção derivada da disputa de idéias e visões de mundo.

Por fim, acho importante tentar transmitir o enraizamento da acampada no espaço que ela ocupa e a sua relação com aqueles personagens que costumam freqüentá-lo ou mesmo habitá-lo. Foi instalado ali um posto de distribuição de refeições, que são produzidas na cozinha de uma ocupação do movimento dos sem-teto na proximidade da Cinelândia, refeições das quais fazem proveito, além dos acampados, a população de rua, que tornou-se parte constituinte do movimento, com sua palavra, sua ordem bastante outra e com a sua contribuição nos trabalhos. Há também uma biblioteca, oferecendo títulos os mais variados, que são lidos no local ou pegos por quem tiver interesse. Os cartazes confeccionados pelos manifestantes e fixados na parede da estação de metrô comunicam diretamente com os transeuntes – como as meninas com uniformes da rede pública de ensino que, ao lerem um cartaz sobre a legalização da maconha, riram e comentaram: “Esses caras são malucos!” Muitas rodas de discussão sobre assuntos os mais diversos são programadas, mas é comum que, inesperadamente, forme-se um círculo e inicie-se uma nova discussão.

As atividades da acampada podem ser, a propósito, livremente propostas junto ao GT de atividades, tendo como condição de aceitação não serem reivindicadas por qualquer organização específica. As barracas estão enfileiradas conformando um corredor de aproximadamente uns 50 metros, que se inicia próximo ao Cine Odeon e ameaça alcançar a Câmara dos Vereadores. Os maracatus tocam os seus tambores, poetas declamam poesias, palhaços respeitam o público e as assembléias instituem, junto disso tudo, um espaço político diferente. Aos que olham com desconfiança para a acampada, que discordam do seu rumo, que se sentem mais velhos ou com menos tempo, sugiro que insiram a Ocupa Rio em sua programação semanal, escolham um debate para tomar parte, proponham outros, divirjam nas assembléias, que construam, enfim, o movimento juntos. Afinal, a acampada está na praça, e esta praça não tem cancelas. Ao menos enquanto não deixarmos.

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Nota

[1] http://www.fastcompany.com/1792056/occupy-wall-street-demographics-infographic

As fotos foram recolhidas do site www.ocupario.org, exceto a última, que foi recolhida aqui.

7 COMENTÁRIOS

  1. Eduardo, creio que você tocou em alguns pontos fundamentais – a começar pelo caráter “enigmático mesmo entre experimentados militantes de esquerda” que as acampadas, como a do Rio, parecem ter. É compreensível (e esperável), embora lamentável, que partidos e grupelhos da esquerda tradicional, especialmente aqueles de figurino bolchevique, reajam de uma das seguintes formas: 1) buscando aparelhar; 2) desprezando, fazendo zombaria e mantendo-se à distância. Como aparelhar tem se mostrado extremamente difícil (houve tentativas, aliás desastradas), restam o escárnio e o desprezo, como a raposa da conhecida fábula de Esopo. Para além da tematização de diversos problemas – alguns aparentemente mais específicos, outros bastante abrangentes -, é preciso saber valorizar, justamente, o que você chamou de o papel do OcupaRio e das acampadas em geral como “laboratórios de democracia” – democracia direta, bem entendido. E eu iria um pouquinho mais longe: creio que eles são, esses territórios dissidentes, espaços de experimentação e vivência de uma forma de sociabilidade alternativa, ou de uma “paidéia” alternativa. Não se trata, portanto, apenas do aspecto explicitamente político do movimento (os momentos de discussão e debate, os modos de organização etc.), mas da valorização da solidariedade, do carinho, da ajuda mútua, do diálogo… Ao mesmo tempo, e apesar de tudo isso, você não se furta a levantar, de maneira construtiva e simpática, algumas ressalvas (que eu, aliás, compartilho). Creio que a simples existência dessas acampadas já é um ganho. Quanto ao mais, é preciso apostar e colaborar para que certos fatores de isolamento sejam superados. Textos como o seu ajudam enormemente nessa direção.

  2. Acho a experiência da Cinelândia válida, principalmente pelo ponto que vc ressaltou enquanto “laboratório de democracia”. Várias pessoas ali estão tendo contato pela primeira vez com esse tipo de organização política, que adota práticas da democracia direta como a deliberação efetiva sobre as decisões, para além dos limites de uma participação “magra” ou consultiva da democracia representativa. Outro aspecto mto positivo é a retomada dos espaços públicos para o debate político. As praças, que outrora eram o espaço por excelência do debate e da vida pública, perderam ao longo do tempo esta função, sendo ela sobreposta pela função do mercado. A retomada da dimensão política das praças me parece ainda mais clara no caso de Wall Street, que de principal praça financeira mundial passou a ser uma espécie de, com algumas várias aspas, “ágora” contemporânea. Esse simbolismo é fortíssimo e me parece muito interessante. No entanto, acredito ser necessário refletir também sobre a forma como a ocupação se organiza. Acredito ser esse um dos motivos do seu relativo isolamento, e possível limitador para que o movimento abarque outros segmentos sociais. É completamente plausível a postura de desconfiança sobre os partidos políticos pelos motivos que vc apontou. Mas, nem sequer dialogar com outros setores da esquerda dita “tradicional” e simplesmente rechaçar sua participação me parece contribuir para o isolamento do movimento. Esse diálogo se faz necessário, até pelo movimento ter justamente um caráter de participação “aberta” e por ter principalmente um fim que é também comum a outros setores da esquerda: a luta anti-capitalista. Por fim, creio que a forma como as decisões são tomadas, deixando de lado o voto e adotando o consenso e o veto, pode ser um limitante para a participação de outros segmentos sociais na ocupação. Além do consenso não ser necessariamente mais democrático que o voto, me parece que a deliberação por essa dinâmica toma um tempo enorme dos participantes e é muito desgastante, deixando menos tempo para o aprofundamento de possíveis debates sobre questões mais concretas, que poderiam mobilizar mais pessoas para a ocupação. Qual trabalhador hoje possui tempo pra uma dinâmica deliberativa como essa? Esse método, usado em Wall Street, na Puerta del Sol e em outros espaços, se adapta bem a uma ocupação de estudantes e trabalhadores desempregados, até pela realidade que se vive hoje no centro do Capitalismo, com altas taxas de desemprego como vc mesmo aponta. Mas, e por aqui? Será ele a melhor opção? Acredito que as nuances da crise pelo mundo, neste sentido, devem produzir debates e reflexões que possam dar ao OcupaRio a possibilidade de adaptação ao nosso contexto, para que ele abarque outros segmentos sociais, com outras demandas, com outra cara, com outra cor. Um abraço rapaz, bom artigo!

  3. O que explica que as agendas de todos os Ocupa no Brasil sejam tão idênticas e reflitam quase que integralmente a plataforma política de um determinado partido emergente, o qual se forja exatamente, em maior grau, no meio acadêmico (UNISINOS, USP, UERJ, UFPR, UFMG, etc.)? Estou falando do PSOL, claro. Há um certo apoio de outros partidos em ascensão, mas a agenda é de um só. Como é possível não verem isso e ficarem na retórica do modo de discussão interna e da vinculação ou não a uma onda mundial, quando fica patente que o Ocupa no Brasil se organiza em nível nacional e repercute as mesmas pautas? Espontaneismo? Não creio. Se era pra repudiar os partidos e a política tradicional, mas vêm com o lema do PSOL escancarado (‘um mundo melhor é possível’) em cada acampada (ou acampamento), falhou. O PSOL é governo formal em vários municípios e, curiosamente, não emprega 10% do orçamento público na Educação onde é governo. A gente tá tão preocupado em ver o que tem dentro da bandeja que não consegue ver a própria bandeja …

  4. Caro José Afonso,

    O seu comentário está, no mínimo, desinformado. O PSOL não possui nenhuma administração municipal – na verdade, eles tem apenas 7 deputados federais, e outros tantos estaduais e vereadores (eu não sou filiado ao partido, estas informações eu busquei no site deles…). Quanto à influência deste partido na Ocupa Rio, posso AFIRMAR que ela foi inexistente durante a preparação da acampada no dia 15/10, e, a partir do dia 22, alguns militantes seus tem comparecido e participado das atividades, mas de maneira independente. A semelhança de agendas e de práticas políticas das acampadas no Brasil deriva, na minha opinião, da grande influência dos ativistas do grupo Anonymous – os quais efetivamente convocaram e “garantiram” os acampamentos nos primeiros dias – e, também, porque, hoje, certas demandas estão se tornando consensuais no país, como esta da destinação dos 10% do PIB para a educação.

  5. Meu teste pra saber se você tinha conhecimento sobre o PSOL funcionou! Realmente, não têm ainda nenhuma prefeitura, vc tem razão aí – no resto, mantenho o que postei: seria muita coincidência mesmo que tantos ‘anonymous’ fossem simpatizantes do PSOL a ponto de colocar vários pontos de sua plataforma em cada acampamento, ops, acampada. Afinal, o partido teve poucos votos nacionalmente, como poderia sua pauta predominar em um movimento supostamente espontâneo anônimo e apartidário?

  6. Sou do RJ, e posso afimar com todas as letras que os anonymous já saíram de lá faz tempo, justamente por perceber que aquilo é uma enorme enrolação mental com posturas claramente partidárias, organizadas pela turma psol/pstu.

    Abs!

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