É fácil perder-se diante de um emaranhado de conceitos desconexos que, através de retórica apocalíptica, almeja integração orgânica ao sistema, estabelecida a partir de um consenso de amplas bases no campo da produção cultural. Por Regis Argüelles [*]
A obra de arte reproduzida é cada vez mais a reprodução de uma obra de arte
criada para ser reproduzida. […] Mas, no momento em que o critério da autenticidade
deixa de aplicar-se à produção artística, toda a função social da arte se transforma.
Em vez de fundar-se no ritual, ela passa a fundar-se em outra práxis: a política.
Walter Benjamin, A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade Técnica
Não se passaram mais de três anos desde que soube da existência de certo coletivo de cultura que atuava especialmente na esfera da música independente. Naquela época, dizia-se que as ações de tal coletivo concentravam-se na realização de festivais pelo Brasil, de preferência em localidades que estivessem à margem do eixo cultural hegemônico. Assim, bandas e demais profissionais coletivamente divulgariam seus trabalhos, aproveitando-se do imenso vazio cultural a que estão submetidos aqueles que, por devido infortúnio, viviam desprovidos da produção musical independente do país.
O “Circuito Fora do Eixo”, o coletivo em questão, define-se como uma “rede de trabalhos concebida por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul no final de 2005”, que, inicialmente, conectou produtores das cidades de Cuiabá (MT), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR). De lá para cá, entretanto, o coletivo ampliou sua área de atuação: está hoje em 25 dos 27 estados da federação — inclusive no “eixo” Rio-São Paulo, como faz questão de destacar em seu sítio — e busca conexões mais orgânicas com outros países da América Latina. [1] Ao que tudo indica, o Fora do Eixo (FdE) obteve êxito em relação à sua proposta inicial de fomentar o trabalho de artistas e produtores culturais de regiões diversas, que comumente estariam alijados de participar dos circuitos tradicionais de financiamento de cultura.
Uma das figuras-chave do FdE é Pablo Capilé, produtor cultural originário de Cuiabá. Segundo ele, [2] o coletivo começa a tomar forma por volta de 2000/2001, naquela cidade, a partir de uma casa alugada com o objetivo de agregar músicos, estudantes de publicidade e afins — futuros produtores culturais? — e de enfrentar os desafios da nova configuração do mercado de música. Servindo como espaço de ensaio para as bandas (e também, imagino, para o estudo compenetrado de textos de Baudrillard por parte da galera que não sabia tocar, os universitários), a convivência na casa estimulou a discussão entre músicos e demais “agitadores” sobre as leis de incentivo para que, de maneira colaborativa, conseguissem “ocupar mais espaço”. Em outras palavras, o coletivo se organizou no sentido de ganhar editais públicos e privados de financiamento, capazes de capitalizar vôos mais altos de bandas e produtores associados.
A coisa não para por aí. Capilé destaca que, recentemente, o FdE passou a atuar no aparelho de Estado stricto sensu, “trabalhando para a eleição de vereadores em alguns estados, posicionando secretários de cultura em outros”. [3] Trata-se, portanto, da efetiva transformação de mero concorrente de editais de financiamento em um aparelho orgânico de atuação no tecido político institucional, com todas as benesses e contradições que tal posição, necessariamente, engendra.
Um movimento com essas características precisou ampliar os processos de replicação de um discurso capaz de fornecer suporte necessário à agregação dos interesses diversos de produtores de cultura de todo país. Nesse sentido, o “conceituador” Capilé aponta para dois projetos ambiciosos: primeiro, a criação de uma Universidade, a UniFDE, responsável pela sistematização de todo o processo de formação do circuito; e a organização do Partido da Cultura (Pcult), “um núcleo de contaminação constante de um processo de organização das políticas públicas desenvolvidas por esses coletivos”. [4] Em outro lugar, o Pcult é definido como
“um fórum informal, ambiente supra-partidário permanente [que] trabalha para que a Cultura, tanto quanto educação e saúde, seja tema central dos debates políticos eleitorais, nas campanhas que acontecem a cada dois anos no país e no desenvolvimento do Sistema Nacional de Cultura, aglutinando diversas entidades, redes, movimentos e pessoas de todos os estados do país em torno de temas diversos, sempre na esfera cultural.” [5]
Parece que estamos diante de um quadro no qual o FdE eleva-se à condição de portador de uma nova proposta de organização material da cultura, ainda que subordinada à organização partidária institucional e às leis mais amplas de reprodução do sistema do capital. Um dos indícios desta condição é a moeda Cubo Card, um sistema de créditos que funciona como forma de pagamento entre os participantes da rede de trabalhos: “O Sistema tornou-se referência para a replicação (leia-se remuneração?) nos coletivos do Circuito FdE, gerando a construção do Banco Fora do Eixo Card”, informa o sítio do coletivo.
Universidade, Banco, Partido… existem limites para o FdE? Um radiante Capilé constata que as adesões à rede são cada vez mais conscientes e voluntárias, evidenciando que hoje vive-se na era do “pós-rancor”, em contraposição à “sociedade do rancor, típica do século XX”. A profª Ivana Bentes (ECO-UFRJ) aponta que o FdE é uma das experiências coletivas mais capazes de influenciar políticas públicas, além de constituir (junto com outros movimentos, como as marchas)
“a base de um novo ativismo contemporâneo, a emergência do precariado cognitivo, […] da percepção que o sistema trabalhista fordista e previdenciário não dão mais conta da dinâmica de ocupações livres (mesmo que frágeis e sem segurança) no capitalismo de informação” [6].
Os modelos contemporâneos de circulação de valores monetários e de sociabilidade justificam a organização “solidária e em rede” do FdE e de demais lutas. Afinal, “não é só o capitalismo financeiro que funciona em fluxo e em rede, veloz e dinâmico. As novas lutas e resistências passam por essas mesmas estratégias”, afirma Ivana Bentes. [7] Para aderir às “novas” lutas é simples: basta ressignificar-se, ou seja, compreender que a sociedade da cognição (cognitariado, informação, multidão, pós-marca, etc.) impõe determinados fluxos — e que os movimentos sociais e de cultura devem adequar-se aos mesmos, sob pena de perderem o bonde da história.
Abane a cabeça, leitor; faça todos os gestos de incredulidade. Afinal, diante de tal guerrilha semiótica, o chamado à realidade de Machado de Assis me parece mais que apropriado. É fácil perder-se diante de um emaranhado de conceitos aparentemente (propositalmente?) desconexos que, através de retórica apocalíptica (o fim da sociedade do rancor, que nada mais é que o fim da luta de classes, de acordo com a lúcida análise de José Arbex Jr [8]), almeja em verdade integração orgânica ao sistema, estabelecida a partir de um consenso de amplas bases no campo da produção cultural. Resta saber se o crescimento vertiginoso do FdE autoriza-o a figurar nas posições de intérprete vivaz do mundo contemporâneo e direcionador de políticas públicas de cultura. A seguir, procuro demonstrar que, nesses casos, recomenda-se máxima cautela.
As mais contundentes críticas à avalanche discursiva pós-ideológica produzida pelos intelectuais ligados ao FdE pousam, curiosamente, em questões materiais. China, músico pernambucano e VJ da MTV, um dos pivôs do dissenso, fulmina:
“Eu vivo da música e preciso receber os cachês dos shows para conseguir sobreviver. Ainda não estão aceitando cubo card na padaria e em nenhuma conta que eu tenho [sic] que pagar no fim do mês”. [9]
Vejam só, aqueles que produzem arte, ou ainda, aqueles que investem a maior parte de suas energias em objetos artísticos estão também inseridos em uma economia de mercado e, por isso, dependem de rendimentos para continuarem vivos e produzindo aqueles objetos. Até aí, nada de novo no front. A proposta de oferecer uma moeda qualquer como pagamento tenta inovar na remuneração e na circulação de formas artísticas, o que pode até soar interessante, mas esbarra em um problema material: “não estão aceitando cubo card na padaria”. [10]
Não é difícil compreender que a organização de um festival de música é custosa. Além do cachê dos artistas e demais profissionais, existe uma série de questões que precisam ser equacionadas, tais como alimentação, segurança, atendimento médico, transporte, etc. Custa grana, e não é pouca, o que torna incontornável o problema do financiamento de cultura. Os movimentos pós-ideológicos, a despeito da postura cínico-crítica em direção à sociedade do século XX, apelam sem maiores pudores para o velho Estado quando o assunto é capital para suas empreitadas culturais.
A posição de campeões dos editais públicos de cultura foi responsável por mais questionamentos às práticas do FdE. Na visão de Álvaro Pereira Jr., o Brasil virou a terra dos indies estatais, onde “o viés ideológico direciona os recursos estatais [e] estar aliado à política cultural do poder é crucial”, sendo o FdE apontado como expressão maior, a personificação do indie de Estado. [11] De acordo com um dissidente da Associação Brasileira de Festivais Independentes (ABRAFIN), a entidade, sob a gestão do FdE, vem concentrando seus esforços em direção aos incentivos estatais, não avançando no mesmo sentido quando o assunto é a iniciativa privada. [12] Um coletivo que recentemente saiu do FdE deu a entender que a atividade política tem consumido de tal forma alguns agentes, ao ponto de se tornar uma ameaça aos ideais fundantes do movimento. [13]
Na verdade, relações orgânicas entre intelectuais e Estado stricto sensu não são novidade no Brasil. O peso específico do Estado na formação social brasileira foi um dos elementos determinantes da relação de “cooptação” de intelectuais que, a fim de efetuarem suas compras diárias na padaria e na botica, acabavam por ocupar algum cargo na burocracia civil ou militar. Uma vez à sombra do poder, não era imperativo que o homem de cultura do Império, da República Velha ou do Estado Novo flexionasse sua prática criadora rumo à ideologia dominante (embora muitas vezes o fizesse); em realidade, lhe era aberto todo um leque de modos de pensar não-apologéticos, conquanto que a discussão sobre a estrutura do Estado que permitia a criação “livre” e “intimista” prosseguisse intocada pelo nosso intrépido artista, tal qual se observa no culto à subjetividade promovido pelo romantismo e pela contracultura (COUTINHO, 2011, p. 49).
Apesar da perenidade observada nas relações entre intelectuais e Estado, elementos interessantes complexificaram o quadro esboçado acima, a partir de meados dos anos 70, em plena ditadura militar. A Política Nacional de Cultura, institucionalizada pelo governo do general Geisel, teve por objetivo o investimento direto do Estado em produção cultural, aproximando-a de moldes empresariais, cuja profissionalização e a conquista de mercado eram pontos essenciais. Nos anos Figueiredo, artistas e produtores culturais vivenciavam um momento de maior espaço para a produção, que, por sua vez, já se enquadrava dentro dos parâmetros de uma indústria cultural de massas. Desta feita, a associação entre produto cultural e mercadoria encontrava-se, naquele período, em bases suficientemente sólidas. A simbiose entre mídia e mercado, amplamente disseminada desde então pela TV, aumentou as possibilidades de associação entre mercadoria e produto cultural, ao colocar, por exemplo, a propaganda daquele sabão em pó no enredo de sua novela favorita. [14] Estava, portanto, pavimentado o caminho para a ampla atuação de um tipo de intelectual no cenário cultural brasileiro: o produtor cultural, responsável pela conexão entre os trabalhos de arte e os detentores dos meios de difusão das obras (monetários e materiais), e a consequente capitalização dessa relação para ambas as partes — e, é claro, a garantia de remuneração pelo próprio trabalho.
Enquadrada dentro de uma indústria cultural convulsionada pela livre troca internetiana de arquivos digitais, restou à rede de trabalhos do FdE apelar ao porto seguro do Estado, o velho mecenas da cultura nacional. Decerto, o Estado que financia as ações do coletivo não tem mais aquela carranca associada à ditadura militar; repaginado pela Terceira Via, pelas teorias políticas pós-modernas, pelo “Lulinha paz e amor” — evidências da inversão ideológica ocorrida dentro do PT e de outros setores da esquerda brasileira — ostenta aparência de um “vovô garoto”, livre do ranço burocrático e ideológico da “sociedade do rancor”. Todavia, esse novo Estado investe em determinada produção cultural incapaz de colocar em questão a estrutura material de dominação assegurada pelo próprio Estado, cujo efeito é encapsular a produção artística aos condicionamentos objetivos das relações de poder.
A associação acrítica ao aparelho de Estado e à lógica empresarial são operações comuns em movimentos socioculturais alimentados por certos esquemas teóricos pós-marxistas e pós-modernos, como é o caso do FdE. E dificilmente poderia ser de outro modo, na medida em que boa parte daqueles esquemas prega a autonomização absoluta da cultura e do trabalho imaterial em relação às condições materiais de produção e ao trabalho material. Nesses termos, a dificuldade de negociação de cachês ficaria atribuída a um problema de cognição dos pernambucanos; a importância do FdE estar na cidade de São Paulo residiria no fato desta ser um “simulacro da Babilônia”. A própria noção de materialidade das teorias “pós” fica obscurecida pela subsunção da matéria a um significante, a uma contingência radical ou a pura heterogeneidade. Esse tipo de argumentação promove o colapso do mundo material em um tipo de exterioridade/meio que abre caminho para a produção abstrata de ideias (McLAREN e FARAHMANDPUR, 2002).
O projeto ambicioso do FdE parece agora refém de seu próprio nó conceitual, pois todo este aparato parece não responder satisfatoriamente aos questionamentos econômico-políticos promovidos por músicos que resistem à ideia de virarem “artistas pedreiro” (a profissão concreta de pedreiro, massificada pelo século do rancor, ainda oferece remuneração aceita na padaria) ou que veem com reservas tanto uma associação deveras orgânica ao Estado quanto o próprio método de atuação política do coletivo. Ou melhor, as respostas oferecidas até então apenas reforçam a circularidade do discurso do FdE, mesmo quando o assunto é a produção cultural de todo um estado da federação (“o problema de Pernambuco é cognitivo”).
Evitando estar tão certo da minha posição como estão, contraditoriamente, os intelectuais que pregam o fim das metanarrativas, penso que o problema da cena musical independente de Pernambuco passa por uma questão material. Negá-la — ou obscurecê-la com um conjunto de argumentos e conceitos — significa perder a proteção discursiva autorreferente e “revelar suas próprias afiliações de classe e a ideologia que faz sua lógica interna aparentar um sistema lógico universal” (EBERT e ZAVARZADEH, 2008, p. xxi). Talvez seja a própria negação da influência das relações materiais no plano sociocultural que permita a Capilé sugerir o apoio da Coca-Cola à “Marcha da Liberdade”, [15] argumentando que hoje as empresas buscam um contato direto com os movimentos sociais, sem que seja necessária a exposição de sua marca. Da mesma ordem foi posicionar-se contra a possibilidade da Marcha reivindicar ao poder legislativo um projeto de lei que obrigue a polícia a fazer uso de armas “menos letais”, quando se trata de reprimir manifestações — afinal, não era necessário, para o coletivo, pautar qualquer coisa além da “própria ideia de liberdade”. [16]
Em suma, a posição política do FdE acaba por capitular diante da lógica totalizante e homogeneizante do capitalismo, e do papel do Estado na reprodução desta lógica. Como afirmou Ivana Bentes, “o FdE entendeu que o modelo da produção cultural é o modelo de funcionamento do próprio capitalismo” [17]. Tal argumentação chega a ser alarmante, dado que esse modelo de funcionamento vem convulsionando-se em larga escala nos últimos 20 anos e, mais recentemente, submeteu a economia global a uma crise sem precedentes, cujos efeitos ainda são sensíveis. O que pensar então da produção musical independente submetida a tal lógica autodestrutiva?
O mais curioso nisso tudo é que as manifestações mais inovadoras em resposta à crise do capital (e a consequente tendência em aumentar seu caráter predatório) vêm pautando o papel das grandes corporações, do Estado e da grande mídia na manutenção de um sistema de exclusão econômico-política real da maioria. Um exemplo é o Occupy Wall Street (OWS) e suas derivações por todos os EUA que, ao mesmo tempo que usam e abusam das novas possibilidades de conexão e distribuição de mídia disponíveis no mundo virtual, convocam greves gerais, boicotes às grandes empresas, realizam assembleias ao ar livre (com presença de movimentos sociais de todas as matizes) e apontam para uma democracia horizontal (“We are the 99% [Somos 99%]”). A resposta do Estado — atuando com apoio explícito das corporações — a esses movimentos tem sido dura, dadas as demonstrações violentas de desocupação pela polícia, as prisões em massa e demais arbitrariedades. [18]
Não podemos nos esquecer de que o “pós-modernismo”, hoje (ainda) considerado theoretical chic por boa parte da academia, já possui nada menos que 20 anos de disseminação na realidade cultural brasileira. Não é pouco tempo. Assim, cabe a pergunta: no mundo global volátil e randômico, dado a crises e mudanças repentinas, ao sabor do fluxo virtual de ideias, não seria a política de “esquerda nos eixos” que estaria perdendo o “bonde da história”?
Notas
[*] [email protected]. Baixista indie desempregado (ex Supercordas, The Cigarettes, Stellar, Superbug, A Lydie, 4-track valsa, Polystirene), professor de história e doutorando em educação pelo PPGE/UFRJ. O autor gostaria de agradecer a Kátia Abreu e Felipe Demier pela leitura e sugestões valiosas.
[1] Aqui.
[2] Aqui.
[3] Idem nota anterior.
[4] Ibid.
[5] Aqui.
[6] Aqui.
[7] Idem nota acima. A prof. Ivana Bentes desponta como uma das principais teóricas do modus operandi do FdE, defendendo posições claramente conservadoras que assemelham-se à ironia pós-moderna do “capitalismo plus outras opções”, recentemente verbalizada por um dos maiores expoentes do campo. Conforme veremos adiante, os limites das políticas da pós-modernidade residem justamente na impossibilidade do discurso criticar as relações sociais subordinadas ao modelo de reprodução binário do capital. Sua linguagem altamente complexa acaba por operar dentro dos limites do fluxo de capitais, que, por sua vez, é um dos fenômenos de maior relevância para a manutenção do status quo. Não criticá-lo (“não existe outro mundo”) significa, no mínimo, abster-se da possibilidade de uma atuação política emancipada.
[8] Devidamente replicada pelo artigo “A Esquerda nos Eixos e o novo ativismo” de… Ivana Bentes. (Aqui.)
[9] Aqui. De acordo com o próprio Pablo Capilé (aqui, em 20/12/2011), o FdE encontra-se em “crise diplomática” com Pernambuco, tendo retirado suas bases deste estado. Em uma fala extremamente rancorosa, o produtor cultural acusa Pernambuco de ser o estado da federação que personifica a “lógica do rancor” e, destarte, está hoje isolado e estacionado no plano cultural nacional. Em suma, Pernambuco não soube “ressignificar-se” e adequar-se aos novos tempos do mercado de cultura, que é protagonizado pela proposta organizativa do FdE.
[10] Fui alertado que a remuneração via cubo card hoje está restrita aos participantes efetivos da rede FdE. Assim, os artistas de maior público que se apresentam nos festivais do FdE recebem em reais, o que não deixa de ser uma contradição em termos, pois parece que a condição de “artista pedreiro” só serve para alguns. Uma boa discussão sobre o assunto encontra-se aqui.
[11] Aqui. Ver também aqui. O jornalista Álvaro Pereira Jr. foi agraciado com uma réplica de Pablo Capilé (“Adeus ao sr. Pereira”, aqui).
[12] Aqui.
[13] Aqui.
[14] Ver PELLEGRINI, T. Aspectos da produção cultural brasileira contemporânea. Aqui.
[15] Ocorrida em 28/05/2011, na cidade de São Paulo, que contou com a participação de milhares de pessoas.
[16] Aqui. Esse texto apresenta uma excelente análise dos pressupostos teóricos e contradições do FdE, definindo o coletivo como “uma classe de gestores que visa renovar a burocracia”.
[17] Ver nota 5.
[18] Aqui.
Bibliografia
BENJAMIM, W. Conceptos de Filosofía de la Historia. La Plata: Terramar, 2007.
COUTINHO, C. N. Cultura e sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
EBERT, T. & ZAVARZADEH, M. Class in culture. Boulder, CO: Paradigm Publishers, 2008.
McLAREN, P. & FARAHMANDPUR, R. Breaking significant chains: a marxist position on postmodernism. In: HILLet al. Marxism against postmodernism in educational theory. Lanham, MD: Lexington Books, 2002.
PELLEGRINI, T. Aspectos da produção cultural brasileira contemporânea. Aqui.
Desenhos de Roland Topor.
Ano de eleição, propaganda Occupy WallStreet no PT. Produtores Culturais do Teatro Vila Velha coordenando movimento de impeachment em Salvador. Divulgação e apoio do PassaPalavra. MinC Estadual na cidade. Pasta da cultura digital. Conselho de comunicação no Estado. Blogueiros proguessistas. Juca PT.
Parabéns pelo ótimo texto. Chamou especialmente a minha atenção o trecho que termina na frase abaixo:
”(…)esse novo Estado investe em determinada produção cultural incapaz de colocar em questão a estrutura material de dominação assegurada pelo próprio Estado, cujo efeito é encapsular a produção artística aos condicionamentos objetivos das relações de poder.”
De fato, nunca tive notícia de que uma discussão nesse sentido fosse promovida pelos membros do Fora do Eixo. Sempre me incomodei com isso, pois essa seria a discussão mais relevante em qualquer projeto de intervenção política na “cultura”! Espanta-me que não ocorra esse mesmo incômodo em pessoas como Ivana Bentes, uma estudiosa de Glauber Rocha. Aliás, é bem o contrário: há apenas uma defesa cínica do tal “pós-rancor”. Essa suposta militância dos indies do Estado acaba se revelando cada vez mais uma aplicação torta de modismos intelectuais para fins apolíticos, já que, antes de tudo e no fundo, são fins colonizadores (do mercado) e administrativos (de privilégios).
Parece-me que o autor confunde o Fora do Eixo com os seus ideólogos. O “pós-rancor” é uma máscara que essa empresa do terceiro setor especializada em cultura veste muito comodamente atualmente. Iguana Bentes e Claudio Prado sempre quiseram ser os profetas de alguma coisa, os porta-vozes de algo e o FdE foi o único a colocá-los neste papel (e não por ingenuidade), mas poderia ser outra ideologia para manter as mesmas atividades econômicas com os mesmos objetivos políticos que se camuflam no discurso das “redes em redes”, do pós-rancor e etc para não listar todos os verbetes de seu dicionário. E qual é o objetivo político do Fora do Eixo? Aonde querem chegar criando dicionários próprios, universidades
Caro Wagner Pyter/Spider, achei sua análise dos bastidores das mobilizações recentes em Salvador bastante interessante. Porque não escrevê-la de forma a melhor comunicá-la a terráqueos?
O movimento fora do eixo começou bem, parece-me, mas é inegável sua pretensão a eixo, a estado.
No EUA há o OWS, aqui teremos logo, logo o OTS, ocuppy the state.
Ainda se dizem artistas, medonho isso. A meu entender o verdadeiro artista é aquele que acredita na arte, na sua capacidade criativa e que, para demonstrá-la, necessariamente precisa ser livre.
Qual liberdade um artista estatal possui?
Isso me lembra Maiakósvki, para não destacar Rita Lee em seu show de despedida.
O occupy montou partido no EEUU, mas lá é independente né? Aqui rolando lobby do A Tarde, retorno tropicalista de Caetano Veloso, invenção de uma Primavera no verão. Movimento da cidade alta, tem investido todas suas fichas com o judiciario, mesmo fraco sem os apoios institucionais do crea, do iab.
Não tenho palavras pra descrever esse post. Um trabalho de pesquisa sensacional! Já li, mas vou reler e reler e reler. Ah…e compartilhar também…Parabéns!!
Primeiramente gostaria de parabenizar o autor pelo belo texto acima, uma analise detalhada do modo pelo qual os gestores da cultura (porque não burocratas) se transvestiram de “ativista” que se propunham a colocar a “cultura” na ordem do dia. Com uma boa análise, o autor conseguiu desmestificar esses burocratas do terceiro setor que querem se passar por “ativistas” da cultura.
Só teve uma coisa que me incomodou um pouco, foi uma possível relação entre essas novas organizações do “pós-rancor” (ou seja, fim da luta de classes) com o novo modo de se organizar que tem como base a multidão (por preservar a diferença na unidade) e não o povo (uma unidade uniforme que não aceita a diferença), segundo Michel Hart e Toni Negri.
Claro, esses novos gestores da cultura parecem ter compreendido a lógica do capital – da qual os autores citados acima tentam expor nos textos como “Império” e “Multidão” – e se aproveitam para conseguir firmar negócios onde antes era impensável, tendo em vista as infinitas possibilidades de mercado criada pelas novas tecnologias.
Ao que parece o capitalismo cognitivo é a tendência que organiza as demais áreas do sistema, cada vez mais assistimos a mudança nos modos de produção, as atuações em rede facilita e aumenta a efetividade da produção, assim como a flexibilidade do trabalho permite com que o trabalhador execute mais de uma função, eliminando novos postos de trabalho, e com o acesso às tecnologias, qualquer lugar do mundo pode ser um local de trabalho.
A relação entre o FDe e o conceito de multidão de Negri termina aqui, ambos buscam atuar sob a nova lógica do capital, mas o primeiro tem como norte a perpetuação da opressão da classe dominante. Já o segundo busca propor novas táticas de organização da classe trabalhadora para romper com a lógica do capital, como podemos ver nos diversos movimentos occupy – ou seja, avanças na luta de classes.
Segundo Negri, esse movimento do capitalismo cognitivo que impulsiona a colaboração em rede para atingir patamares de efetividade da produção nunca visto antes, pode ser re-apropriada pelo movimento anticapitalista na luta por uma maior democracia, ou melhor, na busca por execer a democracia direta. Olhar para ferramentas da luta de classes como o CMI – que tem como base a colaboração em rede -, as guerrilhas nos anos 60 e 70, os zapatistas nos anos 90, nos permite ver que o capital – cognitivo – reapropriou essas táticas e se adeptou ao novo cenário. Cabe então compreender esse novo cenário para poder responder a altura do capital.
Ótimo artigo, me parece que FDE trabalha como qualquer empresa que entendeu a lógica do fluxo de informação para explorar os trabalhadores da cultura.
O que mais me deixa indignado como foi mencionado é confusão que causa quando um gestor cultural que está completamente desconectado das lutas locais se coloca como um ativista e desqualifica os que estão a tempos na luta e seus movimentos.
Já ouvi muita besteira de pessoas ligadas ao tipo de ideologia que FdE ao tentar desqualificar o MPL, o Movimento Estudantil e mídias livres que não aceitam serem tuteladas pelo mercado ou Estado.
Não acredito que essa geração de gestores possa se chamar de pós-rancor pois o que mais fazem é se fechar em grupelhos em ditaduras sem estrutura e malhar tanto os coletivos autônomos, quanto companheiros de movimentos e sindicatos que a anos apoiam e estão nas manifestações junto com os coletivos autônomos.
Bruno Cava
É a coisa da dialética, Fabio Malini, o capitalismo faz o Muitos virar
Dois virar Um, dois em um, enquanto a afirmação faz o Um virar
Dois virar Muitos; nesse sentido, o FdE é um vírus hacker mesmo;
pro PP tem a máscara (capa proteica) de revolução e o interior (RNA)
de estado, e assim infecta o organismo das lutas de esquerda, mas
pros intelectuais orgânicos do FdE (ou você é FdE ou é parceiro ou é
rancoroso velho, rede de redes parceiras), a capa proteica é de
estado e o RNA de revolução, então assim ele infecta o estado das
novas lutas. Eu acho que a melhor forma de ver esse hackerismo
virótico seria mudar isso tudo e ver não como capa proteica e RNA,
mas como a pele e o avesso da pele, e daí analisar as relações. Não
lembra a militância leninista onde você é revolucionário 24 por dia, o
partido acima de tudo, de questões filosóficas, ação, ação? E ao
mesmo tempo, não lembra o executivo da multinacional, investido
da subjetividade da empresa trabalhando 24 horas por dia?
Ontem às 16:11
Eu achei um ótimo artigo. Conseguiu desmistificar o FdE como uma alternativa do “eixo”. De que adianta o FdE tomar o poder da cultura nacional se a lógica – recrutamento, seleção e distribuição de produtos culturais – é exatamente a mesma do “eixo”? É troca seis por meia dúzia.
Assim como a Cirlei Araújo, me perguntei qual liberdade um artista estatal possui? Se a lógica do FdE é a mesma do “eixo”, a mesma lógica da indústria cultural brasileira, por que dar créditos ao Fde?
o pós-rancor foi um verbete mto bem bolado pelos marqueteiros do FdE ;)
Primeiramente gostaria de agradecer aos elogios e felicitações pelo artigo. Vou tentar comentar algumas questões que surgiram aqui, tomando o cuidado pra não me alongar em demasiado.
Martins, eu procurei tomar cuidado em não estabelecer a confusão que você assinalou, e esse foi um dos desafios dentro do quadro de análise esboçado. Penso que o papel dos ideólogos do FdE aproxima-se da definição gramsciana de intelectual orgânico – aquele encarregado da construção do consenso na sociedade civil e política, o “pavimentador” (através dos aparelhos privados de hegemonia) dos caminhos entre base e superestrutura. Quantos aos objetivos políticos do FdE, penso que isso demanda uma investigação mais aprofundada. Seria importante saber quais são os partidos (e aí não só os institucionais) que possuem conexões com o movimento, qual o nível de influência dos partidos que compõem a base do governo, etc. Isso dá um outro estudo.
Quanto à polêmica Hardt e Negri e o conceito de “multidão”, penso que a ideia de democracia proposta aí fica resumida a um conceito político, esquecendo a dimensão econômica da atuação política democrática. Nesses termos, o conceito de classe social – e a consequente superação da dialética da sociedade de classes – se desloca para o terreno de lutas virtuais contra o capitalismo. Como já alertou Ellen Wood, o capitalismo contemporâneo é um sistema que impede a consecução de uma democracia real e, ao mesmo tempo, permite que exista multiplas identidades sociais (reais e virtuais). Afastar a dimensão econômica de classe social, ao meu ver, tira do conceito de classe seu potencial revolucionário.
É esse “descolamento” teórico que permite que a atuação política em um partido de classe seja comparável ao trabalho de um executivo de multinacional, conforme li acima. Sem a perspectiva econômica de classe, as diferenças materiais são diluídas no plano de análise. José Paulo Netto nos lembra que o materialismo dialético é um dos pilares da teoria marxiana; afasta-lo a forceps significa derrubar todo o edifício teórico e a potencialidade revolucionária desse pensamento.
E aí, como bem lembrou o caze, esses movimentos “pós” acabam por negar dialeticamente as lutas organizadas anteriormente, os sindicatos e partidos de esquerda, e demais coletivos. Esse tipo de postura não contribui de fato para o avanço da luta anticapitalista. Obviamente, existem muitos problemas na organização dos trabalhadores, mas podemos reformar essa estrutura, aumentar sua capilaridade e faze-la dialogar com os demais movimentos sociais.
Regis, me permita divergir de você. Mas no conceito de “multidão” do NEgri e Hart não é a noção de classe que desaparece, pelo contrário, ela está presente na sua raíz, o que desaparece é o modo pelo qual a classe (trabalhadora) se organiza. Antes a organização da classe trabalhadora era o Partido. O partido que unificava as diversas lutas, fornecia uma tática e estratégia de luta, lá estava os acúmulos proporcionado pela luta…
No entanto, com a reorganização da classe dominante, com diversos adventos da tecnologia que modificaram as relações sociais, a classe trabalhadora se viu num estágio em que os diversos aparelhos de luta já não eram tão eficazes como antes. Veja o exemplo dos sindicatos, num livro chamado “o mundo na corda bamba – como entender o crash global”, de Willian Greider, o autor expõe num capítulo – intitulado “o fantasma de marx” uma breve análise do porque os sindicatos já não funcionam como antigamente. Com a globalização, o fluxo de capital vai de um lado ao outro do planeta num instante, assim como as fábricas – e os empregos – podem ser transportados dum ponto ao outro do planeta num segundo, neste novo cenário um sindicato internacional se tornou inviável, pois os sindicatos acabam “brigando” entre si, na medida em que um se submete a piores condições de trabalho que o outro, assim o sindicato da alemanha se vê ameaçado pelo sindicato da republica checa pois este aceita condições de trabalho piores doque os alemães, assim os alemães são obrigados a aceitar as condições impostas pelas empresas.
Isso posto, acredito que o conceito de “multidão”, que estes autores lançam mão, busca dar conta deste novo cenário político (que por sua vez é também economico).
Também acredito que esse modo de colocar as coisas, como “pós”, indica uma ruptura que não é interessante pra classe trabalhadora, pois perde o vínculo que liga passado e presente, que permite resgatar o acúmulo das lutas e avançar em outros caminhos. Talvez compreender esse novo cenário no qual o capital se organiza seja o trabalho mais importante para a classe trabalhadora, pois é dentro deste reordenamento em que as lutas serão travadas, e as vitórias dependerá das táticas e estratégias empregadas na luta. Por isso, talvez o conceito de multidão possa ser absorvido pela classe trabalhadora, e com isso permita uma unidade que zele pela diversidade….a horizontalidade e a democracia precisam se constituir como principais ferramentes da classe trabalhadora. Assim quem sabe poderemos ter um elemento que unifique as diversas lutas sem que seja tão totalizante com era o Partido. A outra campanha dos zapatistas tem esse intuito de conferir uma unidade orgânica para as diversas lutas, este pode ser um dos intrumentos da classe trabalhadora…mas deve surgir mais intrumentos como este, com a peculiaridade de que se adeque ao local aonde foi pensado. Acredito que a outra campanha deve servir como norte, como um exemplo de que é possível reorganizar a classe trabalhadora a partir de novos rumos..ou seja, que o Partido não é o unico modo de organização popular…há diversos modos de organização que serão gestionados na luta.
Então antes do conceito de multidão se considerado como “pós”, como o Arbex coloca, talvez ele possa fazer frente a essa nova organização do capital e das relações de produção.
Alex, desculpe-me pelo meu nome não evidenciar explicitamente o meu gênero, mas tu erraste e, creio, também imagino que seu nome já sido confundido, porquanto conheço uma Alex…
Abraço
Olá, gostei bastante do texto. Conheço muitas pessoas envolvidas com o FDE e bem sei que estes estão ou estavam cheios de boas intenções.. mas como diz o provérbio, de boas intenções o inferno está cheio..
Muitos participantes do FDE são jovens de classe média alta que viram ali a oportunidade de criar um modo de vida e de produção novos.. mas uma certa prepotência ( cegueira) juvenil os encaminhou exatamente na direção daquilo que foram criados para ser..
Quanto ao texto, gostei, mas me pergunto, para qual elite letrada o autor está escrevendo? Respeito seu conhecimento, mas admiraria ele ainda mais se ele fosse mais generoso e acessível.
texto bom , pedrada,junto com os comentários fica melhor ainda,mexo na net há uns oito anos é a primeira vez q deixo um comentário.Muitas destas perspectivas ocorrem não só com o fdE , mas com a maioria dos grupos relacionados as ditas linguagens artísticas atualmente. Parabéns.
O artigo vai na exata direção do que fala o Olavo de Carvalho. Claro que nenhum indie/esquerdista/marxista/ongueiro vai ouvir esse cara, dito extremamente reaça. Mas os argumentos são convergentes.
Rodrigo, talvez a convergência exista mesmo, já que o Olavo de Carvalho é um notório impostor intelectual. Apesar de ferrenho anticomunista, ele costuma se utilizar de argumentos gramscianos quando fala de política e cultura. Agora, não espere que eu faça uso da mesma retórica reaça pra falar mal do FdE. Meu debate é pela esquerda.
Surpresa! Apesar de td q ocorre neste país ainda nos surpreendemos. Triste! Desanimador!