Unesp de Araraquara sitiada

Por Felipe Luiz  Guma [*]

Embora muitos assim quisessem, a Universidade não é homogênea, indiferenciada; de modo algum a Universidade comporta todas as idéias e pessoas, pesquisa todas as coisas, pensa tudo que seria possível pensar. Muito ao contrário, a Universidade é um espaço de tensão, de luta e confronto, cheia de fissuras, enfrentamentos e interesses, tal como a sociedade, que a espelha espelhando-se. Em cada menor ponto há o suficiente para iniciar uma luta magistral; em cada vírgula, em cada letra, em cada palavra proferida e em cada ato que se realiza, todas as razões e todos os motivos.

A Universidade traz em si as marcas das lutas que a engendraram, a mantêm tal como ela é, a modificam ou modificaram, que buscaram modificá-la ou radicalmente transformar. Luta-se por tudo: o que e como pesquisar e não pesquisar, como agir, como fazer, como proceder, como organizar. Tantas possibilidades existentes, tantas formas que a Universidade poderia ter tomado; se hoje ela é assim, é porque algum grupo venceu, e a enquadrou na forma desejada; não se trata de um jogo binário, que exclui absolutamente os adversários; uma vitória pode ser parcial, uma derrota pode conduzir posteriormente a uma vitória. Assim, a luta leva a progressão de alguns pontos, a regressão de outros, ao avanço que não cessa ou a derrota que permanece enquanto a resistência não se bem organiza. O melhor meio de conceber a Universidade é, portanto, como um campo de batalha na guerra social que externa e interna à Universidade.

Assim como @s vencedores/as de uma guerra sentem-se no direito de prender, abusar e seviciar os derrotados, na Universidade não poderia ser diferente. Aqueles que vencem o pequeno ou grande confronto, não podem querer poupar @ adversári@, para evitar que ele se recupere da derrota e reorganize suas forças. Após as greves, as ocupações, as paralisações, enfim, a todas as lutas que @s estudantes, funcionári@s e professores/as levam a cabo pela melhoria, aperfeiçoamento e democratização da Universidade, a burocracia universitária — velha vassala dos interesses do grande capital e dos políticos corruptos — empreende sempre uma onda de repressões, que busca criminalizar e torturar psiquicamente e fisicamente @s brav@s lutadores/as que se opõem às suas políticas.

Na UNESP, na USP e na UNICAMP a repressão é usada tanto para buscar dissuadir as novas lutas, quanto para punir os que já lutaram. Sobre todos aqueles que não se curvam aos mandos e desmandos da burocracia universitária, dos reitor@s, e daqueles professores/as autoritári@s, paira a eterna sombra da punição. Criam-se comissões de averiguação, comissões de sindicância, desenvolve-se um processo, termina-se por punir. É que perseguir e punir são meios de disciplinar uma população ou individuo; assim como se bate em um cachorro para que ele não entre em casa, também punem-se lutadores/as para que eles não reajam, para que sejam, ao mesmo tempo, dóceis e produtivos nas posições que a burocracia universitária a eles determina.

Por isso lutar contra a repressão aos estudantes, professores/as e funcionári@s engajad@s é tão importante quanto empreender a luta; pois, se após uma luta não se garante as condições mínimas para a organização das próximas, se aqueles que lutaram não podem desenvolver suas experiências nas lutas a devir, então há a derrota, ainda que não imediatamente visível, do movimento.

A história recente das Universidades não deixa dúvida de como essa tática espúria se mantém muitíssimo viva. Em 2005 a UNESP chegou ao cúmulo de cogitar a expulsão de 24 estudantes, 7 do campus de Franca, 15 do campus de Marília e 2 do campus de Araraquara. Os sete estudantes da UNESP-Franca tiveram a “oportunidade” de ser os primeiros expulsos da história da UNESP, em decorrência de um polêmico ato de terrorismo estético contra o reitor e a burocracia da Universidade; estes estudantes, descontentes com a situação da Universidade, e bem sabendo que a reitoria e a burocracia universitária de modo algum defendem os interesses d@s estudantes e funcionári@s, organizaram, no dia 02 de agosto de 2005, um ato estético contra o reitor: em uma reunião da Congregação da Universidade, interromperam-na, um estudante defecou em um jornal do dia e ofereceu ao reitor, como modo de indicar o que ele estava a fazer com a Universidade e o que ele mesmo, enquanto cargo burocrático, era e representava, ao passo que outro estudante entrou bruscamente na sala da Congregação, e passou a vomitar em um balde, devido ao asco advindo após olhar como a Universidade se organiza; outros cinco (ou serão seis?) estudantes entregaram, então, coquetéis molotovs (bombas caseiras) ao reitor, atribuindo-lhe a vontade de destruir a Universidade; enquanto disso, proferiam palavras contra a organização e estado da Universidade. Foi o suficiente para toda a população esconjurar os estudantes que protestaram, movida, sobretudo, por um moralismo decrépito e por um desconhecimento das condições da Universidade. Contando com escasso apoio político, os estudantes foram expulsos há poucos dias do ano findar, o que abre um precedente bastante sinistro para a Universidade.

Na UNESP-Marília a expulsão dos estudantes foi cogitada enquanto represália a uma Ocupação Estudantil da direção da Universidade; o motivo da ocupação foi a mudança no critério de oferecimento das bolsas de assistência estudantil (que deveria ter caráter sócio-econômico), o que criou uma distorção tal que pessoas com renda per capita acima de R$ 2000 fossem agraciadas com bolsas de R$ 175,00. Então, após a luta findar vitoriosa, instaurou-se uma Comissão de Sindicância, que contava com o nome de todos os membros do Diretório Acadêmico que, não por acaso, contam-se entre os estudantes mais ativos do movimento estudantil da UNESP. Felizmente, após muita pressão política estudantil, a burocracia recuou e a expulsão não ocorreu. Isto ocorreu em 2005.

Unesp de Araraquara sitiada

Já na UNESP-Araraquara o caso foi bastante grave. Duas militantes do PCO (Partido da Causa Operária) foram ameaçadas de expulsão por fazerem distribuição de materiais político-partidários no interior da Universidade, somado ao fato de complicações para eleições de entidades estudantis. A direção da unidade buscou intervir na organização do ME, o que gerou fortes protestos; o clima ficou pesado na FCL, tendo inclusive ocorrido o espancamento de professores, com a presença de skin heads araraquarenses. Uma vigorosa oposição por parte d@s estudantes não foi suficiente para impedir as punições às militantes, ainda que abrandada (!) em uma suspensão de um semestre no ano de 2006.

São alguns casos que, no entanto, não são suficientes para ilustrar. Falamos da repressão contra estudantes, mas não são só eles que empreendem as lutas no interior da Universidade, pois as lutas mais fortes são aquelas nas quais os três setores (estudantes, funcionári@s e professores/as) unem-se. Falemos então da repressão que desaba sobre professores/as e funcionári@s.

Ainda que sejam também @s professores/as que giram a Universidade, não podemos esquecer que eles também não estão unidos em tudo, mas que possuem idéias, concepções e ações que se diferenciam como a areia da água. Assim, existem professores/as que pertencem a grupos políticos que dominam a Universidade que querem calar àqueles que se-lhes opõem. Demitir um/a professor/a concursad@ é um mais difícil que expulsar um estudante rebelde ou exonerar um/a funcionário@ insubmiss@ e combativ@. Mas há outras formas de retaliação: perseguições acadêmicas, não liberação de verbas, ou bolsas, perseguições a orientando, etc. Há casos ainda mais graves, como o do geógrafo franco-polonês Jan Leszek Dulemba, professor da UNESP-Franca, que se matou em dezembro de 1975, em decorrência do clima de perseguição, delação e boatos que os demais professores/as, contrários as suas posições políticas o precipitaram. Há casos mais recentes; ainda ano passado quatro professores do campus experimental da UNESP-Registro foram (e ainda estão sendo) ameaçados de morte, tanto pelo fato de sua militância sindical ativa, quanto em decorrência das investigações que estão a promover sobre as contas da Universidade; as ameaças de morte passam todas pela exigência do fim das investigações, como, por exemplo, na ameaça relatada pela Seção Sindical da ADUNESP de Registro, recebida por telefone: “se continuarem com essas denúncias vão MORRER, TODOS VOCÊS, SAFADOS (…) vocês não precisam saber sobre a PRESTAÇÃO DE CONTAS DO CAMPUS REGISTRO”. A Reitoria não se posiciona, mantendo um mui prudente silêncio sobre os casos. Os professores ameaçados estão a exigir que se cumpra uma portaria da própria reitoria da UNESP que, entre outras coisas, estabelece a contratação de professores/as concursad@s, a constituição de órgãos colegiados locais (pois o campus é administrado por uma comissão indicada pela reitoria) e a já dita elaboração de uma prestação de contas do campus experimental.

No caso d@s funcionári@s, a questão ainda é mais grave; demitir um professor/a doutor/a ou expulsar um@ estudante de classe média gera indignação e repercussão em toda sociedade; já @s funcionári@s são entendid@s como trabalhadores/as não qualificad@s, quer dizer, dispensáveis. Quando a mão pesada da burocracia busca ceifar-lhes o emprego, os motivos não variam: corte de verbas e repressão à atuação política. Nesse sentido, temos um exemplo ainda recente e muitíssimo vivo de repressão aos trabalhadores e à organização sindical: a demissão de um dos dirigentes do SINTUSP (Sindicato dos Trabalhadores da USP), Claudionor Brandão, em dezembro de 2008.

O SINTUSP é reconhecidamente o sindicato mais combativo do país, marcando presença e organizando todas as grandes lutas das Universidades Estaduais Paulistas, dos funcionários públicos e dos explorados em geral. Brandão é conhecido pela sua militância aguerrida e anticapitalista, o que desperta a fúria da burocracia universitária uspiana e dos políticos reacionários. Assim, a Ocupação da USP, na qual o SINTUSP e Brandão estavam na linha de frente do movimento, foi a gota d’água para a burocracia: inventaram um motivo e despediram-no por justa causa. A reação à demissão de Brandão não tardou, pois desde as entidades estudantis, sindicais e docentes, passando por meios de comunicação de massa (como a Caros Amigos), até deputados e ministros se colocaram contra a demissão de Brandão, denunciando-na como ataque à organização sindical e à democracia. Também nós, estudantes, não podemos ficar de braços cruzados diante do autoritarismo bismarckiano da Reitoria da USP; a luta contra a demissão de Brandão é, desde já, uma das pautas para a forte luta universitária que deve se desenvolver este ano, contra os efeitos da crise econômica criada pelos banqueiros, contra as medidas precarizadoras da educação (especialmente o PDI e o EaD) e contra a repressão aos funcionários, estudantes e professores que empreendem as lutas na Universidade.

Há mais, no entanto. A repressão, por vezes, desencadeia-se como forma de acabar com as lutas enquanto elas ainda estão a ocorrer. Assim, a UNESP-Araraquara foi invadida pela polícia quando de uma ocupação estudantil em 2007, no contexto da luta contra os famigerados Decretos Serra. A bicentenária Faculdade de Direito da USP, também foi invadida pela tropa de choque do Governador Serra, enquanto lá ocorria uma ocupação temporária, também em 2007, em defesa da Universidade Pública. Mas as Universidades privadas também conhecem a repressão: a ocupação da Fundação Santo André, Universidade municipal da cidade de mesmo nome, também foi atacada quando os estudantes exigiam menores mensalidades, a investigação do reitor da Universidade (sobre o qual pairava suspeita, posteriormente comprovada, de corrupção) e a reabertura de cursos arbitrariamente fechados pela reitoria, que, não por acaso, eram cursos de ciências humanas, em muitas ocasiões, mais combativos que os demais.

Se a Batalha da USP, no último dia 09 de junho, surpreendeu uns e outros, os motivos não me são claros. A polícia invadir e surrar estudantes, funcionários e professores no interior da universidade é o fio de continuidade lógico das políticas e ações que estão a ser aplicadas vão lá 15 anos. Chegamos em um momento em que a tensão tanto se acirrou que somente os músculos esculpidos e as bombas com cuidado fabricadas poderiam resolver o impasse. Não tenhamos dúvida que este é somente um novo período, há anos dado, da ofensiva neoliberal rumo a privatização completa dos serviços públicos.

Nos meus oito anos de militância no movimento estudantil, cinco dos quais na UNESP, não é a primeira vez que vejo a polícia ser usada contra os lutadores. Desde 2004 a reitoria da UNESP mostra sua disposição em ir até o fim em suas políticas, neste mesmo ano, por exemplo, a Tropa de Choque invadiu a reitoria ocupada da UNESP e chegou mesmo a garantir uma reunião da burocracia acadêmica em Araçatuba, diante de uma multidão de estudantes que se colocavam contra a precarização. Aqueles estudantes expulsos que eu já disse, e dos quais sou um dos representantes, pagaram não só com a expulsão, mas com processos criminais por sua ousadia contra os neoliberais da reitoria e da diretoria. Em 2007, o Choque invadiu a UNESP-Araraquara, ao mesmo tempo em que, na UNESP-Marília, a Congregação deliberava se a polícia teria ou não uma base permanente no campus. Já ano passado vimos o giroflex brilhar na UNESP de Rio Preto. Dois reitores depois, a polícia invade a ocupação dos estudantes da UNESP-Prudente este ano, mostrando que Herman, o atual magnífico da UNESP, não abre mão dos coturnos para se impor.

Polícia, sindicâncias, expulsões, suspensões e demissões de cunho político, são coisas que não combinam com a Universidade. Ao menos, é o que pensam @s estudantes, funcionári@s e a maioria dos professores/as; mas para defender seus interesses vis, sua posição de gestora da Universidade, seu controle sobre as verbas públicas — não raro desviadas tanto para caixa dois de partidos, enriquecimento ilícito ou ostentação de lixeiras folheadas a ouro — a burocracia universitária, os governos subservientes e os exploradores capitalistas não pestanejam em utilizar a força bruta dos policiais, da cavalaria, dos cães, dos cassetetes e das bombas de gás. Eis a sina e a história de nossos dias; eis o que cumpre combater e derrotar.

[*] Do Diretório Central dos Estudantes “Helenira Resende” da UNESP-FATEC.

2 COMENTÁRIOS

  1. o movimento estudantil não está sendo criminalizado.
    ele próprio está se criminalizando.

    é o mesmo movimento estudantil que arma arapucas em assembleias para que poucos alunos compareçam, e permaneça a presença dos agitadores, sempre prontos para falar mais alto e intimidar quem for contrário aos seus votos.

    é o mesmo movimento estudantil partidarizado, contaminado por adolescentes universitários cujo interesse é subir no ranking hierárquico do PSOL, usando milhares de estudantes universitários como massa de manobra partidária.

    é o mesmo movimento estudantil que penetra seus membros nas salas para ludibriar os mais incautos, e agitar uma greve, imposta pelo alto.

    enquanto o movimento estudantil não se aproximar dos verdadeiros sentimentos e vontades dos alunos, aprendendo a negociar com suas diferentes tendências e tipos, este movimento está desacreditado, e por isso mesmo, se criminalizando!

  2. Muito bom comentário do Fantasma sem nome. Que alias não põe nome pois sabe como é a reação após um comentário como este que ele fez.

    Na Unesp – Rio claro é exatamente como ele descreveu, os alunos que participam são filiados ao PSOL, as assembleias vão até 2…3 horas da manhã para que ao final , quando há a votação só estejam presentes os alunos favoráveis a greve, e sempre pegam aqueles que são bixos/ingressantes para manipular pois são mais suscetíveis a isso.

    Vou repetir o último parágrafo do Fantasma:
    “enquanto o movimento estudantil não se aproximar dos verdadeiros sentimentos e vontades dos alunos, aprendendo a negociar com suas diferentes tendências e tipos, este movimento está desacreditado, e por isso mesmo, se criminalizando!”

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