A que tendências e relações sociais corresponde o avanço da bancada evangélica e do conservadorismo no Congresso Nacional brasileiro? Por Passa Palavra
Leia todas as 3 partes deste artigo clicando aqui
3.
A segunda questão de que pretendemos falar é o avanço da bancada evangélica, fortemente criticado pelos “formadores de opinião” como o avanço de uma bancada conservadora, quando não reacionária, dentro do Congresso Nacional. Nisto têm razão. Mas cabe perguntar: a que tendências sociais corresponde este avanço?
O Censo IBGE 2010 aponta que “evangélicos pentecostais formavam o grupo religioso com a maior proporção de pessoas pertencentes a classes de rendimento até 1 salário mínimo (63,7%)” (ver aqui). O censo também aponta que o grosso das pessoas religiosas concentra-se nas faixas de renda até três salários mínimos.
Ora, os últimos dez anos são exatamente os anos da ascensão política e econômica de pessoas nesta faixa de renda, e quem a comemora deveria estar também atento às ideias hegemônicas entre esta “nova classe média” e estes “novos pobres”. Considerando que vivemos num regime de democracia parlamentar onde, dentro de pequenos limites, todo mundo pode se candidatar a qualquer cargo eletivo, é natural que votem em seus líderes religiosos. A consolidação de uma bancada evangélica no Congresso Nacional não é outra coisa além da expressão política desta mesma classe de pessoas.
Mas o que leva ao sucesso das igrejas evangélicas nesta faixa da população?
Fundamentalmente, o fato de as igrejas evangélicas garantirem uma rede de apoio mútuo em meio à precarização do trabalho, que funciona paralelamente ou em substituição à assistência social oficial prestada pelo Estado. As igrejas não são só lugares de culto; são também lugares onde se pode conhecer novos empregadores e empregados, onde se pode pedir dinheiro emprestado a um irmão para pagar as contas num mês em que o orçamento aperta, onde se pode conhecer serviços antes desconhecidos – em suma, é também um lugar onde fazer contatos, que o desemprego prolongado erode facilmente. Acessoriamente, os membros mais integrados à burocracia da igreja costumam encaminhar fiéis a órgãos públicos, advogados, médicos, assistentes sociais, etc. na tentativa de resolver seus problemas imediatos (aposentadorias, questões de família, doenças, etc.). Estes caminhos da burocracia pública e privada, antes completamente misteriosos aos fiéis (voltaremos a isto adiante), agora parecem-lhes completamente abertos pela mão mágica dos religiosos profissionais – forma renovada de clientelismo.
Em segundo lugar, em especial no caso das igrejas evangélicas onde o culto não depende necessariamente de um pastor (que pode ainda supervisioná-lo através de um evangelista, de um missionário, de um auxiliar de trabalho etc.), são os próprios fiéis a organizar cultos em qualquer lugar. Isto faz com que os evangélicos expandam-se rumo a lugares onde nenhuma outra forma de religião organizada havia chegado, e mesmo em lugares de grande isolamento e pobreza. (Não é por mero acaso que certas denominações cristãs neopentecostais proliferam-se através de um sistema muito parecido com o das franquias; isto garante a velocidade da expansão.) A chegada nestes lugares reforça o papel de assistência social alternativa das igrejas, e favorece formas primárias de apoio mútuo e solidariedade comunitária – dentro dos limites ditados pelo código ético de cada igreja, claro.
Em terceiro lugar, as igrejas dão sentido ao mundo e à vida em meio ao aparente caos de uma vida social cada vez mais burocratizada e das mudanças tecnológicas cada vez mais súbitas. Há explicações racionais para quase tudo na vida social, mas poucas delas são confortáveis. De que adianta a um servente de pedreiro, por exemplo, conhecer todos os índices de custos e de produtividade na construção civil se isto não o tirará imediatamente do desemprego? De que adianta a uma dona-de-casa saber se o índice de mortalidade juvenil de sua cidade é “x” ou “y” quando é seu filho que está no caixão? A explicação de um plano do satanás operando contra o indivíduo, que pode escapar dele assumindo seus pecados e humilhar-se em refúgio sob a cruz do Cristo, é muito mais reconfortante que as inúmeras alternativas abertas pela análise racional (que também não dá soluções prontas). As atribulações vividas pelos trabalhadores nos anos 1980 e 1990, não por acaso os anos de maior expansão das pentecostais e neopentecostais frente ao catolicismo antes hegemônico, certamente exigiram certo grau de conforto psicológico e amparo social que nenhuma análise racional da sociedade pôde dar.
Mas o que isto tem a ver com os protestos atuais?
Tudo.
A assistência social paralela e a segurança em meio ao caos serem duas funções ligadas a uma das instituições mais conservadoras da atualidade – a religião organizada – sinalizam não apenas a ineficácia continuada das políticas sociais, mas também dois enormes fracassos históricos da esquerda anticapitalista: o de não ter conseguido promover ou facilitar o apoio mútuo entre trabalhadores em momentos de recuo das lutas sociais e o de não embasar-se nestas redes de apoio mútuo na luta contra o capital. A distância ou incompreensão destas redes de solidariedade e apoio mútuo que terminam sendo organizadas fundamentalmente no espaço das igrejas, ou o fracasso na concorrência contra elas, é o que faz setores da esquerda e dos chamados “formadores de opinião” repetirem os chavões de “alienação”, de “estelionato”, etc.; embora aplicáveis a casos extremos, tais xingamentos irracionais passam por cima do fato de estas redes de solidariedade e apoio mútuo serem formas bastante elementares de resistência às pressões dos capitalistas, recuperadas por um setor em seu próprio favor.
A precarização do trabalho, simultaneamente resultado e fator deste recuo nas lutas sociais, não é outra coisa além do avanço e aprofundamento da proletarização somado ao desmonte das estruturas de apoio e assistência social aos trabalhadores criadas num momento em que seu poder de barganha frente aos capitalistas era maior. Na falta de políticas de assistência social eficazes para fazer frente ao desemprego, ao achatamento salarial, etc., é até de se esperar o surgimento de formas elementares de apoio mútuo e solidariedade comunitária entre trabalhadores. Mas o que importa, aqui, é o lugar onde se estabelecem estas redes, e por que se estabeleceram em uns lugares e não em outros.
O ciclo de lutas dos anos 1970 e 1980 foi marcado pelo surgimento de uma complexa malha de organizações nos bairros de trabalhadores: clubes de mães, associações de bairro, grupos de mulheres, grupos de jovens, coletivos de arte popular, etc. Várias formas de apoio mútuo e solidariedade comunitária desenvolveram-se nestes espaços, mas estas organizações de caráter laico foram e são baseadas no voluntariado de seus integrantes – justo um dos primeiros elementos a ser erodido em momentos de recuo nas mobilizações coletivas.
As igrejas, diferentemente, funcionam com base na profissionalização dos que a ela se dedicam e financiam-se com base em tributos religiosos (o dízimo) e doações outras, tudo isto para que o povo de Deus possa não apenas manter a estrutura hierárquica, mas também expandi-la na medida das forças e empenho de seus “franqueados”. Graças a esta estrutura semi-empresarial e à sustentação econômica baseada na fé, conseguem navegar em meio à tormenta vivida por outras instituições do meio popular. Como estamos falando de redes de apoio mútuo criadas para fazer frente, entre outras coisas, ao desemprego e à falta de assistência social, a eficácia econômica e administrativa das igrejas foi fator determinante para que, naquelas onde se verificou de fato tal eficácia, tais redes tivessem maior durabilidade que aquelas surgidas em outros espaços coletivos ou comunitários não-estatais, suplantando-os ou, quando muito, mantendo com eles relações que vão desde a perfeita harmonia – porque formados por fiéis – à tensão pela hegemonia territorial.
(As igrejas não são os únicos lugares onde uma rede de apoio mútuo e solidariedade entre trabalhadores surgida em tempos de crise pode ser engolfada por formas capitalistas de assistência social. Os espaços comunitários apoiados ou geridos diretamente por ONGs, em sua maioria, integram estas redes na assistência social capitalista. Espaços comunitários ligados de uma forma ou outra a políticos de expressão local, além de cumprirem este papel, servem-lhe de base eleitoral. Mesmo espaços apoiados ou tolerados por chefes de facções do crime organizado local, no limite, poderiam também integrar este campo, assim como os incontáveis “favores” que prestam a uns e outros membros da comunidade. Mas como o foco desta análise está nas igrejas, infelizmente não será possível avançar mais neste debate.)
Esta organização dos setores mais precarizados em torno das igrejas, principalmente as pentecostais e neopentecostais que foram as organizações a conseguir dar respostas mais sólidas às demandas deste setor dos trabalhadores, reflete uma situação particular, porém não inédita. De um lado, e de forma acelerada, frações da classe trabalhadora se incorporam nos setores mais produtivos da economia devido à abertura do país aos capitais externos e ao aumento de vagas nas universidades e escolas técnicas, vivendo de trabalhos sujeitos a métodos pós-fordistas de gestão que exigem uma nova cultura do trabalho. Do outro lado, setores que dificilmente serão inseridos nos circuitos mais produtivos da economia são explorados como nunca antes, seja na informalidade, seja em trabalhos com uso menos intensivo de tecnologias (geralmente no setor de serviços). Se para o primeiro grupo, além de outras instituições, temos as universidades e escolas técnicas a formar estes trabalhadores, no segundo grupo, por mais que a expansão das universidades e escolas técnicas objetive também alcançá-lo, as igrejas exercem papel fundamental e criam uma coesão no discurso como em poucos momentos da história foi possível. (O fato de não termos a maior parte dos setores populares da classe trabalhadora ainda inserido diretamente no mundo das igrejas não diminui esta realidade, pois mesmo os não inseridos são fortemente influenciados pelos que optaram pelas igrejas enquanto espaço de socialização e pela religião enquanto ideologia.) Graças às redes religiosas de apoio mútuo e à religião enquanto quadro ideológico comum – em especial nas igrejas influenciadas pela teologia da prosperidade com sua ética de “empreendedorismo”, meritocracia e responsabilização individual pelos sucessos ou fracassos – os chamados “evangélicos” passam a ser exemplos de produtividade no ambiente de trabalho e de prosperidade nas comunidades.
Essa fratura na classe trabalhadora explica, em parte, os conflitos vividos na dita “opinião pública” no que diz respeito não apenas aos direitos homossexuais, mas a toda a pauta da bancada evangélica, que vai desde o veto a qualquer forma de aborto e a retomada do ensino religioso nas escolas até a castração química de estupradores. São em geral estes trabalhadores inseridos nos setores mais produtivos, com maior imersão em meios sociais onde as redes religiosas de apoio mútuo são menos necessárias, quem têm tocado lutas por avanços no combate à irracionalidade dos preconceitos – não só através das políticas públicas, mas principalmente na consolidação de novas formas de sociabilidade. Por outro lado, quanto maior a dependência dos trabalhadores mais precarizados das redes religiosas de apoio mútuo e solidariedade geridas por denominações cristãs fundamentalistas, maior é sobre eles a influência de uma ideologia da Idade do Bronze transformada em verdade absoluta; é graças a estes trabalhadores que a revitalização de discursos e práticas conservadores volta a extrapolar o ambiente privado das famílias e comunidades, ganhando ressonância mais uma vez em toda a sociedade. Se agora estes discursos e práticas têm como porta-voz o deputado Marco Feliciano, este papel já foi exercido por muitos outros antes dele, e continua a ser exercido longe dos olhos da “opinião pública” em incontáveis templos, salões, catedrais e similares.
Para fechar o ciclo, é preciso também entender que papel jogam os deputados da “bancada evangélica” no Congresso e relacioná-lo com esta mesma base. Descontado o fato óbvio de fazer leis e fiscalizar o Executivo, qualquer parlamento – e não apenas o brasileiro – é também uma verdadeira rede de negócios em constante interação com o mundo empresarial; por isto mesmo, por trás da igualdade formal entre os parlamentares, formam-se hierarquias que se cruzam e se sobrepõem. Há os “grandes nomes” do parlamento, “grandes” apenas por sua capacidade de imersão entre lobistas e gestores das empresas de maior capital e maior produtividade; este trânsito nos estratos mais altos do capitalismo regional, nacional ou internacional garante-lhes o financiamento de campanha responsável por sucessivas reeleições – impossíveis de outro modo, dada sua desvinculação relativamente a bases sociais mais sólidas junto ao eleitorado. Por outro lado, há a chamada arraia miúda do Congresso, composta por deputados como Marco Feliciano e outros tantos que não conseguiram inserir-se nesta rede de contatos; por isto mesmo, ficam com os negócios menores, exercem função marginal no parlamento e precisam ainda do respaldo popular para garantir a permanência no local onde hoje se encontram. Falam para um público, e falam o que esse público quer ouvir – ou, do contrário, tornam-se o que cientistas políticos chamam de lame ducks (“patos mancos”), políticos sem chances de reeleição.
Assim, o ciclo se fecha. A precarização do trabalho força os trabalhadores a desenvolver formas embrionárias de apoio mútuo e solidariedade, que se consolidam simultaneamente em diversos espaços até que a penúria material causada pela própria precarização faça sobressaírem-se aquelas desenvolvidas nos espaços mais adaptados ao capitalismo – em especial as igrejas pentecostais e neopentecostais. As redes religiosas de apoio mútuo consolidam uma base de fiéis. Estes fiéis, transformados no povo de Deus, querem que seus preceitos éticos, morais e políticos sejam refletidos nas políticas públicas. Para que isto aconteça, e uma vez que sua matriz teológica é fundamentalmente individualista e avessa às mobilizações coletivas, a via eleitoral aparece como a mais indicada, quando não a única. Dada a separação entre pastores e fiéis, sendo os primeiros verdadeiros gestores da fé, as habilidades e técnicas necessárias a esta gestão fazem deles os candidatos naturais às candidaturas. Se eleitos, tornam-se porta-vozes no Congresso do mesmo tipo de ideologia politicamente individualista e moralmente conservadora que lhes garantiu o sucesso na consolidação das redes de apoio mútuo que agora formam sua base eleitoral. Parece um esquema pronto, mas corresponde exatamente às etapas vividas por inúmeras denominações cristãs pentecostais e neopentecostais que progressivamente abandonaram um discurso de religiões perseguidas e avessas à política – típico dos anos 1980, momento de consolidação de suas redes de apoio mútuo em meio às concorrentes laicas – para um discurso de politização da fé, progressivamente consolidado a partir dos últimos anos da década de 1990. Uma periodização do crescimento da bancada evangélica poderia reforçar este argumento, mas preferimos não atrapalhar a leitura com mais estatísticas.
E aquilo que antes parecia ser uma simples ascensão conservadora baseada no literalismo bíblico encontra seu fundamento histórico numa das maiores derrotas estratégicas da esquerda anticapitalista em todos os tempos. É sobre este pano de fundo que precisamos refletir urgentemente, para fazer da reflexão instrumento para práticas que acertem o alvo, e não sua sombra. Ou, em outros termos: ao invés de focar as lutas contra o conservadorismo em tais ou quais figuras públicas, como solapar sua base material? É possível, a esta altura, diminuir ou anular a influência da religião – qualquer religião, não apenas a cristã – sobre as redes de solidariedade e apoio mútuo tecidas entre os trabalhadores mais precarizados? Isto é necessário, ou não?
Antes de continuar, é preciso falar sobre o outro lado da questão – os trabalhadores “de ponta” e suas manifestações políticas.
As gravuras que ilustram o artigo são de Gustave Doré.
Leia também:
Protestos virtuais e impotência política (1).
Protestos virtuais e impotência política (3).
Ótimo texto, concordo plenamente que as igrejas entram nas bases sociais aonde a esquerda não entra. Mas eu, que fui criado em família evangélica e frequentei igrejas por muitos anos, tenho uma divergência com os autores. Ao contrário dos autores do texto, eu não vejo que as igrejas representem realmente formas de organização popular solidária, redes de solidariedade. Vi nestes meios justamente o oposto: a pregação de uma ideologia do salve-se quem puder, e a extrema falta de solidariedade. Cansei de ver em igrejas aqueles que tinham insucesso econômico serem culpabilizados por isso, “por não ter fé suficiente”, ou mesmo “estar em pecado”. Cansei de ver discriminação nas igrejas contra aqueles mais pobres que não podem dar dizimo; contra mulheres divorciadas ou “de moralidade duvidosa”, e contra pessoas que faliam financeiramente. Me parece que as igrejas são muito mais centros de psicologia comportamental que incutem nas pessoas a lógica mais individualista e meritocratica. A grande maioria das igrejas pentecostais que conheci, a esmagadora maioria, NÃO FAZEM SEQUER TRABALHOS DE CARIDADE. O dinheiro do dizimo é usado para a “obra de evangelização” e não para qualquer tipo de rede de apoio mutuo. Por isso, considero errônea e mesmo ingenua e otimista essa avaliação de que o meio pentecostal representaria algum tipo de rede de apoio mutuo, quando vi ali exatamente o oposto – a ideologia do individualismo completo. Até em meios católicos existe mais apoio mutuo do que ali. Vocês mesmos afirmaram que “…e uma vez que sua matriz teológica é fundamentalmente individualista e avessa às mobilizações coletivas” – isso entra em contradição com o discurso que afirma as igrejas representarem apoio mutuo. Mas elas representam sim um meio de ressentimento e ideologia da ascensão social. Bom, me perdoem essa crítica, mas como ex-evangelico de mais de vinte anos de igreja e tendo participado de missões, me vi obrigado a esclarecer isso. Mas concordo com vocês que as igrejas são conservadoras e estão embebidas do espirito capitalista; foi por esta razão mesma que eu, e alguns amigos, abandonamos a religião. Parabéns pelo excelente trabalho que li!
Ao contrário do catolicismo, que no Brasil fez simbiose com a esquerda, as igrejas pentecostais continuam a ser uma realidade muito distante do meio militante. Relatos como o de Waguinho são mais do que necessários, portanto. É por isso que eu não encaro de outra forma a não ser este o esforço que o Passa Palavra faz agora: o de provocar uma reflexão por outros meios, menos preconceituosos e mais materialistas, desse novo contexto no qual se insere os setores mais populares e numerosos da classe trabalhadora. Até porque, e aqui especulo, por ser uma religião descentralizada, onde cada unidade [produtiva?] tem relativa autonomia nas práticas – desde que respeite certos limites! – é possível que diversas formas de solidariedade sejam desenvolvidas. E, é claro, que estas formas de solidariedade não sejam só criadas no ambiente das igrejas, e portanto dependa também da dinâmica das comunidades onde estas igrejas se inserem. Além disso, e levando em conta que as igrejas concorrem entre si e com as outras formas de solidariedade dentro das comunidades, é possível que, considerando a solidariedade também um produto a ser oferecido, ele possa ser mais ou menos ampla a depender do contexto. Posto isto talvez o que tenha faltado ao texto foi o esforço de diferenciar as diversas formas possíveis de solidariedade com maior cuidado. Pois é claro que a solidariedade desenvolvida nas lutas (e aqui não se trata de idealização) é muito diferente da solidariedade desenvolvida no âmbito do Estado (a seguridade social, por exemplo), das universidades (por exemplo, a Economia Solidária das incubadoras de cooperativas) e da solidariedade desenvolvida a partir das igrejas. O que o texto coloca é que as igrejas pentecostais resgatam esta solidariedade do Estado de forma precária, e a faz porque não há perspectiva de solidariedade proletária nestes meios onde se inserem. Esta solidariedade desenvolvida no âmbito das igreja pentecostais, enquanto prática social sustentada por determinadas instituições, se contrapõe agora à solidariedade que sustenta as outras lutas dos trabalhadores. Mas, enfim, aguardemos a última parte do artigo para adentrarmos mais nisto.
Waguinho, me desculpe, mas concordo discordando. Acho também que as pentecostais e neopentecostais são “um meio de ressentimento e ideologia da ascensão social”, “centros de psicologia comportamental que incutem nas pessoas a lógica mais individualista e meritocratica” onde se prega “uma ideologia do salve-se quem puder”. Talvez por sua história de vida um aspecto importante do texto não tenha lhe ocorrido, mas acho que nele o artigo foi direto ao ponto: as igrejas não criam relações de solidariedade, mas se aproveitam delas.
Do que vejo em várias das pentecostais e neopentecostais não é no discurso oficial ou nas práticas rituais que a coisa acontece, mas é antes e depois de o culto começar. Estas redes não são diretamente patrocinadas pelas igrejas evangélicas, mas, querendo os pastores ou não, elas encontram nesta igreja um espaço e pessoas mais “confiáveis” onde se estabelecer.
Ao mesmo tempo em que no culto o pastor recolhe o dízimo, fora dele já vi vários fazerem exatamente o que o texto diz: encaminhar gente para médicos, para advogados, para assistentes sociais, para aquelas malditas fazendas onde se tortura gente, se faz lavagem cerebral e se explora trabalho semi-escravo dizendo que se está “curando das drogas”… Graças ao tipo de trabalho que faço e às pessoas com quem entro em contato, eu mesmo já fui procurado por vários pastores que queriam encaminhar gente para resolver casos. Um caso veio da Presbiteriana, cinco outros da Assembleia de Deus, três da Batista e um da Poder de Deus. Demorou até que os pastores entendessem que estava encaminhando todo mundo para os órgãos públicos competentes e que não estava colaborando com a rede de clientelismo deles.
(Curiosamente, já que falei da igreja presbiteriana, numa das comunidades onde trabalho uma das figuras fundamentais para dar legitimidade na comunidade a um grupo que de outro modo teria sido isolado e rejeitado num processo de mobilização coletiva foi um pastor presbiteriano. Ele não somente esteve nas reuniões comunitárias como fez várias pregações em sua igreja, que é vizinha à comunidade, chamando os fiéis a doarem alimentos e roupas para as vítimas do desastre e incitando-os a se organizarem para reivindicar seus direitos junto à Prefeitura. Mas os presbiterianos não são pentecostais nem neopentecostais, mas sim protestantes históricos, então não se enquadram exatamente no que estamos falando.)
Da mesma forma, também já vi muito irmão desempregado sair do aperto porque outro irmão ajudou. Não é que estas igrejas promovam oficialmente a caridade, a solidariedade e o apoio mútuo. Concordo com você, Waguinho, a teologia da prosperidade não deixa margem nenhuma para isto, é uma ideologia do salve-se-quem-puder. Mas as pessoas são mais do que a ideologia que professam, e suas práticas não raro as contradizem frontalmente. Você deve saber tão bem quanto eu que entre os trabalhadores de menor renda rola muito aquela história de “socializar a miséria”, de viver todo mundo tão lascado que compartilham o pouco que têm para ver se um ajudando o outro dá para suportar a vida.
Acho que uma coisa destas precisa de muita confiança recíproca para acontecer, e as igrejas (não somente as neopentecostais) são espaços onde estas relações de confiança podem se fortalecer. Se depois as pessoas quebram a cara é outro papo, afinal não vivemos num mundo de querubins, mas nas igrejas evangélicas rola muito isso de confiar mais no irmão que em uma pessoa de fora.
Num caso que para mim foi emblemático, foi exatamente um destes irmãos discriminados por não pagar o dízimo na Poder de Deus quem arrumou uma grana para o outro irmão segurar a barra, e ainda o levou para tomar o café da manhã na casa dele por alguns meses. Este mesmo, o que foi tomar café, saiu do desemprego porque uma outra irmã, também da Poder de Deus, indicou-o para trabalhar de porteiro num prédio onde ela trabalhava de faxineira. (No fim da história os dois casaram e saíram da igreja, mas isto é outra conversa.)
Percebe? É tudo por fora do culto, por fora do procedimento oficial, por fora da doutrina, mas acontece. Se os pastores estão vendo isto acontecer, enquanto responsáveis pelos templos estão colocados diante das alternativas de estimular, ignorar ou proibir; não vi até hoje pastor algum estimular solidariedade nem proibir estas práticas. Quanto a ignorá-las, qualquer religião organizada tem em cada local de culto uma rede interpessoal tão pequena que é quase impossível guardar segredos dos sacerdotes por muito tempo; nenhum pastor ignora estas redes, apenas deixam que aconteçam e interferem num ou noutro momento. Ignorá-las, mas deixar que aconteçam, é a alternativa mais “simpática”, e ainda garante a formação de um “tecido social” na igreja que garante a força oculta da teologia da prosperidade. Por isto achei o texto bastante adequado à realidade.
Boa reflexao, parabéns por nos trazer este debate tao necessário. Espero que o texto 3 possa mencionar duas coisas que pra mim sao importantes: 1) religiao nao é o mesmo que espiritualidade (que a nossa espiritualidade tenha sido “ocupada”, “comprada” ou “canalizada” pela instituicao religiosa nao significa que temos que nos afastar da nossa espiritualidade (aí seria excelente uma crítica ao ateísmo anglo-saxao branco como única via de se chegar a “razao” de nao ser “enganadxs” por coisas exóticas/místicas/folclóricas) e 2) mencionar o fato que essas “novas” religioes estao ocupando justamente o espaco que antes era das comunidades eclesiásticas de base e pastorais da terra, o Brasil foi um dos países mais importantes da teologia da libertacao. Tomara que se animem a falar sobre isso. Será um prazer ler o próximo texto.
Curioso, Alice. Você toma o efeito pela causa nas duas questões que coloca.
Em primeiro lugar, só para ilustrar, e sem pretender me estender no assunto, o ateísmo não é “branco e anglo-saxão”, mas um traço de incontáveis culturas. Nem nas “quatro nobres verdades” nem no “nobre caminho óctuplo” do budismo há qualquer referência a um deus, ou a deuses, nem tampouco a adorações a divindades de qualquer tipo. Há muitas seitas budistas abertamente ateístas. Dentro do cristianismo, há uma antiquíssima veia teológica que afirma peremptoriamente que deus morreu. Dentre os teólogos que já li, Gabriel Vahanian, John Robinson e William Hamilton estão entre os mais coerente a afirmar que deus extinguiu-se durante a criação universal e Jesus teria sido apenas um pregador moral. Paul Tillich é o precursor deles todos. No judaísmo há também tendências ateístas, especialmente entre o judaísmo reconstrucionista. Richard Rubinstein chega a afirmar, além da extinção de deus após o fim da criação, que se algum deus sobreviveu ao evento ele teria morrido depois de Auschwitz. Mesmo no neopaganismo e na wicca é possível conciliar ateísmo e práticas religiosas. Então, não entendo qual o problema com o ateísmo. Se é por ser “anglo-saxão e branco” que você critica o ateísmo, está se referindo diretamente a um estereótipo do que seriam as classes dominantes nos EUA, e isto a meu ver é de um reducionismo tacanho.
Num outro aspecto, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), as pastorais rurais diocesanas e outras pastorais católicas semelhantes são fruto das comunidades eclesiais de base (CEB), e as CEB são fruto da solidariedade comunitária de trabalhadores, e não da iniciativa da igreja católica. Houve, inclusive, muita resistência entre o clero à existência e apoio às CEB, e muita estigmatização dos religiosos que as apoiaram. E foi esta mesma solidariedade comunitária quem converteu muito religioso à “causa do povo”, e não o contrário.
Mas estamos fugindo do assunto com esta discussão. Isto são só observações pessoais, e não vou me estender mais sobre isto.
As duas partes do texto são muito boas, e em especial esta segunda por trazer uma análise bastante original.
Porém, lendo os comentários do Waguinho e do Manolo chego à seguinte conclusão.
O que essas Igrejas fazem não é oferecer uma rede de solidariedade que a esquerda anticapitalista não foi capaz de oferecer, visto que essas redes são uma consequencia de pessoas compartilharem um ambiente, crenças, angústias, se conhecerem etc. Então a questão é: o que essas Igrejas oferecem que atrai essas camadas sociais? E daí retornamos a algumas questões que este texto aborda: http://passapalavra.info/?p=40157
Podem haver concepções também teístas mas com conteúdos progressistas ou com margens possiveis radicais. Isso é visivel em diversas correntes do islamismo popular, como os sufis, irfan e ordens hereticas ismaelitas, onde o Deus-transcendencia (tawid) é visto como Deus-imanencia (tasbih), algo qe não está separado e representado por uma casa vazia (ou um trono vazio, no corão). Um certo cristianismo popular, quando incorpora a experiencia mistica direta, tambem abre essas margens – e nas igrejas já disso naquelas mais misticas nas quais os fiéis interpretam sonhos e “oram em linguas” (glossolália). Esse é o terreno paa possivel heterodoxia religiosa. Não é porque é laico que é progressista: o stalinismo propõe um secularismo que é uma mistura de igreja ortodoxa com taylorismo, algo horroroso. A teologia da libertação não era laica mas desenvolvia práticas libertárias; a religiosidade popular indigena e de matriz africana costura relações comunitarias com representações espiritualistas. Insisto: laicismo versus espiritualidade é uma falsa oposição. A verdadeira oposição seria entre relações horizontais e verticais. Seria necessaria uma subersão por dentro da religião….
Aí é que está, Leo. Também notei esta semelhança. Mas, a meu ver, há entre os dois uma enorme diferença de perspectiva.
Marco lança a questão na conta da subjetividade, da adoção de rituais e símbolos (a “mística”), da militância enquanto terapia coletiva, etc., tudo isto deixado à responsabilidade de médicos, sanitaristas, psicólogos, psicanalistas, educadores e artistas populares. Ou seja: os movimentos sociais precisariam virar grandes clínicas, grandes laboratórios de terapia coletiva. A meu ver, isto é tomar um fenômeno como dado, como um raio no céu azul, sem tentar identificar apropriadamente suas causas. Além disto, é lançar na conta de especialistas o controle dos rumos destas atividades que se diz “terapêuticas”.
Este artigo identifica a existência das práticas de solidariedade e apoio mútuo entre trabalhadores em tempos de crise; mostra que elas antecedem as instituições onde posteriormente se desenvolvem (igrejas, ONGs, etc.); aponta que a solidariedade entre trabalhadores tem sido apropriada por formas capitalistas de desenvolvê-la e geri-la; e indica as consequências políticas desta apropriação. Tenta levantar questões, mas não dá soluções. É um diagnóstico e uma provocação, não uma proposta fechada.
Devo dizer que me senti provocado. E que estou tentando entender melhor a questão a partir destas provocações.
“Não é porque é laico que é progressista (…). A verdadeira oposição seria entre relações horizontais e verticais. Seria necessaria uma subersão por dentro da religião…”
Talvez aí esteja o cerne da questão, Aldous. Concordo, embora parcialmente. A meu ver, a ritualização necessária em qualquer religião, a presença de um sacerdócio separado do corpo de fiéis, assim como a relação quase hierárquica entre este mundo e um outro mundo a mover e animar as coisas deste, são por si só uma “verticalização”, para usar seus termos.
Mas se alguma religião é capaz de impulsionar práticas horizontais e mobilizações coletivas (são poucos, quase nenhum, caso deste tipo registrados na história), há algo interessante por aí.
O texto vai bem ao recordar que se existe um Feliciano é porque ele representa um setor da sociedade. Ele apenas está mostrando aos dorminhocos quais são as regras e qual a moral de um Brasil que nasce das periferias. O que pensam as pessoas que limpam os vasos sanitários, varrem as ruas.
Entretanto, a tese da rede de apoio mútuo foi terrível. Um chute que jogou fora o teor de credibilidade que vinha nos dados. É uma completa inverdade. Como disse Leo Vinícius, a solidariedade e simplesmente consequência de se compartilhar um ambiente. Daria pra fazer uma lista de casos em que frequentadores de um bar arrumam emprego com ajuda dos colegas, emprestam dinheiro, arrumam advogado. Só de usar o mesmo ônibus todos os dias esse tipo de rede vai se formando. Ou seja, faltou pesquisa ai. É o tipo de erro que ocorre quando se acredita que está apto a falar de tudo.
Eu tenho grandes dúvidas se essas igrejas neopentecostais de fato estabelecem essas redes de apoio mútuo e se elas aumentam sua audiência em meio à classe trabalhadora por causa disso. Eu acho que elas, na verdade, vão na contramão disso. Na era da ofensiva neoliberal, na qual a necessidade de mediação de todas as relações sociais pelo mercado foi convertida num dogma absoluto, frente ao qual não existem alternativas, o que os neopentecostais fazem é simplesmente dar uma roupagem teológica a esse dogma. Daí a ênfase central no empreendedorismo: os profetas da Bíblia são tomados como exemplos de empreendedores.
Essas igrejas são, na minha opinião, a conversão da ideologia neoliberal em dogma religioso. E, nesse sentido, elas inibem a formação de redes de solidariedade e de apoio mútuo entre os trabalhadores. Participando da igreja, o trabalhador teria acesso ao saber – do qual o portador é o pastor – e ao comportamento necessários para conduzir a sua vida de uma forma empreendedora. Se elas estabelecem essas redes por fora do culto, não se diferenciam, portanto, de várias outras instituições, inclusive religiosas. Não é essa a sua especificidade nem o seu objetivo expresso.
E eu acho que o discurso conservador é, nesse sentido, o verdadeiro atrativo, mais do que as tais redes de apoio mútuo. É interessante notar qual é o senso comum sobre o recém-convertido: o ex-viciado, a ex-prostituta, o ex-bandido etc. E as igrejas neopentecostais exploram essa ideia. Dizem que as drogas, o sexo fora do casamento etc., são obstáculos à ascensão social e à prosperidade material, colocando-se como fornecedoras de um comportamento ascético e uma mentalidade empreendedora que prometem ajustar o trabalhador, capacitando-o a alcançar a ascensão social e a prosperidade material que lhe foi planejada por Deus. Assim, as igrejas neopentecostais servem mais para tentar adequar o indivíduo aos imperativos do mercado do que qualquer outra coisa.
Nesse sentido, o que está em jogo é um debate teórico: essas igrejas atraem os trabalhadores porque integram-nos numa dada estrutura que de certa forma os beneficia ou porque a ideologia que professam é mais adequada a um conjuntura hegemonia ideológica neoliberal, na qual o mercado é o mediador absoluto, incontestável, das relações sociais?
Maurício, acho que uma das provocações do texto, talvez a mais central, está exatamente naquilo que você nega: se a solidariedade acontece pelo simples fato de se frequentar um ambiente, porque as formas de solidariedade que se dão num ambiente se proliferam mais que aquelas que se dão em outro? Aí, sim, falta pesquisa. E foi nisto, entre outras coisas, que o texto me provocou, muito saudavelmente, a procurar mais informações.
Fagner, será que as razões que estão na base de suas duas perguntas não estão entrelaçadas? Será que a estrutura e a ideologia não são, ambas, simultaneamente, atrativos?
Manolo,
Se seguirmos o trecho que destaco abaixo do texto, uma conclusão é que esses contatos e essa ‘rede de solidariedade’ formada nos ambientes dessas igrejas é mais eficiente porque ela gera mais contatos. Ou pelo menos podemos deduzir isso. Aí entramos numa questão probabilística, estatística. Encontra-se maiores possibilidades porque encontra-se mais pessoas, e assim se conhece mais gente. Mas daí isso não explica o crescimento inicial delas, e nem o que nelas atraem as pessoas.
Não conheço essas Igrejas, mas pelo relato do Waguinho, a frase do texto que diz que elas “garantem uma rede de apoio mútuo em meio à precarização do trabalho” não condiz com a realidade, pelo menos na interpretação mais clara que se pode fazer dessa afirmação. No máximo elas poderiam possuir o ambiente no qual se poderia fazer parte de uma rede (não garantir), e como um efeito não visado por essas igrejas.
Mnha única experiência em culto evangélico (por demais surreal uma vez que sou vegetariano, socialista e ateu e ela se deu numa churrascaria cara, num bairro dos mais burgueses da cidade, no culto/encontro de uma associação de empresários evangélicos), me deixou a impressão de que aquilo era uma espécie de grupo de auto-ajuda, como um AA, por exemplo. Mas não se tratava de uma Igreja, sim de uma associação de evangélicos. Mas pude notar por que a Igreja Católica está perdendo terreno. Aquele culto, ainda mais sem pastores, padres ou bispos, era muito mais interessante, participativo, e funcionava como uma “auto-ajuda” de fato.
Creio que o texto procura ficar numa base muito “material” ou racional, quando esses fenômenos não se deixam explicar apenas por esse aspecto. Por isso também remeti ao texto que linkei em comentário anterior. Talvez por medo de ver o que há de ‘religião’ no socialismo, ficou-se apenas no que há de socialismo na ‘religião’.
“Mas o que leva ao sucesso das igrejas evangélicas nesta faixa da população?
“Fundamentalmente, o fato de as igrejas evangélicas garantirem uma rede de apoio mútuo em meio à precarização do trabalho, que funciona paralelamente ou em substituição à assistência social oficial prestada pelo Estado. As igrejas não são só lugares de culto; são também lugares onde se pode conhecer novos empregadores e empregados, onde se pode pedir dinheiro emprestado a um irmão para pagar as contas num mês em que o orçamento aperta, onde se pode conhecer serviços antes desconhecidos – em suma, é também um lugar onde fazer contatos, que o desemprego prolongado erode facilmente.”
A curiosidade me levou a pesquisar.
Encontrei uma pesquisa interessantíssima da Fundação Getúlio Vargas chamada “Economia das Religiões” (http://www.cps.fgv.br/cps/simulador/site_religioes2/), de 2007, que mostra dados curiosos, quando não surpreendentes. Ainda estou fazendo uma análise detalhada, entendendo melhor a metodologia, etc., mas algumas coisas me chamaram a atenção logo de cara. Escolhi, entre os grupos religiosos selecionados pela pesquisa, os ateus (em que me enquadro), os católicos (por serem maioria da população) e os evangélicos (por serem objeto deste artigo).
Eis os dados, alguns surpreendentes:
a) a taxa de sindicalização é maior entre ateus (27,04%) que entre católicos (25,86%) e evangélicos (20,45%);
b) 18,92% dos evangélicos participam de associações comunitárias, contra 11,09% dos católicos e 8,91% dos ateus;
c) 17,26% dos evangélicos frequenta pelo menos uma reunião de associações comunitárias por ano, contra 8,22% de católicos e 5,92% dos ateus;
d) 35,24% dos ateus são de associações de bairro ou de moradores, contra 30,96% dos católicos e 14,72% dos evangélicos;
e) 73,67% dos evangélicos participa de associações religiosas, contra 29,17% de católicos e 5,09% de ateus (por razões óbvias);
f) Segundo o texto da pesquisa, “nas periferias [urbanas] existem ganhos de escala na prática religiosa — um pastor num templo atinge muito mais pessoas do que um padre numa paróquia de cidadezinha”.
Ainda sobre pentecostalismo, neopentecostalismo e apoio mútuo, achei várias coisas:
1) Ricardo Mariano, no livro Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (São Paulo: Loyola, 1999), aponta a solidariedade e o apoio mútuo como elementos das igrejas pentecostais que foram se perdendo na transição para a terceira onda do pentecostalismo (as neopentecostais como a IURD, Graça de Deus etc.);
2) Camila Caldeira Nunes Dias, no livro A igreja como refúgio e a bíblia como subterfúgio (São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2008) (http://books.google.com.br/books?id=8jMuHgZgxiMC&pg=PA174&lpg=PA174&dq=solidariedade+apoio+m%C3%BAtuo+pentecostais&source=bl&ots=mL3KoCg9BA&sig=xzu4kZ7qo_UFRq1WrsXqtnylefs&hl=pt-BR&sa=X&ei=J0RSUZTxN-G20gHKuYFg&ved=0CEUQ6AEwAzgK#v=onepage&q=solidariedade%20apoio%20m%C3%BAtuo%20pentecostais&f=false), mostra como o apoio assistencial da instituição religiosa a presos (lembremos que a população carcerária brasileira não é nem um pouco pequena) é fator positivo para a reintegração social dos egressos;
3) Eymard Mourão Vasconcelos, no artigo “Para além do controle social: a insistência dos movimentos sociais em investir na redefinição das práticas de saúde” (http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/controlesocialeymard.pdf), mostra como trabalhadores sociais que atuam nas periferias urbanas constatam a existência de fortes redes de apoio social entre os pentecostais;
4) Victor Vincent Valla ressaltou em diversos momentos (aqui um deles: http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/te6.PDF) o papel de apoio social das pentecostais na área da saúde, e testemunha a dificuldade de reconhecer o apoio social feito pelas pentecostais e neopentecostais devido a preconceitos por parte de quem tenta analisá-lo;
5) Esta dissertação, infelizmente não-identificada, que ainda estou lendo (http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/handle/1843/BUOS-8G2L9Y/corpo_disserta__o_de_mestrado.pdf?sequence=2), mostra como a ação social dos neopentecostais se dá em meio a enorme concorrência intereclesial, mas existe e funciona.
Enfim, sigo pesquisando. Talvez escreva algo sobre o assunto. Mas tudo indica que a perspectiva do artigo — apropriação capitalista das formas primárias de apoio mútuo entre trabalhadores, feita pelas pentecostais e neopentecostais — vai se afirmando à medida em que pesquiso.
Leo, você separou um (a rede de contatos) dos três fatores (rede de contatos, expansão rápida e presença em lugares inóspitos, sentido em meio ao caos) que o texto destaca para o sucesso das evangélicas. Pelo que entendi da perspectiva do texto, nenhum deles funciona sozinho. Estou tentando entender se o primeiro se dá de fato através de dados e pesquisas, mas os outros dois me parecem bem reais.
Interessantes indicações bibliográficas, Manolo. Só gostaria de fazer a ressalva de que nem todos os grupos evangélicos parecem afirmar na prática o que se afirma no artigo – as redes de apoio mútuo. No meu comentário me referi especificamente aos neopentecostais, que parecem afirmar exatamente o contrário, pelas razões que enumerei. Os evangélicos não são todos iguais. E me parece que o discurso conservador que tem sido alvo de críticas aparece com mais intensidade nuns do que noutros. Além do mais, me parece que os neopentecostais têm uma maior inserção nos meios de comunicação – caso da IURD, por exemplo – do que outros grupos evangélicos, daí sua capacidade de atrair uma imensa massa de fiéis, bem como de ampliar sua base eleitoral. Me parece também que sua ênfase num empreendedorismo compatível com o atual contexto neoliberal é maior. Assim, tendo em vista particularmente os neopentecostais, creio que a tese da apropriação capitalista das formas primárias de apoio mútuo dos trabalhadores só é parcialmente válida: a meu ver, essas igrejas parecem estabelecer mais uma rede de apoio mútuo e solidariedade para aqueles que demonstrem ser capazes de exercer funções de gerenciamento da empresa capitalista, sendo as próprias igrejas neopentecostais um tipo de empresa capitalista. As redes de apoio são, assim, seletivas, colocando o capital acumulado pelos dízimos à disposição, somente ou privilegiadamente, dos novos gestores que são recrutados entre os fiéis. Por outro lado, a rede de contatos que se objetiva estabelecer atua mais em benefício dos gestores do que dos trabalhadores. Qualquer rede de contatos da qual participem trabalhadores e classes dominantes, juntos, beneficia mais as classes dominantes do que os trabalhadores, porque seu status social dominante dificilmente será contestado pelos trabalhadores e porque as classes dominantes podem aí estabelecer livremente, e ampliar, sua solidariedade de classes negando a própria existência das classes.
Fagner, concordo. Nem todos são iguais. Sob o rótulo de “crentes” ou de “evangélicos” há coisas muito diferentes.
Os protestantes ditos “históricos” (luteranos, presbiterianos, mórmons, puritanos, anglicanos, anabatistas, etc.) e os protestantes ditos “tardios” (batistas, metodistas, pietistas, etc.), por exemplo, são fortemente ecumênicos e têm uma ação social muito marcante; além disto, no caso dos batistas, têm uma autonomia administrativa no mínimo interessante (cada igreja é administrada pela assembleia de fiéis).
As pentecostais “da primeira onda” (Congregação Cristã no Brasil, Avivamento Bíblico, Igreja de Cristo no Brasil, Assembleia de Deus, etc.) inauguram o conservadorismo, o literalismo bíblico e, estranhamente, as redes informais de solidariedade e apoio mútuo. Como por muito tempo tiveram como “política” afastar-se de uma sociedade que consideravam cada vez mais “corrupta”, era preciso apoiar-se em seus próprios membros não só para manter relações sociais, mas em alguns casos até para sobreviver.
As pentecostais “da segunda onda”, ou pentecostais “neoclássicas”, ou “deuteropentecostais” (Evangelho Quadrangular, Deus é Amor, Voz da Verdade, Igreja Unida, Casa da Bênção, etc.) são fortemente conservadoras quanto a roupas e hábitos, muito mais que as da “primeira onda” (algumas proíbem TV e cinema, corte de cabelo e uso de calças entre mulheres, uso de bermudas ou de camisetas entre homens, etc.), e praticam o apoio mútuo e a solidariedade bem mais intensamente que eles. Algumas (Deus é Amor, Brasil para Cristo, Casa da Bênção) foram inclusive fundadas por gente muito pobre (pedreiros, agricultores, etc.).
Os pentecostais “da terceira onda”, ou “carismáticos, ou neopentecostais (Universal, Graça de Deus, Renascer em Cristo, Batista Nacional, Poder de Deus, Sara Nossa Terra, Nova Jerusalém, etc.) são os criadores da Teologia da Prosperidade, que vai se alastrando paulatinamente às outras duas ondas pentecostais, cuja teologia anteriormente considerava a riqueza como fonte de grandes tentações. Exatamente por valorizarem a acumulação de bens materiais como sinal da escolha divina, são os menos conservadores quanto a roupas e hábitos: Edir Macedo, por exemplo, é favorável à descriminação do aborto, e a Universal distribui preservativos na África para ajudar na prevenção à AIDS. Ainda falando da Universal, o programa Força Jovem Universal oferece a jovens um programa completo de educação, cultura e arte; a Associação Beneficente Cristã (ligada à Universal) é a “ONG guarda-chuva” da maioria de seus projetos sociais, assim como a Associação Mundial de Assistência Social (AMAS) o é na Poder de Deus.
Como se vê, o panorama é vasto. Embora nem todos os evangélicos pratiquem a solidariedade e o apoio mútuo entre si, as redes de solidariedade e apoio mútuo entre evangélicos não apenas existem entre aqueles da primeira e segunda “ondas” como, em alguns casos da terceira “onda”, foram transformadas em ONGs, destino quase “natural” da institucionalização destas redes.
Por outro lado, embora a Assembleia de Deus esteja perdendo seu conservadorismo inicial, ela ainda é vastamente majoritária entre os evangélicos, superando em mais de cinco vezes a Universal; “estar perdendo” o conservadorismo não significa ter deixado de ser conservadora. E é da Assembleia de Deus que vem o pastor Marco Feliciano.
A afirmação da existência das redes de apoio mútuo e solidariedade pode ter sido genérica no artigo, mas apontou para um mundo que para mim era quase desconhecido. E que estou me surpreendendo ao descobrir.
Esse último comentário do Manolo me fez pensar que talvez a explicação para o fato de as redes de solidariedade entre os evangélicos serem tão fortes se deva primeiramente não a fatores econômicos, mas muitas vezes à própria doutrina da igreja.
O trecho do comentário que me fez pensar nisso foi esse: “tiveram como ‘política’ afastar-se de uma sociedade que consideravam cada vez mais ‘corrupta’, era preciso apoiar-se em seus próprios membros não só para manter relações sociais, mas em alguns casos até para sobreviver.”
Pra mim aqui está a chave da questão – renegando o mundo, a única forma de sobreviverem (e, teologicamente, de salvarem sua alma do pecado) era apoiarem-se uns nos outros.
Claro que a própria doutrina deve ser explicada pelas condições materiais, mas nesse caso creio que a “ideologia” cumpra papel tão ou mais relevante que a economia.
Tou confusa. Quem escreveu o texto? Foi o Passa Palavra ou o Manolo?
Alice,
Este artigo está claramente assinado. Ele deve-se ao colectivo do Passa Palavra, é um texto colectivo.
Achei o texto interessante, mas é insuficiente apontar que o simples fato da “classe média” criticar os grupos conservadores evangélicos organizados por realizarem um ataque organizado aos direitos civis, caso esta crítica não incida sobre as relações sociais onde estes se constituem.
Concordo, as relações sociais só se criticam modificando-se as relações sociais e mais, que somente o caminho que aponte melhora de condições será capaz de aglutinar. No entanto, a classe média não opõem-se aos trabalhadores precários evangélicos por serem evangélicos, mas por atacarem direitos de todos, não simplesmente destes.
Novamente, homossexuais se dividem em classes e os mais oprimidos são os mais pobres que vem retrocedento os espaços onde possam se associar ou mesmo certos aspectos mais liberais de sociabilidade, como o uso de drogas (que é um hábito inevitável) e cuja proibição e moralização continuará incidindo sobre estas pessoas.
Uma outras pauta ao qual se associam, é segurança. E quanto a isto, de modo organizado, eles colocam representantes, muito hábeis na organização do Estado estrito e avançam, disputando a hegemonia contra certos consensos considerados basilares, como os direitos humanos.
E se não há direitos humanos como uma referência comum, basilar, onde se relativizam princípios mínimos, e se isso reflete uma tendência em escala, não haverá quem se solidarize imediatamente com outra pessoa, pois todos estão divididos graças ao reconhecimento apenas de valores como os de ascensão financeira e prosperidade individual em uma relação com deus e cuja desgraça de uma pessoa, tendo origem financeira ou social, não encontrará respaldo. Assim, quando alguém é agredido, em uma grave violação de direitos humanos, a quem recorrerá ?
Perderá a eficácia divulgar uma injustiça ou a violência explícita contra um inocente pra mobilizar as pessoas e ganhar apoio, seja mostrando que determinada reivindicação tem força ou buscando ampliá-la? Será que o princípio de solidariedade significará a mesma coisa?
E enfim, pergunto, estas coisas que são aqui identificadas como demandas de trabalhadores especializados como se fosse um ranço de classe é simplesmente isso?
Pensemos como o Manolo e observemos a política entre as tendências evangélicas e os grupos religiosos entre católicos, coisa que tentei fazer anos atrás e como não especialista, me perdi. E notemos a mudança de cenários. Há ou não há, para além do reflexo de relações sociais um projeto de poder em disputa ali? E como se enfrenta o avanço destas formas de individualismo cuja vinculação “horizontal” só se dá na estrutura de “massa artificial” da igreja?
Há como mudar esta chave de uma disputa de valores em um sentido cultural, ou isto se dá porque a luta já foi perdida, como na república de Weimar e toda a esquerda militante ou acredita fantasiosamente que tomará o poder pela força em grupos minúsculos, ou se esgueira entre grupos “culturais” no entorno das estruturas do partido social-democrata que está dentro de um projeto de poder de estado opondo comunistas com a pauta liberal e progressita contra conservadores em avanço e organizados em estruturas paralelas ao estado?
Manolo,
Acho que você tem toda razão quando responde à Alice que o ateísmo não é anglo-saxão, mas um traço presente em muitas culturas. No entanto, creio que está equivocado quando afirma que Paul Tillich é o precursor de uma veia teológica que afirma que deus morreu. Não sei quanto aos outros teólogos citados, mas de Tillich não se pode dizer isso. Ele foi um teólogo socialista, muito atuante e de produção rica e complexa, em um período e contexto histórico idem. Considero-o parte da corrente teológica liberal, de tendências secularistas, porém teísta. Em nenhum momento, até onde eu saiba, ele se une aos que proclamam a morte de deus. Inclusive critica o ateísmo sublinhando que este não é um fenômeno constitutivo do socialismo, mas uma herança da cultura burguesa, crítica e cética (Christianisme et socialisme, Écrits socialistes allemands – 1919-1931, citado por Jorge Pinheiro em sua obra Ética e espírito profético – revisitando a história com Paul Tillich, São Paulo, 2002, ed. própria).
Não estou defendendo o teísmo (mesmo porque sou agnóstica) nem querendo fugir do tema; só acho importante precisar e embasar corretamente nossas afirmações. A preciosa obra de Tillich (uma das mais importantes cabeças pensantes do século 20, combatendo o nazismo etc.) é frequentemente distorcida, tanto pelos cristãos conservadores (que desejam pixá-lo) quanto pelos ateus e setores da esquerda (que se aproximam de seu pensamento, mas não querem reconhecê-lo como cristão). Sei que há muitos cristãos idiotas, que prestam um desserviço às classes oprimidas e à humanidade, mas não é o caso de Paul Tillich. Ele era revolucionário e cristão, não ateu.
Eu imaginava que uma análise série partia da pesquisa, do conhecimento sobre o assunto e que daí se prosseguia com teses fundamentadas. Agora vejo que criaram outra metodologia. Chuta-se que as igrejas evangélicas atraem pessoas por oferecerem uma rede de apoio material que serve aos mais precarizados e depois se vai caçar na internet qualquer tipo de texto ou dado para comprovar o chute. Maravilha!
Ao menos reconheceu que é necessário pesquisa. Espero que ela prossiga. Quem sabe sai uma análise verdadeira sobre o aspecto material da rede de apoio mútuo que são as igrejas. Quais igrejas ajudam mais, como ser incapaz de se manter é encarado em cada uma delas, se são os homens ou as mulheres a pedirem e a oferecerem ajuda, qual recebe e doa mais, se é algo já institucionalizado ou se são grupos de irmãos em particular que oferecem ajuda, qual tipo de auxílio é mais prestado (emprego, remédio, comida?). E, claro, ver se o eventual apoio material que ocorre também entre funcionários de uma empresa, frequentadores de um bar, têm realmente, nas igrejas, um peso que concorra com os outros aspectos, o religioso, o moral, que são centrais. Eu digo que não tem e os dados apresentados até agora são mais que insuficientes para se apontar em sentido contrário.
Tenho ouvido de gente que se diz de esquerda e adota uma postura multiculturalista (quando não com traços de pós-modernismo e alto relativismo) a afirmação de que os evangélicos estariam a ser perseguidos. E até mesmo de que seria uma perseguição por serem pobres. A questão é: até hoje nunca ouvimos falar de um fundamentalista cristão espancado por suas posições; mas homossexuais são inúmeros casos, inclusive de mortes. Há centenas de casos no Brasil de terreiros invadidos e destruídos por turbas de pentecostais, e filhos de santo discriminados ou surrados. Mas não sabemos de uma única igreja que tenha sido destruída.
Também não penso que haja uma estrutura horizontal nas igrejas – são estruturas verticais, hetero-organizadas, isso pelo menos me parece muito claro, verdadeiras empresas da fé e um setor que controla patrimônio que alguns estimam em setenta bilhões… será isso um fenômeno popular de base? Ou uma estratégia de grupos com projeto de poder político?
O movimento neopentecostal se fortaleceu nos EUA durante os anos 50, época da emergência das lutas dos negros pelos direitos civis, e em que pequenas igrejas batistas e luteranas de negros representavam posições mais progressistas de luta por direitos civis. O neopentecostalismo, surgido no Texas pelas mãos de pastores como Keneth Hagin, congregava elites brancas sulistas e se contrapunha as comunidades religiosas dos negros em luta. Pode-se dizer que tenha sido uma resposta a estas comunidades combativas. Depois estas correntes neopentecostais chegaram ao Brasil com mais força no final da ditadura militar – me recordo de ter ouvido afirmações de alguns amigos presbiterianos de esquerda que chegavam a dizer que essas correntes foram importadas como uma politica de estado para quebrar a teologia da libertação e o avanço de movimentos sociais. Uma tese que precisa ser verificada factualmente, mas a parece extremamente plausível.
O fato fundamental é que esses caras configuram uma tropa de novos ricos, empresários da fé e novos gestores, e sua intolerância religiosa faz sobrar paulada até para praticantes de yoga e acupuntura, já que para eles tudo é “satanismo”. Isso deveria preocupar muito a esquerda no Brasil, mas parece que há uma anestesia em relação a esse perigo fundamentalista.
Fico com a impressão de que Maurício entende muito do assunto, e gostaria de ver contribuições dele a respeito. Talvez ajude nesse levantamento que estou fazendo.
Aldous,
Lembro-me que The Economist defendeu a tese de que a ditadura militar estimulara a difusão dessas correntes do protestantismo para erguer uma barreira à teologia da libertação e aos movimentos sociais, com o apoio dos serviços norte-americanos. Mas cito de memória, foi há bastantes anos e infelizmente não conseguirei localizar o artigo.
Rapaz, sei que vão querer me bater, mas vou dizer assim mesmo.
O pastor é racista, machista e homofóbico, mas isso não acaba com a atuação do pastor e da Assembleia de Deus em defesa de direitos humanos em lugares onde os manifestantes de hoje sequer teriam coragem para entrar.
Não vejo um ativista LGBT fazer qualquer atividade em presídio. Não vejo qualquer militante do movimento negro indo a assentamentos ou acampamentos para fazer o que quer que seja. Não vejo militante feminista nenhuma indo em hospital público para combater a violência contra mulher que acontece lá dentro (não é só o caso das cesarianas forçadas, tem muito mais). Mas é exatamente aí onde os evangélicos e a Assembleia de Deus atuam.
A coisa toda pesou porque o ativismo LGBT é forte e organizado, o que é muito bom, e partiram pra cima do pastor porque ele e a bancada evangélica são contra as conquistas de homossexuais (que os evangélicos tem a cara de pau de chamar de “privilégios”). Só que se a gente não vê a coisa com cuidado, a gente come mosca.
Mal começou o debate e já começaram a viajar na maionese. Se seguirmos a ideia do Aldous, então é hora de resgatar uma informação “quente” que o PCdoB e a extinta Organização Socialista Internacionalista (OSI) descobriram uns trinta anos atrás: o PT foi formado pela ditadura militar para esvaziar o público dos comunistas e de Brizola.
E essa de Emanoel foi a pior de todas. Nem comento.
Manolo,
desculpe minha ignorância dessa informação que segundo diz é fato corrido já há 30 anos, mas você pode indicar algum estudo etc que confirme esse fato?
Eu sempre soube que a “transição transada” para a democracia brasileira concretizada em 85 e 88 tinha a característica de ter incentivado a germinação do maior numero possivel de partidos (tanto que o Brasil tem mais de 30 partidos) a fim de prejudicar de alguma forma tanto a polarização de projetos políticos excludentes quanto a própria unificação que decorreria daí da esquerda num projeto/partido comum, mas essa da criação do PT como obra da ditadura eu nunca tinha ouvido e me parece uma informação de suma importância pra entender o processo.
abs
Qualquer militante mais antigo do PCdoB te diz isso. Basta procurar. Mas acho esta tão furada quanto a viagem do Aldous.
Manolo,
Não me parece que o Aldous tenha “viajado”. Ele mesmo disse que era uma hipótese possivel e não uma verdade dada. Que fatos voce tem para provar o contrário? Não está sendo objetivista demais? Não estariamos correndo o risco de subestimar a capacidade estratégica das classes dominantes? Não caiu bem a piada sobre PC do B (que pessima comparação para falar aos outros). Não se trata de teoria da conspiração ou de negar o papel das praticas coletivas de classes sociais. Mas o companheiro Aldous levantou uma questão muito séria sim e que penso merecer ser considerada seriamente, e o Joao Bernardo aludiu a existencia de artigos que falam sobre isso. Penso que uma tese tal deva ser entao analisada antes de ser descartada. Porque não uma estrategia das classes dominantes? Por acaso já analisou a forma como as igrejas mandam “Missões” para a África Ocidental? Essas missões são patrocinadas por inumeras empresas brasileiras. Até escolas de formação de missionarios, como o Rhema, são bancadas por empresarios. Desconsiderar isso é não levar em conta inumeros processos historicos de imposição feitos pelas classes dominantes, nas quais ela utilizava dos meios culturais como forma de destruir a identidade coletiva dos trabalhadores. Me parece que as missões tanto em áfrica como entre índios cumprem bem esse papel; e me parece tambem que a atuação das igrejas pentecostais é mais um fator de fragmentação da classe trabalhadora. A não ser que você prefira um viés tão culturalista ou pós-moderno a ponto de achar que esse fascismo fanatico de igrejas tenha algum potencial emancipador ou represente alguma organização popular ou cultura do oprimido. Aliás, me parece que viagem na maionese é enxergar relações horizontais no meio dessas igrejas. Experimente visitar algumas e ver como são hierarquicas, como existem separações entre lideranças e bases, espoliações, discriminação entre fiéis, inclusive financeira…. trabalhei muito tempo com comunidades de periferia, até me aposentar, e pude vivenciar bem essa fragmentação e individualismo difundido pelas igrejas. Aquilo de auto-organização não possui nada.
Acho que estão atirando no alvo errado. O que digo, Marcia, é o mesmo que está no texto; que não há “auto-organização” promovida pelas igrejas pentecostais e neopentecostais, mas sim formas elementares de solidariedade e apoio mútuo que são aproveitadas por estas igrejas em seu próprio favor. Não vamos misturar as bolas.
Também sempre achei estas igrejas verticalizadas, autoritárias e individualistas, mas quando li o texto reparei que realmente estas formas elementares e este aproveitamento existem, assim como a conversão destas formas elementares em formas clientelísticas. Vi estas formas elementares pelas mesmas razões de trabalho que você. E exatamente por estas igrejas serem “empresas da fé”, são formas de fragmentação da classe trabalhadora em trocentos milhões de indivíduos isolados; por outro lado, este é o aspecto “negativo” da coisa, e não podemos ver nenhuma organização social sem ver também como ela se sustenta no tempo e como ela garante coesão entre seus membros. A meu ver, esta coesão acontecia apenas por causa da fé e da ignorância, mas o texto me chamou a atenção para este aspecto das formas elementares de solidariedade que estava ali na minha frente e eu me recusava a enxergar.
Foi neste sentido que o texto me provocou a pesquisar mais sobre o assunto, e todos os materiais que encontrei numa passada rápida pelo Google confirmam a hipótese. A coisa me interessou tanto que estou até agora lendo mais aprofundadamente os materiais que encontrei e procurando outros. Quem sabe até escreva alguma coisa sobre o assunto para compartilhar com todo mundo…
Por outro lado, acho a informação do Aldous tão falsa quanto o delírio do PCdoB de trinta anos atrás. A coisa era tão delirante que o partido hoje renega que tenha dito um absurdo destes.
Mas voltando à hipótese do Aldous, acho ela errada. É sempre mais fácil confiar em teorias da conspiração que em outras razões mais prosaicas.
Acho a hipótese do Aldous equivocada, em primeiro lugar, porque as pentecostais chegam ao Brasil ainda na “primeira onda” (1900-1920), que nos Estados Unidos corresponde ao crescimento de igrejas fundadas e geridas por pessoas extremamente pobres, em sua maioria negros. (Muitos certamente ficariam chocados ao ver as raízes comuns entre esta primeira onda de pentecostalismo e o… rastafarismo.)
Em segundo lugar, porque há uma contradição: se a expansão das neopentecostais, de que a IURD é a “mãe” no Brasil, foi uma política de Estado para conter a teologia da libertação, por que as neopentecostais sofreram tantos processos e foram tão criminalizadas exatamente no momento de sua maior expansão (virada dos anos 1980 para os anos 1990)?
Em terceiro lugar, porque a teologia da libertação lastreava-se nas comissões eclesiais de base (CEB), e as CEB foram se esvaziando quando seu caráter político foi paulatinamente suplantando seu aspecto religioso, com o qual vivia em razoável equilíbrio. Sem contar que a teologia da libertação nunca foi uma teologia consensual dentro da igreja católica. Com o enfraquecimento das CEB e na falta de uma base social mais sólida, foi fácil para Joseph Ratzinger anatemizá-la, obrigar Leonardo Boff ao “silêncio obsequioso”, etc. Os pentecostais e neopentecostais, apesar de crescerem muito velozmente, ainda são minoritários hoje, e eram muito mais minoritários há vinte e cinco ou trinta anos. Se os militares algum dia quiseram combater a teologia da libertação usando os evangélicos como tropa de choque, o plano foi um fracasso.
Saindo deste assunto e falando do financiamento empresarial das missões religiosas, o fato pode levar à seguinte pergunta: e por que as empresas não financiariam obras religiosas? Na ONG onde trabalho um dos financiadores é uma entidade suíça ligada às igrejas protestantes, que tem entre os membros de seus conselhos superiores vários diretores da Nestlé. É marketing social puro. Sem contar que quando os missionários são formados na teologia da prosperidade, pregam exatamente as práticas e os traços de caráter necessários à formação de uma mão-de-obra altamente produtiva (e nisto o texto que estamos comentando também é lapidar). Não vejo por quê “grandes empresas” não financiariam estas missões religiosas, nem me espanto com isso. Mas ficam as perguntas: sobre que práticas estes missionários constroem suas missões? Aproveitando-se de que laços comunitários, de que formas locais de solidariedade? Estes laços e estas formas são reprimidos, são tolerados, são ignorados, são incorporados?
Esse é o típico texto para masturbação intelectual, sem outro fim. Sinceramente, para quem publicaram esse texto? O escreveram para quem? Quem do meio que costuma participar desse tipo de debate e acessar esse tipo de site vai fazer o que o texto propôe? Nem os membros do coletivo, provavelmente. O dia que alguém desse meio esquerda cult sair dos meios cult e ir sei lá para qual buraco do país tentar criar redes de apoio mútuo entre os trabalhadores vamos filmar e soltar fogos. Então eu realmente não sei para quem foi escrito esse texto.
Como disse alguém ai no debate, os evangélicos cresceram porque eles estão onde ninguém quer estar, lidam com gente que ninguém quer lidar, assumem compromissos que ninguém no nosso mundo do curta-tudo-agora quer assumir. Não tem páreo na esquerda hedonista e individualista que é hegemônica hoje.
Essa coisa de se interessar pelo outro, pela dor do outro, pelos problemas dos outros, de auxiliar o outro a atravessar o rio de fogo simplesmente não existe na esquerda atual. O que há de esquerda hoje é gente que paga terapia, vive sustentado pelos pais até os 40, e some se souber que o amigo está com febre – não vai perder suas baladas né? Digo mais: a pessoa nem precisa trazer problema ao outro. Basta que passe certo tempo e ela não arrume uma boa colocação no mercado ou não entre no doutorado que já vai ser excluída paulatinamente da rede.
Para quem foi escrito esse texto? As pessoas que fazem o que o texto sugere não frequentam sites e debates como esse.
Concordo plenamente com a Camila. Vira uma punheta intelectual de meia dúzia de pessoas, quem sabe um trampolim para um ou outro intelectual que muitas vezes nem sequer trabalha inflar seu ego e se colocar como infalível e dono da verdade. E os camisas-marrons fundamentalistas religiosos não estão nem aí para esse tipo de discussões que não desdobram em ação pratica nenhuma. Não tenho tempo pra ficar pesquisando bibliografias e livros, porque acordo cedo, pego trem, trabalho em outra cidade, passo o inferno pra ir pelo sistema de transporte parecendo uma lata de sardinha pra minha faculdade a noite, e mal consigo fazer os trabalhos de faculdade. E ainda tem que aturar gente com musica gospel ou fazendo pregação dentro de trem e ônibus. Isso tudo é um saco. E também é igualmente sacal ver discussões que não possuem nada de prático. Até é legal e bem escrito o texto, mas me deprime ver que é só discussão. Palavras já temos demais. Agora, quem vai entrar nas quebradas e fazer trabalho de base contra isso tudo que tá aí?
Extraindo o essencial da discussão, penso que ao meu ver as igrejas cumpririam um importante papel como uma fratura no interior da composição da classe trabalhadora (trabalhadores precários em relação aos mais qualificados, regime de predominio da mais-valia absoluta em relação à relativa). Talvez seja a maior fratura na classe trabalhadora brasileira; também penso que as igrejas cumprem um papel pedagógico, formativo elementar sobre a força de trabalho, uma vez que inculcam noções de disciplina e autoempresariamento muito adequados ao regime de acumulação flexível. E finalmente, penso que as igrejas inflam como espaços de sociabilidade na medida em que ocorre o esvaziamento de outros tipos de espaços – sindicatos, movimentos sociais, botequins, rodas de musica e cultura popular, etc., e principalmente, o recuo da socialização nos próprios locais de trabalho. As igrejas entram para preencher esta carencia de socialização na classe trabalhadora, e penso que alem disso, seja também o reforço de um tipo de subjetividade “monada-dinheiro” atomizada, caracteristica da propria acumulação. No final, o deus é o próprio trabalho abstrato….
Caros essa discussão é bem importante e necessária, pena que demoraram tanto para insitá-la. Gostaria de colocar alguns outros fatores que acredito, estão sendo deixados de lado, talvez por desinformação do coletivo ou talvez não.
Lembremos que a doutrina evangélica pentecostal adentrou o Brasil inicialmente nos estados do Pará e Amazonas, isso mais ou menos 105 anos atrás, encabeçados por dois pastores estadunidenses inicialmente. Atualmente são os estados com a maior parcela de evangélicos de todo o país, sendo também estes estados extremamente estratégicos no contexto geopolítico global, devido as enormes riquezas naturais, hídricas, minerais e etc.
Gostaria de chamar atenção também para as Igrejas da Paz, onde praticam um culto extremamente belicista, muito comuns no estado do Pará, especialmente na cidade de Santarém, onde até pacotes turísticos para um país extremamente curioso, Israel, são oferecidos.
Enfim, “caros amigos”, o buraco é muito mais embaixo.
Fiquei curioso sobre estas “Igrejas da Paz”. Vi que eles são adeptos da estrutura G12, uma forma de “igreja celular” que está para as igrejas tradicionais como o foco e o grupo de fogo estão para o partido, que estou pesquisando.
Por outro lado, não sabia que Pará e Amazonas são os estados com mais evangélicos no país. Se isto for verdade, pode por em xeque minha argumentação a respeito do uso estratégico do pentecostalismo. Vou procurar maiores dados.
Grande parte das igrejas do Brasil vende pacotes turísticos para Israel. Os evangélicos idolatram Israel, defendem cegamente o sionismo como algo baseado na Biblia. Há pastores que mandam importar pedras de Hebron (área ocupada da Cisjordânia) para construção de suas casas e palacetes. Vendem óleos importados de lá, e água “santa” do Rio Jordão e Mar Morto. Segundo eles, Israel é um lugar “cheio de unção”.
Sugiro que tentem relacionar as pacificações que vêm ocorrendo por todo o Brasil com o movimento evangélico. Se tiverem curiosidade, pesquise nas corporações policialescas a quantidade de evangélicos praticantes. E se ainda não estiverem satisfeitos, visite alguma penitenciária e verifique quem possui passe-livre para entrar e evangelizar os excluídos. E se ainda assim, não estiverem satisfeitos, procure descobrir quem fornece a cocaína e a maconha que se consome nas penitenciárias.
É importante não esquecer da “guerra contra o narcotráfico” colocada a cabo a algum tempo atrás, desde a Colômbia, que hoje possui dezenas de bases militares estadunidenses.
No Brasil não foi preciso fazer a guerra, bastou evangelizar para dominar. Enquanto isso a esquerdalha metalurgica se lambusa com o dinheiro dos trabalhadores e trabalhadoras.
Os caras vão gastar 3 ou mais textos longos para dizerem: existem tantos protestos virtuais justamente porque existe verdadeira impotência política. Se houvesse potência política, não haveria Feliciano e ninguém precisaria ficar no facebook fazendo de conta que tem força política.
Vejam esta noticia:
Pastores pentecostais tocam fogo em templos indígenas do Brasil. “Urucum é bosta do diabo”.
http://www.jornalterradagente.com.br/2012/02/pastores-pentecostais-tocam-fogo-em.html
Barbárie. Fascismo já tá aí. Os pobres trocaram a luta de classes por uma teologia dos ressentidos, da ascensão social, e o ódio ao trabalhador mais qualificado e minorias. Não é dotado de características fascistas um processo assim?
Mas será, Maria, que a eleição de um Feliciano e de uma bancada evangélica não expressa exatamente o oposto, uma potência política? E a quem serve esta potência?
Mario, concordo, é barbárie pura. E é um dos elementos construtores de um fascismo possível. Mas apenas denunciar o processo já é combatê-lo, ou é preciso algo mais? Será que o esforço que se está tentando, tanto no artigo quanto nos comentários, de tentar identificar as bases sociais deste proto-fascismo, de tentar localizar algumas das causas desta barbárie, não é um dos passos para este combate? Identificar melhor o que combater para combatê-lo melhor?
Sim, mas eu iria adiante… precisamos de uma luz, de algum tipo de proposta politica para construir uma alternativa a essa barbárie. Alguma idéia do que fazer… entendi até agora que é necessário atuar nas bases sociais, constituindo relações de solidariedade por baixo… mas quem da esquerda quer fazer isso? Partidos políticos que não querem perder votos de religiosos? Uma esquerda que trocou as bases pelas vias do cretinismo parlamentar? Grupelhos trotskistas que só querem dar golpes em assembleias e assumir direção de sindicatos e movimentos? Com uma “esquerda” dessa, vamos de boca pro fascismo!
Acho que construir relações de solidariedade por baixo é um caminho, Mario, e dos melhores. Mas seria realmente preciso esperar por esta “esquerda” que você caricaturou bem para começar?
O pentecostalismo em contextos de violência: uma etnografia das relações entre pentecostais e traficantes em Magé
http://seer.ufrgs.br/index.php/CienciasSociaiseReligiao/article/viewArticle/3982
“traficantes evangelicos” e intolerancia religiosa nas favelas hoje: o caso de acari, rio de janeiro
http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1307136906_ARQUIVO_TRAFICANTESEVANGELICOSeINTOLERANCIARELIGIOSA-CONLAB2011.pdf
“traficantes evangelicos”: novas formas de experimentação do sagrado em favelas cariocas
http://www.fflch.usp.br/ds/plural/edicoes/15/artigo_2_Plural_15.pdf
estamos se liderança politica, desde que lula saiu do sindicato para ser politico.lá sim tínhamos um líder carismático, que chamava milhares de pessoas para a rua.
hoje assistimos e participamos de um vendaval chamado, facebook, onde todos acham que conseguiram uma forma de luta concreta,e, não entendem que é somente virtual.
nos sentamos na frente do munitor, e começamos a compartilhar.
escrevemos textos enormes, e, muitos acham que estão fazendo a revolução.
ignorância se não dissesse, que, passou a ser um canal de importante ligação com o mundo, mas talvez as pessoas não entendam que não será isso que vai nos tirar dessa coisa que parece uma bola de neve há décadas e décadas.
bom poder ter éssa arma a favor do povo, que quer se manifestar, se comunicar e discutir os rumos de BRASIL.
acontece que sem rua, sem manifestação nada acontece, só na raça se consegue algo nesse BRASIL A DERIVA E SEM REMOS.
a religião nada mais é do que servir ao estado vigente, como sempre o fez.
crer ter fé, acho bom, mas ser cego e ficar impotente diante de tamanho descalabros e absurdos, muito triste.
justamente por termos feito do face um palanque virtual, a impotência política se aguçou, pois ficamos emocionalmente arrasados, por conta do sr COLOR DE MELO E DONA ZÉLIA.
COM SEU MIRABOLANTE CONFISCO, AS PESSOAS SE VIRAM TOTALMENTE SEM RUMO, SEM EIRA NEM BEIRA.
DESTRUIRAM MILHARES DE CENTENAS DE EMPRESAS MÉDIAS E PEQUENAS, QUE LOGICAMENTE NÃO PUDERAM RESISTIR.
VI DE PERTO AMIGOS FICAREM FALIDOS.
EXATAMENTE POR ESSA COISA ACONTECIDA NA ERA Collor, FICAMOS EMOCIONALMENTE ARRASADOS, E SUCETÍVEIS A UMA ceticismo muito mais arraigado.
sendo assim as pessoas, nosso povo já sempre tão maltratado, descrente de quase tudo se joga mais e mais nas religiões, que se aproveitando disso, oneram cada vez mais as pessoas, sejam ricas ou paupérrimas. quem se importa?
fato é:
se não voltarmos pras ruas, se não passarmos a nos organizar urgentemente, nada vai mudar. contrariamente disso, renans e felicianos, germinaram como planta trepadeira.
sem punição e deixar acontecer o descalabro que está acontecendo, impossivel qualquer país sair da uti.
em minha cidade, itanhaem, tento aglutinar as pessoas para discutirmos estratégias, para reivindicar melhorias onde for mais urgente(saúde e educação) se mostram interessadas, logo somem igual pó de pirlimpimpim.
mas não dá pra desistir.
Curioso é que, ano e pouco depois de este artigo ter sido publicado, ouvi esta semana de uma figura histórica da Comissão Pastoral da Terra (CPT) argumentação muito parecida. Usando, inclusive, a mesma expressão: “derrota estratégica da esquerda”. Como a CPT não brinca em serviço quando se trata de “estar junto às bases” e, portanto, de ver e ouvir coisas que nem a blogosfera nem as redes sociais ouvem ou veem, parece que as intuições aqui foram acertadas.
Quase seis anos depois, retorno a este texto pesquisando material para uma série de artigos, e vejo como a série inteira do Passa Palavra acertou em cheio, especialmente as duas últimas partes. Parabéns!