Por Mauro Rodrigues de Aguiar [*]
Convido o leitor a imaginar-se nesta situação que descreverei. Refiro-me a pessoas que viram membros da sua família e amigos serem trucidados por bombas e tiros e tiveram que fugir do Iraque, deixando tudo para trás e tentando às pressas salvar o que foi possível.
Depois, para todo lugar onde foram, na tentativa de se proteger, encontraram pessoas hostis e armadas, que os odiavam pelo único motivo de terem nascido numa terra que eles ambicionam, e por isso queriam os matar e aos seus. Apesar de desejarem construir suas vidas solidariamente e em paz, mesmo assim foram caçados como bichos.
No final, o único lugar que lhes sobrou para alojar o que restava de suas famílias e amigos foi um deserto em Ruweisheid (Jordânia), sob tendas de lona de 10 metros quadrados, em meio a pedras, cobras, escorpiões, tempestades de areia, temperaturas extremas para cima durante o dia e para baixo durante a noite, e água racionada. Nesse lugar foram obrigados a viver por tempo indefinido, contando apenas com a sorte de que os que queriam os ver mortos não os encontrassem antes de que alguém os ajudasse. Assim passaram cinco anos, à espera de uma decisão da burocracia que os poderia tirar dali.
E após anos nessa agonia da espera, pessoas chegaram, prometendo-lhes ajuda, prometendo-lhes levar para outro país, distante e seguro de toda a violência, longe das pessoas que queriam os matar, “um lugar muito bom de se viver”, prometendo-lhes documentos, emprego, oportunidades para reconstruir sua vida, assistência médica e odontológica e aulas do idioma da nova terra que lhes estava sendo oferecida.
Entretanto, depois de toda a tragédia do passado de suas vidas e estando no “paraíso” prometido, estes refugiados depararam com a miséria e todo tipo de dificuldade, sem que todas aquelas promessas de uma nova vida digna fossem cumpridas. Subitamente, descobriram que aqueles que tudo prometeram apenas usaram da sua necessidade extrema, e da sua esperança de uma vida melhor, para tirarem proveito próprio, uma oportunidade de ascensão política, talvez. Encontraram desemprego, discriminação, aluguéis caros, omissão e descaso das autoridades, calúnias da imprensa, falta de atendimento médico e negligência – inclusive gerando situações graves em hospital.
Essa é a situação em que se encontram hoje os palestinos que foram trazidos como refugiados para o Brasil, em setembro e outubro de 2007, sendo 57 para Mogi das Cruzes, de um total de 108. Foram trazidos sem ter a oportunidade de escolher. Aos que se recusavam a vir, porque já previam as dificuldades de adaptação, era dito de forma ameaçadora que, se não aceitassem, eles seriam entregues ao exército da coalizão norte-americana ou às milícias que os queriam ver mortos (estes palestinos já estavam há muitos anos refugiados em colônias no Iraque e de lá precisaram fugir para a Jordânia quando da invasão americana). Chegando aqui, foram separados em localidades distantes, os que não foram trazidos para Mogi foram levados para o Rio Grande do Sul e Paraná. Todos falam a língua inglesa, além da língua árabe, mas foram levados para um país de língua portuguesa, e a tal ajuda prometida não passou de promessa. As mesmas autoridades e partidos (mesmo alguns que se alegam “socialistas”) que fizeram pose e barulho os recebendo, os relegaram ao abandono. Os palestinos foram na verdade jogados de um lugar para outro, considerados “um problema”.
No dia 20 de junho, dia dedicado a lembrar os refugiados, minha maneira de homenagear os refugiados palestinos, com quem tenho convivido e visto o quanto são amáveis, agradecidos, amigos e também vulneráveis, é contando essa verdade que não é dita, não é divulgada pela imprensa que omite informações e calunia estes refugiados. Mesmo tendo pouco, morando muitas pessoas em casas pequenas e em situação precária, eles recebem os brasileiros com seu café árabe e fazem questão de compartilhar sua comida e cigarros.
Que a ACNUR e o governo brasileiro cumpram, com urgência, com suas promessas de lhes dar todas as condições para que possam reconstruir suas vidas, já que aceitaram recebê-los aqui. Os próximos três meses serão cruciais para eles, visto que termina o prazo de dois anos da ajuda de custo irrisória paga pela ACNUR, através da Cáritas Diocesana, e todas as famílias pagam aluguéis caros, enfrentam desemprego e não possuem meios de subsistência, estando muitas vezes à beira da bancarrota.
Como trabalhadores, só podemos exigir tratamento justo a estes nossos irmãos, condenados a vagar o mundo e jogados de um lugar para o outro, lutando para não perder sua identidade.
[*] Membro da Oposição Bancária e Coletivo Libertário Trinca.
Convite!
Estamos formando um comitê autônomo (apartidário) de apoio aos refugiados palestinos de Mogi das Cruzes.
contatos:
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