Breves explicações para a mais recente crise econômica. Por Leo Vinicius
Chama-se de crise econômica o fenômeno de empresas quebrarem, de forma desencadeada e não por coincidência, e milhares ou milhões de pobres e trabalhadores acabarem caindo na miséria em relativo curto espaço de tempo. Esta, que ainda merece títulos de matérias nos jornais, e que começou a merecer manchetes desde o ano passado, chama-se por vezes de crise financeira, por vezes até mesmo de crise do capitalismo. Mas não se trata nem de crise nas finanças e muito menos de crise do capitalismo, até porque o capitalismo só entrará em crise quando outra forma de ordenamento econômico e social se constituir tomando seu espaço; mas essa é outra história, que não cabe aqui…
Bem, Richard Wolff, da Universidade de Massachussets, EUA, aponta que esta crise não é financeira porque seria sistêmica e teria como origem a estagnação dos salários reais desde a década de 1970. Argumenta ele que nos últimos trinta e tantos anos os salários se desvincularam da produtividade – por motivos que por conveniência deixaremos de lado neste artigo. Enquanto houve um expressivo aumento de produtividade, os salários relativamente diminuíram [1]. Então como fazer para que fosse consumido tudo isso que era produzido se a massa salarial diminuíra? Como vender o que era produzido se não havia poder aquisitivo na sociedade para comprá-lo? Para Wolff, a expansão do crédito foi uma saída, ou uma das; e saída lucrativa para os credores, é claro. A bolha de crédito acabou estourando uma hora, através do mercado imobiliário norte-americano.
Enquanto a maioria dos economistas não tira seus olhos do mercado financeiro para explicar a crise, o enfoque de Wolff torna a crise dos derivativos apenas um epifenômeno (derivativos são uma espécie de vale-dinheiro que se cria e se vende adiante a partir de um pagamento que se tem a receber). A explicação de Richard Wolff tem sido compartilhada, pelo menos em parte, pela maioria dos economistas brasileiros à esquerda do espectro político hegemônico atualmente na economia [2]. Mas podemos avançar mais nas causas últimas. Antes disso poderíamos deduzir então que, se o crédito empurrou para a frente uma situação econômica insustentável de acordo com a massa salarial (ine)existente, isso significa dizer que sem o crédito que criou a bolha, possibilitando o consumo, estaríamos vivendo uma “crise permanente de baixa intensidade”. O que de fato os momentos de “crise” na economia capitalista escondem é que ela necessariamente vive em estado de crise constante. E crise no sentido de miséria iminente para os trabalhadores, para os despossuídos.
Agora sim, vamos às causas últimas, que talvez façam a defasagem salarial em relação à produtividade parecer também apenas um epifenômeno. Quem espera a última novidade em economia a partir de agora, irá se decepcionar. Na verdade o que apresento nas próximas linhas é uma demonstração anterior a Marx. Realizada por um francês, cuja obra em que ela é apresentada foi elogiada pelo alemão como a primeira obra científica socialista, que teria permitido finalmente se fazer uma verdadeira ciência da economia política, e escrita por um verdadeiro proletário. Trata-se de Proudhon e sua obra clássica O que é a propriedade?, de 1840 [3].
No capítulo IV de O que é a propriedade?, formado por dez “proposições” que ele busca demonstrar com rigorosa lógica, a segunda tem como título: “A propriedade é impossível porque onde ela é admitida a produção custa mais do que vale”. Proudhon gasta algumas páginas para demonstrar que com o lucro, com a renda que os proprietários se auferem, outro nome para a remuneração que a propriedade reivindica enquanto tal, as contas da sociedade não fecham. Em outros termos, a propriedade cria um não-valor, algo que não poderá ser consumido porque não poderá ser trocado. Tentando ser mais didático que Proudhon, basta imaginar uma sociedade formada, digamos, por três empresas. Pode-se expandir ou alterar os números que a lógica continuará sendo a mesma. Se cada um dos três proprietários paga 100 em salários e coloca o que lhe custa 100 em salários para ser consumido por 110, temos que existe uma produção na sociedade no suposto valor de 330 e uma massa salarial de 300. Mesmo com o poder aquisitivo que os proprietários poderão ter através do lucro a partir das vendas, a sociedade estará produzindo mais do que pode consumir, o poder aquisitivo da sociedade nunca é suficiente para consumir o que ela própria produz. E quanto maior for a margem de lucro, ou a renda da propriedade, maior será esse desacerto de contas. Na verdade, não é que a sociedade produz mais do que pode consumir, mas que, com a propriedade, a produção custa mais do que vale; o preço da produção é mais alto do que ela recebe por tê-la produzido.
A crise não é financeira, também não é devido à alta produtividade e a uma baixa salarial (que na verdade só a acentua); o que é chamado de crise é a impossibilidade econômica, matemática, da propriedade dos meios de produção. A crise é a crise do capitalismo somente no sentido de que ela é a crise que o capitalismo, o sistema da propriedade privada, inflige economicamente, pela sua própria instituição, necessária e cotidianamente, à massa da população. Há 170 anos Proudhon já o demonstrou, com a simplicidade da ciência de um proletário, e com a exatidão de um teorema de Pitágoras.
Notas
[1] Para um resumo da explicação de Richard Wolff, feita por Leonardo Nunes, assim como vídeo de uma exposição oral de Wolff: http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=11650.
[2] Sobre a convergência dos economistas brasileiros à esquerda ver o relato de Leonardo Nunes:http://www.paulohenriqueamorim.com.br/?p=12258.
[3] O livro O que é a propriedade? pode ser encontrado na internet em português (http://www.4shared.com/file/48916926/ddf1974/Proudhon_-_O_Que__Propriedade.html) e em francês (http://classiques.uqac.ca/classiques/Proudhon/la_propriete/La_propriete.pdf).
Muito bom Leo! Você devia falar isso dentro das salas de aula nas escolas públicas. Explicar, utilizando este texto, o que é essa tal crise. Esclarecer para a moçada, porque o salário da família deles acaba antes do mês acabar. O único problema (ou solução) seria você criar uma revolta descontrolada, já que eles se conscientizariam da impossibilidade de inclusão. E, por fim, tudo justificaria a violência vinda das escolas públicas nas periferias. Aquela violência que se faz legítima, pois por muitas vezes é conseqüência desta que não é uma crise financeira, mas é uma constante (porque inerente) crise sem saída deste sistema injusto e desumano o qual estamos inseridos.
Muito bom Leo! Realmente este capítulo 4 d’O que é a Propriedade é ótimo. Faço votos que continue as produções!
Bom texto.
Relaciono abaixo outros artigos sobre a “crise”, desde uma perspectiva libertária. Um do portal Estratégia e Análise e outro o discurso de conjuntura da Federação Anarquista Gaúcha no 1° de maio.
http://www.estrategiaeanalise.com.br/ler02.php?idsecao=e8f5052b88f4fae04d7907bf58ac7778&&idtitulo=b44ab0ee39c6500d9613e0d47f7ee6ee
http://vermelhoenegro.org/fag/leiaindex.php?titulosel=98606f8993aeb40b9aeb35cdd97ff93e
É interessante notar como o grosso da esquerda marxista faz questão de ser míope, e aos gritos histéricos de que essa “crise” é a “vitória da teoria revolucionária marxista” explicam-na pela simples fórmula da “crise cíclica de superprodução”. E é mais interessante ainda ver como esse peixe (mesmo apodrecido) ainda vende bem.