Consequências de uma desocupação violenta, pela polícia, de uma velha clínica desactivada que foi ocupada por pessoas necessitadas de abrigo. Um relato, enquadrado no tempo, dos últimos acontecimentos em um bairro periférico de Paris. Assembleia de La Clinique
A bófia fora do nosso bairro!
A “Clínica” ocupada em Montreuil [município da periferia leste de Paris] nunca foi um centro cultural ou alternativo, mas sim um lugar de organização política e de questionamento da gestão da cidade e das nossas vidas. As pessoas dão-se o direito de ocupar espaços disponíveis, quer seja para acederem a algo mais do que um alojamento [moradia] insalubre ou minúsculo, quer seja para se outorgarem um meio de evitarem o trabalho assalariado. Organizam-se para se unirem em caso de prisão de [imigrantes] indocumentados, para apoiar, denunciar, impedir. Para se unirem no apoio a presos a pretexto do espantalho antiterrorista. Para se organizarem perante as instituições sociais, para evitar os permanentes controlos, para conseguirem alguma amostra de RSA [Revenu de solidarité active, Rendimento de solidariedade activa, que veio substituir várias alocações sociais de apoio aos mais pobres e aos sem trabalho], ou para desbloquearem casos individuais através de ocupações da CAF [Caisse d’Allocations Familiales, ramo da segurança social francesa que gere as alocações de apoio às famílias]. Para se organizarem para impedir que cá apareçam o Sarkozy [actual presidente da República Francesa] ou o Dieudonné [actor humorista de origem africana muito popular que se envolveu em campanhas políticas, primeiro com tintas de esquerda, mas actualmente identificado com posições da extrema-direita]. Publicações gratuitas na rua, um jornal de parede semanal, churrascos e refeitórios, um cineclube e projecções, concertos… A Clinique é tudo isso e muito mais.
Na quarta-feira passada [8 de Julho 2009] foi tudo isso que foi expulso por duzentos polícias [policiais] bem armados que ocuparam a Croix de Chavaux [zona central de Montreuil], com o RAID [polícia de choque] a cassetetear os moradores para os expulsar do seu abrigo.
Nessa mesma noite, aquando de uma passeata de protesto, cinco pessoas foram alvejadas à altura das cabeças com flashball [arma antimotins de balas de borracha dura]. Uma delas foi atingida num olho e ficou sem ele. Só a Prefeitura [Governo Civil] e a imprensa [mídia] minimizam sempre estes ferimentos e fazem como se não houvesse relação entre o tiro e a mutilação.
E, enquanto tratávamos de cuidar dos feridos, a polícia trata, ela, de se resguardar de consequências: o comissariado [delegacia, esquadra da polícia] participa ao IGS [inspecção geral da Polícia Nacional francesa] e o ministério público [procuradoria, acusação judicial por parte do Estado] acusa de crimes graves duas pessoas presas arbitrariamente nessa noite. Exactamente como em 4 de Junho de 2008, quando o mesmo comissariado de Montreuil usou esses dois instrumentos bem rodados após uma violenta carga sobre uma manifestação de protesto contra a prisão de um indocumentado: participação à IGS e acusação judicial dos manifestantes feridos, um deles com flashball. Então como agora. Enquanto que, um ano mais tarde, as pessoas incriminadas foram inocentadas graças a inúmeros testemunhos, o inquérito da IGS não originava qualquer consequência, do mesmo modo que os da CNDS (Comissão Nacional de Deontologia da Segurança) que, no entanto, condenava uma “intervenção desproporcionada”. Os atiradores de elite da BAC [Brigada Anti-Criminalidade], esta semana, seriam os mesmos?
Eles exploram, fazem rusgas, expulsam, matam – Autodefesa
Não temos de nos admirar com a violência policial. Vamos continuar a ocupar a rua, pois é ela o nosso terreno de luta, e vamos ocupá-la sem ficar à espera que a Comissão de Deontologia, a IGS, os Verdes, a municipalidade, o Partido Socialista, a Justiça ou o papa considerem que a polícia exagerou e que é preciso intervir contra estas violências republicanas. Nós usamos capacetes porque temos a noção dos perigos que corremos quando manifestamos a nossa cólera nas ruas. Temos de estar preparados para nos defendermos quando a bófia [polícia] nos ataca. Era isso que explicava o texto que lemos e distribuímos às cerca de 500 pessoas que vieram connosco na manifestação de segunda-feira. É por isso que alguns de nós usávamos capacetes, equipados para nos defendermos da polícia. Por isso, também, as faixas reforçadas protegiam a cabeça e a cauda da manifestação. O decurso da manifestação mostra que essas protecções não eram nenhum luxo…
Os bófias bloquearam-nos várias vezes. As barragens foram contornadas até ao mercado da Croix de Chavaux. Mas aí, favorecidos pelo espaço mais amplo, os bófias, os guardas móveis [outra polícia de choque] e os fiéis BACquistas atacaram-nos pelos lados.
É certo que se atirou tinta e petardos, aqui e ali, contra os robocops superprotegidos, para aguentar as faixas na sua resistência às cargas policiais, mas 11 manifestantes, felizmente protegidos dos golpes pelas faixas, foram isolados e detidos. Foram libertados, sem consequências judiciais, na madrugada, pois os bófias não arranjaram nada para os acusar judicialmente.
Ao fim do dia, desfazem-se algumas montras da rua pedonal [rua para pedestres] – uma empresa de trabalho temporário [Tais-toi e trime, Cala-te e trabalha], a EDF [empresa estatal de electricidade] [Tu peux pas payer, on va te couper, Não podes pagar, a gente corta-te], a Quick [hamburgers] [Boulot de merde, bouffe de merde, Trabalho de merda, comida de merda], uma agência imobiliária [Ça va te coûter cher, Isto vai-te sair caro]. Estamos no Quatorze Juillet [14 de Julho, festa nacional francesa, dia da Tomada da Bastilha em 1789]. Em todo o distrito, a polícia não consegue ter mão nos carros incendiados, nos petardos que lhes são atirados. A polícia, coitada, faz o que pode. No comissariado de Montreuil, uma manifestante é enclausurada com uma menina de 10 anos, presa por lhe terem encontrado petardos no saco.
Comunicado da Assembléia da Clinique en exil [A Clínica no exílio]
Quarta-feira, 14 de Julho, La Boissière (Montreuil)
A nossa defesa colectiva não constrói em um dia.
Contra todas as polícias, organizemo-nos.
Sexta-feira 17 de Julho: Conferência de imprensa e distribuição de panfletos no mercado da Croix de Chavaux.
Domingo 19 de Julho, às 15h: Assambléia de Palavra-à-solta, no nº 9 da Rue François Debergue, metro Croix de Chavaux.