Ato em Aparecida de Goiânia abre novas perspectivas de luta na Região Metropolitana

Por: Tarifa Zero Goiânia

Dia 27 de Novembro, quarta feira, às 17 horas, finalmente rompeu-se um bloqueio de quase um mês na mobilização popular organizada na Região Metropolitana de Goiânia. Foi nesse dia que ocorreu a primeira manifestação pelo passe livre estudantil e por melhorias no transporte em Aparecida de Goiânia. A manifestação convocada pela Frente de Luta Pelo Transporte – Aparecida agregou cerca de 150 pessoas entre jovens, estudantes, trabalhadores e ouros apoiadores do movimento. Esse ato é significativo por alguns elementos importantes, que pensamos ser interessante discutir: 1) a ação truculenta da polícia e a reação dos lutadores; 2) a pauta específica concreta e radicalizada; 3) a organização autônoma e horizontal, que se traduz na dinâmica da manifestação.

Ação policial – reação popular

A ação policial começa antes mesmo do ato e já está no ar da periferia – trata-se do medo que impede muitas pessoas de irem a uma manifestação. Enquanto esse medo foi em grande parte quebrado no centro da cidade depois de junho, a situação é outra nas cidades da região metropolitana e trata-se de um dos grandes obstáculos da luta.

Já na concentração da manifestação, várias viaturas aguardavam os jovens que iam somar na luta e foram enquadrando e dando baculejos. Faixas, camisas e bandeiras foram confiscadas sob a alegação de “apologia à anarquia”. Companheiros foram forçados a tirar fotos com placas dando seus endereços e nomes diante dos policiais e vários foram intimados a sair do ato. Algumas poucas pessoas obedeceram assustadas. Ao mesmo tempo, outros policiais escoltavam estudantes das escolas próximas até os pontos de ônibus para garantir que não aderissem à luta.

Ao sairmos para a rua, a tensão era constante: os policiais acompanhavam bem de perto, colados na manifestação por trás e na frente, provocando constantemente e tentando intimidar. Os manifestantes respondiam pedindo a abolição da polícia militar, afirmando que tinham o direito de estar ali expressando a opinião na rua e vaiando e afastando os agentes repressivos toda vez que tentavam abordar algum lutador presente. O desafio ao enquadramento por meio da solidariedade e da ação coletiva, além dos vários rostos cobertos, foi a resposta eficaz dos lutadores às tentativas de intimidação e perseguição durante o ato. Via-se que vários foram percebendo que era possível se manifestar ali, que a rua também podia pertencer àquelas pessoas e vários foram perdendo a inibição, atuando de forma mais dinâmica, alguns ganhando coragem pra falar no carro de som e colocar sua opinião ativamente e ostensivamente. Com essa postura, conseguimos manter o ato coeso e bloqueamos a rua por cerca de duas horas, mesmo com várias provocações policiais. Conseguimos terminar o ato com a sensação de vitória, com o claro apoio da população e dos trabalhadores do transporte coletivo que passavam.

Mas o problema maior veio no momento da dispersão. Tentamos dispersar de modo que as pessoas pudessem pegar ônibus e sair sem serem perseguidos, mas a polícia se antecipou e bloqueou as entradas do terminal. Foi com os militantes expostos, na rua, já sem a manifestação, que começou a ação da CPT, o equivalente da ROTAM em Goiânia e da ROTA em São Paulo, e dos policiais à paisana em conjunto com os coxinhas fardados. A CPT enquadrou vários jovens da periferia e apoiadores de forma extremamente truculenta, espancando vários com direito a porrete e coronhada na cabeça. Vários moradores dos bairros da região foram ameaçados de morte, uma professora transexual que apoiava o ato foi humilhada e teve sua intimidade exposta. No final, um grupo teve que sair correndo com armas apontadas para suas costas. Militantes que acompanhavam essa ação mais violenta também foram enquadrados, ameaçados e espancados. Enquanto um grupo saía correndo, do outro lado da avenida, lutadores estavam sendo seguidos por um carro sem identificação e algumas viaturas, e no final tiveram que sair correndo quando as intenções dos não identificados ficaram claras. O grupo contou com a sorte de um motorista de ônibus solidário permitir a sua entrada de graça no ônibus pela porta de trás para longe dali. Recolhemos depoimentos mais detalhados dessa ação truculenta que estão divulgados em vídeo.

O objetivo dessa ação é claro: tentar reverter a derrota real sofrida pela polícia na sua tentativa de impedir a manifestação de ocorrer e de se finalizar de acordo com a vontade dos manifestantes. Sem solidariedade firme e uma força coletiva para segurar a barra, não tem como, a polícia chega botando banca.

Levantamos um ponto para refletirmos: não seria o momento também de sempre ao realizar uma manifestação pensarmos em estratégias de dispersão para preservar os lutadores, e também estratégias de denúncia para resguardar os que sofrerem na pele a reação do desafio à ordem? Finalmente, há que pensar estratégias contra a repressão preventiva praticada pela polícia nas escolas.

Que passe livre estudantil? Com que forças?

A reivindicação da manifestação entra em um contexto mais amplo. Desde junho, houve um articulação das 18 prefeituras da região metropolitana e governo do estado pra implementar o passe livre estudantil “em resposta à demanda das ruas”. Pois então, bem ou mal, 17 prefeituras estão discutindo a implementação da proposta de um passe livre estudantil subsidiado pelo orçamento público. A exceção aí é a prefeitura de Aparecida de Goiânia, que alega não ter orçamento para bancar o subsídio. Aí entra a novidade da pauta.

Ao invés de pedir que a prefeitura faça a adesão ao programa, o movimento optou por exigir que se implemente na cidade um passe livre estudantil sem subsídio para as empresas. A argumentação utilizada pela Frente é que as empresas que exploram o transporte na região – a HP Transportes e a Rápido Araguaia – têm plena condição de garantir o direito à educação para os estudantes, já que tem orçamento suficiente para se instalar em outras cidades e até países, como no caso da Rápido Araguaia.

A reivindicação não é inocente. Os lutadores sabem que é uma pauta mais difícil de arrancar, mas estrategicamente acharam mais interessante atacar as empresas e o seu lucro. O ataque ao lucro empresarial permite uma argumentação, por exemplo, em torno do sucateamento do transporte praticado pelas empresas, de modo a agregar os setores não estudantis na luta comum contra as empresas. E permite porque os responsáveis pela operação e gestão do transporte, na prática, são elas. Como essa reivindicação se desenvolve de forma concreta, ainda é uma questão em aberto. Também é possível que os estudantes de outras regiões, diante do atraso que a questão do subsídio está gerando na implementação do benefício prometido, acabem se mobilizando em torno dessa pauta contra o subsídio, possibilitando uma rearticulação da luta de rua na Região Metropolitana de Goiânia que seja policentrada, com ações em várias municípios e bairros.

Dinâmica do ato

Não se tratava de um ato burocratizado, com uma figura de liderança e palanque no carro de som. O financiamento do carro de som por meio do pedido de doações e a vaquinha na hora consolidou o sentimento de uma propriedade coletiva do instrumento de comunicação. O microfone aberto também permitiu uma maior expressão e que várias pessoas tivessem um espaço de intervenção próprio pra se comunicar com a população, explicando seus motivos para estar ali, desafiando a polícia ou dando avisos sobre os P2 e a proximidade dos carros de patrulha cercando a manifestação.

Apesar do benefício de permitir falas mais articuladas, existe o problema de que são falas individuais que muitas vezes também acabam expondo excessivamente quem toma o microfone para falar. No caso de uma manifestação de menor porte, acompanhada bem de perto pela polícia, acaba sendo um problema importante de segurança. Uma questão que temos que pensar é que existem dinâmicas diferentes para as diversas regiões da cidade, de acordo com as condições repressivas específicas e a própria organização das relações na cidade ou bairro. Isso acaba requerendo que pensemos estratégias novas para cada ocasião de luta de rua e quanto mais conseguirmos envolver o conjunto dos lutadores nessa reflexão e construção, melhor estaremos equipados para continuar a luta.

Com várias palavras de ordem de enfrentamento com as empresas do transporte e tentando também enfrentar o medo da polícia, o ato foi seguindo de forma bastante dinâmica, com os manifestantes tomando um papel ativo na tomada das ruas e no bloqueio do trânsito. Volta e meia conseguíamos dar um olê na polícia que nos seguia pra bloquear o trânsito de forma mais eficaz. Essa prática, que indica um conhecimento mais profundo das ruas e da dinâmica da cidade, é um elemento interessante que só deve ser incentivado. Outra coisa importante foi a solidariedade interna forte: toda vez que a polícia chegava para intimidar algum lutador, o conjunto do manifestação vaiava o agente repressivo. A presença da bateria de apoio às manifestações também foi um elemento de coesão e participação, uma vez que havia quem se dispusesse mesmo sem ter ensaiado a pegar um instrumento e tocar junto, criando ritmos e tomando pra si o papel de garantir o ânimo do movimento.

Conclusão?

Se houve tanta truculência policial contra o movimento e se encontramos tantas dificuldades, é porque trata-se de uma luta que tem um grande potencial para subverter o poder despótico das empresas do transporte em parceria com as prefeituras. Ao lidarmos com essas dificuldades coletivamente, de forma refletida, estaremos construindo as próprias condições de enfrentamento e o poder popular necessário para conseguir intervir na gestão do transporte e da cidade — no caso, no controle dos termos de uma gratuidade e das condições de locomoção.

Ao dar o primeiro passo da maneira que fizemos, ditamos as regras do jogo e o conteúdo da disputa. Resta saber se conseguiremos, nós todos, mas especialmente os lutadores de Aparecida, manter a iniciativa e subverter expectativas de governos e empresas.

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