Nelson Mandela: algumas reflexões

Por Working Class Self Organisation

Como homem, ele foi amado e respeitado por milhões ao redor do mundo, como mostra a atual efusão de pesares – alguns simulados, alguns genuínos. Como esperado, lá está o “Mandela foi um terrorista” – acusação vinda da mídia de direita; e o “Mandela foi um grande estadista, pacificador e inspiração para milhões” – vindo de praticamente todos os demais.

Não sou uma autoridade sobre a política ou o legado de Mandela. Então, por favor, sinta-se livre para acrescentar suas próprias reflexões ou informações a este texto.

Como alguém com qualquer tipo de análise consegue rotular Mandela como um terrorista ultrapassa-me. O que as vítimas de um dos mais desprezíveis regimes na história deveriam fazer para resistir contra seus opressores? Começar uma petição? Sim, estou certo de que sua ficha criminal contém acusações que soam desagradáveis, mas é necessário considerar o tempo, o lugar e o contexto.

Aqueles que imediatamente utilizam o rótulo de “terrorista” não são diferentes daqueles que acumulam louvores extraordinários sobre Mandela, e conversei com dois deles. Nenhum pôde, na verdade, me oferecer qualquer explicação sobre por que ele foi um grande homem além de dizer: “Ele simplesmente foi!”. Parece que a “marca Mandela” tem cumprido seu papel.

Até onde vai a trajetória política de Mandela, acredito que ele tenha mudado de posição várias vezes desde os anos 1930, de um ardente stalinista a um socialista democrático. Como anarquista, não vou criticar a radicalização política e os pontos de vista do jovem Mandela, porque eles devem ser visualizados no tempo, no espaço e no contexto. Contudo, se ele definiu a si mesmo como um “socialista”, desde que deixou a prisão, então ele falhou miseravelmente.

Novamente, não alego qualquer competência sobre Mandela ou sobre o apartheid [segregação], mas enaltecê-lo como o homem que acabou com o apartheid (tal como muitos parecem estar fazendo) parece ser um tanto hipócrita. Certamente, existem muitos outros fatores e indivíduos que conduziram a tal mudança.

Mandela deve ser visto como o garoto-propaganda da falência dos partidos políticos e do reformismo. O CNA, a despeito daquilo que eles consideram serem suas conquistas, não é mais do que um partido de gângsteres, de carreiristas e de canalhas anticlasse trabalhadora [veja aqui, em inglês]. O apartheid acabou há mais ou menos vinte anos atrás. Então, o que mudou? A classe trabalhadora negra da África do Sul tem um novo cenário de embusteiros, patrões e políticos para a oprimir.

Só temos que olhar para trás, para os vários massacres de mineiros por parte das forças de segurança no ano passado [veja aqui, em inglês], para vermos que não foi muito o que mudou – creio que o neto de Mandela é um dos proprietários de uma daquelas minas. Trinta anos atrás seriam apenas policiais brancos atirando pelas costas em mineiros negros desarmados. Agora se trata de uma mistura de policiais brancos e negros executando a matança. De fato, um massacre condizente com o apartheid.

Será que depois de terminado o apartheid melhorou a situação de muitos trabalhadores negros sul-africanos? Na verdade, não. Desemprego, falta de moradia e pobreza são generalizados. Existe, todavia, um grupo na sociedade sul-africana que se tem beneficiado desde o colapso do apartheid. É, evidentemente, a família Mandela:

Dados empresariais mostram que os filhos e os netos de Mandela, nas duas últimas décadas, têm se envolvido em aproximadamente 200 empresas que se estendem por uma ampla gama de setores, incluindo o imobiliário, investimentos, engenharia ferroviária, mineração, medicina, moda e entretenimento. A filha mais velha de Mandela foi uma ativa diretora em 16 empresas, incluindo a subsidiária sul-africana da multinacional suíça, gigante de alimentos, Nestlé, um shopping center em Kimberley, duas empresas de engenharia ferroviária e quatro empresas aparentemente engajadas na exploração mineral. [Veja aqui, em inglês.]

O próprio Nelson Mandela – que deixou a prisão sem um tostão – morreu com uma fortuna sobre a qual sua família agora se digladia tal como abutres. Claramente, algo muito distante do sul-africano típico, que geralmente não tem um vaso onde mijar!

Enfim, Nelson Mandela morreu e estas são minhas breves reflexões.

Assim espero, haverá um obituário penetrante e crítico vindo dos anarquistas sul-africanos, a ser apresentado aqui nos próximos dias.

Traduzido por Fagner Enrique para o Passa Palavra a partir daqui.