O Fora do Eixo chegou até nós. Muitos pensavam que isso não ia ter nenhuma consequência, mas milagrosamente eles conseguiram se diluir numa narrativa e num ideal que faz muitas pessoas do nosso entorno se aproximarem deles.

Faz pouco tempo a CasaViva recebeu um convite para participar no Grito Rock, um festival internacional que parece ser o maior selo dessa empresa de eventos culturais chamada Fora do Eixo.

Chegou-nos da mão da Casa Colorida, uma casa cedida à filha do ex-alcaide de Nigrán para ser uma Casa Fora do Eixo na localidade. Ali num pequeno povo de uns três mil habitantes. Já houve iniciativas populares para eventos culturais alternativos, como é o caso do “Berra!”, um colectivo de jovens desta zona da Galiza, porém, até então não existia aparentemente a necessidade de um grupo brasileiro vir impor o seu método de trabalho.

Vamos falar um pouco desse método.

Fora do Eixo recebe entre 3% e 7% de todo o dinheiro anual destinado à área da cultura no Brasil. Também recebem dinheiro de grandes bancos privados como o Itaú, e empresas petroleiras de capital internacional como a Petrobras, da qual recebeu 800.000 reais no ano de 2012. É este método de trabalho que os movimentos sociais sempre rechaçaram por entenderem a cultura como algo livre e autónomo dos instrumentos de poder que tanto combatemos. Uma estratégia para não corromperem nossos ideais com propostas megalómanas de crescimento rápido e fácil. Com essas “concessões” o coletivo Fora do Eixo (que na verdade possui uma estrutura hierárquica muito bem definida na figura de Capilé, grande mentor intelectual e figura pública do grupo) diz pretender “hackear” o sistema. Cabe a nós acreditar nessa possibilidade.

Como dito no e-mail explicativo sobre o “Grito Rock”, o festival terá bandas selecionadas por um grupo no Brasil. A nosso ver, esse modelo de seleção em nada se difere das grandes empresas transnacionais do entretenimento, que selecionam a partir de uma matriz (normalmente a indústria fonográfica norte americana) quais são os grupos que se projetarão e farão “sucesso” a nível global, se utilizando de suas estruturas gigantescas. Para além disso as bandas se apresentam gratuitamente, contribuindo para agregar valor ao FDE – valor que depois lhes trará recursos financeiros – ou em boas palavras: trabalham de graça.

Nas casas FDE os valores que teoricamente os norteiam se confundem muitas vezes com princípios libertários (uma moeda deles, uma casa em autogestão, caixa coletivo, etc), porém “chovem” relatos na internet de pessoas que participaram dessas casas e que denunciam que o fato de morarem lá só os colocava numa condição de trabalho “non stop”, a tempo inteiro, para os eventos culturais do FDE. Também não são raros relatos que denunciam práticas sexistas na organização interna das casas (na divisão dos trabalhos, por exemplo), bem como um clima geral de coação, autoritarismo, e cobrança por resultados por parte dos “superiores”, como em qualquer outra grande corporação capitalista. O detalhe é que, sob a etiqueta do “ativismo cultural”, quem trabalha nessas casas não recebe nada por isso, e sua moeda interna sequer tem validade num supermercado qualquer, o que tirava-lhes a autonomia e o poder de escolha.

Apesar de tudo isso o seu líder, Capilé, continua viajando pelo Brasil e pelo mundo divulgando suas ideias e princípios. Com uma oratória invejável e muito conhecimento académico sobre a questão das “redes”, “novas mídias”, etc, Capilé faz consultoria e acordos com políticos brasileiros de diversas correntes (diversas mesmo!). Recentemente o cabeça do FDE esteve no lançamento da candidatura de Jandira Feghali ao governo do Estado do Rio de Janeiro, a mesma política que compõe os governos federal, estadual e municipal desta cidade, governos reconhecidos por criminalizar as recentes manifestações de massas, e por tratar jovens manifestantes, professorxs e lixeirxs como criminosos e terroristas.

Esta carta tem como objetivo dar a conhecer tudo o que representa esse grupo nos locais onde ele já passou, e contribuir na formação da opinião sobre os mesmos para os companheiros de luta da cidade do Porto.

Março de 2014, Casa Viva.

Referências:

Programa Roda Viva:
https://www.youtube.com/watch?v=vYgXth8QI8M

Relatos:
www.facebook.com/beatriz.seigner/posts/10151800189163254
www.facebook.com/lcbellini/posts/702021409824865
lagringasudaca.tumblr.com/post/57814963701/olhar-de-alguem-de-fora-no-fora-do-eixo

uma perspectiva anti-capitalista:
passapalavra.info/2013/02/72682
passapalavra.info/2013/02/73022
passapalavra.info/2013/03/73284

16 COMENTÁRIOS

  1. avisos:
    1 Parece que o endereço do programa roda viva não confere.
    2 Quem paga a banda, escolhe a música.

  2. Nossa, nem a Veja conseguiu ser tão ruim… De onde tiraram estes dados? Aliás na fonte de pesquisa o “jornalista” deveria ter incluído o blog do Reinaldo Azevedo.
    Matérias como esta faz o Passa Palavra cair em total descredibilidade, pasmem!

  3. 1) A seção Movimentos Em Luta tem a função de divulgar textos de outros coletivos e por eles produzidos. Os textos publicados na seção Movimentos Em Luta são da responsabilidade dos movimentos e grupos que os enviam, sempre devidamente identificados.
    2) O link correto do vídeo mencionado neste texto da Casa Viva é:
    https://www.youtube.com/watch?v=vYgXth8QI8M
    3) Qualquer dúvida sobre a pertinência de informações deve ser endereçada ao grupo autor do texto.
    4) O Passa Palavra teve múltiplas ocasiões de expressar o que pensa sobre o Fora do Eixo em artigos assinados pelo coletivo.
    O coletivo do Passa Palavra

  4. uau… devo concordar com o comentário anterior. Foi pior que a reportagem da Veja. Não importa se o autor não é do Passa Palavra, já que o texto tá no site do Passa Palavra, então… Vocês já tão no PIG.

  5. não vai ter errata? 3 a 6% da grana da cultura brasileira? que irresponsabilidade afirmar algo assim, e deixar isso permanecer no site como se fosse algo verdadeiro. olha a credibilidade aí passa palavra!

  6. Robson e Gustavo. Criticar a qualidade dos textos e os autores de todas as reportagens e denúncias contra a Fora do Eixo/Midia Ninja não ajuda. So mostra o quanto vocês estão despreparados para responder a todas as acusações que foram feitas! Quem conhece estas organizações sabe o quanto elas são enganosas e desonestas. Das duas uma: ou vocês dois trabalham para eles ou são muito ingênuos. Prefiro acreditar que são ingênuos.

  7. Não é curioso que a única coisa que Pablo Capilé nega é o valor total arrecadado, mas confirma tudo o mais que foi dito sobre eles?

    O trabalho “non-stop”, as parcerias “coloridas” com políticos de diferentes espectros políticos (DEM, PT, PCdoB, PSOL, Rede), a vinculação governista, a gestão hierárquica e etc.

    Pensei que o Fora do Eixo saberia o que é um site colaborativo, aonde não é um staff que produz as matérias, afinal, captam tanta grana com isso em editais. Agora a Casa Viva e os críticos pode acrescentar na lista: não sabem o que é um site colaborativo.

    Saudações aos compas da Casa Viva!

  8. Luiz Pena, análise certeira =)

    Outra coisa que repete-se no discurso é dizer que “lideranças” do MPL compartilharam a informação. Claudio Prado, Savazoni e Lenizza… HAHAHAH

  9. Qual é o fundamento desta afirmação: “entre 3% e 7% de todo o dinheiro anual destinado à área da cultura no Brasil”?
    No FB do Capilé, a principal liderança do FDE, este artigo do PP foi citado e está sendo fortemente criticado pelo fato de que essa afirmação não teria nenhum fundamento.
    Ainda nesse post do FB, alguém que aparenta ser afinado com o PP deixou um comentário apresentand um vídeo em que o Capilé comenta sobre os vários patrocínios que o FDE recebe de grandes empresas (Petrobrás, Banco do Brasil, Vale, Vivo), o que dá margem ao entendimento dos defensores do FDE de que essa é a única prova existente.
    Assisti o vídeo mas não há números ali.
    Mas afinal de contas, alguém se deu ao trabalho de fazer a contabilidade das inúmeras planilhas do FDE disponíveis na Internet e chegou a esses números?
    Seria bom compartilhar essa informação.

  10. Outro Gustavo,
    No Passa Palavra a secção Movimentos Em Luta publica exclusivamente comunicados de movimentos e na forma em que eles são apresentados. Há-de observar que é a única secção do site em que os textos não são revistos e aparecem com lapsos e erros de ortografia ou de concordâncias, precisamente porque são materiais exteriores, que o Passa Palavra publica porque se referem a lutas em curso. Assim, se os gestores do Fora do Eixo e os seus acólitos estivessem realmente interessados em discutir a pertinência daquelas cifras deveriam dirigir-se à Casa Viva e não ao Passa Palavra. Por que motivo não o fazem?
    Para compreendermos esse motivo, vamos ler de novo o comunicado da Casa Viva, aqui publicado.
    1) O Fora do Eixo está a tentar implantar-se na província espanhola da Galiza e no norte de Portugal, no Porto, e uma associação do Porto, a Casa Viva, recusa-se com veemência a participar nessa tentativa. Estes são os três primeiros parágrafos do comunicado, que representam uma grande derrota político-empresarial para o Fora do Eixo. Quanto a isto, silêncio do Fora do Eixo e dos seus acólitos.
    2) Logo em seguida vem a afirmação, muito contestada, de que o Fora do Eixo receberia «entre 3% e 7% de todo o dinheiro anual destinado à área da cultura no Brasil».
    3) Mas imediatamente depois a Casa Viva acusou o Fora do Eixo de receber dinheiro de grandes bancos privados como o Itaú e de empresas petrolíferas como a Petrobras, acrescentando que em 2012 teria recebido R$ 800.000 da Petrobrás. Quanto a estas acusações, silêncio do Fora do Eixo e dos seus acólitos.
    4) A Casa Viva acusou ainda o Fora do Eixo de obedecer a uma estrutura hierárquica encabeçada por um «grande mentor intelectual e figura pública do grupo». Quanto a esta acusação, silêncio do Fora do Eixo e dos seus acólitos.
    5) Depois de referir o processo de selecção das bandas que actuariam na Galiza e no norte de Portugal, a Casa Viva afirmou que «esse modelo de seleção em nada se difere das grandes empresas transnacionais do entretenimento». Quanto a esta afirmação, silêncio do Fora do Eixo e dos seus acólitos.
    6) No comunicado da Casa Viva lemos também que «as bandas se apresentam gratuitamente, contribuindo para agregar valor ao FDE – valor que depois lhes trará recursos financeiros – ou em boas palavras: trabalham de graça». Quanto a esta afirmação, silêncio do Fora do Eixo e dos seus acólitos.
    7) O sétimo parágrafo do comunicado da Casa Viva resume uma série de relatos de antigos participantes do Fora do Eixo, alguns dos quais foram publicados no Passa Palavra ou tiveram eco neste site. Mas o Fora do Eixo e os seus acólitos preferiram esquecer a menção a esses relatos.
    8) Finalmente, o comunicado da Casa Viva acusa o principal gestor do Fora do Eixo de fazer «consultoria e acordos com políticos brasileiros de diversas correntes (diversas mesmo!)» e de ter estado recentemente «no lançamento da candidatura de Jandira Feghali ao governo do Estado do Rio de Janeiro». Quanto a esta acusação, silêncio do Fora do Eixo e dos seus acólitos.
    Em suma, de oito aspectos muito graves levantados pelo comunicado da Casa Viva, o Fora do Eixo e os seus acólitos fazem barulho em torno de um único, numa desesperada tentativa de fazer esquecer os sete restantes.

  11. Obrigado.

    Já localizei o site do Casa Viva e repeti, lá, o meu comentário, que neste momento aguarda aprovação.
    Caso ele seja aprovado e respondido, deixo um aviso aqui.

  12. Na sociedade patriarcal em que vivemos existem agentes provocadores que tentam descredibilizar qualquer tipo de iniciativa no feminino e usam todo o tipo de argumentos para o efeito, quando a Casaviva puxa o pai da Silvia Villar para o assunto é, na minha opinião, apenas uma tentativa machista (autoritária) de descredibilização do trabalho de uma mulher e uma ofensa a tod@s.

    Quem escreve “Já houve iniciativas populares para eventos culturais alternativos, como é o caso do “Berra!”, um colectivo de jovens desta zona da Galiza, porém, até então não existia aparentemente a necessidade de um grupo brasileiro vir impor o seu método de trabalho.” não conhece as relações entre a Casa Colorida e o grupo Berra!, chamar um grupo que organizou um festival comercial e esta no presente momento inativo à discussão é desonesto porque não passa de uma tentativa de incendiar as relações entre pessoas que sempre se deram bem. Mesmo que o Berra! ainda tivesse em atividade, sugerir que não existe necessidade de refletir sobre modelos existentes noutros países é xenofobia cultural.

    Tem que haver a mínima credibilidade e dignidade num texto e nos seus argumentos para ele merecer ser comentado, um troll é um troll e será sempre um troll.

    Miguel Marques, na cidade do Porto em Portugal.

  13. Peço desculpa pela resposta algo ríspida, como devem calcular o texto da Casaviva perturbou em muito as relações de grupos que estão a procurar trabalhar juntos pela primeira vez, lançando suspeitas e procurando afastar e denegrir pessoas de uma forma totalmente incoerente. Mesmo sabendo que esta mensagem tem uma circulação ínfima quando comparada à difundida pelos milhares de contactos da mailing list da Casaviva, porque o assunto merece um pouco mais análise vou acrescentar alguns parágrafos.

    Nunca estive no Brasil e acompanho as polémicas e as criticas à Fora do eixo (FdE) que vão surgindo desde Agosto passado pelo facebook. Li e senti relatos, opiniões, criticas (que ajudaram muito a definir a posição politica e da FdE, objetivos e formas de ação) quase todos dominados pela emoção, o que acaba por ser coisa mais natural do mundo. No entanto, penso e gostava que todas estas emoções ajudassem a encontrar respostas ao novo fascismo económico e emergente, uma bolha económica que já rebentou e os efeitos são lentos e dolorosos. Deixo algumas questões, que de uma forma muito concreta, me parecem centrais:

    1. Que formas replicáveis de vivencias sociais, coletivas e de resistência podemos construir no espaço da cidade, na periferia, no campo?
    2. Como as tornar sustentáveis? (A sustentabilidade é uma palavra muito forte, implica um respeito e um saber cuidar dos seres mais frágeis, homens, animais e natureza e é, a todos os níveis, o pressuposto mais nobre.)
    3. Podemos recorrer a dinheiros públicos (dos impostos de todos) ou privados (ao abrigo de uma lei do mecenato, tenho a ideia que são dinheiros descontados à percentagem de imposto que uma empresa tem que pagar) para estes efeitos?
    4. Como agir quando os serviços públicos de rádio e televisão distorcem a realidade e estão aliados a forças de estados que perderam a legitimidade? Que tipos de prática coletiva de media cidadã que seja um verdadeiro serviço público podemos criar?
    5. Podemos procurar a participação do próprio estado, ou conjuntos de estado como por exemplo o que chamam de Europa, e dinheiros destas proveniências para a sua sustentabilidade?
    6. Será errado falar com pessoas que pertencem a partidos políticos, vamos partir do princípio que ficamos corrompidos por procurar promover políticas que participem na respostas a estas necessidades?
    7. Precisamos de um nome que pode ser confundido com uma marca para abranger todas estas ações? No momento politico presente, quais a vantagens e desvantagens de cada uma das opções?

    Na minha opinião, precisamos de modelos práticos que funcionem de uma forma aberta, participa e horizontal, com respostas sustentáveis e podemos querer ter boas conversas sobre estes assuntos. Pode ser interessante haver um grupo de pessoas na cidade do Porto com interesse em hackear algumas tecnologias criadas na Fora do Eixo (propor melhorias pensando na escala da cidade) e dispostas a participar na sua implementação. Porquê não fazer ações em rede com a Casa Colorida em Nigran, porque não criar redes de circulação de musica, filmes, experiencias, ideias, afectos, entre o Porto e a Galiza?

    Sobre as acusações de escravatura dos membros da FdE partilho uma pequena parte do texto da Dríade Aguiar, em resposta à cineasta que levantou pela primeira vez essa questão usando o termo “escravos pós-modernos”: “Eu sou uma das escravas do Fora do Eixo. A Beatriz não, ela é alta, branca, bonita e vem de uma família de elite. Por isso ela pode escolher. Ela sabe o que quer. E por isso pode dizer que eu sou apenas uma escrava que segue ordens de um líder de uma seita. Por isso talvez em breve ela apareça na capa da Veja, como a moça corajosa que denunciou os bárbaros do Fora do Eixo. E salvou os escravos que agora poderão ser seus assalariados, no máximo assistentes de sua direção. “ (…) Já li muitas vezes o seu texto Beatriz. Umas quinze, vinte vezes. E sempre paro no ponto onde você nos chama de escravos pós-modernos. Se alguém escravizou alguém nessa história foi você. Eu investi minha força de trabalho, trabalhei pra você sem cobrar nada pensando que éramos parceiras (…)”

    (ver no mapa onde fica Cuiabá ajuda a contextualizar, o texto completo da Dríade Aguiar pode ser lido em https://www.facebook.com/driade.aguiar/posts/663393210339634?notif_t=like)

  14. Flagrante delito: “trabalhei pra você sem cobrar nada pensando que éramos parceiras”

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