A urgência de colocar em prática os planos e projetos relacionados à mobilidade urbana é vital para desobstruir as artérias que mantêm a cidade em funcionamento e evitar um futuro infarto. Por Lya Fichmann
São Paulo funciona como um enorme ser vivo que está continuamente em movimento e tem metabolismo próprio. Assim como o sistema circulatório é responsável por levar sangue e oxigênio para todo o corpo através dos vasos sanguíneos, a mobilidade urbana permite a locomoção do fluxo de pessoas, carga, serviços e bens por meio das calçadas, ruas e avenidas. Quando uma veia entope a pulsação para de funcionar e afeta todos os órgãos. Com o transporte público e privado não é diferente; uma simples árvore caída numa alameda tem o potencial de prejudicar o trânsito da cidade inteira.
O cenário paulistano do transporte público não condiz com as necessidades de uma megalópole: atrasos, “empurra-empurra”, superlotações, abusos sexuais, insegurança, inflexibilidade de rota e horários, sucateamento dos veículos, poluição sonora e atmosférica, congestionamentos e etc. As más condições têm efeito não só na mobilidade urbana como na saúde, visto que mais pessoas passam a sofrer de problemas respiratórios e estresse. A produtividade dos trabalhadores também é afetada, pois a mão-de-obra de um funcionário que chega cansado no serviço rende menos.
A Constituição Brasileira assegura ser a mobilidade um dever do Estado e um direito do cidadão. Entretanto, tamanha é a ineficiência de gerenciamento neste setor que grande parte da população opta pelo transporte privado, que oferece maior conforto e segurança. Dados do Detran confirmam, a frota de veículos da cidade está para alcançar os 7 milhões. Mais uma prova de que as pessoas estão insatisfeitas com o transporte coletivo são as manifestações que ocorreram em junho de 2013, quando a tarifa aumentou para 3,20 reais. A questão em si ultrapassa os 20 centavos, ela gira em torno da péssima qualidade do serviço público. Vale ressaltar que quem subsidia os 60 bilhões de reais por ano gastos neste tipo de transporte são os empregadores de mão-de-obra (vale transporte), os usuários (tarifa) e a sociedade (impostos).
O estrondoso fluxo de caminhões contribui enormemente para os congestionamentos. Cerca de 46% destes veículos circulam vazios pela cidade, apenas ocupam espaço nas vias. O resto transporta de um polo até o outro produtos que deveriam circular no sistema do hidroanel. Desta forma, toda carga e descarga poderia ser feita através do rio Tietê e os demais afluentes, de modo a facilitar e amenizar a alta demanda de veículos de grande porte no trânsito. A Zona Sul, por exemplo, tem condições favoráveis para o desenvolvimento desta técnica de navegação. Já a ferrovia é um transporte barato que também deve ser valorizado e investido, mas apenas se for usada em sua capacidade total, uma vez que é um veículo de massa e sai no prejuízo quando a procura é inferior a seus custos.
Por conta da rapidez e praticidade, o metro é a solução mais viável para os paulistanos. Em 2013, a média de passageiros em dias úteis chegou a 3,7 milhões e o recorde de 4,2 milhões no dia 14 de novembro. Contudo, ao comparar a malha metroviária de São Paulo com outras metrópoles importantes, percebe-se que é muito carente de investimentos e melhorias. Enquanto possuímos apenas 74 quilômetros de linhas, Londres (402km), Pequim (442km), Paris (218km), Nova Iorque (368km) e Tóquio (304km) dispõem de uma extensão que faz jus ao tamanho e demanda populacional.
Não podemos desatrelar a mobilidade da questão da sustentabilidade. São Paulo participa do C40, grupo de cidades que discutem alternativas para combater as mudanças climáticas, como o estímulo a ciclovias e veículos híbridos. Tais medidas estão sendo pensadas no mundo todo; a Europa pretende reduzir 60% da emissão de gases dos transportes até 2050. Outra medida que vem colaborando gradativamente para promover o uso dos coletivos é o alto preço da gasolina, acarretando no encarecimento do veículo individual.
O Plano Diretor Estratégico tem em suas metas priorizar a melhoria do transporte público de modo geral. Inúmeras medidas estão programadas para os próximos anos, entre elas a redução do percurso trabalho-moradia, mudanças nas leis de estacionamento de imóveis próximos ao metrô e aumento das ciclovias e corredores de ônibus. A urgência de colocar em prática os planos e projetos relacionados à mobilidade urbana é vital para desobstruir as artérias que mantêm a cidade em funcionamento e evitar um futuro infarto.
Tem quem ache acá que todo papo sobre sustentabilidade e ecologia é coisa de fascista.
fiquei com uma dúvida: na concepção da autora do texto, do que se trata esse futuro infarto?
É que quando imaginamos que a cidade é um grande ser vivo isso inevitavelmente faz com que vejamos a oposição entre “sociedade x meio ambiente” apagando os conflitos internos deste corpo rapidamente unificado por meio de um critério funcional.
Acho que a Renata exagera quando diz que todo papo de sustentabilidade e ecologia neste site é tratado como fascista. Mas vale a pena ler os textos recentemente postados aqui, Renata, para que “fascismo” não seja limitado a um conceito vazio e negativo, tão ao gosto de estudantes universitários leitores de Foucault desinteressados pelo fascismo histórico e suas concepções de mundo.