“O evento tratava de um passado ainda muito incômodo. Vejam como a História é importante e perigosa”. Por Passa Palavra
Nesta quarta-feira, 30 de abril, foi realizado no Colégio Estadual Dom Pedro I, de Aparecida de Goiânia, o evento Rock Repúdio Contra o Golpe de 1964, o qual contaria com apresentações das bandas Insanatório, Poema Negro, Casa Pátria, Gerações Perdidas, Señores e Urumbeta do Espaço e também com uma apresentação de alunos que fazem parte do Programa Mais Educação da escola. O evento começou por volta das 18 horas e deveria prosseguir durante toda a noite. O rolê foi organizado de forma autônoma por um professor da escola em conjunto com alguns alunos. Tudo correu bem durante a maior parte do tempo: o público, composto sobretudo por alunos da escola, curtia o som das bandas que se apresentavam e a polícia marcava presença com apenas uma viatura à distância do palco.
Contudo, por volta das onze horas da noite, os policiais militares presentes resolveram abordar um rapaz que participava do evento para fazer uma revista. Foi então que se aglomerou em torno do rapaz e dos policiais militares um grupo de pessoas, que queriam saber do que se tratava. A partir daí, a Polícia Militar (PM), em mais uma demonstração de violência e arbitrariedade, começou a agredir as pessoas que se juntaram em torno da viatura. Reforços foram chamados. Chegaram ao local mais sete viaturas. Os policiais militares começaram a atacar os participantes do evento com golpes de cassetete e spray de pimenta. Duas pessoas foram presas e encaminhadas para a 1ª Delegacia de Polícia de Aparecida de Goiânia, acusadas de desacato à autoridade, resistência à prisão e outros crimes. A certa altura, a iluminação de todo o quarteirão foi interrompida. Estudantes, professores e pessoas que estavam na rua foram espancados. Algumas pessoas tentaram correr para uma quadra fechada nas proximidades, mas não conseguiram ficar lá por conta de uma bomba de gás lacrimogênio que foi jogada dentro da quadra. O clima de terror só era diminuído pelos gritos de revolta dos presentes: “Polícia fascista! Polícia fascista”!
Logo após, mais arbitrariedades. Uma parte dos participantes do evento resolveu se deslocar para a porta da delegacia para prestar solidariedade aos que foram detidos. Praticamente todos foram jogados contra o muro da delegacia e violentamente espancados. Os que reagiam eram espancados com mais violência ainda. Alguns advogados e um deputado foram chamados para tentar interromper as arbitrariedades e tentar liberar os detidos. Por volta das duas horas da manhã do outro dia, 1º de maio, todos já estavam liberados. As pessoas agredidas pelos policiais militares ficaram com medo de prestar queixa contra as agressões. Os policiais militares tentavam tomar os celulares das pessoas que procuravam filmar a violência e as arbitrariedades policiais ou então ordenavam que as filmagens fossem apagadas. Quem se recusava a fazê-lo recebia ameaças. Um dos vídeos captados pode ser visto no facebook aqui.
Trata-se da mesma cidade em que já foram relatadas ameaças e agressões nos Terminais de integração, como pode ser visto aqui, e em que foram relatadas em vídeo várias ameaças de morte e agressões após a dispersão do ato pelo passe livre, como é possível ver aqui . A estratégia dos orgãos repressivos nessa região da cidade parece ser a de sufocar preventivamente qualquer começo de movimentação. Há vários sinais de que essa ação da polícia não foi fortuita: em primeiro lugar, o Primeiro DP, para o qual os participantes foram levados, não costuma ficar aberto no horário em que as prisões ocorreram. Isso indica que houve uma articulação também com a Polícia Civil. Além disso, um comandante da PM presente falou para alguns professores que tentavam garantir a integridade das pessoas presentes que “não se chama a polícia militar para certos eventos”. O ofício expedido pelo diretor da escola para que a PM acompanhasse um evento criticando a ditadura militar foi percebido como uma provocação direta a ser respondida.
Reproduzimos abaixo alguns relatos postados nas redes sociais.
Relato de uma das participantes:
“E você acha que vai sair para curtir um show de boa, se divertir, mas no meio do caminho tem a polícia. Esta estava sedenta assim que chegou, esperando a menor oportunidade para atacar e assim fez. […] Pelo menos 6 viaturas da polícia, cassetete comendo solto, teve um PM que bateu tanto na cara de uma menina, spray de pimenta rolando solto, aleatoriamente, e chegaram ainda a apagar as luzes, as pessoas que filmavam eram intimidadas e não suficiente, foi um episódio de terror, a maioria ali aparentava ser menor, estudantes, tava todo mundo em choque. Há relatos ainda que nos becos o terror foi maior ainda, muitas pessoas espancadas. Prenderam uma professora mais velha acusada de desacatado à autoridade e um outro companheiro, a primeira saiu bem, o segundo saiu todo machucado, com corte na cabeça. Nos aproximando da DP encontramos uma moça chorando bastante porque tinham batido nela e estavam espancando o irmão dela, e lá na DP mesmo tinha lá um monte de pessoas recebendo baculejo e a polícia batendo em mais duas pessoas e uma mulher da polícia, que pelo que disseram é escrivã, dizia ‘isso aqui vai dar merda, vai ficar feio, saiam daqui’. Depois de uma hora paralisados de costas e com as mãos pra cima, com a chegada dos advogados a galera foi liberada, disseram que a polícia foi e voltou batendo com o cassetete em todo mundo e ainda enquanto conversávamos em roda, eis que chega um PM intimidando na moral um dos caras que tava lá ‘não te falei pra ir embora, o que você tá fazendo aqui ainda’, e após dizer que estava esperando uma amiga, ele ficou perguntando por quanto tempo. É revoltante saber que este tipo de situação ocorre o tempo todo na periferia, que a irracionalidade e o ódio dominam a polícia, que por prazer sádico praticam violência gratuita. E que os mesmos têm toda legitimidade para isto, podem bater, espancar, estuprar, matar – e fazem – e nada acontece, afinal, são o monopólio de violência do Estado, existem é pra isso mesmo, cão de guarda da burguesia, e a cada menor ato que por algum momento rompa com essa ordem, estão lá a espreita, só esperando pra instaurar o terror. ‘Que vergonha, que vergonha deve ser, espancar trabalhador, pra ter o que comer’.”
“A banda Gerações Perdidas tocaria no dia 30/04/14 no evento Rock repúdio contra o golpe de 1964 […], realizado em uma escola estadual da periferia de Aparecida de Goiânia. O que teria de tudo para ser uma noite inesquecível, com um grande palco, boa aparelhagem de som, na rua da escola, ótima estrutura de organização, que contou com o apoio de vários alunos, professores e até de moradores das redondezas e, sobretudo, com uma proposta educativa de luta, mas acabou em um trágico e grave episódio. Logo após o começo do evento a Polícia Militar compareceu e, aos poucos, começou a se aglomerar bem na esquina da rua e conforme eram ditas palavras de ordem contra a repressão militar, mais víamos a sede em seus olhares para caçarem uma confusão. Dito e feito! O evento corria normalmente e já estava na quarta banda, quando, na ânsia por criar uma situação para incitar um confronto, uma policial começa a agredir verbalmente uma companheira. Um outro companheiro, vendo o que estava acontecendo, ironiza a atitude da policial e por conta apenas disso começam as agressões. Conseguimos tirá-lo de perto dos policiais e, em seguida, dentro de poucos segundos, outros seis policiais o cercaram, imobilizaram e o espancaram na frente de todxs que assistiam e participavam da atividade. Os que ousaram impedir o seu espancamento e prisão levaram spray de pimenta na cara, os que tentaram registrar com seus celulares tiveram seus aparelhos tomados e os vídeos apagados. Para acabar de vez com o evento, a PM cortou a energia de todo o quarteirão e dissipou a multidão com uma chuva de spray de pimenta. Mas as agressões não pararam por aí! Enquanto um grupo de cerca de 15 pessoas seguia a pé até o 1° DP, exatamente na esquina do local, uma viatura aborda essas pessoas e começam a agredir sumariamente cada indivíduo, inclusive vários alunos menores de idade e mulheres grávidas! Após ficarem quase uma hora em pé com as mãos na parede e sendo agredidos, estes só foram liberados com a chegada dos advogados. Quanto ao companheiro espancado e preso, este foi liberado pela madrugada, todo desfigurado pelas agressões. Abaixo, algumas fotos registradas do que ocorreu à diversas pessoas que lá estavam. Esse fato só nos serve para lembrar que nossa luta é incessante pelo fim da Polícia Militar e do extermínio da juventude!”
Relato de outra participante:
“Hoje um evento organizado na periferia de aparecida de Goiânia em repúdio aos 50 anos do golpe militar foi marcado por muita agressão, repressão, abuso e violência gratuita da polícia militar. Spray de pimenta, garotos e garotas espancados, presos, etc. Insano, absurdo e elucidador para o dia: não acabou, tem que acabar…“
Relato de um dos participantes:
”’Quem mandou o ofício para a polícia militar, chamando para fazer a segurança do evento? Tem eventos que é melhor não convidar a PM’. Fala de um policia militar, ontem, depois de reprimirem os alunos do colégio Dom Pedro I e todos os que participavam do evento Rock Repúdio ao Golpe de 64. Fica claro uma coisa, o intuito da PM era acabar com o evento. Por quê? Porque o evento tratava de um passado ainda muito incômodo. Vejam, meus amigos, como a História é importante e perigosa.”
”[…] alunos levaram tapas no rosto, houve agressões verbais por parte da polícia e cada vez que nós reagíamos à truculência a resposta era sempre a mesma: vocês estão errados, não deveriam estar fazendo um evento como esses. Eu ouvi da boca do comandante da operação que a PM não deve ser chamada em alguns lugares. Eles falaram em algumas situações que ficaram incomodados porque os músicos e o público os hostilizavam e que eles não tinham nada a ver com a ditadura, que eles não tinham nem nascido quando ela ocorreu. Porém, ontem eles mostraram que a ditadura não acabou. Esses jovens ficaram uma hora com as mãos estendidas em uma parede. Só me fez lembrar dos campos de concentração. O que é isso senão tortura? Ontem eu chorei e não consigo parar de chorar por ver que existem ‘seres humanos’ como esses. […] Enquanto isso, houve uma tentativa de assalto a um carro. A polícia prendeu os assaltantes e depois os soltaram.”
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Os leitores portugueses que não percebam certos termos usados no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam outros termos usados em Portugal
encontrarão aqui um glossário de gíria e de expressões idiomáticas.
Duas fotografias dos participantes do evento sendo abordados: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1417397051865104&set=pcb.1417397998531676&type=1&theater ; https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1417397055198437&set=pcb.1417397998531676&type=1&theater ; Essas fotografias não mostram as agressões, infelizmente.
Eu fui um dos agredidos, espero que haja justiça para o povo. em momento algum ferimos a polícia(a não ser o ego né…), para a mesma reagir desse modo.
Repudio a polícia militar.
Tem que acabar.
Eu sou professora e fui conduzida à delegacia por desacato. Eu não me calo diante das injustiças e ao ver um aluno meu sendo empurrado e apanhar de uma “policial” eu me indignei mesmo e disse umas verdades a ela, nada, nada comparado com o que eles falaram e fizeram com pessoas inocentes. Tudo começou quando um participante (não é aluno), fez xixi numa árvore na rua, esse foi o motivo para eles dar a prova cabal de que a ditadura não acabou. Todo meu desprezo a esta corporação nojenta, imunda e fascista.
eu sou a mãe de dois filhos que foram agredidos pelos policiais no evento de rock de frente o colégio, quero justiça por esses policias corruptos, que bateram neles sem eles fazer nada, só por que queria curti? mas e ai agora não podemos mas deixar nossos filhos sair por causa de policiais? quem deveriam ta ajudando a sociedade tão e batendo sem mas nem menos. Eles são pagos pra que? pra bater em alunos? eles disseram pro meus filhos que alunos são raça que não presta, mas espera eles não estudou? ele e analfabeto? será que ele nunca foi um aluno não? qual é um dever de um policial bater em pessoas que não faz nada? isso é certo? a sociedade também é gente não somos animais para sermos tratados assim, pensa numa dor de uma mãe ver o filho todo machucado por um motivo que ninguém sabe explicar, esses policiais de aparecida são todos um corruptos fascista, manipulador, que só pensam neles mesmos, mas de baixo daquelas fardas dele ele são que nem todos nós agora quero ver fazer aquela palhaçada sem aquela farda, cadê o homem que a neles? nunca me imaginei numa situação desse. Mas eu escrevi isso tudo por uma forma de desespero de mãe de querer justiça!
Agora percebemos como nosso país está imerso ainda nas trevas, a ditadura não acabou ela apenas se disfarçou durante um bom tempo mas agora percebemos que ela está voltando cada vez mais forte, se não pararmos para lutar pelo nossos direitos, nos veremos em uma outra ditadura só que com o triplo de militares.
Estamos sendo reféns dessa nossa “polícia” a qual deveria nos defender, vemos isso quando protestamos seja em terminais, praças e agora até nas escolas.
Não podemos mais nos calar.
Sou mãe de 02 alunos (sendo um deles vocalista de uma Banda musical que se apresentou no evento) que estiveram presente no evento ano passado, graças a Deus e por sorte, por que eles foram protegidos pelo pai, que os acompanhava, nenhum deles foi ferido, mais infelizmente alguns dos amigos em comum, que estavam lá, não tiveram a mesma sorte. É realmente de deixar qualquer um indignado, no relato dos jovens, houve pânico no dia e muita correria, parecia uma “guerra”. Muitos dos nossos adolescentes curtem rock e aqui em Aparecida de Goiânia, infelizmente o preconceito com esse ritmo musical é muito grande. Os jovens buscam realizar eventos na nossa comunidade, para que todos que curtem o ritmo possam curtir mais o apoio das autoridades e comunidade é quase nenhum. Recentemente (no dia 07/03/2015) foi “programada” a realização do evento RockTeam 1.ª Edição, onde apresentaria 3 bandas musicais, no período vespertino, devido a problemas técnicos somente uma das bandas pode se apresentar, causando um grande descontentamento nos presentes, pois o evento tinha horário determinado para terminar 18h00 e por isso as outras bandas não pode se apresentar. Em determinadas situações poderia rever determinadas regras, uma vez que existem situações que não podem ser previstas (como a que aconteceu). Autoridades, comunidade vamos apoiar nossos jovens, na realização desses eventos, uma vez que é o que eles realmente gostam e que não traz mal algum para ninguém.