Por Passa Palavra

Na última quinta-feira, 19 de junho, exatamente um ano após a revogação do aumento das tarifas de ônibus, metrô e trem em São Paulo, o Movimento Passe Livre (MPL) convocou um ato para relembrar essa conquista popular e colocar mais uma vez em pauta a Tarifa Zero como estratégia possível de direito à cidade. A manifestação, que reuniu mais de duas mil pessoas, pretendia marcar também sua solidariedade à luta dos trabalhadores dos transportes, exigindo a readmissão das dezenas de metroviários e rodoviários demitidos após greves de suas categorias às vésperas do início da Copa do Mundo.

A concentração teve início a partir das 15h na Praça do Ciclista, na Avenida Paulista, sem a presença da polícia cercando ou revistando as pessoas. Ao contrário do que fez em praticamente todas as manifestações em sua história, desta vez o MPL divulgou o trajeto da marcha com antecedência: seguiriam pela Avenida Rebouças até à Marginal Pinheiros, onde o ato se encerraria com uma festa junina popular. O trajeto foi também informado num ofício entregue na Secretaria de Segurança Pública em que o Movimento reivindicava o controle da sua própria segurança, alegando que a presença ostensiva da polícia sempre gera mais violência nas manifestações.

O MPL explica tal iniciativa pelo espírito que queria conferir àquele ato: uma grande festa na Marginal Pinheiros, símbolo da lógica da cidade pensada para os veículos individuais e que entende o transporte coletivo como uma mercadoria que deve ser paga pelo usuário. Para subverter a lógica do funcionamento capitalista da metrópole, ocupar as ruas e construir nessa cidade um espaço em que o povo controle suas decisões, trajetos, desejos e necessidades é, de fato, uma proposta radical. Com direito a show de rap, uma “Copa Rebelde” de futebol de várzea, teatro, sarau, bandeirinhas, quadrilha, pula-fogueira com catracas em chamas, a festa pretendia transmitir a sensação do que é poder ter controle, mesmo que momentaneamente, da própria vida. A certeza de que é a luta que transforma a vida.

Entretanto o ato simbólico pretendido pelo MPL foi marcado por uma tensão. Como lidar com uma parcela da juventude que entende a radicalidade da ação política unicamente na destruição de agências bancárias ou outros símbolos do capitalismo? Como evitar o roteiro: a) quebra de vitrines de banco ou de concessionárias de carro de luxo – b) repressão policial, bombas de gás e balas de borracha – c) manifestantes dispersados – d) movimentos sociais criminalizados?

Ao contrário da cantilena dos comandos policiais e dos discursos que agora faz o secretário de segurança pública, a história das manifestações desde junho passado tem mostrado que em nenhuma circunstância a atuação ostensiva da polícia é voltada para a segurança dos manifestantes, tampouco capaz de assegurar a integridade do “patrimônio” público ou privado. É óbvio também que a violência que os bancos promovem diariamente contra a população, arrancando-lhe taxas, juros e o sono desses que sustentam o lucro exorbitante de poucos, é muito maior do que os vidros e máquinas quebradas, repostas facilmente pelos donos do poder. É óbvio que a existência de um carro de 600 mil reais atesta a violência que é a exploração de uma classe sobre outra e que a destruição das concessionárias de luxo simboliza o que precisa acabar para que o povo viva, controle e decida sua história. Porém, não é desse ponto de vista, moralista ou da manutenção da ordem num sentido capitalista, que a questão se coloca para nós. É preciso abordar o problema da perspectiva organizativa, isto é, da eficiência que esta ou aquela tática pode ter em função de um determinado objetivo coletivo tirado a longo, médio ou curto prazo.

Para tanto, é conveniente ter em conta o peso da construção simbólica feita cotidianamente no sentido inverso, sobretudo pela mídia, que consegue naturalizar relações de poder e exploração difíceis de serem derrubadas. Isso não será desfeito com a reprodução da mesma tática todas as vezes, ainda mais em um contexto em que o assim chamado black bloc tornou-se parte do espetáculo midiático. Quanto mais se quebram as coisas mais se filma e fotografa, e quanto mais se filma e fotografa mais se quebram as coisas. Toda ação política passa a ter apenas um fim: destruir os símbolos do capitalismo (produzindo apenas novos símbolos), não importando o motivo para o qual o ato foi chamado.

Descosturar essa linha tecida tão fortemente no imaginário das pessoas – que as mobiliza para acordar todos os dias e pegar um transporte lotado, precário e caro, trabalhar horas por um salário que paga seu consumo e te deixa refém das dívidas e necessidades, sempre novamente criadas, e mal paga o morar e se deslocar irrestritamente por uma cidade que não é feita para os que têm pouco ou quase nada – é realmente uma tarefa árdua, é destruir o estado de exceção tornado regra. Junho passado talvez tenha despertado numa parte dessas pessoas o inverso dessa mobilização.

Entretanto, a construção de uma estratégia política comum exige coesão organizativa para se atingir os objetivos aspirados. Quando uma tática se sobrepõe a qualquer diálogo e decisão coletiva coloca-se um desafio para um movimento organizado. Ou seja, quando um movimento pretende demonstrar para a sociedade que pode autogovernar suas ações, ao tomarmos os espaços e fazermos, inclusive, nossa própria segurança, estamos demonstrando (e precisamos demonstrar) que podemos nos auto-organizar.

Novamente, o problema não se coloca do ponto de vista da manutenção da ordem capitalista, mas do contrário disso, de poder fazer da cidade onde se vive um espaço onde pulsa de fato a vida, onde as ruas não são feitas só para carros de luxo, mas inspira um outro tempo onde se pode bater bola descompromissadamente, para a quermesse improvisada, para a poesia na hora criada, para transformar e decidir que mobilidade queremos.

Também não se trata de eliminar do horizonte o uso, muitas vezes pertinente, de ações de rua que visam o enfrentamento direto e, eventualmente, o ataque a símbolos do poder. Estes expedientes foram importantes nos levantes de junho e devem sempre ser deixados à manga. No entanto, como podem proceder os movimentos sociais autônomos que queiram ter à disposição um repertório de táticas mais variado, podendo fazer uso de cada um deles conforme forem as circunstâncias e os objetivos almejados?

Quando destruímos bancos e concessionárias também expressamos nossa indignação diante do naturalizado. Mas se o objetivo comum e coletivo definido é outro, dosar esse tipo de ação às vezes faz-se necessário para garantir a ocupação de uma importante via da cidade, por exemplo. Como lidar com uma situação em que a tática bloc se descola de qualquer estratégia e vira um fim em si mesmo? O que fazer quando a imagem da destruição arrasta toda a mídia, de esquerda inclusive, que prefere a forma autonomizada do conteúdo e parece se importar mais com isso do que com a continuidade da luta? Sinal dos tempos? Como dialogar com uma tática que se pretende exclusiva, no sentido de construir uma estratégia comum em que várias táticas sejam possíveis? Quais as novas estratégias e táticas formuladas pelo movimento autônomo que apontam uma alternativa para esses novos agentes?

Trata-se de um debate urgente para os movimentos que saem às ruas, mas que, talvez, dificilmente encontrará solução na própria rua. Criar uma perspectiva que supere a totalidade tática proposta pelo black bloc, de enfrentamento simbólico, provavelmente dependerá da capacidade dos movimentos de construírem uma estratégia concreta, que vá além do campo simbólico. Tomando como exemplo o MPL, que pretendia com aquela manifestação colocar em pauta o debate da Tarifa Zero e manifestar solidariedade aos trabalhadores do transporte, podemos perguntar: que avanços concretos o ato trouxe a essas lutas? Seria demais sugerir que tenha ocorrido justamente o contrário: que a repercussão da grande mídia, repetindo incessantemente só as cenas da destruição de uma concessionária, possa acabar produzindo um retrocesso nas pautas do movimento, gerando desconfiança de parte da população em relação às suas bandeiras e perdendo apoio entre as próprias categorias de trabalhadores com quem buscava ser solidário?

Na medida em que o Movimento investe seus esforços em atos simbólicos para construir suas lutas, não estaria ele limitado, ainda que com uma tática diferente, ao mesmo nível de atuação dos black blocs – o nível da imagem, da mídia, dos símbolos? Não deveria ser estranho, portanto, que os blocs venham querer seu espaço no palco.

Descobrir algum caminho que, por um lado, passe longe da lógica punitivista e excludente de Estado, mas que, por outro, não aceite que os princípios coletivistas tornem-se reféns de impulsos individualistas: esse talvez seja um novo patamar de desafios que junho nos colocou.

Os leitores portugueses que não percebam certos termos usados no Brasil
e os leitores brasileiros que não entendam outros termos usados em Portugal
encontrarão aqui um glossário de gíria e de expressões idiomáticas.

20 COMENTÁRIOS

  1. Bom, acho que é necessário refletir sobre o tema. Mas tenho a impressão de algumas coisas faltaram para ponderar tudo o que envolve. Primeiro: nós herdamos das tradições de esquerda um profundo distanciamento entre os fóruns de decisão de nossas organizações (altamente hierarquizados) e a participação de base. Penso que isso é fruto de uma organização militarizada das organizações – fato que possui um curioso paralelo com as organizações fabris. E me parece que a tal tática que estamos discutindo é mais uma expressão desse questionamento. E me parece também que esta forma tática pode prejudicar (em um relação diretamente proporcional) as formas organizativas tradicionais. Quanto mais consolidada tradicionalmente uma organização e suas ações, mais prejudicial será para ela tal “tática”. Me explico, será obviamente ruim para um partido que queira disputar eleições que em seus atos seja utilizada tal tática. Organizações de movimentos sociais que precisam (e este é seu limite mais profundo) da legitimação de suas lutas pelo Estado (nas mesas de negociação etc.) também serão prejudicadas.

    Segundo: lembro-me bem das manifestações de junho e lembro-me também que muito antes de sequer denominar como black block, o que eu via eram jovens de fato com uma disposição de enfrentamento à polícia que buscavam realizar – em ato – suas manifestações críticas ao sistema e ao mundo da mercadoria. Diferentemente do que ocorreu este ano, esta enorme disposição de luta também foi um aspecto que colaborou para o crescimento das manifestações e surpreendeu bastante a força repressiva do Estado – que, obviamente, tirou profundas lições do que ocorreu em 2013. Este ano foi diferente. Primeiro por quê a quantidade de lutas que se realizou o ano passado também encontrou uma forte barreira no aparato repressivo do Estado e segundo por que o modo de se organizar era bastante precário – o que permitiu ao Estado uma grande ofensiva contra os jovens que recém se organizavam e que, obviamente, contribui para um “apassivamento” das lutas deste ano. 2014 estamos sob a mira de um Estado que retirou lições das manifestações de 2013 e joga – de modo combinado com todos os aparatos burgueses – muito bem para conter essas manifestações. Inclusive isolando aqueles que enfrentaram (e enfrentam) a polícia nos atos como “black blocks” ou qualquer outro termo. A esquerda tradicional nesse contexto também contribuiu para o isolamento dessas pessoas na medida em que esse tipo de ação solapava seus objetivos estratégicos consolidados (sejam eleitorais ou de negociação).

    Por fim, acho importante discutir a necessidade de ir além da destruição simbólica do capitalismo (ainda que esta também me parece importante a seu modo). Como subverter – revolucionar – todo um modo de produção da existência, e não apenas seus símbolos?

  2. Tratar o “black bloc”, ou algo que o valha, sempre como tática, é encobrir com uma racionalidade política algo que muitas vezes não possui essa racionalidade. Há diferenças de cidade para cidade, e até mesmo na mesma cidade entre adeptos desse tipo de ação.
    Destruir coisas, é uma ação. Só será uma tática se estiver ligada a uma estratégia, a um objetivo para além da própria ação.
    Para ser realista, acho que uma parcela dos jovens que se engajam nesse tipo de ação não são capazes de rever sua ação justamente porque na prática ela não é encarada como tática, mas como um desejo, que tem um fim em si mesmo.

    E aí a questão é: como lidar com isso quando se está fora do contexto de um revolta popular em que essas ações e desejos não estariam (tão) deslocadas de uma tendência mais generalizada entre parte da população?

    Uma das coisas que me veio à cabeça, ainda em junho do ano passado, como provável legado negativo do que ocorreu, principalmente em São Paulo, devido à repercussão que as manifestações ganharam e sua exposição midiática, é a atração que o nome MPL geraria a essa juventude que tem por objetivo destruir coisas. Senti que era provável acontecer o mesmo processo que ocorreu com o Reclaim The Streets de Londres após o J18, em 1999: http://passapalavra.info/2009/08/11797

    “O J18 foi ao mesmo tempo o auge de impacto e o início do fim do RTS londrino. O RTS viraria a partir de então quase um sinônimo de enorme policiamento e de distúrbio de rua. Uma escalada que tornaria inviável a continuação do RTS como nome e para seus membros nos anos seguintes. Segundo John Jordan, o RTS não conseguiria se recuperar da campanha de criminalização lançada contra ele pela mídia e pelo Estado. Ele próprio passara a ser seguido por policiais quando levava seu filho à escola e teve seu apartamento vasculhado pela polícia. Outras pessoas envolvidas com o RTS receberiam telefonemas e intimidações do tipo.
    Para o N30, o Dia de Ação Global seguinte, no dia 30 de novembro de 1999, o RTS organizaria uma manifestação com o nome Reclaim The Railways (Retome as Estradas de Ferro), numa estação de metrô central de Londres. Pretendia-se que fosse apenas um protesto contra a privatização do metrô, com discursos e palco, mas a manifestação, que atraiu alguns milhares de pessoas, acabou em confronto com a polícia, um carro de polícia virado e incendiado, e manifestantes presos. O N30 em Londres confirmara a impressão de alguns ativistas de que após o J18 o nome Reclaim The Streets ao mesmo tempo em que atraía uma multidão, atraía distúrbios de rua que levariam a uma relativamente fácil criminalização e isolamento do movimento.”

    No subtítulo “Violência” do artigo de Massimo de Angelis que linko abaixo, há algumas boas reflexões sobre a questão, após as manifestações em Gênova em 2001:
    http://www.midiaindependente.org/eo/red/2001/11/11148.shtml

  3. Esse pensamento de um ativista europeu, El Viejo, que se encontra no artigo que linkei acima, é bastante pertinente. Mas infelizmente não creio que parte desses jovens que vão a manifestações como oportunidade para destruir coisas sejam sensíveis aos apelos da razão:

    “Como é que os Blacks podem acabar fazendo as mesmas coisas que os provocadores da polícia? Para mim, é porque muitos deles têm mistificado a violência (como muitos de nós fizeram nos anos 70). Mistificada, ela se torna praticamente a única forma de expressão política, ou pelo menos a forma que é sempre apropriada, tornando uma verdadeira avaliação política de qualquer situação específica desnecessária. E uma vez que a ilegalidade requer muito comprometimento e coragem, ela em grande parte se torna o suficiente para definir a identidade do grupo. Em resumo, eles simplificam demasiadamente o problema. Mas não mais do que aqueles que de maneira semelhante mistificam o pacifismo e o voto. Movimentos vitoriosos são aqueles que conseguem se adaptar às circunstâncias, utilizam a violência quando é realmente necessário, mas também o humor, a música, a razão, e a paciência. Aqueles que podem não ceder em um caso e negociar em outro. A flexibilidade é o segredo da sobrevivência para tudo que existe”.

  4. Mesmo que tímida, a crítica esta posta.

    “Descobrir algum caminho que, por um lado, passe longe da lógica punitivista e excludente de Estado, mas que, por outro, não aceite que os princípios coletivistas tornem-se reféns de impulsos individualistas: esse talvez seja um novo patamar de desafios que junho nos colocou.”

    Pois é, este é um desafio que a sociedade enfrenta desde que o mundo é mundo. Vale um olhar histórico atento para se entender o quão mais fundo é o buraco a ser preenchido por qualquer movimento que tenha como intenção ou fim algum tipo de transformação social.

    Fundamental aos vários campos e esferas da sociedade civil é a reflexão do que significa ‘mudar a sociedade’ para que a crítica estendida ao outrem, seja a mesma crítica feita para o lado de dentro.

    Parece que podemos, enfim, dar o primeiro passo.

  5. Tenho visto opiniões, principalmente da esquerda tradicional, que colocam toda a culpa nos blocks, quase sonhando com uma conjuntura atual, pós-junho, em que eles não existem.
    Não existe vitória por revolta popular em São Paulo de 2013 que não tivesse como conseqüência de si mesma o surgimento dos elementos que caracterizam os black blocks de agora, eles são parte das novas contradições que temos que lidar e que foram criadas, em parte, pelo sucesso da estratégia que adotamos. Não faz sentido pensar em um pós-junho sem blocks e sonhar com sua não existência/desaparecimento (a não ser que a politica atual a ser adotada seja o que já foi defendido por algumas organizações desde o começo de junho passado para esse comportamento, entregar para a policia ou coerção física).
    É uma analise ruim repetir diversas vezes sobre como essa tática-grupo é burra, sectária e ignorante se somos nós que temos espaços políticos para ter um planejamento estratégico (e não eles), se todos os elementos para serem analisados já estavam dados pela maioria dos atos que vem acontecendo desde o final do ano passado em SP (estava claro que iriam participar desse ato, assim como de outros, e também estava claro o que iriam fazer em algum momento desses atos).

    A tarefa de militantes não é interpretar o mundo e sim participar de sua transformação, é um erro de postura politica colocar as culpas pelos erros nos elementos da conjuntura, simplesmente por existirem, em vez de reconhecer a nossa própria inabilidade de lidar com as contradições que estavam presentes e de criar politicas que apontassem pra sua superação.

  6. Apesar de ser já repetitivo, em minha opinião apoiar hoje de maneira consciente o block, nem como apenas ação se não como tática, considerando seu lugar no contexto atual e o uso da grande mídia do vetor “destruição” em contra de qualquer estrategia de transformação social, só gera uma sorte de vanguarda revolucionária pior que a dos partidos políticos.
    É claro que disputar a rua mediante a violência no confronto com a polícia é muitas vezes necessário como táctica para defender o sentido de outras ações, mas não é um fim em si. Acho que nesse sentido a ação conjunta de outros grupos e dos block nos catracaços, como tática violenta com ativa participação de outrem seria mais desejável.

  7. BEamongTWEEN: metabolizando pathos em poiesis e praxis – fracassando melhor, segundo Beckett.

  8. Quem disse que algum adepto da tática Black Bloc busca algo pra além do ataque simbólico ao grande capital? Por que deveria ser algo pra além de um fim em si?

    Estive nesse ato como integrante do Black Bloc e posso dizer que eu não busco nada pra além daquele momento em si. Me considero o que hoje seria chamado de “pós-anarquista”, não acredito no messianismo Revolucionário e muito menos nas vias institucionais. O Capital ganhou e o aquecimento global está aí pra transformar drasticamente a vida humana e não-humana em menos de um século. Não há tempo para revolução, a revolução PRECISA ser agora, amigos, a revolução PRECISA ser a vida cotidiana; o papel da esquerda no século XXI é de resistência ao Estado e ao Mercado, além de buscar a todo momento a demonstração de que outros modos de existência são possíveis – seja enfrentando a polícia ou vivendo em comunidades alternativas, buscando romper por completo com a sociedade de consumo.

    Esperemos a aprovação da “massa”? Para quê? Ano passado a “massa” foi as ruas fantasiada de verde e amarelo, gritando pelo fim da corrupção. E não me venha dizer que não foi a “massa” quem foi as ruas, mas sim a classe média eleitora dos tucanos. Eles não são “massa”? A classe baixa eleitora do PT está muito feliz comprando geladeira e televisão, obrigado; estão cagando pra sua política.

    Me parece que alguns setores auto-intitulados como anarquistas ainda estão presos a esquemas retrógrados da velha esquerda.

  9. Num comentário neste site escrevi:
    «Em muitos casos — receio mesmo que na maioria dos casos — é inútil explicar aos fanáticos das acções violentas em qualquer circunstância e a todo o preço que elas podem ser prejudiciais e não benéficas, que podem ser antipedagógicas, dificultarem a organização de massas e afastarem muitos trabalhadores. É inútil explicar porque é precisamente isso que eles querem. Em vez de pretenderem mobilizar as pessoas comuns, pretendem o contrário: destacar-se delas, cavar um fosso intransponível entre uma pequeníssima minoria activa e a esmagadora maioria dos trabalhadores relegados para a passividade. A fronteira é estreita e pouco definida entre o vanguardismo e o elitismo, e nestes casos trata-se de puro elitismo, com todas as consequências que daí advêm.»
    Se há quem duvide, que leia o último comentário, assinado BB. Puro elitismo, e do mais nojento.

  10. Me referindo ao comentário acima do João Bernardo e do BB, não sei nem se dá para chamar de “elitismo”, pois para mim mais do que elitismo, é parasitismo mesmo. O sujeito não é a favor da tarifa zero, vai na manifestação só para ter seu momento de adrenalina, descarrego e de ‘poser’ sem qualquer responsabilidade com o resto dos manifestantes. Ou seja, é um parasita de marca maior que não se diferencia em nada de um capitalista no sentido de explorar o esforço e organização dos outros (e ainda fala em “revolução”!). E como parasita que não possui nenhum sentido de ética coletivo é que deveria ser tratado.

    A meu ver um dos motivos que levou à perda de relevância que tinha o CMI, foi anticapitalistas na prática terem uma política liberal. Não se excluía comentários e postagens de direita. E o que era excluído ia parar ainda numa lixeira que era possível a qualquer um acessar por mecanismos de busca. Isso para mim era trabalhar para os outros, se deixar ser explorado. Se eu produzisse uma revista anticapitalista individual ou coletivamente, jamais eu daria espaço para propaganda capitalista ou neofascista: eles que se organizem para isso.
    Em um artigo publicado início desse ano neste site escrevi sobre a necessidade de controlar o sentido, o significado das manifestações. Me referia à tentativa de apreensão/controle do significado pela grande imprensa, que tentariam utilizar as manifestações de esquerda de questionamento à Copa para seus propósitos. Mas isso vale para qualquer tipo de parasitismo (e tema de manifestação), que venha de fora ou de dentro.

  11. Para esclarecer, quando me referi ao CMI, a intenção foi fazer analogia com manifestações de rua. Assim como trabalho de publicação não deve deixar parasitado por quem possui objetivos antagônicos, ou contraditórios, o trabalho de organização e mobilização de movimento social não deve deixar ser parasitado por quem possui objetivos antagônicos ou contraditórios ao da coletividade.

  12. BB: miséria do ni[h]ilismo solipsista, estéticopragmático & hiperespetaculoso.

  13. Não sei se por má-fé ou falta de atenção, mas os amigos aí de cima nem mesmo tentaram responder as questões por mim levantadas. Não, senhor João Bernardo, respeitabilíssimo intelectual europeu – devo lembrar seu desprezo pela inabilidade dos brasileiros com as línguas estrangeiras? – , não sou elitista. Elitismo para mim é esse desejo dos iluminados em levar esclarecimento às massas, atividade a qual vocês, ~anarquistas/marxistas autônomos~, parecem concordar com os setores mais ortodoxos do marxismo tradicional. Eu, pelo contrário, busco aprender com os setores marginalizados, em especial os que se recusam a participar do jogo do grande Capital, isto é, ribeirinhos e indígenas, basicamente. O senhor, sendo mais um marxista fissurado pela noção de “produção” e de “trabalhador”, provavelmente não deve compartilhar dessa minha admiração – deduzo, tendo como base seu cômico Manifesto Anti-ecológico.

    É evidente que adoraria participar de uma insurreição popular; estar entre o povo ao destruir o Estado e buscar novas formas de organização política, formas que valorizassem a autonomia e horizontalidade da sociedade-civil. Mas e se esse dia não vier? E se as massas gostarem de servir, afinal? (Essa questão me assombra desde a adolescência: por que o trabalhador simplesmente não larga essa vida terrível e busca outros modos de existência? Por que opta por viver na metrópole em vez de se meter no mato com alguns companheiros em busca de uma outra vida, que tenha como ponto central o viver e não o trabalhar? A explicação marxista pelo conceito de ideologia não me parece suficiente.) Pois digo, amigos, que hoje, mais do que nunca, esse dia parece distante. Não são os Black Blocs ~parasitas e que buscam adrenalina~(se é que isso existe) os responsáveis pelo esvaziamento e distanciamento dos atos em relação a classe trabalhadora. São a própria mediocridade e conformismo galopante que assolam as civilizações ocidentais sob o capitalismo. Louvado seja aquele que ainda atira pedra em banco! Louvado seja aquele que não se conforma!

    Não há tempo para aguardar revolução alguma (ou construí-la ativamente, que seja, para mim é o mesmo: nada mais imbecil que militar visando a Revolução em última instância). Nosso planeta está explodindo e nós, como parte integrante da natureza, estamos indo para o buraco. A Revolução é agora! Precisa ser agora!

    Abracem de uma vez os trotskistas e aguardem pelo messias Revolução; enquanto isso, eu e outros, infelizmente, pouquíssimos vivemos a vida como uma revolução diária. Todos estão convidados, evidentemente!

  14. Diz essas besteiras o BB, como se o que afirmasse não pudesse também, em alguma instância, ser associado a algum tipo de messianismo. Jogar pedra em bancos como ato de liberdade.

    Isso remete às formas religiosas mais antigas e elementares. É o mais alto grau de coisificação das relações sociais. E diz isso com a pretensão de se diferenciar dos demais, afetados por uma “mediocridade e conformismo”, dos quais, ele sim, está liberto.

    Mas o fato é que nosso amigo BB ou não é BB, e faz uso do anonimato das máscaras e da internet para legitimar sua opinião, ou é mesmo um idiota que não vai muito longe. Afinal, qualquer BB autênticodeveria saber que não é muito recomendável, ainda mais no atual contexto, sair por aí fazendo atestado de culpa, apontando inclusive de que ato participou, e deixar o rastro digital.

  15. “Por que opta por viver na metrópole em vez de se meter no mato com alguns companheiros em busca de uma outra vida, que tenha como ponto central o viver e não o trabalhar?”

    A sua pergunta já é a resposta, Bebê: se a alternativa oferecida é viver no mato, acho que a maioria dos trabalhadores preferem as coisas do jeito que estão para ao menos garantir a luz elétrica e a água encanada. Vá para o mato e leve lembranças de trabalhadores que lutam para ao menos terem controle e livre acesso… à cidade.

  16. Gostaria de testemunhar — e, quem sabe, documentar — essa vida dos companheiros que se metem no mato em busca de um “viver” sem trabalho, onde as pessoas não tenham que se defrontar diariamente com as questões do trabalho e da produção. Pelo que escreve BB, por certo as pessoas que vivem no mato não se deparam nunca com esse tipo de questão, ao passo que os trabalhadores que vivem nas metrópoles o fazem porque “gostam de servir”. Mas o que me intriga mesmo é: por que é que — ao invés de, num ato heroico e messiânico, atirarem pedras em bancos, atrapalhando nossa militância — não se metem logo, de uma vez por todas, no mato e não nos deixam militar pela revolução, nós e os trabalhadores que “gostam de servir”.

  17. Caro BB, na moral e na humilde, pode explicar mais em que consiste essa revolução diária, para além dos momentos das manifestações?

    Vc fala que a hora é agora, mas e aí, pra além de quebrar os bancos que mais está sendo feito (que pode ser publicado) ou que vc acredita que deve ser feito nesse agora?

  18. Resumindo: a) Devem-se organizar táticas de resistência eficazes e eficientes contra a brutalidade policial, mas também contra a vigilância e criminalização; b) Essas táticas devem-se ligar à estratégia política mais ampla, e não praticadas como fim em si mesmo. Táticas de autodefesa não podem ser separadas de ações de cunho mais pedagógico, comunicativo, econômico e político. Deve-se criticar o ataque indiscriminado, moralista e criminalizante contra “black blocs”, nos mesmos termos que rechaçamos os ataques deste tipo aos “invasores” sem teto e sem terra e grevistas. Mas igualmente o “porra-louquismo” individualista e voluntarista, que não respeita a coletividade militante.
    As ocupações de prédios, fazendas, fábricas, casas legislativas, praças públicas, prédios administrativos, etc, transgridem tanto a grande propriedade privada quanto os danos a agências bancárias (e infelizmente há quem deprede bancas de jornal e pontos de ônibus, o que é um tiro no pé, se é que não uma ação consciente de policiais e capangas infiltrados). Só que as ocupações são de grande eficácia, os danos não.
    Devem-se diferenciar, ainda, os danos patrimoniais espontâneos protagonizados por grupos marginalizados em reação ao terror policial, como a queima de ônibus após execuções sumárias e torturas seguidas de mortes nas favelas, das ações voluntaristas e individualistas.
    Aos BBs, não os demonizo, me solidarizo com vocês por conta das perseguições sofridas e compreendo a sua revolta e raiva contras as injustiças. Eu também a sinto. Mas peço que se perguntem o quanto as suas ações contribuem efetivamente para a causa.

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