Por Paulo Marques
Nestas breves notas pretendo discorrer sobre um debate que acredito ser significativo para todos aqueles que de alguma forma questionam a democracia liberal representativa como único modelo possível de prática política. Para tanto, a ênfase se dará no papel que a esquerda marxista desempenha no processo de legitimação desse modelo e as consequências que advêm disso.
A democracia liberal representativa, da forma que a conhecemos e praticamos, tem uma história; é parte do desenvolvimento das sociedades capitalistas ocidentais. É a forma predominante de funcionamento político dessa sociedade ou, na linguagem marxista clássica, seria o processo que se desenvolve na “superestrutura que se ergue sobre a infra-estrutura econômica”. O modelo de “superestrutura” se constitui na forma Estado e seu sistema de “poder” se baseia na “poliarquia”, ou seja, a disputa da direção desse aparelho de Estado por grupos/elites a partir de partidos, realizada na arena eleitoral.
Este modelo, assim como todas as transformações histórico-sociais, só se consolidou após um longo embate entre diferentes forças políticas. De um lado estavam aqueles já instalados no poder (a classe proprietária dos meios de produção) e de outro aqueles que estavam fora (a classe sem propriedade), as lutas e correlações de forças entre estes dois campos determinaram qual sistema predominaria e seus limites. Nessa luta, que é parte da lógica do capitalismo, a reivindicação e conquista do sufrágio universal foram consideradas uma das mais significativas vitórias da classe explorada. A esquerda marxista foi uma das principais correntes políticas responsáveis por essa vitória, ou seja, a instituição do direito de voto da classe trabalhadora como arma e/ou mecanismo de acesso ao poder e por conseguinte de possibilidade de transformá-lo na perspectiva socialista. Todavia, com o tempo a história mostrou que, ao contrário do que previam os marxistas da II Internacional, o sufrágio universal e as eleições pluripartidárias (regras do jogo democrático liberal) acabaram sendo fundamentais para a própria manutenção do sistema capitalista.
Com a descrença nesse modelo, uma parte da esquerda (leninista) se desvincula da social-democracia (ainda marxista) e opta pela estratégia da “tomada do Palácio de Inverno”. A revolução é a palavra de ordem que vai orientar os marxistas da III Internacional até os anos 70. Após o fim do comunismo na URSS, os marxistas retornam a casa (ou seria jaula?). Novamente na Europa e América Latina os partidos marxistas tornam-se os maiores defensores, junto com os liberais, do sistema representativo.
Vale lembrar os argumentos utilizados pelos marxistas da II Internacional, que seriam criticados pelos da III e depois retomados: Se a maioria da população é constituída de trabalhadores assalariados e camadas excluídas, seria lógico que estes eleitores votassem nos “representantes legítimos” da classe operária, ou seja, nos comunistas. Tanto que os líderes da social democracia alemã (marxistas) diziam nas primeiras eleições que participaram: “ dêem-nos 50% mais 1 do parlamento e faremos a revolução socialista”. Ledo engano, a história mostrou que não ocorreu uma coisa nem outra. Nem os trabalhadores votaram sempre em seus “representantes de classe” (isso irá ocorrer em poucas oportunidades), e onde o fizeram (nos casos em que a esquerda social democrata foi vitoriosa, como na França e na Alemanha nos anos 30; na Itália, nos anos 70 do “compromisso histórico” com os comunistas; ou mesmo na França novamente, com o PS de Miterrand nos anos 80; na Espanha com Felipe Gonzales; e em Portugal com Mário Soares nos anos 80 e 90) a esquerda institucional, principalmente os sociais-democratas muitas vezes em aliança com os comunistas, não conseguiu sequer avançar para além de políticas de bem-estar social (isso nos chamados 30 anos gloriosos), passando rapidamente para a política da “terceira via” nos anos 90, que foi a transição rumo a um liberalismo “possível” para a esquerda. Nesse contexto, a esquerda marxista, já retornando à crença na democracia representativa, não conseguirá nunca superar os 5% dos votos nestes países centrais. Mas mesmo assim nunca abandonou a arena da disputa política. Vale destacar que recentemente o partido de esquerda radical grego Syriza “quase” ganhou as eleições, pois o sistema parlamentarista impediu que partido tivesse uma maioria no parlamento, mesmo sendo o mais votado.
O que pretendo destacar com essa breve e incompleta retrospectiva é o fato de que em nenhum momento dessa história os marxistas conseguiram de fato ganhar as eleições e realizar o seu programa político. Eis a questão central desse artigo, refletir o porquê, mesmo com todo esse histórico de fracassos, de os marxistas continuarem legitimando a democracia representativa. (Não tratarei aqui do marxismo na América Latina no último período, o que daria um outro artigo, mas apenas mencionarei que a situação de crises e impasses que vivem Venezuela, Equador e Argentina, para citar os mais significativos, só reforçam os argumentos aqui expostos.)
Guardadas as diferenças históricas entre o Brasil e a Europa, é possível encontrar, principalmente na trajetória política da esquerda brasileira, seja ela social-democrata (PT) ou a marxista, algumas semelhanças importantes que são até mesmo mais significativas do que suas diferenças e podem nos ajudar a compreender os motivos pelos quais a esquerda marxista adere de forma inquestionável à democracia liberal representativa.
O primeiro fato a destacar dessa semelhança está na raiz ideológica dos partidos de esquerda no Brasil. Sobre isto o filósofo marxista brasileiro Leandro Konder tem um estudo importante sobre a chegada do marxismo no Brasil nos anos 30. Ele destaca como o marxismo europeu (em particular o stalinista) foi assimilado na construção dos partidos comunistas. Ali fica bem claro a total dependência teórica e a falta de criatividade na formação do marxismo brasileiro; não é por nada que o título do livro é A Derrota da Dialética. Olhando a realidade de hoje dos partidos que reivindicam a herança marxista podem-se mensurar os efeitos daquele processo de origem. Temos um marxismo sem criatividade, preso ao passado e elitista, sem capacidade de leitura da realidade e perspectiva de renovação. Não sendo isso, obviamente, uma peculiaridade do marxismo brasileiro, pois pode-se percebê-lo como um elemento comum em grande parte da América Latina (com raras exceções). No caso em discussão aqui, ou seja, o papel dos marxistas na democracia representativa, isso fica muito claro. O marxismo desde a II Internacional está preso à ”jaula de ferro” da democracia representativa liberal e no Brasil, com exceção dos breves “giros insurgentes” dos anos 30 ou da resistência à ditadura nos anos 60 e 70, os marxistas brasileiros tornam-se parte do sistema democrático representativo, principalmente após a redemocratização.
Como se mantém essa “jaula de ferro”?
Chamo de “jaula de ferro” porque o sistema de democracia representativa expressa um modelo em que os marxistas estão presos e não conseguem ou não pretendem sair. Talvez porque ainda estejam amarrados em algo anterior que é sua própria concepção ideológica de política. Vive no auto-engano, ou poderíamos dizer, em uma utopia de que no sistema representativo da democracia liberal será possível transformar radicalmente a sociedade.
A começar pelo fato de que a discussão sobre possibilidades de uma democracia diferente da democracia liberal representativa, que poderia ser uma democracia direta ou um sistema de autogestão política, é imediatamente interditado seja pela direita como pela esquerda, por discursos do tipo: “inviável”, “utópica”, “coisa de anarquista irresponsável”, “totalitarismo” entre outros adjetivos comumente usados. A forma de democracia representativa não é colocada em questão pelo simples fato de que a discussão sequer é admitida.
A democracia representativa ganha assim status de “ápice da capacidade organizativa das sociedades”, o “melhor entre o pior dos sistemas”, “ a única forma racional de organização política”. E o assunto é encerrado aí. Qualquer semelhança com o “fim da história” de Fukuyama (filósofo liberal norte-americano) não é mera coincidência. Nessa lógica de democracia podemos visualizá-la a partir da imagem do crescimento de um bolo em uma forma; os limites são dados pela forma do bolo, ou seja, a forma da representação. Qualquer crescimento a mais é “antidemocrático”, é “totalitarismo”. Torna-se natural o paradoxo de que mais democracia prejudicaria a própria democracia. Sim, podemos concordar com essa afirmação se identificarmos um único modelo que não admite qualquer ampliação para além dos estreitos limites da representação parlamentar.
A “jaula de ferro” em que estão presos os marxistas é o fato de que eles estão inseridos em um jogo representativo no qual não lhe será jamais permitido mudar as regras, pois as regras são feitas única e exclusivamente pelos mandantes do jogo, ou seja, os financiadores dos representantes. Pensar, portanto, em alteração dessas regras que levem a prejudicar o seu funcionamento é acreditar que qualquer instituição permita sua auto-destruição, mera ilusão.
O problema é que os marxistas não têm e não terão, no sistema capitalista, as premissas/condições elementares necessárias para “vencer” uma disputa eleitoral conforme as regras, e mesmo que as tenham para vencer não terão as outras que são necessárias para governar. Quer dizer que lhes será permitido participar do jogo, mas sem as mínimas condições de ganhá-lo. Isto pelo simples fato de que o poder (quem realmente manda no jogo) não está localizado apenas na arena do jogo (aparelho de Estado) mas em outra esfera (poder econômico, midiático, etc.). A experiência de Allende, Jango e muitas outras recentes, na América Latina nos séculos XX e XXI (Venezula, Honduras e Paraguai são emblemáticos) não deixam dúvida sobre isso. Qualquer projeto que ameace o sistema, até pode vencer, mas não governará. Portanto, a ideia de disputar, vencer e governar com um projeto de nítido caráter transformador das estruturas do sistema capitalista constitui-se, aí sim, numa das maiores utopias da esquerda marxista.
Por sua ideologia e doutrina (de raiz européia da II, III e IV Internacionais), a esquerda não consegue se desenvencilhar dessa “jaula de ferro” da democracia representativa e acaba simplesmente legitimando o sistema, pois se ela participa do jogo, os donos do jogo podem afirmarem-se como “democráticos”, já que “todas as ideologias e força políticas” estão participando “democraticamente” do processo, inclusive as anti-sistemas. Se ela não participa é “antidemocrática”, pois só há uma forma de ser democrático, que é aceitando o único jogo possível. É a mesma abstração da “igualdade de todos perante a lei” que legitima ideologicamente o sistema, o qual os marxistas conhecem bem. Se no caso da sociedade o “cidadão” é uma abstração que não leva em conta os antagonismos das classes sociais, na política a igualdade de condições entre os partidos da ordem e os da contra-ordem é também uma abstração, pois na sociedade capitalista quem não tem recursos financeiros, estrutura, articulação com os poderes reais, não tem outro direito além de ser ou coadjuvante ou espectador do jogo político. E é esse o papel que tem sido cumprido pela esquerda marxista, espectadora e coadjuvante.
É possível sair da “jaula de ferro”?
O fato inegável é que hoje temos as condições concretas que possibilitam refletir seriamente sobre os limites da democracia representativa e as possibilidades de uma democracia efetiva, de fato. As condições estão dadas. Estamos vivendo talvez a mais profunda revolução nas comunicações como nunca antes na história da humanidade, e isso não é pouca coisa. Isso permite diminuir profundamente a distância entre as pessoas e redefine as possibilidades de atuação política. As recentes manifestações de massas de jovens em diversas partes do mundo são apenas os primeiros sinais dessa janela de oportunidades que se abre para questionar a democracia de poucos, muito mais uma plutocracia (governo dos mais ricos) do que qualquer outra coisa. Há, portanto, um descolamento de uma realidade nova que engendra novas formas de relação entre as pessoas e uma persistência de velhas formas de organização política baseadas em carcomidas formas de organização cada vez mais questionadas, como os partidos políticos. É o novo nascendo e o velho que não quer morrer. Já na segunda década do século passado o sociólogo Robert Michels, no seu clássico livro Os Partidos Políticos, anunciava o caráter oligárquico intrínseco aos partidos políticos, sejam eles de direita como de esquerda. Essa oligarquia interna presente em todos os partidos é um dos elementos que estão colocados em xeque por uma ampla parcela de jovens (o jovem de celular na mão e uma ideia na cabeça) que buscam novas formas para atuação política, mais horizontais e livres (o contrário de uma jaula). Pensar sobre essa crise dos partidos nos remete à necessidade de pensar mais além, sobretudo no próprio sistema representativo e seus limites.
É nesse sentido que uma recusa ou contestação ao sistema político atual não deveria ser considerado, ainda mais pelos marxistas, como é por todos que participam do jogo político, como “despolitização”, “falta de consciência política”. Ou, como a esquerda costuma argumentar, “não votar ajuda a direita, que não deixará de votar e eleger os seus”. Mas a questão é: quais as condições que a esquerda tem de fazer frente à direita no seu terreno? É como ir para a guerra no campo adversário sem as armas necessárias para vencê-lo, é simples. No entanto, a esquerda marxista não consegue nem mesmo fazer um exercício de reflexão sobre qual tem sido o seu papel histórico nesse processo, quais foram seus êxitos e fracassos e quais os motivos deste fracasso, bem como o real significado da democracia liberal representativa. Um debate que os primeiros marxista (I Internacional) não se furtaram de realizar quando discutiam o significado da política, da revolução e da nova sociedade que queriam construir.
O resultado desse bloqueio a uma discussão tão significativa como esta é que a esquerda marxista perde cada vez mais qualquer força de interlocução com amplos setores sociais, principalmente jovens, que querem construir algo novo e pela esquerda. Jovens que vivem na carne a exploração capitalista no seu dia-a-dia, na mediocridade da vida que os governantes lhe oferecem como paraíso na terra. Não há interlocutores na esquerda marxista capazes de fazer esse debate.
Eis aí a importante e significativa abertura para pensar temas tão antigos e ao mesmo tempo tão modernos para quem luta contra o sistema capitalista como são a autogestão, autonomia, auto-governo, emancipação, ação direta, democracia direta. Isto é política e quem está discutindo a partir destas questões está em sintonia com o novo.
A falta desse debate na sociedade contribui para uma dispersão de forças críticas que desembocam de forma espontânea em diversas formas: seja o voto anti-sistema (mas não só), o voto de protesto nulo e branco (que é sim legítimo e politizado, ao contrário do que diz a esquerda e a direita) e votos em diversas candidaturas que vão desde o voto útil no menos pior ao voto nos candidatos da esquerda marxista, que só este ano estão divididos em 4 candidaturas (PSOL, PSTU, PCO, PCB).
Tudo isso poderá significar em torno de quase 20% dos eleitores nas eleições gerais deste ano no Brasil, que, em função do próprio sistema, terão seus votos “invalidados”. Digo invalidados entre aspas para explicar que estou falando no sentido de válidos se tivessem alguma interferência real na correlação de forças, o que não ocorrerá.
O caso dos votos nulos e brancos é mais absurdo ainda quando a posição política dos que optam por não aceitar os candidatos colocados sequer é considerada. Ou seja, se mais da metade dos eleitores votar em branco ou anular, o seu voto não entra na contagem que define os eleitos. Dessa forma os representantes eleitos podem representar menos da metade da população e estará tudo OK. Os eleitos estarão representando a minoria. É o sistema, é a regra do jogo. Quem não aceita que não participe, ou participe e tente mudar se for capaz… mas só dentro das “regras”. Esse é o veredito.
Portanto, o que temos no sistema de democracia representativa, ainda legitimada pelos marxistas, é uma farsa institucionalizada que não aponta nenhuma saída para a crise de representação que se vive hoje, expressa no descrédito e desprezo que a maioria da população tem pela política.
Por fim, cabe destacar que esse debate sobre formas de radicalização e aprofundamento da democracia já é realizado historicamente pelas correntes libertárias da esquerda desde o seu nascimento no século XIX e que se mostram hoje mais vivas do que nunca. Correntes que hoje se mostram muito mais avançadas e em sintonia com o que é expresso nas práticas que são realizadas nas ruas, nas ocupações, nas ações diretas e que vão ganhando corpo e legitimidade como uma nova e moderna forma de fazer política.
Caso ousem romper com essa “jaula de ferro”, ao menos não bloqueando o debate sobre os limites da democracia liberal, certamente os marxistas estarão contribuindo com o novo que se anuncia…
Sobre o autor
Paulo Marques é Doutor em Sociologia pela Universidade de Granada (Espanha) e professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Excelente texto.
Só acrescentaria que os partidos de esquerda, de um modo geral, NÃO “vive(m) no auto-engano”. Ao contrário, sabem muito bem e têm plena consciência do papel que lhes cabe nesta “representação” teatral chamada democracia burguesa, até porque, as cúpulas destes partidos estão nas mãos de intelectuais e burgueses: gente da mais alta formação e conhecimentos…
Por isso não há lugar para enganos ou ilusões inocentes por parte desta burocracia partidária (e, é importante lembrar, também sindical): “Pensar, portanto, em alteração dessas regras que levem a prejudicar o seu funcionamento é acreditar que qualquer instituição permita sua auto-destruição, mera ilusão”.
E depois, os libertários é que são utópicos…
Paulo, parabéns pelo texto.
Abraços fraternais,
Beto
1. Quem acha que a evolução da tecnologia vai ajudar na luta, que espere sentado. A tendência é o contrário – o domínio das grandes corporações telemáticas tornará o jogo mais difícil. Temos a sorte, hoje, de um fraco controle delas sobre nossas comunicações. Mas esta fase romântica vai acabar. Ao contrário, elas controlarão ainda mais a vontade das massas, senão o próprio voto.
2. A arena das eleições é mesmo para a disputa entre as forças políticas dominantes. A única saída é a educação política das massas. O texto está bem argumentado, mas não aponta alternativa clara (e legítima, obviamente) à democracia representativa. E sofre de arrogância, pois não respeita a verdade dos que militam sob as regras vigentes do voto.
1) Esperar, sentado ou em pé, que “a evolução da tecnologia vai ajudar na luta” ou o contrário, tanto faz (já que nada faz, senão esperar). E se existe uma tendência ao “contrário”, há pelo menos mais uma – contrária ao “contrário” – ou não seria uma tendência.
Os dispositivos de controle, cada vez mais moleculares, entrosam-se e interagem muito bem com técnicas molares de dissuasão e repressão.
2) É no mínimo ingênuo afirmar “A única saída é a educação política das massas.”, sem dizer qual (para quem, para onde etc.) é a “saída”. Aliás, quem educará os educadores?
Seria “humilde” quem chama de verdade a própria opinião e rotula de “arrogante” quem expressa uma opinião diferente da sua?
1- “Os dispositivos de controle, cada vez mais moleculares, entrosam-se e interagem muito bem com técnicas molares de dissuasão e repressão.”. Concordo, e tende a piorar. Daí não esperar (no sentido de esperança, certo?) muito da tecnologia.
2- A saída a que me referi é a emancipação total do individuo (não só de alguns, mas de todos), que só é possível havendo desconcentração de poder.
“Educação dos educadores” está mais para “linha de produção”. Não é por aí. É educação de todos. Pela divulgação das ideias. Pelos inúmeros métodos. Via universidades, meios de comunicação, mobilizações, circulos comunitários, redes sociais, etc. Evidentemente, para isto é necessário os “do lado de cá” buscar algum poder no sistema, e não se acanhar na luta contra a ideologia “do lado de lá”.
A formação dos educadores está ocorrendo aqui, por exemplo, e em muitos outros foruns, leituras, debate com o nosso oposto, etc. Muito da teoria está aí já disponível, e, felizmente, o acesso a ela é fácil. Falta a união de esforços. O sectarismo está minando as energias da esquerda. O inimigo não está no que busca a revolução pelo voto, via mudanças institucionais graduais, ainda que se submeta uma composição com o poder tradicional. O inimigo está no conservadorismo, no mercadismo, no individualismo, e, principalmente, no que divulga tal ideologia, pois estes são os que mais retardam o processo.
Desculpe, mas pareceu-me arrogância, sim, o autor desqualificar aquele que busca o mesmo fim por meios diversos do defendido por ele.
EXEMPLO DE MIXÓRDIA
Pensamento abracadabrante, quanto aos fins: “emancipação total do individuo (não só de alguns, mas de todos)” e “educação de todos”.
Pragmatismo fisiológico, quanto aos meios: “para isto é necessário os ‘do lado de cá’ buscar algum poder no sistema, e não se acanhar na luta contra a ideologia ‘do lado de lá’.
Realismo tático prudencial, ‘hic & nunc’: “que busca a revolução pelo voto, via mudanças institucionais graduais, ainda que se submeta uma composição com o poder tradicional”.
Existem alguns problemas de generalização no texto. A Argentina atual não tem um traço sequer de marxismo, e me pergunto se o que ocorre na Venezuela chavista também chega a expressar uma influência mínima qualquer do pensamento marxista. Será que o autor mistura sob o nome “marxismo” tudo o que está relacionado com o Estatismo? Será que não reconhece que muito do socialismo e de outras vertentes do capitalismo de estado são autônomas em relação ao marxismo?
Da mesma forma, creio que resumir a experiência chilena a “Allende” é jogar fora muita coisa. Caso o autor queira conhecer a experiência de poder popular chilena, o filme “La Batalla de Chile” está disponível com legendas, a parte 3 é a que melhor mostra o nível de consciência de classe de setores populares e trabalhadores no Chile, que avançavam na construção do poder muitas vezes em choque com o Estado (isso num contexto de presidência expressamente socialista, nada de Lulinha paz e amor).
Será que a culpa do fracasso da agitação das massas por de baixo dos partidos é apenas dos “marxistas” e seu enorme poder de legitimação social?
http://www.youtube.com/watch?v=xfpb-PBfZj8
“Os cordeiros que vão ao matadouro nada dizem e nada esperam. Mas ao menos eles não votam no açougueiro que os matará, e no burguês que os comerá. Mais besta que as bestas, mais ovino que os ovinos, o eleitor elege seu açougueiro e escolhe seu burguês. Revoluções foram feitas pela conquista desse direito.”
— Octave Mirbeau, Greve de Eleitores (1888)
“Se os proletários só querem divertir-se em manifestações de rua, plantando ‘árvores de liberdade’, ouvindo discursos políticos, já se sabe o que acontecerá com eles: primeiro, água benta; depois, insultos. Por fim, a metralha. E a miséria, sempre.”
Louis Blanqui (1851)
Muito enriquecedora ao debate sua resposta, ulisses. Obrigado
Lucas, no Chile de Allende os marxistas estavam divididos entre aquels do PC que acreditavam na via pacífica de Allende e o MIR que exigia o armamento imediato do povo. Os comunistas fizeram de tudo para impedir esse armamento e o filme que citas mostra claramente que os comunistas buscaram frear a autogestão nas fábricas dos Cordões Industriais que iam sendo desapropriadas. Em toda a história das lutas da esquerda e isto se viu na experiência da Espanha de 36 e no Chile de Allende os Comunistas destruiram todas as experiências de autogestão operária em nome da “segurança do Estado” e da “luta maior” contra o “inimigo principal”. Cumpriram o papel de linha auxiliar dos capitalistas contra a autogestão ou seja a democracia direta no campo econômico.
ah, os comunistas. Mas você entende, Paulo, que há uma diferença entre “comunistas” e “marxistas”, não?
Me parece grave rebaixar o nível do debate e conscientemente confundir as duas coisas apenas para vender o teu peixe mais fresco.
DO PEIXE
Se, como dizem, perguntar não ofende: “mais fresco” ou “menos podre”?
O autor se engana sobre o marxismo, pelo menos em outros tempos, ao tornar os conceitos “Participação Parlamentar” como a mesma coisa que “Governar”, pelo menos durante o começo da decada de XX a resolução da III internacional era bastante clara sobre o Parlamento*:
Não desenvolver nenhum tipo de trabalho organico no parlamento
Não “governar”, nem tentar fazer isso, ja que governar significa justamente ter que agir a todo momento e manter a estabilidade enquanto a tarefa era justamente acabar com ela
Toda propaganda “eleitoral” ser feito de forma completamente diferente das praticas de eleições dos partidos da ordem(greves, manifestações, agitações no exercito e marinha etc) e não ter como meta eleger o maior numero de parlamentares(ou seja, o foco não ser pessoas) mas manter a centralidade na propaganda de um programa revolucionario
Todo pequeno ganho parlamentar existe para ser instrumentalizada pelo que é realmente o movimento real da classe, extra-parlamentarmente(exemplo da resolução da terceira internacional em 20 é o apoio de tarefas clandestinas pela imunidade condedida a parlamentares em diversos paises com restrições democraticas amplas, como a manutenção de uma imprensa ilegal pelo parlamentar, ou a defesa da Rosa da participação da Assembleia Constituinte durante a revolução alema para o PC ter uma noção de qual era a correlação de forças que estava dada entre cada partido e então retirar os parlamentares ao terem como negadas reinvindicações das massas avançadas demais para serem aprovadas pela composição da Assembleia, rumo a destruir a ilegitimidade do espaço e ganhar mais apoio entre setores mais radicalizados ainda ligados a Social-democracia)
Essa era a resolução da Terceira Internacional em 20 da pra observar bem de perto que “governar” não é uma preucupação dela, a questão é vista como tática e a unidade deveria ser mantida dentro dos partidos comunistas entre elementos antiparlamentaristas de principio e os que seguiam a linha da internacional, justamente porque o parlamento era um aspecto completamente secundario e o foco era no movimento extra-parlamentar da classe
O autor junta toda a experiencia parlamentar em um mesmo saco de gatos, o MIR só vai se constituir como o polo aglutinador da esquerda revolucionaria no Chile em 73 justamente porque Allende o retira da ilegalidade colocada anteriormente, que dificultou o desenvolvimento do trabalho de base e organização e gerou a prisão de um numero consideravel de militantes, e o setor social, expropriado da burguesia no periodo, era justamente um avanço na correlação de forças pela organização proletaria como uma das medidas de preparação para o futuro de ruptura da ordem democratica e vinda da reação burguesa (e imagino que alguns setores da esquerda viam assim a questão naquele momento), o erro foi justamente apenas os setores mais radicalizados ter a visão das politicas serem taticas em um processo de mudança na correlação de forças para o momento de ruptura
Outro exemplo que ouvi dizer em uma situação com menor tensionamento é a atuação das correntes de esquerda na prefeitura de Diadema em 89 ganha pelo PT, a linha do vereador eleito da Convergencia Socialista, POR e do Tonhão, então vice-prefeito, era justamente NÃO governar, era usar tudo o possivel em direção a organização popular, vão usar sua posição enquanto parlamentares para incentivar e participar das diversas ocupações que vão acontecer nesse periodo, usar dinheiro do aparato Estatal para apoio de greves, panfletos etc, usar a guarda civil como impedimento para a PM em reintegrações de posse que pudessem vir a ocorrer, enfim, instrumentalização do que fosse possivel do Estado sem nenhum comprometimento de manuter os cargos ou aumentar numero de parlamentares rumo ao fortalecimento da luta extraparlamentar pelo poder politico
Enfim, é bastante equivocada a tese desse texto em que o marxismo se manteve sempre entre a “jaula de ferro” da democracia representativa e “giros insurgentes”
A historia da esquerda é bem mais colorida do que essas duas posições
*http://www.pco.org.br/biblioteca/eleicoes/lenin6.htm Resolução aprovada pelo II congresso da III internacional comunista em 1920 com introdução de Trotsky e tese de lenin/bukharin
O texto parece bastante anacrônico quando joga toda dentro do rótulo “marxismo” tanto os possibilistas que desde a II Internacional até o “socialismo do século XXI”, passam a vida falando em transformação eleitoral, como outras tendências igualmente estatistas que rechaçam a participação eleitoral e defendem a chamada “Guerra Popular” (ex: maoístas), além de fazer ouvidos surdos e olhos cegos a outras facções que reivindicam até mesmo essa gestão local e “comunitária” do capitalismo que chamam pelo nome de “democracia direta” ou “autogestão” (mas que continuam dentro da jaula de ferro do Estado), é o caso de Toni Negri e outros “pós-modernistas”. Também existem outras tendências, que ora reivindicam o marxismo (mas destacando-se pela expressão “marxismo revolucionário”), ora o denunciam como ideologia social-democrata, distinguindo-o do comunismo, que recusam até mesmo a democracia, mesmo essa democracia molecular que nossos “libertários” endeusam pelo nome de “democracia direta”. Trata-se da esquerda comunista.