Na sua formulação teórica como nos seus usos concretos, a soberania é um beco sem saída para quem vive do seu trabalho. Por Ricardo Noronha

O Passa Palavra tem dedicado bastante espaço ao debate sobre as consequências de um abandono da moeda única por parte da República portuguesa e, em geral, sobre as possibilidades e impossibilidades de uma solução nacional para a crise. Abordar o conjunto dos problemas inerentes à questão implicaria escrever um livro, mais do que um artigo de modestas dimensões. Dá-se por outro lado o caso de me parecer existir aqui a combinação de três conjuntos de problemas diferentes, que estão naturalmente interligados, mas que ganham em ser identificados na sua especificidade:

1) a orientação do amplo movimento social de contestação à austeridade para a defesa de eleições antecipadas, numa viragem que substituiu a dimensão internacional de luta anticapitalista evidente em 2011-2012 — na sequência das «Primaveras árabes», das acampadas do Estado Espanhol e do Occupy Wall Street — por um discurso que identifica a austeridade com a ingerência externa, contrapondo-lhe as instituições da democracia representativa e a soberania nacional;

2) os esforços para materializar uma maioria de esquerda, capaz de levar a cabo uma política alternativa à que é prescrita pelo memorando de entendimento com a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional), no actual quadro constitucional e comunitário, mas em ruptura com as imposições orçamentais impostas pelo BCE, ECOFIN (Conselho da União Europeia para os Assuntos Económicos e Financeiros) e Comissão Europeia;

3) a proposta de abandono da moeda única e de uma moratória ao pagamento da dívida soberana, acompanhada por um conjunto de políticas mais ou menos intervencionistas e keynesianas, que vão desde a nacionalização do sistema bancário a um programa de investimento público e criação de empregos, tendo em vista uma solução de desenvolvimento nacional no quadro do mercado mundial.

Se apresento aqui os contornos daquilo que se tem vindo a chamar «nacionalismo de esquerda» como uma articulação entre estas três dimensões é porque me parece que nenhuma delas é compreensível isoladamente e porque essa perspectiva nos permite entender melhor as dissonâncias, conflitos, polémicas e nuances que caracterizam o campo dos seus defensores. À falta de uma descrição rigorosa e metódica, limito-me a simplificar, afirmando que alguns defendem uma solução nacional no quadro da moeda única enquanto outros pretendem que só há solução fora da moeda única; uns batem-se por uma renegociação da dívida pública na base de uma auditoria que diferencie a «dívida legítima» da «dívida odiosa» enquanto outros pretendem apenas uma moratória e um alargamento dos prazos de pagamento; uns perseguem uma política de alianças da qual excluem o Partido Socialista (PS) enquanto outros têm em mente o projecto de uma «Esquerda grande» que implique uma viragem à (ou uma cisão da) esquerda daquele partido; uns procuram que o movimento social se limite a exigir a demissão do actual governo enquanto outros defendem que ele seja parte constituinte de uma alternativa no quadro constitucional vigente. E, naturalmente, outros intervenientes defendem posições ligeiramente diferentes das que acabo de enunciar ou simplesmente perspectivam uma articulação de outra ordem entre estas três dimensões. Mas todos, sem excepção, consideram que há uma solução para Portugal e assumem, aberta ou veladamente, que é no espaço nacional que ocorre o enfrentamento decisivo entre interesses antagónicos e se joga a determinação fundamental do futuro. Não tenho qualquer vontade ou interesse em emperrar este debate com um uso desqualificativo do termo «nacionalista», pelo que utilizarei o termo «soberanista» para caracterizar as posições que tomam como referência política elementar o Estado-nação e formulam os seus programas e estratégias com o objectivo de o governar [*].

Sobre a viragem do movimento social há pouca coisa a acrescentar ao que aqui se sustenta, mas talvez valha a pena referir que a partir do momento em que se procurou criar uma cúpula respeitável e disponível para jogar em todos os tabuleiros, o senso comum que pulula em painéis de comentaristas e em redacções de imprensa e televisão começou a insinuar-se crescentemente no discurso dos porta-vozes oficiosos das manifestações. Daí à narrativa do movimento que nasceu para salvar o país do seu próprio governo foi um passinho bastante curto e começou a parecer razoável comparar o número de eleitores que votaram nos partidos de direita com o número de pessoas que se manifestam contra o governo nas ruas. As manifestações tornaram-se então um elemento mais do barómetro político clássico, uma sondagem sem recurso às empresas de sondagens, parte de um grande esforço nacional para salvar a pátria.

Sobre a maioria parlamentar para pôr em prática uma política patriótica de esquerda, uma política verdadeiramente de esquerda, uma política da esquerda que não desiste, uma política da esquerda interessada em fazer uma política de esquerda (escolha o leitor a hipótese que mais lhe agrada e não correrá o risco de se enganar), importa dizer que ela é abordada como se fosse a única solução consequente e pragmática, mas que muito pouco alguma vez resultou da sua insistente repetição. Desde logo, o esclarecimento do papel do PS (ou da sua mirífica «ala esquerda») é sempre habilmente contornado ou evitado, numa ambiguidade que se entende mal à luz da sua importância prática. Não é este o espaço para fazer uma história das venturas e desventuras em torno da «maioria de esquerda» e da «alternativa de esquerda», mas não parece deslocado afirmar que pouco se avançou nesse campo, desde logo porque o PS se assemelha mais a uma fracção do aparelho de Estado do que a um partido político com um programa a aplicar, e no seu interior pesam apenas os argumentos e factos que sirvam o desígnio de o transportar para o governo e de o manter no governo. E enquanto o resto da esquerda se coloca numa posição expectante face às suas oscilações internas, a torcer por um «outro PS» que não seja como «este PS» (apesar de o PS nunca ter sido, desde a sua fundação, outra coisa senão «este PS»), a alternativa de esquerda teima em assemelhar-se à linha do horizonte, convertendo-se num artifício retórico ou numa miragem que permite continuamente projectar um reformismo sem reformas.

A esta luz, os esforços para conceber e planear [planejar] uma política económica que permita relançar o crescimento do Produto Interno Bruto, reduzir o desemprego e salvaguardar os mecanismos de solidariedade e redistribuição de riqueza que compõem o modesto Estado-providência português têm de ser lidos como o elemento mais palpável das posições soberanistas de esquerda. É fácil compreender a sedução que deles emana: num país onde a democracia foi suspensa e se repete continuamente que não há alternativas; onde o empobrecimento foi convertido em dogma governamental e mediático; onde, finalmente, se construiu laboriosamente a imagem da «Europa» — ou seja, das instituições da União Europeia — como uma entidade adulta professoral, severa ainda que benigna, exigente ainda que justa, que tutela uma criança promissora mas ingénua que é o «povo português», a recusa de semelhante estado de coisas confrontou os adversários da política de austeridade com a necessidade de pensar estratégias que combatessem a chantagem inerente à ideia de que a alternativa ao empobrecimento seria a catástrofe generalizada. O cálculo rigoroso das consequências económicas e sociais de uma saída da zona euro e de um abatimento substancial dos juros da dívida pública apresentou-se como a resposta necessária à retórica governamental sobre a inexistência de alternativas.

Em si mesmo, este debate é importante e valioso, na medida em que nos permite equacionar diversos cenários, pesar as vantagens e desvantagens de cada um deles e assumir estratégias a partir dessa avaliação. Parece-me evidente que faz sentido identificar um ponto a partir do qual as imposições orçamentais e de política económica feitas ao governo português por parte das instituições comunitárias tornam a saída da zona euro um cenário preferível à permanência. E naturalmente que nenhuma renegociação do memorando e nenhuma solução no quadro europeu é possível sem que essa hipótese seja considerada e colocada em cima da mesa enquanto argumento negocial. Parece-me, porém, que esse esforço de pensar cenários alternativos começou a dada altura a seguir caminhos cada vez mais tortuosos. Já aqui foi abordado o processo de nacionalismo banal, através do qual o recurso a figuras como «a Alemanha» ou «os alemães» contrapostas a «Portugal» ou «os portugueses» abriu caminho no espaço público e, sobretudo e mais preocupante, nos panfletos, cartazes, faixas e documentos produzidos pelos movimentos sociais. Infelizmente, é necessário assinalar que semelhante processo também impregna os raciocínios e argumentos de alguns defensores de uma saída da zona euro pelos países da periferia, como se pode ver neste artigo do economista Jorge Bateira ou neste do deputado do PS Pedro Nuno Santos. É verdadeiramente desconcertante constatar que, noutro artigo em que aborda a possibilidade de uma solução federalista para a actual situação, com muito menos riscos e maiores vantagens a curto prazo, Jorge Bateira a considere impossível devido à «visão que os alemães têm de si próprios e do seu lugar no mundo». Este nacionalismo banal é igualmente evidente no documento emanado do Congresso das Alternativas, iniciativa cidadã que congregou diversas pessoas de esquerda em Outubro do ano passado, cujo documento final se intitula, significativamente, Resgatar Portugal e que entre os cinco objectivos fundamentais de uma alternativa fez questão de incluir o de «dar voz a Portugal na Europa e no mundo».

Por outro lado, Costas Lapavitsas, que tem liderado a equipa da SOAS (School of Oriental and African Studies, University of London) que deu à luz este livro, admitia ainda em Junho do ano passado, numa entrevista ao jornal britânico Guardian, que uma solução europeia para a crise passaria pela profunda reconfiguração das instituições que governam a zona euro e por um plano à escala continental para promover a harmonização dos seus níveis de produtividade e competitividade. Existe por isso, entre os defensores de um abandono do euro, quem conceba diversas possibilidades e raciocine para lá do nacionalismo banal com quem convive paredes meias. É precisamente esse sector e os seus estudos, propostas e raciocínios que interessa submeter a uma crítica rigorosa, que leve a sério os seus argumentos e resista à tentação de os transformar em caricaturas. Neste artigo não me pronunciarei sobre as posições defendidas por João Ferreira do Amaral.

Retomando o documento final do Congresso das Alternativas, para o qual contribuíram diversos economistas que defendem uma saída da zona euro (desde logo, muitos dos que escrevem no blog Ladrões de Bicicletas), pode ler-se uma frase que se subscreve facilmente: «Na realidade, uma saída unilateral do euro teria certamente consequências pesadas, mas ninguém sabe, ou pode, calcular com rigor os custos e benefícios de uma tal opção face a outras alternativas». Ora, se ninguém pode calcular com rigor os custos e os benefícios não parece fazer muito sentido sustentar que uma saída do euro devolveria automaticamente competitividade às exportações portuguesas e permitiria reduzir o desemprego, como fazem muitos destes economistas aqui. O raciocínio inerente a uma saída da zona euro conduzida por um governo de esquerda (para simplificar, um governo comprometido com o programa mínimo da social-democracia clássica: a defesa do Estado-Providência, do pleno emprego e de uma distribuição dos rendimentos mais favorável aos trabalhadores assalariados) é relativamente simples. Existe um problema de competitividade externa das mercadorias produzidas em Portugal, devido a uma sobreavaliação da moeda única, e isso traduz-se em défices comerciais permanentes e no crescente endividamento face ao exterior para os compensar. Uma moeda nacional desvalorizada em 30% permitiria tornar competitivas essas mercadorias ao reduzir a sua estrutura de custos e viabilizaria ainda um acréscimo da produção nacional, através da substituição de produtos actualmente importados e que se tornariam mais caros após uma desvalorização monetária. Nessa base seria possível lançar uma estratégia de reindustrialização que permitisse reequilibrar a balança comercial, utilizando receitas do Estado subtraídas ao pagamento da dívida pública, promovendo um reforço substancial do mercado interno através da criação de novos empregos e de mecanismos de indexação dos salários e pensões à inflação. É fundamentalmente o que está presente nestes artigos de Octávio Teixeira (I, II). Alguns economistas socorrem-se ainda de exemplos de países que suspenderam o pagamento da sua dívida e que utilizaram a folga orçamental assim criada para promover o crescimento económico, reduzindo com sucesso as respectivas taxas de desemprego, como é o caso da Argentina e da Islândia.

Os exemplos apontados pecam, no entanto, por excesso e por defeito. A Argentina é um país de enormes dimensões, com recursos naturais muito consideráveis, inserido numa zona do planeta que está em franco crescimento económico e beneficiou muito do aumento dos preços de matérias-primas no mercado internacional. A Islândia tem pouco mais de 300 mil habitantes e um saldo da balança comercial tradicionalmente positivo, tendo a sua dívida resultado exclusivamente da falência de bancos privados. Por outro lado, se podem ser apresentados como exemplos de relativo sucesso no que diz respeito à suspensão do pagamento da dívida e à sua posterior reestruturação, nenhum destes países abandonou uma zona monetária supranacional. E se formos em busca de exemplos históricos nacionais, também não me parece difícil argumentar que os ganhos de competitividade obtidos em Portugal através de desvalorizações cambiais, nos finais da década de Setenta e nos inícios da década de Oitenta, corresponderam sobretudo a quebras do poder de compra dos trabalhadores assalariados.

É por isso necessário esclarecer se por trás da estratégia soberanista não permanece, escondido e envergonhado, o pressuposto mal esclarecido de uma quebra do poder de compra dos salários, como uma espécie de mal menor justificado pela expectativa de um crescimento económico a médio prazo. Nesse caso veríamos a esquerda a defender a austeridade que agora vitupera e a prometer que os sacrifícios de hoje seriam o preço a pagar pela prosperidade de amanhã. É ainda necessário dizer que projecções económicas como as que aqui avança Octávio Teixeira têm o inconveniente de pressupor que todos os outros factores permanecem inalterados e que um agravamento do preço dos combustíveis importados teria um impacto residual sobre os preços no mercado interno. Quando afirmam que uma parte das importações seria substituída pela produção nacional, os defensores da soberania monetária também não parecem muito preocupados com o facto dessa substituição implicar tendencialmente um preço de produção mais elevado do que aquele a que são actualmente vendidos os bens importados. Não só seria mais custoso comprar combustíveis e maquinaria importada, como o próprio custo da alimentação seria à partida mais elevado e absorveria uma parcela mais elevada dos salários.

Se a tudo isto somarmos as eventuais represálias dos credores em caso de incumprimento (o ouro português depositado em instituições externas é o exemplo mais óbvio), as mais do que prováveis medidas de proteccionismo alfandegário por parte dos países afectados por uma desvalorização cambial de um país da periferia e os efeitos potenciais de um colapso da zona euro sobre os mercados que habitualmente recebem as exportações portuguesas, o quadro optimista de um acréscimo de competitividade por via do abandono da zona euro fica um pouco menos luminoso. Há ainda a possibilidade real de uma onda de pânico, fácil de antecipar à luz do alinhamento da maioria dos órgãos de comunicação social em Portugal, capaz de provocar uma corrida aos depósitos, um alastramento de fenómenos de entesouramento e práticas de sub e sobrefacturação, que nenhum sistema de controlo de capitais pode efectivamente impedir num Estado de Direito democrático, gerando a necessidade de um permanente crescimento da massa monetária e da inflação correspondente, tornando-a muito superior aos 8 ou 9% previstos por Octávio Teixeira. A tudo isto pode responder-se com um vasto processo de nacionalizações concentrado no sector financeiro e nos monopólios/oligopólios do sector energético e dos combustíveis, mas percebe-se mal como é que isso se pagaria ou como é que se evitariam sanções económicas gravosas caso não se pagassem.

A partir do momento em que todos concordamos que a política e a economia não podem ser separadas e que há — no quadro do capitalismo — algumas alternativas mais perniciosas do que outras, alguns contextos mais favoráveis do que outros para combater a exploração e assegurar um patamar de vida digna para todos, o debate sobre as vantagens de ter uma moeda própria não pode dispensar a avaliação de qual será o preço a pagar, quem o pagará e quem dele irá beneficiar. De um ponto de vista de classe, a questão da dívida pública, do défice da balança comercial e da competitividade das exportações de bens produzidos em território português é absolutamente secundário relativamente aquela outra, central e decisiva, de saber o que é que se pode ou não comprar com os rendimentos do trabalho (e incluo aqui as prestações sociais). Até ver, o único argumento visível dos soberanistas de esquerda nesse plano diz respeito à possibilidade de levar a cabo uma política de pleno emprego, combatendo um dos elementos fundamentais da actual compressão salarial. É sem dúvida relevante, mas está longe de ser o único e nada nos garante que uma saída da zona euro permita relançar o investimento em Portugal com medidas orçamentais expansionistas e a perspectiva de um mercado interno protegido no plano cambial.

O cenário de um abandono da zona euro não é necessariamente catastrófico e até pode vir a revelar-se o menor dos males num futuro próximo. O que não parece muito razoável é evitar uma discussão rigorosa acerca dos perigos que comporta, do preço que implica e de quem será chamado a pagá-lo. Dizer, sem mais, que a questão nacional e a questão social estão hoje profundamente interligadas (como faz aqui o João Rodrigues) é uma forma subtil de contornar a segunda. Falar em blocos históricos e políticas de alianças que juntem na mesma frente patrões e assalariados é brincar com coisas sérias e perigosas, porque semelhante programa político e social tem atrás de si um passado repleto de esquinas sinuosas. É com inteira consciência do peso que esta palavra carrega que me parece oportuno sublinhar, enfatizar, insistir e gritar bem alto que o fascismo entrou por essa janela sempre que não encontrou a porta escancarada. Na sua formulação teórica como nos seus usos concretos, a soberania é um beco sem saída para quem vive do seu trabalho.

Parece-me no mínimo insólita a assunção de que a União Europeia seria um bloco monolítico ou que corresponderia fundamentalmente às elites políticas e económicas que a governam, como se nela não existissem milhões de trabalhadores igualmente explorados e capazes de materializarem uma alternativa não apenas à austeridade no curto-prazo como ao capitalismo no médio e longo prazo. Uma articulação das resistências e dos conflitos sociais à escala continental — não uma soma de várias lutas nacionais, note-se bem, mas uma luta conduzida sem fronteiras — produziria desde logo deslocações ao nível da correlação de forças dentro das instituições europeias, retirando margem de manobra aos falcões do Banco Central Europeu e outras aves raras do ajustamento estrutural. Mesmo do ponto de vista de quem não raciocina para lá de uma solução reformista, haveria todas as vantagens em fazê-lo a essa escala. Mas do ponto de vista de quem se bate pela superação do capitalismo, a hipótese nacional-desenvolvimentista é a pior de todas, quando defendida num país de pequenas dimensões, com uma história secular de dependência face ao exterior e sem recursos naturais que se conheça.

Desse ponto de vista, a argumentação dos economistas que vêm defendendo uma solução nacional para a crise tem permanecido no terreno da ambiguidade. Se uma medida de política económica implicar várias outras — por exemplo, se uma renomeação da dívida na nova moeda implicar a nacionalização da banca, se uma política de relançamento implicar intervenções no sector energético, se uma política de rendimentos implicar o tabelamento de preços, etc — é importante saber se o bloco nacional-popular de alianças vagamente equacionado a consegue sustentar. Poucas coisas seriam piores do que um processo destes conduzido aos solavancos, repleto de hesitações, que nos levasse de volta ao Verão de 1975 e nos presenteasse uma reencarnação de Vasco Gonçalves a garantir que não há terceiras vias nem meias medidas e que ou se está com a revolução ou se está com a reaccção. Infelizmente, os discursos de quem defende o abandono da zona euro não parecem ter plenamente em conta a experiência do processo revolucionário português e da sua derrota. Bem sei que não existe a esse respeito qualquer tipo de fatalidade, mas um aspecto permanece actual menos de quarenta anos depois: o grande problema do socialismo de miséria é que ao fim de algum tempo só sobra a miséria. A soberania não nos tira deste buraco.

Nota

[*] E com isto não pretendo tão pouco afirmar que o termo «nacionalista de esquerda» é equivocado ou errado ou sequer inapropriado; apenas desejo que a semântica não esgote a discussão política propriamente dita.

12 COMENTÁRIOS

  1. “O que não parece muito razoável é evitar uma discussão rigorosa acerca dos perigos que comporta, do preço que implica e de quem será chamado a pagá-lo.”

    Porque é que você não aplica este seu zelo à permanência no euro? O que significa permanecer no euro sem capacidade de financiar a economia? Você já pensou que Portugal e a Grécia poderão estar já em processo de remoção do euro precisamente por via dos programas troikistas actuais? Você já colocou ao menos a hipótese de que a Alemanha e mais alguns poderão querer-nos fora do euro, a nós e a mais alguns? E isto não é teoria da conspiração é apenas um cenário que qualquer pessoa minimamente razoável tem que colocar. Porque razão não há nenhuma inversão na política comum mesmo depois de já se ter visto o desastre que são estes programas? Porque é que não analisa a permanência no euro. De preferência sem estar a contar com os demais países a subsidiar a economia portuguesa. O federal-fascismo não vai resolver as contradições nacionais nem económicas, eu argumento que a prazo as vai agravar. Bastará a primeira crise séria para que a proximidade demasiada se possa tornar em despeito.

  2. «Você já colocou ao menos a hipótese de que a Alemanha e mais alguns poderão querer-nos fora do euro, a nós e a mais alguns?»

    Estes argumentos são puramente idiotas. Alguém minimamente racional acha que os capitalistas do resto da europa iriam emprestar centenas de milhares de milhões de euros a Portugal ou à Grécia quando supostamente poderiam ter logo expulso dois pequenos países irrelevantes da zona euro? A questão que os defensores do euro esquecem é que Portugal e a Grécia só valem enquanto parte de uma zona económica e monetária integrada e não enquanto economias isoladas. Se elas valessem como pequenas economias nacionais que poderiam sair do euro como quem entra e sai por uma porta, então é mais do que óbvio que já teriam sido expulsas do euro. Ora, mas como o caso não é este, Portugal e a Grécia mantêm-se no euro, porque o que está em causa não são duas economias nacionais que em si mesmas são irrelevantes, mas porque elas são parte de um organismo económico transnacional e que as consequências da sua saída afectariam todo esse organismo. As consequências da saída de um desses mini-países seriam não só imprevisíveis como o mais provável seria uma desarticulação do sistema bancário europeu seria colossal. Não por acaso os estudos que colocam a unidade de análise no plano transnacional (que é o plano onde ocorrem as modulações económicas na actualidade) têm demonstrado o contágio e os efeitos recessivos muito mais profundos sobre toda a Europa, e com efeitos nos EUA e nas economias emergentes, que a saída de um pequeno país acarretaria. Inversamente os estudos feitos pelos idiotas que defendem a saída do euro são sempre construídos como se não existisse realidade para além de Vilar Formoso e assim pudessem isolar efeitos económicos que vão sempre para além da sua pátriazinha…

    João, você acha que consegue rebater artigos com comentariozinhos… E depois utiliza um tipo de argumentação apenas sustentada em afirmações categóricas sem nunca as justificar: “eu argumento que a prazo as vai agravar”. Isso é o seu desejo, isso é pura manifestação de intenções, não tem absolutamente nada de relação com dados da realidade concreta. Você argumenta? Baseado em quê? Não se lhe conhece qualquer escrito sustentado em dados empíricos, apenas na sua ideologia. Ora, você e os seus amigos nacionalistas estão para a ciência e para o avanço do conhecimento como os tarólogos estão para a medicina. Em suma, parafraseando-o de novo, você é um metafísico.

    Veja se tem algum método científico em vez de se dedicar a debitar a cartilha. Até lá, passar bem.

  3. Qualquer estadista minimamente inteligente coloca esses cenários em cima da mesa, há até a “Game Theory” para vir em auxílio deste tratamento. Mas enfim você vive no mundo da lua. Você nem sabe que um país não pode ser expulso do euro, que não há nos tratados nenhum mecanismo para isso.

    Quanto ao mais, o crescimento da extrema-direita na europa é notório, inclusive na zona euro.

    Outra hipótese a considerar é que haja planos dos países ricos para substituirem a mão de obra barata, nos empregos que os nacionais já não querem fazer, por pessoal do sul da europa, ou seja, menos africanos mais portugueses. Mas duvido que você as coloque. Para você os outros não são senão amiguinhos que pensam tanto no nosso bem como pensam no deles. Aliás basta olhar para o mundo e ver que é só amor e amizade.

  4. “Não por acaso os estudos que colocam a unidade de análise no plano transnacional”

    – sim, não é por acaso também que esses estudos estão perfeita e completamente vinculados à mundividência capitalista e que todas as categorias de análise de que se serve são categorias capitalistas.

  5. É que os estudos nacionalistas não defendem um capitalismo ainda mais arcaico e ainda mais atrasado…

  6. “E depois utiliza um tipo de argumentação apenas sustentada em afirmações categóricas sem nunca as justificar: “eu argumento que a prazo as vai agravar”. Isso é o seu desejo, isso é pura manifestação de intenções, não tem absolutamente nada de relação com dados da realidade concreta.”

    – acho isto muito engraçado. Você vem propor que os povos se desapeguem de preferências especiais em relação a seus países, ou seja, vem propor o que não existe, uma vez que os povos têm preferências especiais pelos seus países e os outros é que manifestam apenas intenções e desejos. Todo o seu discurso é fundado no dever-ser, ou seja, ao mesmo tempo no que não é; excepto é claro no que respeita às necessidades do capitalismo que são as únicas que você respeita.

    A razão para os povos aceitarem o federalismo não é menos patriotismo mas a esperança de que daí venha mais capacidade económica – o patriotismo portanto vai manter-se, sendo que o problema será a próxima crise, a próxima onda de acentuação de desigualdades na UE mesmo federalista.

    Nos EUA há Estados que são, na prática, subsidiados por outros Estados, por políticas centrais, mas o EUA são um país com um povo que se reconhece como americano acima de tudo; na UE não é nada assim e, portanto, não há hipótese de haver estados subsidiados por outros a não ser nas mais severas condições e mesmo assim não indefinidamente.

  7. João escreve que «o EUA são um país com um povo que se reconhece como americano acima de tudo». Pois. Mas todos deviam saber porquê. Porque há um século e meio os norte-americanos travaram uma guerra civil extremamente mortífera, aliás a primeira guerra de mobilização global de tipo moderno, em que os yankees se impuseram aos sulistas e com isso começaram a criar um povo único. Apenas começaram, porque há meio século foi a grande luta dos negros pelos direitos cívicos que proporcionou outro avanço nessa fusão cultural. Do mesmo modo se pode estudar o processo complexo constituído pelas várias tentativas de federação europeia, desde as guerras napoleónicas.

  8. Que as pessoas nascidas ou residentes nos EUA se ‘reconheçam’ como ‘povo americano’ é compreensível, numa [zoo]lógica [patri]ótica etnocêntrica.
    Que pessoas nascidas ou residentes em outros países mimetizem tal ‘reconhecimento’ é mera subserviência ideológica. As Américas são três, com seus inúmeros países. Americano, porém, só quem nasce nos EUA…
    É a sinopse da doutrina Monroe: EUA = Estados Unidos da América; o ‘resto’ = América dos Estados Unidos.

  9. “Insofar as the bourgeoisie of the oppressed nation fights the oppressor, we are always, in every case, and more strongly than anyone else, in favour, for we are the staunchest and the most consistent enemies of oppression. But insofar as the bourgeoisie of the oppressed nation stands for its own bourgeois nationalism, we stand against. We fight against the privileges and violence of the oppressor nation, and do not in any way condone strivings for privileges on the part of the oppressed nation.

    If, in our political agitation, we fail to advance and advocate the slogan of the right to secession, we shall play into the hands, not only of the bourgeoisie, but also of the feudal landlords and the absolutism of the oppressor nation. Kautsky long ago used this argument against Rosa Luxemburg, and the argument is indisputable. When, in her anxiety not to “assist” the nationalist bourgeoisie of Poland, Rosa Luxemburg rejects the right to secession in the programme of the Marxists in Russia, she is in fact assisting the Great-Russian Black Hundreds. She is in fact assisting opportunist tolerance of the privileges (and worse than privileges) of the Great Russians.”

    Lenin. V.I., “The Right of Nations to Self-Determination”, Cap.IV:

    http://www.marxists.org/archive/lenin/works/1914/self-det/ch04.htm

  10. “Que pessoas nascidas ou residentes em outros países mimetizem tal ‘reconhecimento’ é mera subserviência ideológica”

    Ridículo. Camões já falava no amor à pátria quando os que são os norte-americanos, que você diz que imitamos, ainda e apenas baloiçavam de um lado para o outro nas bolas dos tataravôs.

  11. Ridículo é referir-se a baloiçantes testículos avoengos à guisa de argumentos. Pobre Camões…

  12. Esclareço que estou à disposição de todos os leitores que queiram debater o que escrevi e os problemas relacionados com a saída ou a permanência na zona euro.
    Temas como o sentimento nacional nos EUA ou o debate entre Lenine e Rosa Luxemburgo sobre o direito dos povos à auto-determinação terão todo o seu interesse, mas não cabem no âmbito deste artigo.

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