Luto não só por uma sociedade livre da exploração económica e da opressão política, mas também por uma sociedade em que as pessoas se sintam livres das culpas e dos impedimentos ao prazer. Por um Homem Anónimo

Existe um feminismo de antiga tradição, originário do século XIX, que reivindicava a igualdade das mulheres aos homens no plano salarial, no plano político, com o direito de voto, e no plano social, com a igualdade de tarefas. Foi este feminismo que a esquerda socialista e comunista adoptou e prosseguiu.

Este feminismo não se extinguiu entre as camadas populares, e a igualdade de direitos dos dois sexos passou a constituir uma aspiração incontroversa de praticamente todas as mulheres. Mas ele subsiste hoje de maneira apenas prática, sem ser formalizado ideologicamente pelas intelectuais orgânicas de serviço, que no interior das universidades já conquistaram há muito a igualdade económica e social e pouco se preocupam com a situação das trabalhadoras.

O feminismo que hoje se tornou hegemónico nos meios universitários brasileiros, tanto nos departamentos de estudos de género como entre movimentos políticos de base estudantil, e que talvez não tarde muito a pôr a cabecinha de fora em Portugal também, é completamente diferente.

Este novo tipo de feminismo não provém dos meios populares e fabris nem das ambições de emancipação económica e social. Provém dos meios religiosos puritanos dominantes nas camadas sociais médias dos Estados Unidos, onde a moda nasceu e de onde se expandiu.

Desta sua origem religiosa e puritana este tipo de feminismo traz duas características distintivas.

Por um lado, traz a noção religiosa do pecado original e do inerente complexo de culpa, lançados como um anátema sobre todos os homens. O pecado original dos homens é precisamente terem nascido com pénis e testículos, o que lhes conferiria uma propensão de violência e de autoritarismo, em suma, uma propensão de machismo, contra a qual teriam de lutar permanentemente e durante a vida inteira se quisessem ser aceites pelas feministas num plano menos degradado.

Por outro lado, aquele tipo de feminismo traz a noção puritana de que o sexo está no centro de todos os problemas e é a origem de todo o mal. Mas como este puritanismo passou a vigorar num contexto em que o pecado original é exclusivamente masculino, a perversidade do sexo resume-se ao pénis erecto. As primorosas manifestações civilizacionais formadas em torno da relação sexual entre mulheres e homens, as recíprocas estratégias da sedução, as artes do prazer, são transpostas para os termos de uma agressão, em que seria o homem o agressor e a mulher a vítima.

A conjugação destas duas características lança um ambiente de pesadelo sobre esse tipo de feminismo, os homens tentando libertar-se de uma culpa que sempre os persegue, porque lhes seria inerente; e as mulheres tentando proteger-se entre si de uma sexualidade que emana delas tanto quanto dos homens, mas que a nova moda feminista entende como uma submissão a um vencedor. Nos termos deste novo puritanismo, a homossexualidade deixou de ser uma propensão ou um gosto para se converter numa autodefesa e num dever de militância.

Há quem instale grades nas janelas para se proteger dos ladrões e afinal fez uma prisão para se encerrar. Não há espaços seguros. Há pessoas inseguras. E tanto mais inseguras ficarão quanto mais seguros julgarem que são os espaços.

No plano da ideologia, porém, nada sucede sem uma utilidade prática, neste caso utilidade para alguns, que são algumas. Aquele novo tipo de feminismo é útil para quem usa a culpa lançada sobre os homens para os manipular e conduzir, segundo a velha técnica empregue pelo clero nas épocas áureas do cristianismo, com outras culpas, mas com o mesmo efeito. Não há diferença entre o mea culpa e a exigência de autocrítica permanente. Este tipo de feminismo é igualmente útil para quem usa o medo lançado sobre as mulheres para lhes suscitar a devoção de fiéis seguidoras e as confinar em espaços, o que reproduz a metáfora religiosa do pastor — uma pastora, neste caso — e das ovelhas, e com idêntico efeito. O puritanismo, que no seu íntimo é o medo do outro, move estas mulheres a criarem espaços autoconcentracionários, com as suas hierarquias próprias.

Não é por isto que eu, um anticapitalista, luto. Mais. É contra isto que luto.

Luto por uma igualdade económica, política e social de todos os seres humanos, qualquer que seja o seu sexo.

Luto contra a tentativa de introduzir uma nova desigualdade entre os seres humanos, contra o agravamento das diferenças entre as mulheres e os homens mediante o recurso aos velhos mecanismos religiosos, transpostos para o plano laico da sociedade actual.

Não abolimos um padrão de moral sexual para irmos agora sofrer a imposição de outro padrão, que é o avesso do anterior. Luto não só por uma sociedade livre da exploração económica e da opressão política, mas também por uma sociedade em que as pessoas se sintam livres das culpas e dos impedimentos ao prazer, quaisquer que sejam esses prazeres e com quem quer que sejam.

As ilustrações deste artigo representam duas versões de O Pesadelo, de Füssli, uma de 1781 e a outra dez anos posterior.

19 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom! Já chegou a hora de desmascarar esse feminismo sexista que existe por aí. As feministas não estão nem aí pra mulher negra e pobre que apanha na quebrada do marido que bebe, que é assassinada, etc. Esse feminismo que se propagou é uma modalidade de discurso e organização protofascista, moralista, conservadora e religiosa. As feministas funcionam como as Ligas Anti-Sexo descritas por Orwell em 1984. São verdadeiras polícias sexuais de habitos. Perdem seu tempo a policiar as roupas, cabelos, profissões das mulheres. E a censurar a sexualidade alheia. Daqui a pouco vão fazer como os mulás islâmicos e criar manuais de práticas sexuais aceitas e proibidas, ditando que posições as pessoas devem transar, proibindo modalidades de coito “antinaturais” e etc. Isso não é feminismo classista, é fascismo. Não luto por isso e não defendo isso.

  2. Esse comentário da Julia – que creio não ser um “machito de bosta” – me fez lembrar de dois casos.

    1) Professora universitária. Feminista acadêmica, candomblecista e antirracista. De sua condição antirracista, ela, que é branca, assume-se uma “mulher negra”. Afinal, a questão que vale pra ela é a identitária, e se ela se acha uma mulher negra, ela é. E assim ela dá um jeito na culpa de ter nascido branca. Contra o moralismo cristão, ela que já foi Testemunha de Jeová é agora candomblecista (e para espanto, nos búzios seu orixá de cabeça não é um desses representados pela porção feminina). Já foi casada e tem um filho, mas assumiu-se homossexual e é nos bares lésbicos em que se sente mais à vontade, longe da sociedade machista e “heteronormativa”. Longe da opressão masculina no lazer, porque ela ainda mora nos fundos da casa de seu ex-marido, por onde deve passar antes de sair à rua. Aliás, um dia indo para o trabalho, teve um problema em seu carro. Era problema simples mas não conseguia resolver sozinha, porém em vez de ligar para alguma amiga, namorada ou na empresa de seguros, o impulso foi de chamar o ex-marido. Tudo bem, se há uma contradição aí, foi sanada na justificativa de que homem tem que ser útil em alguma coisa. Ainda assim, em suas aulas, os discursos eram apaixonados no sentido de que “as meninas precisam confiar mais em si mesmas e não depender dos meninos”;

    2) Marchas feministas que unem mulheres de todas as origens. Ali, qualquer tipo de diferença é apaziguada com algo que as une: o fato de serem mulheres. Muitas ali só vão para as ruas nessa marcha mesmo. Há até coletivos feministas em que cabem mulheres de classes antagônicas! O que me lembrou agora é o caso de uma moça feminista, membro de coletivo, que luta contra a opressão machista do pai e da sociedade que reprime suas formas “fora do padrão”. Agora, nem queiram imaginar (e nem sei se ela conta isso no coletivo) como ela tratava suas “inimigas”, ou como falava de uma amiga sua que era mais pobre e menos bonita… ou melhor, nem queiram imaginar o que ela sempre falou sobre mulheres pobres, “pretinhas do cabelo alisado” ou “de cor parda igual envelope”. Pior ainda, e aí acho definitivamente que ela não expõe no coletivo feminista, nem queiram imaginar como ela (filha de grande gestor) tratava suas empregadas domésticas em sua casa de grande condomínio fechado. Não importa, essas relações profissionais devem ser superadas pela questão que faz com que essa moça rica esteja no coletivo feminista: a opressão dos homens contra as mulheres.

  3. Pelo menos os últimos textos do Passa Palavra apesar de mostrarem claramente que não entendem o feminismo eram bem escritos. Esse é altamente mal escrito, não gera nem uma discussão interessante. É o texto de alguém que simplesmente não entendeu, não está fazendo uma crítica realmente.

  4. Me solidarizo com esse texto. Tambem não me sinto representada pelo feminismo de classe média. Que aliás, não tem base nenhuma nas mulheres mais pobres. Que se transforma num machismo às avessas, em sexismo, em mais uma forma de gerar discriminações. Que não tem NADA, repito, NADA de prático em socorrer as mulheres vítimas de violencia doméstica; até certas igrejas evangelicas prestam socorro melhor a estas mulheres, é duro de admitir mas é verdade. Essa é a miséria das esquerdas. A geração de estereótipos, critica social superficial e vulgarizada, combater a opressão gerando novas cisões, esvaziar o classismo através de políticas identitarias des-socializantes… querer combater opressão simplesmente invertendo as relações. Criar novos nichos de poder, chefes de grupos, novas hierarquias mandonistas, que criam sim opressão sobre as proprias mulheres. Já tive amigas trabalhadoras que foram censuradas por colegas feministas apenas por usar vertido ou cuidar do cabelo. Vira ingerência na estética e na vida privada alheia. Qual a diferença entre isso e Testemunha de Jeová, ou fundamentalista cristão?

  5. Reflexões sobre algumas coisas que para mim ficaram nítidas a partir dos textos sobre feminismo publicados no Passa Palavra este ano e as reações/respostas a eles postadas como comentários no próprio site e em outros lugares pela internet:

    Independentemente de eu não concordar integralmente ou mesmo não ter opinião formada em alguns casos sobre o conteúdo, a forma ou a metodologia utilizada nos artigos, o que salta aos olhos e parece de grande relevância são os comentários e a reações a eles, principalmente de supostas feministas.

    Primeiro, fica nítido que, apesar dos textos deixarem claro que existe mais de um feminismo (eu diria até que da mesma forma que existe mais de um socialismo), a indignação que prevalece vinda de um certo meio (de perfil classe média ou estudantil) é como se a crítica a um certo feminismo fosse uma crítica a todo feminismo. Ora, não é possível que mulheres universitárias, que defendem teses e TCCs desliguem o cérebro e não consigam ter esse tipo de discernimento, e se sintam atacadas enquanto ‘feministas’ (seria o mesmo que um socialista libertário se sentir ofendido quando se critica o socialismo autoritário ou o socialismo nacionalista, ou vice-versa). Algo semelhante pode ser constatado pela indignação da indicação de haver uma pauta oculta dentro de um certo feminismo que foi categorizado como “excludente”. Parece que muita gente, estranhamente, vestiu uma carapuça, e sentiu as dores como se seu feminismo fosse esse “excludente”.

    O que expus no parágrafo anterior me leva à seguinte conclusão: essa indignação parte de feministas que ou percebem o seu feminismo como excludente, ou que defendem que o feminismo seja excludente (menos provável), ou que simplesmente pensam o feminismo no singular, e portanto não conseguem diferenciar uma crítica a um feminismo de uma crítica a todo feminismo. Me parece que esse último caso é o que prevalece. Interessante nesse sentido é que acusam justamente de não entenderem nada de feminismo exatamente aqueles que enxergam a existência de diversos feminismos. Seria risível se alguém que não consegue distinguir entre anarquistas e stalinistas, entre a Comuna de Paris e a URSS, acusasse esses que enxergam essas distinções de ‘não entenderem nada de socialismo’. Era possível questionar a categorização, a separação entre um feminismo excludente e um não-excludente, mostrando que essa divisão não apreende bem a realidade por tais e tais motivos, mas não, não foi isso que foi feito.

    O comentário acima de Eli é bastante típico. Não apresenta nada, nem mesmo na forma de crítica. É o puro e simples ‘não gostei’. E na falta de argumentos muitas vezes parte-se para a ridicularização (não é o caso do comentário de Eli) dentro do seu meio estrito, o que reforça a identidade, mas não faz avançar nada em esclarecimento.

    De onde então eu me pergunto: qual o motivo de tal indigência intelectual quando se trata de defender posições e idéias que parecem ser tão caras?

    Minha hipótese é que nesses meios na verdade nunca se discutiu relações de gênero. “Gênero” acabou sendo simplesmente uma palavra para designar uma opressão autoevidente da mulher enquanto mulher na sociedade. Aos homens pouco ou nada interessou entrar nessa seara, em parte porque percebem um sexismo no qual eles sempre estarão em posição de inferioridade, como culpado, opressor etc. Em parte porque divergir de certas posições ‘feministas’ seria entrar numa discussão e desgaste que não valeria a pena. Por conta disso o(s) feminismo(s) nesses meios de classe média/estudantil se tornaram autocentrados, e se nunca havia sido questionado do exterior, não havia também necessidade ou motivação de desenvolver o pensamento e argumentação sobre ele. Quando foi questionado, a fragilidade e a indigência intelectual decorrente foram expostas. Há um despreparo completo para discutir de fato relação de gênero e feminismo, por parte dessas feministas. E discussão no sentido de argumentos racionais, e não repetição de clichês, que sempre se sustentaram porque ou nunca foram questionados externamente para não criar incômodos, ou sempre foram voltados para o próprio grupo de feministas.

    O costume da ausência de autocrítica, autorreflexão sobre posições e práticas que resulta nessa indigência intelectual ficou por diversas vezes evidentemente nos comentários ao dar vazão ao senso comum ou ao preconceito (machista) mesmo, quando por exemplo foram se dirigir aos homens num texto que foi escrito por uma mulher.

    Esse autocentramento e fechamento leva a um círculo vicioso onde a racionalidade fica cada vez mais excluída. Evidentemente sempre aparecem pessoas para se aproveitar desse caldo, fácil de manipular justamente porque a razão é elemento escasso.

  6. Deplorável! Inacreditável ler um texto desses num blog que sempre pareceu um espaço sério.

    O texto é pura e simplesmente uma sucessão de mentiras e ressentimentos. O autor claramente nunca leu ou ouviu seriamente as questões feministas atuais. Fala exatamente no mesmo tom em que costumo ouvir reacionários ressentidos falando de marxismo e comunismo: uma sucessão de impropérios sem nenhuma conexão com a realidade revelando a mais banal agressividade gratuita. Não por acaso o texto é anonimo.

    Numa coisa apenas ele tem razão: a questão do feminismo hoje não é mais somente igualdade econômica e social, é igualdade no direito ao prazer, à liberdade, ao pleno desenvolvimento humano, das capacidades e aspirações subjetivas. E isto para mim sempre foi também o verdadeiro objetivo do comunismo.

  7. Algo parecido não ocorre hoje no Brasil com o movimento negro e política de cotas adotadas nas universidades? Qual a opinião do autor?

  8. Se alguém queria mais um exemplo do que procurei apontar no meu comentário, o da Mariana Bedran Lesche é praticamente perfeito.

    Ela não consegue discernir que o texto faz uma crítica a um tipo de feminismo, e não ao feminismo como um todo. Mariana parece se ofender uma vez que não consegue fazer essa distinção, ou se consegue, tenta fazer passar uma crítica ao seu feminismo como se fosse uma crítica a todo feminismo. Além disso o comentário (des)qualifica o texto mas não argumenta contra ele.

    Independente de concordar ou não, ou até que ponto,com esses textos sobre feminismo publicados no PP, o fenômeno importante e interessantíssimo é essa indigência intelectual apresentada por essas feministas universitárias indignadas.

    Acrescento ainda que penso que os homens ‘deixa para lá’ essas discussões dentro dos movimentos e grupos políticos que fazem parte da mesma forma que não discutem seriamente “religião e futebol”. Artigos de fé, e não de razão, só criam brigas. Esse feminismo, ou essas feministas, parecem professar uma fé, muito pouco capazes de refletir sobre práticas.

    É mais fácil e menos conflituoso discutir a inexistência de Deus com uma namorada crente do que discutir pingos no ‘is’ desse feminismo com namoradas estudantes.

  9. SOBRE OS COMENTARIOS:

    Não me representa essa luta da classe média, ops: professora, se considera negra mais é branca!!!! OPSSSS VC É CLASSE MÉDIA!!!

    perai…td bem! qual o dialogo q vc mantem com mulheres trabalhadoras, pobres, marginalizadas? NENHUM!
    VC TA NO FUNDO DA BIBLIOTECA!

    pior que a classe média…e a classe média dita revolucionaria que se apropria de discursos sobre pessoas q nem conhece! que nem tem interesse em conhecer a joana a maria, são somente AS OPERARIAS!
    pq as operarias….

  10. quanta arrogância, lala!
    que tipo de acusação é essa de “fundo de biblioteca”? Você está insinuando que conhece todas as pessoas que aqui comentam e o que elas fazem de suas vidas? E usa essa insinuação para rebater os argumentos?
    Como bem disse o tal Operario Gay, haja indigência argumentativa!

  11. “O mais pequeno-burguês de todos os fenómenos, a bisbilhotice, só acontece porque as pessoas não querem ser mal entendidas. O caráter destrutivo deixa que o interpretem mal; não fomenta a bisbilhotice.” WALTER BENJAMIN

  12. Acho as considerações do Operário Gay importantes na medida em que separam os feminismos, assim como acontece com os socialismos. Partilho deste raciocínio, pois me considero feminista e socialista, e o texto não me representa. Ao contrário do que ele coloca, busco um feminismo não-burguês, que atinja as Joanas e Marias, e no meu dia-a-dia é este meu norte dentro do movimento social. E fazendo parte da universidade também, acho que ela deve potencializar de uma vez por todas seu elo com a sociedade, no seu “um terço-ação da tríade ensino-pesquisa-extensão”.

    Mas reitero que, respeitando as reflexões do texto sobre um tipo de feminismo, ele não representa todas as mulheres que estão pelo país afora e adentro buscando igualdade de direitos e oportunidades.

    Pelo feminismo libertador e anti-capitalista!

  13. Lendo este comentário da Mafalda Cerrado eu fiquei com a impressão de que talvez ela esteja com os olhos cheios de terra (a seca do cerrado deixa a poeira a suspensa, deve ser isto) e por isso acusou o autor de não fazer as ponderações que o texto se dedicou a fazer o tempo todo.
    Mas concordando com a autora, não representa mesmo, nem as mulheres e nem os homens.

  14. Pelos acasos do Google, e quando procurava uma coisa muito diferente, encontrei hoje, num site aparentemente dedicado ao Tarot, um artigo sobre o feminismo e a pós-modernidade.
    Depois de afirmar que as teses obreiristas e anti-ecológicas do João Bernardo estão ultrapassadas pelo fim da cadeia de montagem e pelo buraco no ozono, a autora explica que o alvo não é mais a exploração do homem pelo homem e passou a ser a exploração do homem sobre a mulher e sobre a natureza. Nesta perspectiva, a autora dá um passo adiante e, relegando os homens para os céus, radica as mulheres na natureza. Escreve ela: «E esta associação entre o feminino e a natureza no campo político é uma das características culturais da pós-modernidade que mais seria preciso acentuar. No paradigma patriarcal, o discurso feminino estava sempre ligado à necessidade, à terra, à explicação; enquanto o masculino reconhecia-se no sonho, nos céus e no planejamento do futuro. Talvez por isso, o materialismo tenha sido tão invocado pelas classes dominadas e os mitos tenham tantas vezes sido considerados ideologia das classes dominantes – porque essas funções discursivas da linguagem enraizavam-se em um paradigma arcaico da própria dominação ao nível das relações de gênero». E o artigo termina com uma espécie de declaração de princípios: «É a projeção do feminino, como esposa, filha, mulher ou como a Natureza. Representa a Beleza, a capacidade de interligar o espírito à matéria, o domínio do poder feminino, mais flexível e baseado em instintos e sentimentos». Ele aí vem, portanto, «o domínio do poder feminino».
    Quem julgar que inventei, por favor leia:
    http://coroa.tripod.com/F3.htm

  15. Este Manifesto denuncia a origem religiosa e puritana do tipo de feminismo que está hoje em voga. Na minha juventude a Suécia era para todos nós o modelo da crítica prática ao puritanismo. Foi lá que a nudez integral começou a ser representada em revistas que não se vendiam por debaixo do balcão e que as imagens dos filmes deixaram de parar por cima dos lençóis. A Suécia representava aquele antimoralismo que nos anos sessenta quisemos implantar por todo o lado. Agora, passado meio século, leio (http://www.thelocal.se/20131219/house-speaker-removes-painted-breasts ) que, devido a uma intervenção da sua vice-presidente, a social-democrata Susanne Eberstein, o parlamento sueco decidiu remover um quadro de um obscuro pintor do barroco, em que a deusa Juno expunha entre gazes uns pequenos e castos seios. «Trata-se sobretudo de uma questão de feminismo», explicou a senhora Eberstein. «É cansativo [olhar para] uma mulher de peito nu quando participo em jantares oficiais com convidados estrangeiros. Penso que é um tanto desagradável sentar-me ali com homens que estão a olhar para nós, mulheres».
    Vamos rindo caso a caso, dizemos que é ridículo e encolhemos os ombros. Mas se o ridículo nos cercar por todos os lados deixará de ser ridículo e será um perigo. Ora, quando uma coisa destas ocorre na Suécia, não é já tarde demais?

  16. Sobre o último comentário de João Bernardo, isso sem contar a esquizofrenia da coisa.
    Uma hora, empunhando o “feminismo” ou um anti-machismo, grita-se contra a nudez feminina, para no momento seguinte, empunhando também um “feminismo” (o mesmo ou outro) gritar pela nudez feminina.
    Se o sujeito é a favor da nudez feminina é machista, se é contra, também é machista. Não há saída.

    O que me espantou profundamente essas semanas foi a seguinte notícia: http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2013/12/131204_prostituicao_franca_mm.shtml

    Se tal lei tivesse sido apoiada por partidos historicamente conservadores seria compreensível. Mas não, foi iniciativa do Partido Socialista. Claro, com amplo apoio de feministas. Chegou a um ponto em que a “esquerda” superou o conservadorismo, pois o que essa “esquerda” faz não é sequer conservar, mas retroceder.
    Haveria muito o que mostrar de crítica progressista a esse tipo de lei, fora a questão da imbecilidade técnica de uma lei dessas, que possui muito mais um valor simbólico do que prático. Mas não acho que seja necessário ter esse trabalho aqui.

  17. Tomei tardiamente conhecimento de um texto interessante:
    http://www.soumaiscasper.com.br/ffcl/filosofias-feministas/
    É gratificante saber que a discussão de um artigo do Passa Palavra foi tão animada que «deixou as mediadoras quase sem voz». Pela parte que me toca, também fiquei aliviado ao ter conhecimento de que «ester[e]otipar o homem como sendo inútil, incapaz ou como alguém que merece ser castrado, de fato, não deve ser considerada uma atitude feminista». Mas o que sucederia se um homem ou um grupo de homens proclamasse com toda a candura que não pretendia extirpar os ovários das mulheres? A isto chegámos.

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